Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
286/11.5JAFAR.SL
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
CRITÉRIOS MATEMÁTICOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PLURIOCASIONALIDADE
PREVENÇÃO ESPECIAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Carmona da Mota, em intervenção no STJ, no dia 3 de Junho de 2009, no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal".
- J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, p. 257.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentários ao Código Penal, anotação ao artigo 77.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-Nº 365/91, DR II SÉRIE, DE 27.09.91.
-*-

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-06-1996, DE 20-05-1998, DE 20-12-2006, DE 29-10-2008, DE 22-02-2007, DE 09-05-2002, DE 24-11-2005, E DE 26-02-2009.
-DE 27-03-2003, PROC. Nº 4408/02-5ª; DE 16-11-2005, CJ/STJ, 2005, TOMO 3º, P. 211; DE 21-11-2006, PROC. Nº 3126/07-3ª, CJ/STJ, 2006, TOMO 3º, P. 228; DE 06-02-2008, PROC. Nº 129/08-3ª; DE 20-02-2008, PROC. Nº 4733/07-3ª; DE 09-04-2008, PROC. Nº 1125/08-5ª; DE 22-04-1998, BMJ, 476º-268; DE 24-02-1999, PROC. Nº 23/99-3ª; DE 17-03-2005, NO PROC. Nº 754/05-5ª; DE 04-01-2006, PROC. Nº 2627/05-3ª; DE 12-01-2006, PROC. Nº 2882/05-5ª.
-DE 12-01-2006, NO PROC. Nº 3202/05-5ª; DE 08-02-2006, PROC. Nº 3794/05-3ª; DE 15-02-2006, PROC. Nº 116/06-3ª; DE 22-02-2006, PROC. Nº 112/06-3ª; DE 22-03-2006, PROC. Nº 364/06-3ª; DE 04-10-2006, NO PROC. Nº 2157/06-3ª; DE 24-01-2007, NO PROC. Nº 3508/06-3ª; DE 25-01-2007, NOS PROCS. NºS 4338/06-5ª E 4807/06-5ª; DE 28-02-2007, PROC. Nº 3382/06-3ª; DE 01-03-2007, NO PROC. Nº 11/07-5ª; DE 07-03-2007, NO PROC. Nº 1928/07-3ª; DE 28-03-2007, PROC. Nº 333/07-3ª; DE 09-05-2007, NOS PROCS. NºS 1121/07-3ª E 899/07-3ª; DE 24-05-2007, PROC. Nº 1897/07-5ª; DE 29-05-2007, NO PROC. Nº 1582/07-3ª; DE 12-09-2007, NO PROC. Nº 2583/07-3ª; DE 17-10-2007, NO PROC. Nº 3301/07-3ª; DE 24-10-2007, NO PROC. Nº 3238/07-3ª; DE 31-10-2007, NOS PROCS. NºS 3280/07, 3237/07 E 3869/07 DA 3ª SECÇÃO; DE 13-02-2008, PROC. Nº 296/08-3ª; DE 09-04-2008, PROCS. NºS 686/08-3ª E 1125/08-5ª; DE 25-06-2008, PROC. Nº 1774/08; DE 10-07-2008, NO PROC. Nº 2193/08; DE 25-09-2008, PROC. Nº 2288/08; DE 22-10-2008, PROC. Nº 2842/08 E PROC. Nº 2815/08; DE 29-10-2008, PROC. Nº 1309/08; DE 12-11-2008, PROC. Nº 3059/08; DE 26-11-2008, PROC. Nº 3273/08; DE 10-12-2008, PROC. Nº 3851/08; DE 14-01-2009, PROC. Nº 3974/08 - DESTA SECÇÃO.
Sumário :

I - Não obstante ter-se por posição de princípio a não aceitação de quaisquer critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.
II - Na verdade, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.
III -Assim, para evitar aquela vacuidade, admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre 1/2 e 1/5 de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.
IV -Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. A utilização de tal critério de determinação está relacionada com uma destrinça fundamental que é o tipo de criminalidade evidenciada. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave.
V - Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
VI - As necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.
VII - Igualmente importante é a consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal.

Decisão Texto Integral:

                                    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA vem interpor recurso da decisão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas no âmbito destes autos [286/11.5JAFAR] e das penas que lhe foram aplicadas no âmbito do processo comum coletivo n.º 277/11.6JAFAR, do Tribunal Judicial de Tavira, condenando-o na pena única de 10 (dez) anos de prisão (artigos 77º, n.os 1 e 2 e 78º, n.os 1 e 2, ambos do Código Penal);

