Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA EFICÁCIA COMUNICAÇÃO DO PROJETO DE VENDA PROPOSTA DE CONTRATO ACEITAÇÃO DA PROPOSTA CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA EXECUÇÃO ESPECÍFICA CONSTITUCIONALIDADE DIREITO DE PROPRIEDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. A declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida e, nos casos em que contenha uma proposta contratual e seja fixado um prazo para a sua aceitação por parte do destinatário, mantém-se até findar esse prazo (arts. 224º, nº 1, e 228º, nº 1, al. a), do CC). II. A comunicação escrita para efeitos de ser exercitado o direito de preferência, com indicação dos elementos essenciais do projeto de venda (identificação do terceiro interessado, preço e prazo para a outorga da escritura) traduz uma verdadeira proposta venda que, uma vez recebida e aceite pelo titular do direito de preferência, não pode ser revogada pelo obrigado à preferência. III. A conjugação entre essa proposta contratual e a declaração de aceitação emitida pelo titular do direito de preferência e recebida pelo obrigado à preferência permite afirmar a existência de um contrato-promessa de compra e venda. IV. Perante a recusa do obrigado à preferência em celebrar o contrato de compra e venda, é legítimo ao titular do direito de preferência obter judicialmente a execução específica daquela promessa de venda, nos termos do art. 830º, nº 1, do CC. V. Depositado o preço referente à venda projetada, o tribunal deve proferir sentença que substitua a declaração negocial do faltoso, sem que possa considerar-se estar em causa a ofensa do direito de propriedade constitucionalmente garantido. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I - A HERANÇA ILÍQUIDA e INDIVISA aberta por óbito de AA, representada por todos os seus herdeiros, BB, cabeça-de-casal, CC e DD, intentou contra EE e marido FF, ação declarativa comum, através da qual pretende que seja proferida sentença que produza todos os efeitos da declaração negocial dos RR. faltosos, declarando transmitido a favor da autora a ½ indivisa do prédio rústico que confronta do norte com GG, Caminho e Outros, sul com HH e Caminho, nascente com II e Outros e poente com JJ e Caminho, situado no lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., com o artigo matricial rústico da freguesia ... ..78º e descrito na CRP ... sob o nº 49, compropriedade dos RR. Alegou para o efeito, e no essencial, que é comproprietária de metade indivisa do prédio rústico que identifica, sendo os RR. comproprietários da outra metade; Os RR. notificaram a A. da intenção de venda da sua metade indivisa do prédio, para, querendo, exercer o direito de preferência que lhe assiste, tendo a autora comunicado a intenção de exercer tal preferência; Os RR. remeteram comunicação, a desistir da intenção da venda, o que a A. não aceita, por entender que a proposta de venda se tornou irrevogável, nos termos do art. 230º do CC, sendo que, com a comunicação para exercício do direito de preferência e a aceitação, ambas por escrito, se constituiu um contrato-promessa de compra e venda, suscetível de execução específica. Os RR. contestaram, excecionando a ilegitimidade ativa da A., assim como a falta de constituição de advogado e a falta de mandato. Invocaram igualmente a exceção perentória de caducidade do exercício do direito de preferência pela A. Por impugnação, alegaram que não ocorre a alegada irrevogabilidade da proposta de venda. Desde logo, porque o invocado direito da A., é um direito resultante da lei e não de contrato, sendo os RR. obrigados a notificar a A. do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato, sem que, contudo, a notificação feita pelo obrigado à preferência ao titular do direito de preferência, do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato, se traduza numa proposta de contrato dirigida ao preferente. Trata-se de uma mera informação de um projeto de contrato que se tem com terceiro, dando-lhe, por isso, a oportunidade de preferir no projetado negócio, ficando o obrigado à preferência com a possibilidade de desistir do projetado negócio, porquanto a notificação que efetuou não corresponde a uma proposta contratual. