Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO REQUISITOS DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA EFICÁCIA DOMICÍLIO SENHORIO ARRENDATÁRIO AVISO DE RECEÇÃO FORMALIDADES AD PROBATIONEM CONFISSÃO JUDICIAL | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I — O aviso de recepção é exigido pelo n.º 1 do artigo 9.º e pelo e 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, para prova de que a carta foi efectivamente recebida pelo arrendatário. II — O n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, não impede o envio da segunda carta antes de terminado o prazo de 30 dias sobre o envio da primeira. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recorrentes: AA e mulher BB Recorrido: CC I. — RELATÓRIO 1. AA e mulher BB propuseram a presente acção com processo comum contra CC e DD, pedindo: I. — que o contrato de arrendamento da fracção autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ... freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41 seja declarado extinto por oposição à renovação; II. — que os Réus sejam condenados a entregar aos Autores a fracção autónoma descrita; III. — que os Réus sejam condenados, de forma solidária, no pagamento de indemnização pelo atraso na restituição do locado, “que, no momento [da propositura da acção], perfa[ria] o valor global de € 2.650,00 (dois mil seiscentos e cinquenta euros)”; IV. — que os Réus sejam condenados nas custas e nos demais encargos processuais com a presente acção. 2. Os Réus CC e DD contestaram. 3. O Réu CC defendeu-se por impugnação, alegando que não tinha sido cumprido o prazo legal para a oposição à renovação do contrato de arrendamento. 4. A Ré DD defendeu-se por impugnação e por excepção, alegando o benefício da excussão. 5. Em requerimento de 6 de Setembro de 2023, os Autores AA e mulher BB desistiram do pedido relativamente à Ré BB. 6. A desistência foi homologada por sentença de 22 de Setembro de 2023. 7. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente procedente. 8. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor: “Nos termos supra expostos, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência: a) declaro que o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores AA e BB e o Réu CC cessou em 31 de agosto de 2022; b) condeno o Réu CC a entregar aos Autores AA e BB o locado (fração autónoma designada pela letra “C” sita na Rua ... freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41); c) condeno o Réu CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 2.650,00 (dois mil, seiscentos e cinquenta euros). Custas pelo Réu”. 9. Inconformado, o Réu CC interpôs recurso de apelação. 10. O Tribunal da relação julgou o recurso totalmente procedente. 11. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor: Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso procedente e, em consequência: i. Revoga-se a decisão recorrida; ii. Absolve-se o Réu de todos os pedidos. Custas da acção e do recurso pelos Recorridos (artº 527, nº1 e 2, do C.P.C.). 12. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista. 13. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: I. Salvo o devido respeito, não poderia desde logo, e atendendo à fundamentação apresentada proceder o recurso na integra, quando o Acórdão refere expressamente que, e no que diz respeito a um dos fundamentos do recurso apresentados pelo Autor, referente ao prazo de oposição à renovação ser de 240 dias. II. A proceder o recurso, o mesmo não poderia ter procedido na integra, quando, parte (muito significativa) do mesmo, como seja o pretender o Réu/Apelante fixar em 240 dias a antecedência mínima para a oposição à renovação, o Douto Acórdão que se recorre não lhe atribui razão, mantendo assim os 120 dias conforme a sentença proferida em primeira instância. III. Ou seja, e salvo melhor entendimento e desde já respeitando opinião diversa, o recurso interposto, tinha como fundamento, genericamente, o prazo de antecedência mínima para a oposição à renovação a ser transmitida pelos Autores ao Réu, sendo que este último recorreu da decisão de primeira instancia que fixou os 120 dias de antecedência, IV. Tendo, o Tribunal da Relação do Porto, com a devida vénia, mantido tal parte da sentença, nunca, poderia ter julgado totalmente procedente o Recurso interposto, mas apenas parte do mesmo, devendo condenar em custas tendo em conta tal realidade, sendo este um motivo de que se Recorre para o Supremo Tribunal de justiça, V. O Douto Tribunal da Relação, admite como válido que os Autores possam enviar, valida e legalmente uma comunicação para oposição à renovação de contrato de arrendamento com antecedência muito superior à devida, já que, admite que a antecedência seria de 120 dias, a missiva foi enviada com mais de 240 dias. No entanto, e no que diz respeito ao envio da segunda carta remetida pelo facto do Réu não ter levantado a primeira comunicação, o Tribunal não admite que a mesma seja enviada de forma antecipada à legalmente exigida - sendo que devia, faze-lo, no seu compreender apenas e somente após 30 dias do envio da primeira. VI. Não pode o Autor, aqui recorrente concordar com tal posição do Tribunal, ora porque, e salvo a expressão, se admite o mais, dever-se-á admitir o menos, ou seja, admitindo que a primeira carta seja enviada com prazo superior a 120 dias - mais de 200 -(sendo que a lei determina que deve ser enviada com 120 dias de antecedência), deve também ser admitido que a segunda missiva seja enviada com período inferior aos 30 dias, não podendo tal prazo ser imperativo. VII. Com efeito, a imposição de tal prazo de 30 dias após o envio da primeira (no mínimo) para envio da segunda missiva de oposição à renovação, torna desde logo inexequível a oposição à renovação de contratos de duração inicial ou da sua renovação igual ou superior a seis meses e inferior a um ano, ou até no caso de contrato inferior a seis meses! É que, o artigo 1097.