            As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:
a) o douto acórdão recorrido, o Tribunal a quo, procedendo ao cúmulo das penas impostas ao ora recorrente, condenou-o na pena conjunta de 10 (dez) anos de prisão. Por se discordar do quantum dessa pena, na nossa maneira de ver demasiado gravosa para o recorrente, em face da factualidade dada como provada e da personalidade daquele.
b) Segundo Leal – Henriques e Simas Santos, a personalidade do delinquente é o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem carácter unitário (cf. obra citada em 3. deste recurso).
c) Neste conspecto, da personalidade do arguido projectada na sua vida concreta
d) sobressai a sua constante ligação ao mundo do trabalho, mantida mesmo após ter ingressado num percurso aditivo, aos 18 anos de idade e foi a sua toxicodependência que o levou, mais tarde, a infringir gravemente a Lei, não obstante  ser curto o seu percurso criminal.
e) Foi já num momento recente da sua toxicodependência que o lançou mão de atitudes criminosas para sustentar o seu vício, não estando pois perante um caso de uma tendência criminosa e muito menos de uma carreira criminosa.
f) Sopesando o conjunto dos factos provados e os factos relevantes para a determinação da pena vazadas na pág. 11 da douta decisão recorrida (precisando, apenas, no concernente às armas de fogo, que se tratou de imitações), verifica-se, na nossa modesta opinião, que o recorrente reúne todas as condições para efectuar com sucesso o seu percurso da reabilitação.
g) a apreciação que fazemos da prova produzida na audiência de julgamento, resultam, na nossa opinião, confirmadas e reforçadas as condições positivas do recorrente para se reinserir na sociedade e para a sua recuperação enquanto ser humano capaz de se guiar por  valores civilizados.
h) As declarações do recorrente, agora transcritas, salvo o devido respeito por opinião diversa, não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise.
i) É entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, aludido no Acórdão de 9 de Abril de 2008, in “Colectânea de Jurisprudência” com os “Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, nº 208, Ano XVI - Tomo II/2008, pág. 198 - II: “Ora,  como já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (AcSTJ de 10/01/2008, proc. nº 3184/07-5 e procº nº 4460/07-5, ambos com o mesmo relator): (4)- Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores cúmulos, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia.. Assim, nada na lei impede que a pena única conjunta a encontrar possa ser inferior a uma outra pena idêntica anteriormente fixada para parte das penas parcelares, embora esse resultado se apresente como uma antinomia do sistema, uma vez que tendo a anterior pena única conjunta transitado em julgado e começado a ser executada, se vê assim reduzida, aquando da consideração de mais pena(s).
j) Deveria, assim, o Tribunal a quo, também por esta via, ter proferido uma decisão que fixasse uma pena conjunta não superior a 7 anos de prisão.
k) Normas violadas: artigos 40º nº 1 e 2, 71º, nº 1, 77º, nº 1 e nº 2 do C. Penal.

                        Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido substituindo-o por outro que condene o ora recorrente numa pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão

                        Respondeu o Ministério Publico apostrofando pela manutenção de uma pena unitária de dezasseis anos e seis meses de prisão a qual em lado algum é ventilada nos presentes autos.

                        Neste Supremo Tribunal de Justiça o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de uma diminuição da pena aplicada e situada entre os oito e os nove anos de prisão

                                    Os autos tiveram os vistos legais.