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedentes as exceções dilatórias suscitadas e a exceção perentória de caducidade. Mais se decidiu em julgar a ação improcedente, absolvendo os RR. do pedido. A A. apelou e a Relação, por acórdão, revogou a decisão recorrida e determinou transmitido a favor da A., por venda daqueles, a metade indivisa do prédio rústico que confronta do norte com GG, caminho e outros, sul com HH e caminho, nascente com II e outros e poente com JJ e caminho, situado no lugar ..., freguesia ..., Concelho de ..., com o artigo matricial rústico nº ...78, da freguesia ..., e descrito na CRP ... sob o nº .....49, de que os RR. são comproprietários. Os RR. interpuseram recurso de revista em que no essencial concluíram: Os recorrentes notificaram a recorrida para o exercício do direito de preferência ao abrigo do disposto no art. 1380º do CC, não comunicando à recorrida as cláusulas do contrato de compra e venda proposto, pelo que, por esse motivo, não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 416º do CC, sendo ainda de salientar que também não seria aplicável à recorrida o disposto no art. 1380º do CC, porquanto a mesma é comproprietária do prédio rústico e não proprietária de um terreno confinante. A recorrida tem direito de preferência numa eventual venda da metade indivisa que é propriedade dos recorrentes, mas os recorrentes não emitiram qualquer declaração negocial destinada a operar a venda, mas apenas visaram comunicar à recorrida o projeto de alienação que foi delineado por um terceiro interessado, Sr. HH, de acordo com a proposta por este apresentada, não pretendendo com tal comunicação apresentar qualquer proposta contratual à A. Os recorrentes, por questões de índole pessoal, designadamente relativas à separação de facto do casal, que ocorreu nos finais de julho de 2019, perderam o interesse na realização do aludido negócio, sendo este o real motivo que os levou, à desistência da projetada venda do referido imóvel, cujo preço serviria para a sinalização de um contrato promessa de compra e venda de uma moradia, que se destinaria a casa de morada de família do casal. A interpretação da declaração emitida pelos recorrentes deve ser efetuada de acordo com o estatuído nos arts. 236º e ss. do CC, e, tratando-se de um negócio formal, o art. 238º do CC determina que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento. Nunca os recorrentes pretenderam assumir a posição de promitentes vendedores do referido terreno, uma vez que nem sequer dirigiram à recorrida qualquer proposta de compra, simplesmente limitando-se a apresentar um projeto de compra que estaria a ser delineado por um terceiro, sem qualquer compromisso ainda firmado com o terceiro ou com a recorrida, sendo, por essa razão, livres de decidir qual o destino a dar ao imóvel sua propriedade, no sentido de vender ou não vender, ao abrigo do princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade, sob pena de ser violada a garantia fundamental da propriedade privada, prevista no art. 62º, nº 1, da CRP, e o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18º, nº 2. Após análise cuidada das duas posições doutrinárias e jurisprudenciais mencionadas no acórdão recorrido, é possível constatar que a querela surge sempre que está em causa o exercício do direito de preferência legal por um(a) arrendatário(a), de molde a tutelar e proteger o direito de preferência do arrendatário, designadamente no que concerne a possíveis e eventuais violações ou aproveitamentos financeiros e económicos dos senhorios, em detrimento do interesse social prioritário e preponderante do arrendatário, nomeadamente à sua habitação. Deverá sempre prevalecer o direito de propriedade dos ora recorrentes, de modo a proteger e respeitar, desde logo, o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida, garantido pelo art. 62º da CRP. Houve contra-alegações. Cumpre decidir. II – Factos provados: 1. A A. Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA é comproprietária de ½ indivisa de um prédio rústico situado em ....-...., freguesia ..., ..., que confronta do norte com GG, Caminho e Outros, Sul com HH e Caminho, Nascente com II e Outros e Poente com JJ e Caminho, com uma área de 31,0980 m2 inscrito na respetiva matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo matricial nº ...78 e descrito na CRP ... sob o nº …….49. 2. os RR. EE e FF são os comproprietários da outra ½ indivisa do prédio rústico referido. 3. A A. Herança Ilíquida e Indivisa foi notificada na pessoa da sua cabeça-de-casal, através de carta registada com AR, sob o registo postal com a refª …930PT, remetida pelos RR. EE e FF, da intenção de venderem tal prédio, para efeitos do exercício do direito de preferência. Daí consta que: “Na qualidade de proprietária de ½ indivisa do prédio rústico sito no ..., freguesia ......, artigo rústico ...78, venho informá-los que pretendo vender a HH … o prédio acima identificado pelo preço de € 60.000,00, a escritura será realizada no prazo máximo de um mês a contar da data da notificação. Assim, queiram no prazo de 10 dias a contar da data da receção da carta se pretendem ou não exercer o direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil”. 