° do código civil, previa, nestes casos, um prazo de aviso de 60 dias ou um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação - alíneas c) e d). VIII. Na tese perfilhada pelo Douto Acórdão que se recorre, na eventualidade de um contrato ter duração de 1 ano, tendo o senhorio remetido a missiva de oposição à renovação do contrato com um prazo de 60 dias, e tal missiva sendo devolvida por não levantada pelo arrendatário, a probabilidade da segunda missiva ser validamente enviada pelo senhorio após a data inicialmente legalmente prevista é quase certa, pois, teria ainda mais 60 dias para enviar a segunda! O que faria com que, inúmeras vezes, os arrendatários rececionassem, e segundo o que entende o Tribunal de Relação, missivas em data posterior à data do términos do contrato. IX. Tendo, o legislador, segundo se crê, estabelecido tal moldura temporal, como limite de envio, e nunca como imposição de envio. X. Que sentido faz ter o senhorio que aguardar por 30 dias ou até 60 dias após o recebimento da primeira carta para o envio da segunda??? XI. Nos termos da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, os senhorios poderiam por termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato. - cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial XII. Ora, nos termos contratualizados, em bom rigor, foi aceite pelas partes que, independentemente do prazo de duração do contrato de arrendamento, os senhorios poderiam por termo ao contrato existente entre as partes, com uma antecedência nunca inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato. XIII. Em relação a tal prazo contratualmente estabelecido entre as partes, ao abrigo da liberdade contratual - 405.° do Código Civil - parecem não existir duvidas que o mesmo foi cumprido pelos Autores sendo tal aceite pelo Réu, como analisado pelo teor das duas peças processuais. XIV. Não obstante, os Autores, pretendendo dar cumprimento à lei, e ao estabelecido na mesma, impediram a renovação automática do contrato de arrendamento, remetendo carta registada com aviso de receção para o Réu, manifestando assim a sua vontade de resolução contratual, a vigorar a partir da data de 31 de agosto de 2019, missiva essa que foi enviada na data de 17 de dezembro de 2021 e com a antecedência bem superior a 240 (duzentos e quarenta dias) e até 120 (cento vinte dias) exigida pelo artigo 1097.° do Código Civil - tanto na nova como na anterior redação. XV. Tal carta veio devolvida, porque não reclamada pelo remetente, aqui Recorrido XVI. Assim, e em cumprimento novamente da lei, - artigo 10.° n.° 3 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro - os Autores remetido nova carta, com o mesmo teor, registada com aviso de receção, datada de 03 de janeiro de 2022, carta essa que veio novamente devolvida porque não reclamada pelo Réu. XVII. Os Autores, e por mera cautela enviaram nova carta a 03 de janeiro de 2022, ou seja, depois de passados 17 (dezassete) dias sobre o envio da primeira, sendo assim zelosos para que o Réu rececionasse o quanto antes a intenção de não renovação. XVIII. Foi o Réu arrendatário alertado na missiva enviada pela mandataria subscritora de que, apesar de não ter procedido ao levantamento das missivas/comunicações (que foram remetidas em cumprimento do artigo 10.° n.° 2 alínea c) e n.° 3 do mesmo artigo - Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro), a lei determina que a comunicação posterior se considerava rececionada pelo mesmo. XIX. Tendo apenas o Réu rececionado a missiva quando enviada pela mandatária dos Apelados, sendo que, no que diz respeito a tal missiva, o Douto Acórdão refere que tal missiva não foi valorada porque não enviada registada com aviso de receção. XX. O Réu rececionou a missiva remetida pela mandatária do Autores, nunca colocando tal recebimento em causa, mas apenas e somente o formalismo.... Acontece que o recebimento, foi comprovado pelo Documento n.° 5 junto requerimento referencia ......00 de 18 de janeiro de 2023 em conjunto com Documento n.° 2 junto em tal requerimento. Devendo assim tal missiva ser admitida como válida que não foi. XXI. Devendo assim tal missiva ser valorada, tal como as demais, como validamente rececionada, XXII. O que o Réu alega, genericamente é que recebeu a missiva!! Tenho conhecimento do seu teor, mas a lei obrigada a que seja enviada com aviso de receção XXIII. Não pode o Tribunal aceitar tal postura processual, e não permitir a cessação contratual com base em tais argumentos. XXIV. Não obstante, sempre se dirá que, não obstante o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação ser em sentido diverso, compreendem os Autores que, o Domicilio convencionado e tudo que tal convencionalismo acarreta, será de aplicarão caso em concreto XXV. As cartas foram enviadas pelos Autores para o domicílio convencionado -clausula décima nona do contrato de arrendamento junto como documento n.