                                                           *

                                            Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontram-se provados os seguintes factos:
1.1. Por decisão proferida no âmbito dos presentes autos, datada de 25.7.2012, transitada em julgado no dia 26.11.2012, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de um crime de furto, p. e p., pelo n.º 1, do artigo 203º, do Código Penal (CP), pela prática de:
1.1.1. Um crime de roubo, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 210º, do Código Penal, a que coube a pena singular de 3 anos e 6 meses de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 17.11.2011, pelas 14h40, em Faro, o arguido dirigiu-se ao “Quiosque Duque”, sito em Olhão, munido de uma reprodução de arma de fogo (pistola), que apontou à empregada do referido estabelecimento, para dessa forma obriga-la a entregar-lhe todo o dinheiro que tivesse, o que aquela cumpriu de imediato, entregando-lhe a quantia de € 700,00, em numerário;
b) Na posse daquela quantia, o arguido fugiu do local, fazendo seu o dinheiro, não obstante saber que não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu dono;
1.1.2. Um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23º, n.º 2, 73º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), 210º, n.os 1 e 2, alínea b) e 204º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, a que coube a pena singular de 4 anos de prisão, tendo por fundamento nos seguintes factos (em súmula):
a) No dia 30 de setembro de 2011, cerca das 12h40m, o arguido dirigiu-se à agência do Banco BPI, em Olhão, ao balcão da funcionária da instituição BB;
b) Disse que queria abrir uma conta, mas, repentinamente, contornou o referido balcão e, simultaneamente, mostrou à dita funcionária a coronha de um pistola de plástico, tipo metralhadora de marca “Uzi”, modelo «Mini», que trazia à cintura, para obriga-la, dessa forma, a entregar-lhe a quantia que tivesse na caixa, dizendo-lhe: «Dá-me o dinheiro caralho”;
c) Aquela funcionária disse ao arguido para levar o quisesse, tendo aquele aberto a gaveta superior do balcão, donde retirou um módulo (caixa) de plástico, contendo € 5.225,00, em numerário e 30 cheques recebidos naquele dia para depósito, estes no valor global de € 17.484,21;
d) De seguida, quando se dirigia para a porta de saída do referido Banco, o arguido ainda foi interpelado verbalmente pelo subgerente daquela agência, tendo o arguido sacado da referida arma, que tinha na cintura, dizendo que o matava, caso interferisse;
e) Em ato contínuo, o arguido fugiu do local apeado, mas apenas na posse de € 230,00 em numerário e dos cheques, porque deixou cair, inadvertidamente, o restante dinheiro durante a fuga;
f) O arguido fugiu do local, fazendo seu o dinheiro, os cheques e a caixa, não obstante saber que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos donos;
1.1.3. Um crime de roubo, p. e p. pelo n.º 1, do 210º, do Código Penal, a que coube a pena singular de 4 anos de prisão, tendo por fundamento nos seguintes factos (em súmula):
a) No dia 30 de setembro de 2011, entre as 20h10m, o arguido, dirigiu-se ao quiosque «Bairro 28 de setembro», sito em Olhão e tentou forçar a entrada lateral do referido estabelecimento;
b) Como não conseguiu, posicionou-se em frente ao balcão do dito estabelecimento, munido de uma pistola de plástico, imitação da pistola-metralhadora de marca «Uzi», modelo «Mini», que apontou ao proprietário do quiosque, para obrigá-lo a entregar-lhe o dinheiro que tinha em caixa;
c) O proprietário do quiosque apercebeu-se que a pistola era de plástico, pelo que empunhou um ferro junto ao arguido, tendo este ripostado, desferindo-lhe pancadas na face e nas mãos do mesmo;
d) Dessa forma o arguido logrou apoderar-se da quantia de € 590,00 em numerário e fugir com a mesma, não obstante saber que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do dono;
e) Foram recuperados pela PSP € 350,00
1.2. Por decisão proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º 277/11.6JAFAR, da secção única do Tribunal Judicial de Tavira, datada de 11.10.2012, transitada em julgado no dia 31.10.2011, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática de:
1.2.1. Um crime de roubo, p. e p. pelo disposto no n.º 1, do artigo 210º, do Código Penal, a que coube a pena singular de 3 anos e 3 meses de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 24.8.2011, pelas 12h10, o arguido, em Tavira, abordou, CC, de 85 anos de idade, fazendo-se passar por um funcionário da companhia das águas e eletricidade;
b) Verificando que a mesma se encontrava sozinha, desferiu-lhe um soco na cara, provocando a queda da ofendida, após o que lhe retirou um cordão e uma libra em ouro, que a mesma trazia ao pescoço;