4. No dia 22-7-19, a A. Herança Ilíquida e Indivisa endereçou uma missiva assinada por todos os seus herdeiros aos RR. EE e FF, manifestando o desejo de preferir na venda e declarando expressamente que exerce o seu direito de preferência, nomeadamente nas normas dos arts. 1409º, 416º a 418º do CC relativamente à ½ indivisa do prédio sito no Lugar ..., Freguesia ..., artigo rústico nº ....78. Em tal missiva se refere, além do mais, que: “… manifesta para todos os efeitos legais que deseja preferir na venda, conforme interpelações de Vª Exª”. Que “… exerce o seu direito de preferência previsto nos artigos 1409º, 416º a 418º do Código Civil relativamente à ½ indivisa do prédio …”. Que “para o efeito, os herdeiros da herança de AA agradecem e ficam a aguardar que V. Exas comuniquem a data, hora e local da realização da escritura de compra e venda”. E que “o valor da venda será pago no ato de assinatura da escritura a celebrar até ao dia 11-8-2019”. 5. A A. comunicou que o valor da venda seria pago no ato da assinatura da escritura, a celebrar até ao dia 11-8-19. 6. Tal missiva foi enviada por carta registada com aviso de receção e recebida pela R. EE no dia 23-7-19. 7. No dia 1-8-19, a A. Herança indivisa recebeu nova missiva assinada pelos R R. EE e FF, nos seguintes termos: “Na qualidade de proprietária de ½ herança indivisa do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ..., artigo ...78, venho informá-los que já não estou interessada na venda do prédio acima referido”. 8. No dia 7-8-19, a A. Herança Indivisa, através do seu mandatário, dirigiu nova missiva aos RR. EE e FF, onde manifestou a intenção de preferir, nas condições do projeto de venda que lhes foram comunicadas na proposta de venda constante da missiva recebida pela Herança de AA no dia 11-7-19, e que aguarda pela marcação da data, hora e local da escritura de compra e venda. 9. A A. comprovou o depósito do preço devido pela preferência na venda e comunicado na missiva recebida no dia 11-7-19, através de depósito autónomo com a ref.ª de pagamento ...401. III – Decidindo: 1. Está em causa essencialmente apreciar os efeitos jurídicos que emergem da conjugação entre a comunicação prevista no art. 416º, nº 1, do CC, feita por aquele que está obrigado a conceder o direito de preferência na venda de um bem, e a declaração de aceitação emitida pelo titular do direito de preferência. Em concreto, apreciar se da conjugação das duas declarações escritas é permitido extrair a outorga de um contrato-promessa de compra e venda cujo incumprimento seja suscetível de execução específica promovida pelo preferente. Complementarmente ainda se apreciará se a solução que for extraída no sentido de confirmar o acórdão recorrido encontra algum obstáculo ao nível da constitucionalidade. 2. Quem estiver legal ou contratualmente obrigado a dar preferência na compra e venda de algum bem é obrigado a comunicar ao titular desse direito os elementos essenciais do contrato projetado, concedendo-lhe um prazo para declarar se aceita ou não a preferência, nos termos do art. 416º, nº 1, do CC. Por seu lado, atento o disposto no art. 224º, nº 1, a declaração negocial (qualquer declaração negocial) que seja dirigida a um destinatário certo torna-se eficaz quando chega ao seu poder ou é dele conhecida. E, nos casos em que tal declaração traduza uma proposta contratual sujeita a um prazo determinado, obriga o declarante enquanto não findar o prazo por ele fixado, nos termos do art. 228º, nº 1, al. a). Ademais, salvo se alguma declaração em contrário for inserida em tal proposta, a mesma é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário, como o determina o art. 230º, nº 1. 3. No caso concreto, estando os RR. interessados na venda de uma quota de ½ de um prédio rústico e tendo um interessado nessa aquisição, remeteram à A. Herança Indivisa uma comunicação que integrava os elementos essenciais da projetada venda, com indicação não apenas do terceiro interessado, como do preço pelo qual a venda seria realizada e do prazo dentro do qual a escritura seria outorgada. Além disso, fixaram à destinatária um prazo para se pronunciar. Os RR. atuaram deste modo não por qualquer capricho ou curiosidade quanto ao apuramento de um hipotético interesse da A. na compra da outra metade do prédio rústico, antes motivados pelo facto de a tal estarem legalmente obrigados, atenta a relação jurídica de compropriedade que existia e da qual emergia o direito legal de preferência a favor da A., nos termos do art. 1409º, nº 2, do CC. Em face da clareza da comunicação que dirigiram à A. de modo algum se justifica uma interpretação no sentido de a mesma corresponder a uma mera inquirição destinada a apurar as suas intenções perante uma hipotética venda que viesse a ser feita, traduzindo uma verdadeira proposta contratual a que estava subjacente a intenção de proceder à venda da quota na