° 2 da petição inicial. XXVI. Como se sabe, com a estipulação de domicílio convencionado fica o senhorio dispensado de remeter uma segunda carta ao arrendatário, quando este não levante a primeira no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. XXVII. Pelo que, é entendimento dos Autores que, sendo estabelecido domicílio convencionado (como no caso dos autos) não era sequer necessário aos Autores remeter a segunda comunicação! Mas ainda assim, estes últimos enviaram nova missiva, XXVIII. O Réu, conhecedor e devidamente notificado para o efeito, não se opôs à oposição de renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, aceitando-a. XXIX. Os Autores, ou a mandatária subscritora, não rececionaram qualquer resposta à comunicação devidamente rececionada. XXX. O Réu aceitou a oposição sem reservas. XXI. Acontece que, o Réu não entregou o imóvel livre dos seus bens, nem na data de 31 de agosto de 2022 (data de resolução contratual), nem até aos dias de hoje, mantendo na sua posse as chaves do locado. XXXII. Sendo de se aceitar como válidas as comunicações de oposição à renovação aliás como doutamente decidido na sentença que se recorre. XXXIII. Pretendem os Autores a condenação do Réu no pagamento de indemnização, correspondente ao valor da renda em dobro, nos termos do art. 1045.°, n.° 2, do Cód. Civil, contabilizada no valor de € 2.650,00, desde Setembro de 2022 até à data da instauração da presente acção, sendo o fundamento o atraso na restituição do locado. Devendo o Tribunal concluir que ocorreu a cessação do contrato de arrendamento com fundamento na oposição à sua renovação automática, dever-se-á decidir como já decido na primeira instancia e condenar o Réu no pagamento de tal indemnização e custas processuais. Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogado o Acórdão proferido aqui Recorrido, como é de inteira JUSTIÇA! 14. O Réu CC contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso. 15. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: 1.- As “conclusões” apresentadas pelos recorrentes não são mais do que uma cópia/reprodução de partes da motivação, violando, assim, o previsto no artº 639 CPC, devendo, por este motivo, ser o recurso rejeitado. 2.- Caso assim não se entenda, deve o mesmo recurso ser indeferido, porque, ao contrário do referido na motivação e “conclusões” o acórdão não merece qualquer reparo, porque justo. 3.- O acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” faz uma correcta, ponderada e rigorosa apreciação da prova documental, não sendo merecedor de qualquer censura. 4.- As considerações efectuadas no recurso interposto pelos recorrentes estão ferida de qualquer validade, não tendo, qualquer sustentabilidade na prova documental e na lei. 5.- Os recorrentes não deram cumprimento às disposições legais a que estavam obrigados. 6.- O recorrido quando recebe a oposição à renovação por parte dos senhorios, aqui recorrentes, não tem que responder. Os aqui recorrentes, devem cumprir com as disposições legais em vigor para que a oposição à renovação seja válida e eficaz, o que não aconteceu. TERMOS EM QUE E COM O SEMPRE DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXª DEVE O RECURSO SER REJEITADO OU INDEFERIDO, MANTENDO-SE O ACORDÃO PROFERIDO NOS SEUS EXACTOS TERMOS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA. 16. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: — se a antecedência mínima necessária para a oposição à renovação do contrato de arrendamento concluído em 10 de Agosto de 2015 entre os Autores, agora Recorrentes, e o Réu, agora Recorrido, é de 60 dias 1, de 120 dias 2 ou de 240 dias 3; — se a comunicação de 17 de Dezembro de 2021 era por si só suficiente para que o contrato de arrendamento cessasse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022; em caso de resposta negativa, — se, atendendo ao facto dado como provado sob o n.º 5, a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021 e em 3 de Janeiro de 2022 era suficiente para que o contrato de arrendamento cessasse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022 em caso de resposta negativa, — se, atendendo ao facto dado como provado sob o n.º 6, a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021, em 3 de Janeiro de 2022 e em 5 de Abril de 2022 é suficiente para que o contrato de arrendamento cesse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 17. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes: 1. Através de escrito particular intitulado “Contrato de Arrendamento Habitacional com Prazo Certo e com Fiança”, outorgado em 10 de agosto de 2015, entre os Autores e o Réu, aqueles deram de arrendamento a este, pelo prazo de um ano com início a 01 de setembro de 2015 e termo a 31 de agosto de 2016, renovável por iguais e sucessivos períodos de um ano salvo se denunciado por qualquer das partes nos termos da lei, a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ..., ..., inscrita na matriz sob o artigo ...41-C e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..73, mediante o pagamento da renda anual de € 6.360,00, pagável em duodécimos de € 530,00. (artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º). 2. Nos termos da alínea c) da cláusula terceira do contrato de arrendamento outorgado entre as partes, os Autores/senhorios poderiam pôr termo ao contrato desde que, por escrito e por carta registada com aviso de receção, o comunicassem ao Réu/inquilino com uma antecedência não inferior a 60 (sessenta) dias do termo do contrato; 3. Através de carta registada com aviso de receção enviada a 17 de dezembro de 2021, remetia pelos Autores ao Réu, aqueles comunicaram-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022, solicitando a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza em que se encontrava à data da celebração do contrato, devendo proceder à entrega das chaves. (artigo 6.