c) Como a ofendida começou a gritar por socorro, apontou-lhe uma pistola de alarme, cuja única finalidade é a simular o disparo de uma pistola de fogo real, tendo-lhe dito que a mataria, se a mesma não parasse de gritar, após o que se colou em fuga;
d) A ofendida sofre hematoma no lábio e escoriações no pescoço;
e) O arguido vendeu o cordão e a libra em ouro, pela quantia de € 1.330,00, no estabelecimento de compra e venda de ouro denominado “Arca de Recordações»;
f) O arguido agiu com a intenção de através do uso da arma, constranger a ofendida a entregar-lhe o referido objeto, sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da dona;
g) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida por lei;
1.2.2. Um crime de roubo, p. e p. pelo disposto no n.º 1, do artigo 210º, do Código Penal, a que coube a pena singular de 2 anos e 6 meses de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 12 de setembro de 2008, cerca das 11h30m, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento referido em e) de 1.2.1, e apontou a pistola identificada em c) de 1.2.1. a uma funcionária do dito estabelecimento, dizendo-lhe «dá-me o dinheiro todo, não te quero fazer mal», ao que esta acedeu, entregando-lhe a quantia de € 1500,00, pondo-se, de seguida, em fuga;
b) O arguido agiu com a intenção de através do uso da arma, constranger a ofendida a entregar-lhe a referida quantia em dinheiro, sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da dona;
c) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida por lei;
1.2.3. Um crime de roubo, p. e p. pelo disposto no n.º 1, do artigo 210º, do Código Penal, a que coube a pena singular de 2 anos e 3 meses de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 23 de setembro de 2011, cerca das 16h00, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “Casa Nova”, sito em Conceição de Tavira, e, dirigindo-se a DD, apontou-lhe a pistola identificada em c) de 1.2.1., e exigiu que aquele lhe entregasse todo o dinheiro que se encontrava na caixa registadora, o que esta fez, entregando-lhe € 885,00, que o arguido fez seu;
b) O arguido largou a pistola no balcão de atendimento ao público;
c) O arguido agiu com a intenção de através do uso da arma, constranger a ofendida a entregar-lhe a referida quantia em dinheiro, sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da dona;
d) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida por lei;
2. O arguido, em todos os casos acima descritos escreveu uma carta aos ofendidos, apresentando desculpas pelo sucedido;
3. O arguido é originário de um agregado detentor de um estrato sócio-económico carenciado, tendo o seu processo de crescimento decorrido junto do pai e da avó paterna, na sequência da separação dos pais e completa demissão das funções parentais pela mãe;
4. No trajeto escolar apresenta duas retenções, tendo abandonado a escola após a conclusão do 7.º ano de escolaridade;
5. Iniciou-se no mundo do trabalho como servente de pedreiro, atividade que tem mantido, ao serviço de entidades diferenciadas, de forma irregular. Em paralelo exerce a atividade de mariscador;
6. Apresenta um percurso aditivo iniciado aos 18 anos de idade, com períodos de abstinência e de recaídas;
7. Encontra-se inscrito como utente do I.D.T. desde Agosto de 2001;
8. Esteve por 3 vezes internado em instituições de recuperação, que abandonou sempre no início do tratamento, sendo a última vez no ano de 2011.
9. À data dos factos o arguido vivia com o pai e a avó materna. O agregado habita numa casa térrea, arrendada, de tipologia T2, desprovida de condições adequadas de habitabilidade,
10. Exercia a atividade de servente de pedreiro em moldes irregulares, movimentando-se numa situação económica precária. A situação económica do agregado assenta nas reformas do pai e da avó,
11. O relacionamento com a avó é de grande proximidade, mas não apresentando esta qualquer influência sobre o arguido em termos de modificação de comportamentos.
12. No ano de 2011 deu entrada em comunidade terapêutica em Évora que abandonou passados dois meses, ainda no início do tratamento;
13. Manteve posteriormente programa de substituição com metadona que terminou, já após a sua entrada no estabelecimento prisional de Olhão.
14. Mostra intenção para parar o seu comportamento aditivo, fazendo-o no entanto depender do seu imediato internamento em instituição de tratamento.
15. É pessoa bastante influenciável, sobretudo da parte do grupo de pares com comportamentos idênticos ao seu;
16. Deu entrada no Estabelecimento Prisional de Olhão em Outubro de 20011. Participou no Programa de Intervenção de Estabilização Psico-emocional para reclusos ingressados em EP;
17. Sofreu punição disciplinar por posse de telemóvel;
18. No Estabelecimento Prisional encontra-se inscrito num curso de pintor da construção civil;
19. Deixou de contar com visitas regulares do pai e da avó no estabelecimento prisional, desde que se mudou para Pinheiro da Cruz;
20. Deixou de consumir produtos estupefacientes;