compropriedade a um terceiro. Assim o impõem as normas dos arts. 236º e 238º do CC que regulam a interpretação das declarações negociais, resultando inequivocamente do teor da declaração uma verdadeira proposta para contratar emitida pelos RR. Em contraponto, também a resposta que posteriormente foi remetida pela A. e recebida pelos RR. não deixava qualquer margem para dúvidas quanto à aceitação daquela proposta de venda. Por estes motivos, estão reunidos todos os requisitos para se considerar que, tendo sido recebida e aceite pela A. a proposta contratual que continha os elementos essenciais de uma venda que estava a ser projetada, a mesma era irrevogável dentro do prazo que foi fixado pelos RR., obstando, por isso, à eficácia de uma segunda declaração dos mesmos RR. que traduzisse uma desistência. Nas circunstâncias que a matéria de facto apurada revela não encontra fundamento legal a ideia exposta pelos RR. acerca da livre revogabilidade daquela proposta sustentada num alegado arrependimento fruto das modificações que terão ocorrido no relacionamento entre ambos os RR. Estes são aspetos a que a A. é alheia e que, sem base legal, não permitem tornar ineficaz a declaração séria que por ambos foi emitida. É verdade que, como foi descrito no acórdão recorrido, a qualificação como proposta para contratar da declaração emitida pelo obrigado à preferência, ao abrigo do art. 416º do CC, não encontra na jurisprudência ou na doutrina unanimidade. Contudo, sem ocultar a necessidade de analisar o teor das declarações, não existem razões de fundo que obstem a que, no caso concreto, aquela primeira comunicação seja interpretada com o sentido de uma verdadeira proposta contratual, tese que, aliás, encontra maior eco na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, como se afirma no Ac. de 27-11-18, 14589/17, www.dgsi.pt: “verifica-se divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto à questão de saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, tendo-se por largamente dominante a primeira posição”. De resto, é este o regime que explicitamente está previsto no art. 1028º, nº 2, do CPC, para os casos em que a notificação para preferência é realizada no âmbito do correspondente processo judicial, aí se prevendo que, uma vez convocado o preferente, se o contrato não for outorgado dentro do prazo de 20 dias, aquele pode depositar o preço à ordem do tribunal. Sinal seguro de que, uma vez promovida e concretizada a notificação para exercício do direito de preferência, não é legítima a desistência por parte do obrigado à preferência. 4. Discorda-se, assim, da tese inversa que pretende encontrar na comunicação prevista no art. 416º do CC a mera informação, sem efeito vinculativo, de que o remetente pretendia proceder à venda do bem sobre que incidia o direito de preferência. Igualmente se rejeita a desqualificação, como verdadeira proposta contratual, de uma comunicação que, como ocorreu no caso, continha os elementos essenciais do contrato de compra e venda que o obrigado pretendia outorgar com terceiro. Encontra melhor correspondência no direito positivo a tese inversa que, entre outros, é defendida por Pires de Lima e Antunes Varela e Galvão Teles, citados no acórdão recorrido, assim como de Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, vol. I, pp. 225 e 226, ou Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, pp. 144 e 145. Mais recentemente é esta a tese que se encontra exposta no Código Civil Comentado, vol, II, Coord. de Menezes Cordeiro, pp. 206 e 207, onde se acentua que a comunicação para preferência comporta um projeto de contrato quando se encontra devidamente caracterizada, com um clausulado que contenha os elementos essenciais que relevam para a formação da vontade de preferir ou não preferir e designadamente com identificação do terceiro interessado. É esta também a solução que se encontra na generalidade da jurisprudência deste Supremo Tribunal de justiça, como o revela o recente Ac. de 9-3-21, 3218/19, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: I. A notificação extrajudicial a que alude a norma do art. 416º do CC e que contenha os elementos necessários à decisão do titular do direito de preferência consubstancia uma proposta contratual e a declaração de vontade que o mesmo emita, na sequência dessa notificação, de exercer o direito (potestativo), uma vez recebida pelo vinculado à prelação, perfecciona o contrato, mesmo que sujeito a forma, desde que esta seja observada pela comunicação do obrigado e pela resposta do preferente. II. No caso em apreço, como as comunicação e resposta foram contidas em documentos que, embora assinados, não preencheram os especiais requisitos formais previstos no art. 875º do CC, de que a celebração do contrato dependeria (por se tratar de um imóvel), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. art. 410º, nº 2, do CC) com as respetivas consequências. III. O direito legal de preferência tem eficácia real e, no caso de incumprimento, fica o devedor vinculado à realização do negócio e o preferente investido no direito potestativo de exigir que, por decisão judicial, seja constituído o seu direito de propriedade sobre a coisa, não podendo o obrigado desistir do negócio projetado. Também assim o Ac. do STJ, de 21-2-06, 05B3984, www.dgsi.pt: 1. Tal como acontece no caso de notificação judicial para preferência, também no caso da notificação extrajudicial se torna irrevogável a proposta de venda. 