º) 4. Essa carta foi devolvida com a menção “objeto não reclamado”; (artigo 7.º) 5. Os Autores remeteram ao Réu, a 03 de janeiro de 2022, nova carta registada com aviso de receção, com o mesmo teor, a qual veio a ser devolvida com a menção “objeto não reclamado”. (artigo 8.º) 6. Após as devoluções das missivas referidas nos pontos 3 e 5 dos factos considerados assentes, a Ilustre Mandatária dos Autores enviou a 5 de Abril de 2022, ao Réu que a recebeu no dia 7 de Abril de 2022, a carta registada, com o assunto “oposição à renovação de contrato de arrendamento – Esclarecimento”, constando da mesma o seguinte: ..., 05 de Abril de 2022 Exmo. Senhor, Os m/ melhores cumprimentos, Venho pelo presente, na qualidade de mandatária do Exmo. Senhor AA, e esposa BB, proprietários e senhorios da fração autónoma designada pela letra "C" sita na ..., ... freguesia de ..., descrita na conservatória do registo predial de ... sob o número ..73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.º ...41, do qual V. Exa. é arrendatário, relembrar que o aludido locado deverá ser entregue aos m/constituintes livre de pessoas e bens assim como no estado de conservação e limpeza que lhe foi entregue, até ao próximo dia 31 de agosto de 2022. Como é do seu conhecimento, tal entrega decorre da comunicação que lhe foi dirigida pelos m/ constituintes com a antecedência legal prevista no artigo 1097. do Código Civil, de oposição à renovação do contrato de arrendamento. Sendo que denoto que, apesar de V. Exa. não ter procedido ao levantamento das missivas/comunicações (que foram remetidas em cumprimento do artigo 10.º n.º 2 alinea c) e n.º 3 do mesmo artigo - Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), a lei determina que a comunicação em causa se considera rececionada por V. Exa. - cfr. n.º 4 da aludida norma legal, pelo que, a presente missiva apenas e somente tem por objetivo de reiterar e relembrar a V. Exa. o já anteriormente transmitido pelos m/ clientes. Assim, reitero a(s) comunicação(ões) antecipadamente prestadas de que o contrato de arredamento outorgado em 1 (um) de setembro de 2015 cessará os seus efeitos a partir de 31 DE AGOSTO DE 2022. 7. O Réu mantém na sua posse as chaves do locado e continua a pagar a renda mensal. O DIREITO 18. A primeira questão consiste em averiguar se a antecedência mínima necessária para a oposição á renovação do contrato de arrendamento concluído entre os Autores, agora Recorrentes, e o Réu, agora Recorrido, é de 60 dias 4, de 120 dias 5 ou de 240 dias 6. 19. A cláusula 3.ª do contrato de arrendamento para habitação concluído entre os Autores, agora Recorrentes, e os Réus, agora Recorrida, deve considerar-se nula, por ser contrária a uma norma legal imperativa — o artigo 1080.º do Código Civil determina que “[a]s normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário” e não há nenhuma disposição legal em contrário da imperatividade das normas sobre o prazo para a oposição à renovação. 20. Excluída a cláusula 3.ª do contrato de arrendamento, deve aplicar-se o artigo 1097.º do Código Civil. 21. O artigo 1097.º do Código Civil, com a epígrafe Oposição à renovação deduzida pelo senhorio, dispõe: 1. — O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2. — A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3. — A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4. — Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º 22. O arrendamento teve início em 1 de Setembro de 2015, pelo período de um ano 7. I. — Face ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto 8, renovou-se por períodos sucessivos de um ano em 1 de Setembro de 2016, 1 de Setembro de 2017 e 1 de Setembro de 2018. II. — A Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, alterou o n.º 1 do artigo 1096.º, dando-lhe a redacção seguinte: Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. III. — Face ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, Lei n.º 13/2019 9, o arrendamento renovou-se em 1 de Setembro de 2019, pelo período de três anos — até 31 de Agosto de 2022. 23. Ora, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2023 — processo n.º 1935/22.5YLPRT.E1.S1 —, o prazo de duração inicial e cada um dos prazos de renovação “não se somam” — devem apreciar-se “de forma autónoma”, atendendo-se só ao prazo em curso: a duração relevante para efeitos do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil era de três anos e, por conseguinte, o prazo de antecedência mínima para que os Autores, agora Recorrentes, comunicassem aos Réus, agora Recorridos, a oposição à execução era o prazo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil — ou seja, de 120 dias. 24. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que a antecedência mínima necessária para a oposição á renovação do contrato de arrendamento era de 120 dias. 25. A segunda questão consiste em averiguar se a comunicação de 17 de Dezembro de 2021 era por si só suficiente para que o contrato de arrendamento cessasse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. 26. Os artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, dispõem: Artigo 9.º — Forma da comunicação 1. — Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2. — As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3. — As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4. — Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5. — Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6. — O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7. — A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. Artigo 10.