I

Conforme já referido neste Supremo Tribunal de Justiça em decisões anteriores sobre a matéria[1], é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função da penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do C.Penal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação”. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. 

Ainda de acordo com o Professor Figueiredo Dias tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.[2]

                                                                *

            Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa» com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares.     

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais   

                                                                 *

            Figueiredo Dias traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e portanto arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72. ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável.

            Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)

                                                                 *

           

II

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição.

            Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência.

            Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa expresso pelo número de infracções; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela actividade.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.

            Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo, então, sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do "quantum" necessário para se atingir as finalidades da mesma pena.

                                                                   *

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

A explanação dos fundamentos, que á luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal á formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania, e dignidade, que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Neste sentido têm-se pronunciado, de forma uniforme, este Supremo Tribunal de Justiça em diversas decisões emitidas sobre o mesmo tema:[3]

Como é evidente na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria em carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.

                                                           *

III

Importa, ainda, precisar que merece inteira sintonia o entendimento de que a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas se torna incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. As operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.

Porém, assumindo como aquisição fundamental a necessidade de uma visão global que procure detectar aquela culpa e a personalidade indiciada pelos factos o certo é que tal perspectiva tem como pressuposto um conjunto de penas parcelares que carece de ser integrado numa única pena conjunta, perdendo a sua individualidade. Para além da diversidade genética dos factos que estão na origem das penas está também em causa o facto de as regras da punição traçarem, no artigo 77 uma única regra de aferição que corresponde ao máximo que é a soma material das penas, com o limite 25 anos e o limite mínimo que é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes.

Na prática, em situações de uma maior pluralidade de crimes de menor gravidade, ou de um diminuto número de crimes de maior gravidade, os limites da pena conjunta a aplicar têm uma vasta amplitude que pode, em casos limite, partir do mínimo da pena de prisão até aos vinte e cinco anos de prisão. A questão que então se coloca é a de saber se o critério legal por si não é demasiado exíguo e vago, conduzindo a uma situação de ampla incerteza ou seja, o saber se a invocação dos factos, e personalidade, não é insuficiente para esbater a sensação de margem discricionária que se estende sobre um leque que vai de um ano a vinte e cinco anos de prisão.

Na verdade, a vida num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada, necessariamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta a ideia da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos».

Daí que a realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no quadro constitucional, imponha que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica.

A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” (in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257)

Os cidadãos têm direito a um mínimo de certeza e de segurança quanto aos direitos e expectativas que, legitimamente, forem criando no desenvolvimento das relações jurídicas. Por isso que «não é consentida uma normação tal que afecte, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa, aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito devem respeitar.» (Cf. Ac. TC nº 365/91, DR II Série, de 27.09.91).