2. Neste caso, constitui-se um contrato-promessa entre o proponente e o aceitante, suscetível de execução específica. Outrossim o Ac. do STJ, de 15-6-89, BMJ 388º/479 e 077646, www.dgsi.pt: I - A comunicação judicial ou extrajudicial do projeto de venda ao preferente para este declarar se pretende exercer o seu direito vincula o proprietário, desde que chegue ao seu poder ou conhecimento no prazo estipulado a respetiva aceitação, a realização do negocio com o preferente, ficando este, havendo incumprimento, investido no direito potestativo, correspondente a uma verdadeira execução especifica, de se constituir titular do direito de propriedade sobre a coisa mediante decisão judicial. 5. Perante a aceitação por parte do preferente notificado da proposta, os efeitos de tal declaração variam em função das formalidades exigidas para a outorga do contrato de compra e venda. Efetivamente, nos casos em que estejam reunidos todos os requisitos de ordem formal e material podemos concluir pela outorga do contrato a que a proposta se refere. Porém, tal efeito não pode ser aplicado de forma generalizada, devendo ser recusado em casos, como o presente, em que a outorga do contrato definitivo obedece a requisitos formais que não resultam ainda totalmente preenchidos. Com efeito, quando a proposta se refira a um contrato de compra e venda de bem imóvel ou de quota em compropriedade imobiliária é exigida a escritura pública ou documento particular autenticado para a outorga desse contrato (art. 875º do CC). Por seu lado, se outro regime não for convencionado, a celebração do contrato de compra e venda, para além de ter como efeito a transmissão da propriedade, implica para o vendedor a obrigação de entregar a coisa e para o comprador a obrigação sinalagmática de pagar o respetivo preço (art. 879º). Por isso, na generalidade dos casos em que as declarações são emitidas no âmbito do exercício do direito de preferência, a figura jurídica que mais se adequa é a do contrato-promessa de compra e venda se e na medida em que tais declarações contenham os elementos formais essenciais à outorga de tal contrato preparatório, nos termos do art. 410º, nº 1, do CC. Trata-se de solução que igualmente encontra a adesão da generalidade da doutrina e designadamente dos autores acima citados, assim como da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, como o sugerem os arestos anteriormente identificados. 6. No caso concreto, a declaração que foi emitida pelos RR. reúne todos os elementos de uma verdadeira proposta contratual correspondente a uma promessa de venda. E sendo uma declaração recetícia, o seu recebimento por parte da A. e a posterior remessa de uma resposta afirmativa dentro do prazo que foi fixado pelos RR. permitem identificar uma relação jurídica que reúne todos os requisitos formais e materiais de um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, nos termos do art. 410º, nº 1, do CC. Por conseguinte, não existe fundamento para admitir a tese defendida pelos RR., aderindo-se integralmente à solução assumida no acórdão recorrido e respetiva fundamentação, no sentido da qualificação jurídica do relacionamento estabelecido entre os RR. e a A. como um contrato-promessa de compra e venda. E uma vez que os RR. se recusaram a outorgar a escritura de compra e venda, justifica-se o desenlace que decorre do disposto no art. 830º do CC, uma vez que se encontra depositado o preço que foi acordado. 7. Contra o que advogam os RR., não existe qualquer motivo para assacar ao regime jurídico assim interpretado a ofensa ao direito de propriedade constitucionalmente garantido, pois estamos em sede da extração de efeitos jurídicos que emergem de uma atuação voluntária dos mesmos quando, predispondo-se a alienar a sua quota na compropriedade a um terceiro interessado, comunicaram à A. esse projeto para que esta exercesse o seu direito legal de preferência. IV – Face ao exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas da revista a cargo dos RR. Notifique. Lisboa, 14-10-21 Abrantes Geraldes (relator) Tomé Gomes Maria da Graça Trigo |