º — Vicissitudes 1. — A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2. — O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3. — Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4. — Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. […] 27. Interpretando o artigo 1097.º do Código Civil, em ligação com os artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 — processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1 — esclarece que “[a] declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício” e que a Lei n.º 6/2016 estabelece um regime específico para a eficácia da declaração de oposição à renovação que prevalece, como lex specialis, sobre o regime geral do artigo 224.º do Código Civil: “… exige-se que [a declaração de oposição à renovação] seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de recepção, (i) para o local arrendado, desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo havido convenção de domicílio, para esse local”. 28. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3 e 4 são do seguinte teor: 3. Através de carta registada com aviso de receção enviada a 17 de dezembro de 2021, remetida pelos Autores ao Réu, aqueles comunicaram-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022, solicitando a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza em que se encontrava à data da celebração do contrato, devendo proceder à entrega das chaves. (artigo 6.º) 4. Essa carta foi devolvida com a menção “objeto não reclamado” (artigo 7.º). 29. A comunicação de 17 de Dezembro de 2021 preenche todos os requisitos formais dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto: — é uma declaração escrita [assinada pelos Autores, agora Recorrentes], remetida por carta registada com aviso de recepção, para o domicílio convencionado do Réu, agora Recorrido 10. 30. O problema está tão-só em que a carta foi devolvida, por não ter sido levantada pelo Réu, agora Recorrido, no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 31. Ora, o artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, diz ou dá a impressão de dizer de que a regra de que a comunicação se considera realizada ainda que a carta seja devolvida 11 não se aplica às cartas que “sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais” 12. 32. Os Autores, agora Recorrentes, alegam que a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º deve interpretar-se sistematicamente, coordenando-a com a alínea b) do n.º 2. O segmento final da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º — salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior — deveria aplicar-se, directa ou indirectamente, às cartas da alínea c), ou seja, às cartas que “[fossem] devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais”. A convenção de domicílio determinaria que, desde que a primeira carta fosse remetida pelos Autores, agora Recorrentes, para o domicílio convencionado do Réu, agora Recorrido, a comunicação se consideraria realizada, ainda que a carta não tivesse sido levantada. Em consequência da convenção de domicílio, deveria dispensar-se os Autores, agora Recorrentes, do encargo ou do ónus de remessa de uma segunda carta. 33. Entrando na apreciação do argumento deduzido pelos Autores, agora Recorrentes, dir-se-á o seguinte: 34. A alínea b) do n.º 10 do artigo 10.º da Lei, n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, atribuiu à convenção de domicílio o efeito de dispensar o locador da remessa de uma segunda carta, desde que a primeira carta integre título suficiente para o procedimento especial de despejo, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 6/2006. 34. Ora o artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, determina que “… podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento: c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil”. 35. Os Autores, agora Recorrentes, alegam em substância que o caso sub judice preenche, simultaneamente, a previsão da alínea b) e a previsão da alínea c) — preenche a previsão da alínea b), por a carta enviada ao Réu integrar título para o procedimento especial de despejo e preenche a previsão da alínea c), por a carta ter sido devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. Como o caso sub judice preenchesse, simultaneamente, a previsão da alínea b) e a previsão da alínea c), deveria articular-se as duas disposições dando preferência à alínea b) — os Autores, agora Recorrentes, estariam dispensados da remessa de uma segunda carta. 36. O acórdão recorrido respondeu ao argumento dos Autores, agora Recorrentes, dando preferência à alínea c): “A lei não confer[ria] […] relevância à existência de domicílio convencionado, no caso de cartas devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais […]” e a situação do arrendatário seria diversa, conforme o arrendamento cessasse por oposição à renovação ou por resolução do contrato: na oposição à renovação, “o senhorio não necessita [de] invocar qualquer fundamento para a cessação do contrato”; na resolução do contrato de arrendamento, sim — “a extinção do contrato tem como fundamento [um] incumprimento das obrigações do arrendatário […] que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento”. 37. O resultado deverá subscrever-se, atendendo à relação sistemática entre a alínea c) do n.º 2 e a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012. A alínea c) do n.