Recorrendo ao estudo profundo do Juiz Conselheiro Lourenço Martins sobre esta matéria retém-se a ideia de que na aplicação de uma única pena no concurso de infracções se desenham hoje duas correntes no Supremo Tribunal de Justiça: uma delas (a tradicional) efectuando a valoração conjunta dos factos e da personalidade do agente sem recurso a regras aritméticas, a outra, fazendo intervir, dentro da nova moldura penal, ingredientes de natureza percentual ou matemática.

Como exemplos das duas orientações convocadas para a resolução da questão adianta o mesmo autor os seguintes acórdãos que no seu entender são paradigmáticos de duas diferentes concepções:

-.Corrente tradicional-Indiciador da tese que denominámos de tradicional se apresenta o ac. STJ, de 19-06-1996 [4], o ac. de 20-05-1998 [5]: ou mais recentemente o ac. STJ, de 20-12-2006:[6]

-Como exemplo da refutação do apelo à tese dos critérios matemáticos (ou simplesmente aritméticos), o ac. ST J, de 29-10-2008 [7] ou o acórdão de 22-02-2007[8]

.

Diversamente, convocando a coadjuvação de critérios complementares de natureza logarítmica ou matemática e, nomeadamente, uma denominada «compressão» que deve fazer-se entre o mínimo e máximo da moldura penal especifica prevista no artigo 77.0, 2, do Código Penal se situam o ac. STJ, de 09-05-2002): [9]No mesmo sector mas, numa formulação mitigada, se encontra o ac. STJ, de 24-11-2005 [10] e o ac. De 26-02-2009 [11]

 Após sintetizar as posições em confronto Lourenço Martins encontra algum conforto na tese do recurso à complementaridade, mas suportando esta em algo de mais substancial do ponto de vista dogmático do que a mera necessidade em igualização de penas em teros de obediência ao principio da igualdade. Defende o mesmo a «adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circuns­tâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «fac­tor percentual de compressão», possa relutar a um Julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de conlrolo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Ela representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudên­cia deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento.

 

 Colocada assim a questão, e repetindo a nossa posição de princípio da não aceitação de quaisquer critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.

Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.[12]

Assim,

Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).

Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida.

A utilização de tal critério de determinação está relacionada com uma destrinça fundamental que é o tipo de criminalidade evidenciada. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como refere Carmona da Mota,  a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fracção cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento

Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.

            Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal

 

 IV

            Pronunciando-se sobre a pena em sede de cúmulo jurídico refere a decisão recorrida que:

            No caso dos autos verifica-se a pena única aplicar tem como limite máximo 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses [correspondente à soma das penas singulares] e como limite mínimo 4 (quatro) anos (correspondente à pena parcelar mais elevada).
……………………Tendo presente as considerações expostas, no caso dos autos, importa atender, à pluralidade de crimes contra o património, traduzida, no caso, na prática pelo arguido de 6 crimes de roubo: três qualificados na forma consumada; um qualificado na forma tentada e dois na forma simples.
Todos os outros fatores com relevância para a determinação da pena já foram considerados no âmbito dos processos a cujo cúmulo se procede nesta decisão, nomeadamente o uso de arma de fogo (verdadeira ou de imitação), as lesões sofridas pelas vítimas, o valor dos objetos e dinheiro subtraídos, o dolo direto, a confissão integral e sem reservas, a ausência de antecedentes criminais e o percurso de vida do arguido, pelo que tais fatores não podem ser considerados neste âmbito, sob pena de violação do princípio da proibição de «dupla valoração.
Tal pluralidade de crimes não revela ainda uma personalidade com tendência criminosa, mas tão só uma mera pluriocasionalidade, pelo que a pena aplicar abaixo do meio da moldura abstratamente aplicável.
Por todo o exposto, tem-se como adequada a pena única de 10 (dez) anos.

Importa referir, lateralmente, que a decisão recorrida afirma lapidarmente que a pena a aplicar se deve situar baixo do meio da moldura abstractamente aplicada indicando que esta é de dezanove anos e seis meses. Metade desta pena são nove anos e nove meses pelo que não se compreende a conclusão extraída pela decisão recorrida das premissas que assume

Como atrás se referiu o que está em causa é a obtenção de uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso, ou seja, a sua culpa com referência ao acontecer conjunto, da mesma forma que circunstâncias pessoais (por exemplo uma eventual possível tendência criminosa).

Em tal ponderação é evidente que são tomados em atenção elementos de facto que foram considerados na determinação das penas parcelares mas agora numa perspectiva diferente, como integrantes de um conjunto, ou de uma visão global, que só ela permite traçar o percurso de vida marcado pela opção pelo ilícito.

Assim deve suceder no caso vertente exemplificativo de uma criminalidade com um perfil médio, pois que já não de natureza bagatelar, que em duas ocasiões resvalou para a ofensa à integridade física, embora sem consequências. Os crimes praticados pelo recorrente, sopesados na sua dimensão económica, oferecem uma pequena relevância e cronologicamente revelam a existência de um período de tempo relativamente curto durante o qual foram praticados (Agosto e Novembro de 2011).

Não foi considerada na decisão recorrida a circunstância de o recorrente não ter passado criminal, bem como o facto de ter demonstrado uma inflexão de comportamentos expresso na apresentação de desculpas às vítimas e, ainda de ter deixado de consumir estupefacientes.  

     .Ponderando o peso dos factores suprarreferidos, e os critérios enunciados, entende-se por adequada a pena conjunta de oito anos de prisão.

            Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto e se condena o recorrente AA na pena conjunta de oito anos de prisão.

Sem custas

           Nos termos do artigo 380 nº2 do CPP proceda-se à correcção dos lapsos apontados pelo Exª Sr.Procurador Geral Adjunto

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes

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[1] Processo 39/10.8PFBRG.S2  Data do Acordão: 08-05-2013

[2]-O sistema de pena conjunta consubstancia uma das formas de encontrar a pena de concurso. No princípio de absorção a pena do concurso corresponde à pena concretamente determinada do crime mais grave e no princípio da exasperação ou agravação em que a pena do concurso determina-se em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas agravada em função da pluralidade de crimes limitada pelo  somatório das penas concretamente aplicadas.


[3] Repescando a síntese elaborada pelo Gabinete de Assessores deste Supremo tribunal de Justiça: :
Acórdão de 27-03-2003, Proc. nº 4408/02-5ª - Não é necessário, nem útil, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas já transitadas em julgado, venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas.
Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única. Mas será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da decisão, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra, bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente. A utilização de fórmulas tabelares, como o "número", a "natureza", e a "gravidade", não são uma "exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito", mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no nº 1 do art. 77º do Cód. Penal e nº 2 do art. 4º do CPP e padece da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), do CPP.
Acórdão de 16-11-2005, CJ/STJ, 2005, Tomo 3º, pág. 211 - A referência única e sintética expressa na decisão "ao conjunto dos factos e à personalidade do arguido" consubstancia uma total e absoluta ausência de fundamentação, o que torna a sentença nula - art. 379º, nº 1, al. a), do CPP.
Acórdão de 21-11-2006, Proc. nº 3126/07-3ª, CJ/STJ, 2006, Tomo 3º, pág. 228 - A decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido; ao omitir esta avaliação, o tribunal omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar, e decidir, o que determina a nulidade da respectiva decisão - artigo 379º do CPP.
Acórdão de 06-02-2008, Proc. nº 129/08-3ª - A decisão deve conter os elementos relativos aos factos dos vários crimes que foram que foram considerados para a determinação da pena do concurso, sob pena de não possibilitar um juízo que tem de partir da conjugação e correlação entre os factos para apreciação do ilícito global. E deve conter também as referências à personalidade do arguido, de modo a permitir formular um juízo sobre o modo como esta se projectou nos factos ou foi por eles revelados (ocasionalidade, pluriocasionalidade ou tendência), tal como o exige o art. 77º, nº 1, do Cód. Penal. (Veja-se, citando este, o acórdão de 10-09-2008, Proc. nº 2143/08-3ª, sublinhando a necessidade de referência a factos).
Acórdão de 20-02-2008, Proc. nº 4733/07-3ª - A pena de concurso é imposta em decisão fundamentada, nos termos do art. 205º, nº 1, da CRP e 374º, nº 2, do CPP. A fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da prevista, em termos gerais, no art. 374º, nº 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração em conjunto, dos factos, enquanto "guia", e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71º do Cód. Penal.
Acórdão de 09-04-2008, Proc. nº 1125/08-5ª - A fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da fundamentação geral prevista no art. 374º, nº 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração em conjunto, dos factos enquanto "guia" e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressuposta nos factores de fixação da pena prevista no art. 71º do Cód. Penal.
No mesmo sentido pronunciaram-se os seguintes Acs. do Supremo Tribunal de Justiça: de 22-04-1998, BMJ, 476º-268; de 24-02-1999, Proc. nº 23/99-3ª; de 17-03-2005, no Proc. nº 754/05-5ª; de 04-01-2006, Proc. nº 2627/05-3ª; de 12-01-2006, Proc. nº 2882/05-5ª (a necessidade de fundamentação não significa que se deva exigir que, na decisão, seja feita uma narração exaustiva dos factos ou que a personalidade tenha de ser minuciosamente caracterizada, tal como num estudo de cariz psicológico); de 12-01-2006, no Proc. nº 3202/05-5ª; de 08-02-2006, Proc. nº 3794/05-3ª; de 15-02-2006, Proc. nº 116/06-3ª; de 22-02-2006, Proc. nº 112/06-3ª; de 22-03-2006, Proc. nº 364/06-3ª; de 04-10-2006, no Proc. nº 2157/06-3ª; de 24-01-2007, no Proc. nº 3508/06-3ª; de 25-01-2007, nos Procs. nºs 4338/06-5ª e 4807/06-5ª; de 28-02-2007, Proc. nº 3382/06-3ª; de 01-03-2007, no Proc. nº 11/07-5ª; de 07-03-2007, no Proc. nº 1928/07-3ª; de 28-03-2007, Proc. nº 333/07-3ª; de 09-05-2007, nos Procs. nºs 1121/07-3ª e 899/07-3ª; de 24-05-2007, Proc. nº 1897/07-5ª; de 29-05-2007, no Proc. nº 1582/07-3ª; de 12-09-2007, no Proc. nº 2583/07-3ª; de 17-10-2007, no Proc. nº 3301/07-3ª; de 24-10-2007, no Proc. nº 3238/07-3ª; de 31-10-2007, nos Procs. nºs 3280/07, 3237/07 e 3869/07 da 3ª secção; de 13-02-2008, Proc. nº 296/08-3ª; de 09-04-2008, Procs. nºs 686/08-3ª e 1125/08-5ª; de 25-06-2008, Proc. nº 1774/08; de 10-07-2008, no Proc. nº 2193/08; de 25-09-2008, Proc. nº 2288/08; de 22-10-2008, Proc. nº 2842/08 e Proc. nº 2815/08; de 29-10-2008, Proc. nº 1309/08; de 12-11-2008, Proc. nº 3059/08; de 26-11-2008, Proc. nº 3273/08; de 10-12-2008, Proc. nº 3851/08; de 14-01-2009, Proc. nº 3974/08 - desta secção.
.
[4]- Em termos de medida da pena de concurso, tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivos para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes, se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária do agente, relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à plural idade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente» ..
[5] « ... 2 - A determinação das penas não opera por recurso a critérios matemáticos. Os juízos de valor que lhe estão subjacentes, conexos com matéria de facto e de direito, reclamam o respeito, pelo tribunal de recurso, do espaço de liberdade do tribunal recorrido, nessa medida se afirmando uma discricionariedade subtraída a reexame». Ou com outro acento mas na mesma linha: «Os critérios de aplicação da medida judicial da pena podem diferir de julgador para julgador, sem que isso importe um afrontamento aos princípios norteadores do sistema punitivo, dado que a «severidade» e a «benevolência» maiores ou menores são critérios que têm a ver com algo de pessoal, mas, com toda a certeza, obedecendo aos parâmetros legais»
[6] I - Nos termos do art. 77.°, n.o 1, do CP, o agente do concurso de crimes é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». 11 - Na consideração dos factos (do conjunto de factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. III ---:- Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente».
[7] « ... V - Merece inteira sintonia o entendimento de que «a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas se torna incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo: operações aritméticas podem fazer-se com números, não com vaio rações autónomas». nomeadamente a que se inclina para o uso de percentagens, seguindo-se, porém, a tese tradicional
[8] « ... 1II - Neste âmbito, a consideração conjunta dos factos, da idade (28 anos ao tempo e quase 30 anos agora) e da personalidade do agente (<<O arguido trabalhava como artesão e vivia, antes de preso, com o pai; era toxicodependente de heroína; já fora condenado, em O I Ju104, por cheque sem provisão, em pena de multa, cuja prisão alternativa vem cumprindo, desde 14Nov06»), aponta, dentro daqueles limites, para uma pena conjunta de 8 anos de prisão, como que se adicionando, à mais elevada das penas parcelares, cerca de 30% das demais. IV - Sem que, porém, se veja nesta «operação valorativa» um mero «processo de fracções e somas» (407), porventura «incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo», na medida em que «fazer contas indica[ria] voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos» (ibidem). Todavia, o juiz - na prática - não poderá dispensar-se de «fazer contas» como forma de, numa primeira abordagem, obter um terceiro termo ou espaço de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois termos: o limite mínimo e o limite máximo da pena única), isto é, para se alcançar, entre os extremos, um ponto que fixe, geometricamente, o «encontro» entre essas duas variáveis. Pois que, se «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão ( ... ), e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» (art. 77.°, n.o 2, do CP), tudo se passará, em termos práticos, como se o somatório das penas «menores» sofresse, na sua adição à «maior», uma maior ou menor «compressão», sendo que esse «factor [dito de] de compressão» será tanto maior quanto maior o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, o terceiro termo ou espaço de referência tenderia a aproximar-se excessivamente do máximo da moldura do concurso, conduzindo à fixação no máximo (ou muito próximo dele) de penas conjuntas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso (cf. ac. do STJ de 09-05-2002, Pºnº 1259/02)>> .