º 2 contribuirá porventura para a concretização do conceito de recusa do destinatário da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006 — com a alínea c) do n.º 2 esclarece-se que o facto de o arrendatário não ter levantado a carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais não significa ou, em todo o caso, não significa necessariamente que se tenha recusado a recebê-la. Contribuindo porventura para a concretização do conceito de recusa do destinatário, a alínea c) do n.º 2 determinará que não deva aplicar-se o n.º 1 do artigo 10.º ao caso sub judice. A comunicação não poderá considerar-se realizada por não se dar nenhuma das duas situações previstas no n.º 1 — e, em especial, por não se dar a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º 38. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2021 — processo n.º 15337/18.4T8LSB.S1 —, dir-se-á que a convenção de domicílio não é só por si suficiente para que se sustente a aplicação, por analogia, do segmento final da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012. 39. Em resposta à segunda questão dir-se-á que a comunicação de 17 de Dezembro de 2021 não é por si só suficiente para a cessação do contrato de arrendamento na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. 40. Face à resposta negativa à segunda questão, deverá formular-se a terceira: — se, atendendo ao facto dado como provado sob o n.º 5, a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021 e em 3 de Janeiro de 2022 é suficiente para que o contrato de arrendamento cesse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. 41. Os n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, dizem: 3. — Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4. — Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. […] 42. Em consonância com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 — processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1 — e de 23 de Junho de 2021 — processo n.º 15337/18.4T8LSB.S1 —, considera-se que o o procedimento descrito nos n.ºs 1-4 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, é um procedimento complexo necessário para que a declaração de oposição à renovação do arrendamento se torne eficaz. 43. A segunda carta, desde que preencha os requisitos do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, é uma condição de eficácia da declaração de oposição à renovação: “[…] a oposição só é eficaz se a carta for completada com uma nova carta, enviada igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do artigo 10.º do NRAU, sob pena de o senhorio não poder lançar mão do procedimento especial de despejo (artigos 10.º, n.º 2, al. b), e 15.º, n.º 2, al. c), do NRAU)” 13. 44. O caso está em averiguar se a segunda carta enviada pelos Autores, agora Recorrentes, ao Réu, agora Recorrido, preenche os requisitos do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na na redacção da Lei n.º 31/2012. 45. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação consideraram que não, por a segunda carta ter sido enviada antes do decurso do prazo de 30 dias sobre o envio da primeira — o facto dado como provado sob o n.º 3 diz-nos que a primeira carta foi enviada em 17 de Dezembro de 2021 e o facto dado como provado sob o n.º 5, que a segunda carta foi enviada em 3 de Janeiro de 2022, pelo que a segunda carta não teria sido enviada “decorridos que [fossem] 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta”. 46. Os Autores, agora Recorrentes, alegam que os prazos fixados na lei devem interpretar-se como fixação de prazos máximos e não (nunca) como fixação de um prazo mínimo — de 30 dias — e de um prazo máximo — de 60 dias — para o envio da segunda carta 14. 47. O problema suscitado pelo texto do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, é de alguma forma semelhante ao problema suscitado pelo texto do n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019. 48. O n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, dá a impressão de dizer que o senhorio não pode enviar a primeira carta antes de decorrido o prazo de 5 anos sobre o início do arrendamento e o n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, dá a impressão de dizer que o senhorio não pode enviar a segunda carta antes de decorrido o prazo de 30 dias sobre a primeira carta. 49. Ora o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que o n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, deve interpretar-se no sentido de que a primeira carta de declaração de oposição à renovação “pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria” 15 — a pari, deverá interpretar-se o n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, no sentido de que o envio da segunda carta pode ter lugar antes de terminado o prazo de 30 dias sobre o envio da primeira carta. 50. Os artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, exprimem uma preocupação de equilíbrio entre os interesses das partes: Por um lado, pretende-se proteger o interesse do inquilino, aumentando as probabilidades de que a declaração de oposição à renovação chegue efectivamente ao seu conhecimento; por outro lado, pretende-se proteger o interesse do senhorio, simplificando o procedimento para a cessação do arrendamento, “pois [se] acelera [a sua] efectivação” 16. 51. Ora não se consegue encontrar um interesse sério do inquilino em que a oposição à renovação chegue ao seu conhecimento efectivo mais tarde — depois de decorridos 30 dias sobre a data do envio da primeira carta— e não mais cedo — antes de decorridos 30 dias. 52. O resultado só pode ser reforçado pelo lugar paralelo do regime da citação postal. 53. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 — processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1 —, “não é inédita entre nós a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em pessoa diversa do citando, actuais artigos 228.º, n.º 2 e 233.º do Código de Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada com aviso de recepção”. 54. Em nenhum dos dois artigos se fixa um prazo mínimo para o envio da segunda carta: o artigo 228.º não fixa nenhum prazo, nem máximo nem mínimo, para o envio da segunda carta e o artigo 233.º fixa um prazo máximo de dois dias úteis. 55. Em resposta à terceira questão, dir-se-á então que a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021 e em 3 de Janeiro de 2022 é suficiente para que o contrato de arrendamento cesse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. 56. Face à resposta dada à terceira, fica prejudicada a quarta questão. 58. Em todo o caso, ainda que a resposta à terceira questão fosse negativa, sempre deveria averiguar se se, atendendo ao facto dado como provado sob o n.º 6, a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021, em 3 de Janeiro de 2022 e em 5 de Abril de 2022 é suficiente para que o contrato de arrendamento cesse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. 59. O Tribunal de 1.ª instância considerou que a carta enviada em 5 de Abril de 2022 era uma carta registada com aviso de recepção e que, como carta registada com aviso de recepção, preenchia os requisitos do n.º 3 do art. 10.º da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012. 60. O Tribunal da Relação considerou que a carta enviada em 5 de Abril de 2022 era uma carta registada sem aviso de recepção e que, como carta registada sem aviso de recepção, não preenchia os requisitos do n.º 3 do art. 10.º. 61. O facto de a carta ter sido ou não registada com aviso de recepção é em todo o caso insuficiente para decidir se estão ou não preenchidos os requisitos legais. 62. O aviso de recepção deve considerar-se uma formalidade ad probationem. 63. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2023 — processo n.º 1286/21.8TELSB.L1.S1 —, “[a] exigência de que as comunicações do arrendatário destinadas a extinguir o contrato de arrendamento sejam dirigidas, por carta registada com aviso de receção, para o domicílio do locado constante do contrato de arrendamento […] não constitui uma formalidade substancialmente constitutiva dos direitos extintivos. Constitui, sim, uma formalidade respeitante à segurança e certeza das comunicações entre as partes, destinada, na essência, a cumprir uma função probatória”. 64. O artigo 364.º do Código Civil contrapõe as formalidades ad substantiam e as formalidades ad probationem para permitir que a omissão das formalidades ad probationem seja suprida por confissão: 1. — Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 2. — Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório. 65. O art. 352.º do Código Civil define a confissão como “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” 17 e o artigo 355.º do Código Civil distingue a confissão judicial e a confissão extrajudicial, definindo confissão judicial como aquela que “é […] feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária”. 66. O Réu, agora Recorrido, confessou judicialmente que a carta enviada pelos Autores, agora Recorrentes, no dia 5 de Abril lhe foi entregue em 7 de Abril de 2022. 67. Fê-lo, designadamente, nas alegações do recurso de apelação, ao impugnar a decisão do Tribunal de 1.ª instância de dar como provado o facto descrito sob o n.º 6: I. — O Tribunal de 1.ª instância deu ao facto dado como provado sob o n.º 6 a redacção seguinte: Face às devoluções das ditas missivas, a Mandatária do Autores, enviou, a 06 de abril de 2022, nova carta registada com aviso de receção, entregue ao Réu a 07 de abril, reiterando as comunicações anteriormente enviadas pelos Autores, comunicando-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022 e solicitando a entrega do locado até essa data. II. — O Réu, agora Recorrido, impugnou o facto dado como provado sob o n.º 6, sustentando que deveria ter a seguinte redacção: Face às devoluções das ditas missivas, a Mandatária do Autores, enviou, a 05 de abril de 2022, nova carta registada, entregue ao Réu a 07 de abril, reiterando as comunicações anteriormente enviadas pelos Autores, comunicando-lhe que o contrato cessaria a 31 de agosto de 2022 e solicitando a entrega do locado até essa data. 68. A confissão judicial de que a carta foi entregue no dia 7 de Abril de 2022 supre a omissão da formalidade legal — em concreto, do aviso de recepção. 69. O Réu, agora Recorrente, alega que a carta entregue no dia 7 de Abril de 2022 não preenche os requisitos legais. 70. O facto dado como provado sob o n.