[9] « ... 4 - «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concreta­mente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão ( ... ) e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» ( ... ). 5 - Donde que o somatório das penas «menores» - a menos que a pena única seja fixada no seu máximo - deva sofrer, na sua adição à «maior», determinada «compressão». Tudo estará, pois, em apurar qual a compressão a imprimir, em cada caso, ao somatório das penas menores (já que a pena «maior», constituindo o limite mínimo da pena única, é, naturalmente, intangível). 6 - Numa primeira abordagem, haverá - como forma de dar ao juiz um terceiro termo de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois: o limite mínimo e o limite máximo) - que desenhar, entre os extremos, um ponto que fixe, geometricamente, o «encontro» entre essas duas variáveis. Na generalidade dos casos (conciliando a tendência da jurisprudência mais «permissiva» em somar à «maior» Y-t - ou menos - das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa adicionar metade ­ou mais - das outras), esse ponto de convergência poderá achar-se, somando à pena «maior» 1/3 das «menores». 7 - Mas, em segunda linha, será razoável - atento o limite máximo de 25 anos fixado pelo art. 41. 2 e 3 do CP - que esse «factor de compressão» seja tanto maior quanto maior o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, tenderiam a fixar-se no máximo (ou muito próximo dele) penas únicas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso; é que, sem esse tratamento diversificado, seriam condenados, igualmente, em 25 anos de prisão tanto um criminoso que, para além de um crime punido com 20 anos de prisão, tivesse cometido outros punidos com um somatório de 15 anos de prisão, como outro relativa­mente a quem um crime punido com 24 anos de prisão emparceirasse com outros punidos, no total, com 30, 40 ou 50 anos de prisão. 8 - Mas, se um limite mínimo elevado concita uma especial com­pressão das demais (compressão tanto maior, como já se viu, quanto maior o seu somatório), um limite mínimo baixo já consentirá, pois que mais afastado o limite «máximo dos máximos», uma maior distensão na compressão das outras».

[10] diz-se: «2 - No desenvolvimento deste conceito, no ac. do STJ de 09-05-02, P.o n.o 1259/02-5 (404), ( ... ), considera-se que, tendo em conta a grande latitude existente entre os limites mínimo e máximo da pena única, se torna necessário encontrar um ponto que fixe o encontro destas duas variáveis, o qual propõe que se obtenha pela adição à pena maior de 1/3 da soma das restantes, conciliando a tendência da jurisprudência mais «permissiva» que estabelece uma fracção de 1/4 com a mais «repressiva» que adiciona ao limite mínimo metade da soma das demais penas. Mas face ao limite máximo da pena de prisão legalmente fixado em 25 anos, torna-se necessário fazer também intervir um factor de compressão que garanta proporcionalidade das penas, compressão que deverá ser tanto maior quanto mais se aproxime do limite máximo. 3 - Aplique-se, ou não, uma fórmula matemática para estabelecer a medida da pena unitária, forçoso é evitar disparidades chocantes, impedindo-se uma despropor­ção punitiva que ocorreria se crimes patrimoniais de pequena e média gravidade viessem a ser sancionados com uma pena muito próxima do máximo legal de prisão permitido, que deve ficar reservado para os crimes de maior gravidade, como são os crimes contra as pessoas, os crimes contra a humanidade, etc. ( ... ). 4 - No julgamento com vista a fixar a pena unitária, há-de o juiz atender aos factos praticados pelo arguido, que motivaram a sua condenação nas diversas penas parcelares, os quais devem ser tidos em conta na observação da personalidade do arguido, do modo como esta se encontra moldada. Mas o juízo sobre a personalidade do arguido deve atender também ao seu passado criminal, à sua conduta social e familiar, factores que permitem aferir do modo como o arguido conformou a sua personalidade no respeito pelos valores jurídico-penalmente protegidos».
[11]  Na mesma senda, o ac. STJ, de 26-02-09 (409): «Quanto à pena única, o tribunal colectivo fixou-a em 13 anos de prisão, numa moldura penal abstracta cujo mínimo corresponde à mais grave das penas aplicadas, ou seja a 9 anos de prisão, e cujo máximo, equivalente à soma das penas parcelares, atinge 17 anos. Para tanto, aquele tribunal optou por aditar à pena mais grave, metade da outra pena. O Supremo Tribunal de Justiça, para determinação da pena única, tem adoptado um critério que passa pela soma da pena parcelar mais grave, a qual corresponde ao mínimo da moldura do cúmulo, com um terço das restantes penas, sendo a partir deste valor, considerando as especificidades do caso concreto e atendendo à regra ínsita no art. 77.°, n.o I, do Código Penal, que há-de ser encontrada a pena conjunta.
[12] Utilizando análise econômica do direito não se pode aplicar um preço excessivo para obter um benefício inferior: se o que está em causa é a liberdade, não se podem considerar penas que são desproporcionais à gravidade do comportamento.
Na verdade não é só necessário ponderar o grau de liberdade que se atinge através da sanção penal e do beneficio que se obtem com esta mas também as diferentes intervenções do direito penal em si. Aqui a primeira coisa que se deve considerar é se a intervenção do direito penal se situa nos parâmetros adequados para a tutela do bem jurídico
A dignidade deste está dependente do seu reconhecimento constitucional pelo que, em consequência do  princípio da proporcionalidade, a necessidade que o mesmo bem tenha a relevância necessária para justificar uma ameaça de privação de liberdade e geral e uma efectiva limitação da mesma em particular