º 6 é do seguinte teor: 6. Após as devoluções das missivas referidas nos pontos 3 e 5 dos factos considerados assentes, a Ilustre Mandatária dos Autores enviou a 5 de Abril de 2022, ao Réu que a recebeu no dia 7 de Abril de 2022, a carta registada, com o assunto “oposição à renovação de contrato de arrendamento – Esclarecimento”, constando da mesma o seguinte: ..., 05 de Abril de 2022 Exmo. Senhor, Os m/ melhores cumprimentos, Venho pelo presente, na qualidade de mandatária do Exmo. Senhor AA, e esposa BB, proprietários e senhorios da fração autónoma designada pela letra "C" sita na ..., ... freguesia de ... descrita na conservatória do registo predial de Gondomar sob o número ..73 e inscrita na matriz predial urbana com o n.o ...41, do qual V. Exa. é arrendatário, relembrar que o aludido locado deverá ser entregue aos m/constituintes livre de pessoas e bens assim como no estado de conservação e limpeza que lhe foi entregue, até ao próximo dia 31 de agosto de 2022. Como é do seu conhecimento, tal entrega decorre da comunicação que lhe foi dirigida pelos m/ constituintes com a antecedência legal prevista no artigo 1097. do Código Civil, de oposição à renovação do contrato de arrendamento. Sendo que denoto que, apesar de V. Exa. não ter procedido ao levantamento das missivas/comunicações (que foram remetidas em cumprimento do artigo 10.o n.o 2 alinea c) e n.o 3 do mesmo artigo - Lei n.o 6/2006, de 27 de Fevereiro), a lei determina que a comunicação em causa se considera rececionada por V. Exa. -cfr. n.º 4 da aludida norma legal, pelo que, a presente missiva apenas e somente tem por objetivo de reiterar e relembrar a V. Exa. o já anteriormente transmitido pelos m/ clientes. Assim, reitero a(s) comunicação(ões) antecipadamente prestadas de que o contrato de arredamento outorgado em 1 (um) de setembro de 2015 cessará os seus efeitos a partir de 31 DE AGOSTO DE 2022. 71. O conteúdo da carta entregue ao Réu, agora Recorrido, em 7 de Abril de 2022 deve interpretar-se de acordo com os critérios dos arts. 236.º ss. do Código Civil. 72. Os termos em que a carta está redigida são tão claros que o Réu, agora Recorrido, ficou a conhecer a vontade real dos Autores, agora Recorrentes, e que, ainda que não tivesse ficado a conhecer a sua vontade real, não poderia deduzir nenhum sentido diverso da sua vontade declarada. 73. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2024 — processo n.º 138/20.8T8MDL.G1.S1 —, dir-se-á que, “[n]ão dispondo o artigo 1097.º do Código Civil sobre qualquer requisito de conteúdo específico a constar da declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio, a missiva [dos Autores] enviada [ao réu], atendendo à sua actuação anterior e subsequente, não pode deixar de ser entendida senão com o propósito expresso de pôr fim ao contrato, comunicada com a prevista antecedência legal”. 74. Ou seja — ainda que a conjugação das cartas remetidas aos Réus, agora Recorridos, em 17 de Dezembro de 2021 e em 3 de Janeiro de 2022 não o fosse, sempre a carta remetida aos Recorridos em 5 de Abril de 2022 seria suficiente para que o contrato de arrendamento cessasse na data do termo da renovação — 31 de Agosto de 2022. III. — DECISÃO Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se, ainda que com diferente fundamentação, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. Custas pelo Recorrido CC. Lisboa, 30 de Janeiro de 2025 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) A. Barateiro Martins Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura ________
1. Como decorreria da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento concluído entre os Autores, agora Recorrentes, e o Réu, agora Recorrido. 2. Como decorreria do artigo 1097.º, alínea b), do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto. 3. Como decorreria do artigo 1097.º, alínea a), do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto. 4. Como decorreria da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento concluído entre os Autores, agora Recorrentes, e o Réu, agora Recorrido. 5. Como decorreria do artigo 1097.º, alínea b), do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto. 6. Como decorreria do artigo 1097.º, alínea a), do Código Civil, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto. 7. Cf. facto dado como provado sob o n.º 1. 8. Cujo teor era o seguinte: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte”. 9. Interpretado no sentido de que “os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos” (vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2023 — processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1 — e de de 12 de Dezembro de 2024 — processo n.º 138/20.8T8MDL.G1.S1). 10. Cf. cláusula 19.º do contrato de arrendamento concluído entre os Autores, agora Recorrentes, e o Réu, agora Recorrido. 11. Cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012. 12. Cf. artigo 10.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012. 13. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 — processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1. 14. Cf. conclusões V-X do recurso de revista. 15. Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2024 — processo n.º 1085/22.4YLPRT.P1.S1 — e de de 15 de Outubro de 2024 — processo n.º 1064/21.9T8AGD.P1.S1. 16. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 — processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1 17. Sobre a interpretação do artigo 353.º do Código Civil, vide por todos Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao artigo 352.º, in: Código civil anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 313; António Menezes Cordeiro, anotação ao art. 352.º, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil comentado, vol. I — Parte geral, Livraria Almedina, Coimbra, 2020, pág. 1027-1029, José Lebre de Freitas, anotação ao artigo 352.º, in: Ana Prata (coord.), Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 1250.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, pág. 437; ou Maria dos Prazeres Beleza, anotação ao art. 352.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. I — Parte geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, págs. 826-828. |