Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S0148
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Nº do Documento: SJ2008050701484
Data do Acordão: 05/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - É extemporânea a arguição de nulidades do acórdão recorrido apenas na alegação de revista e suas conclusões, pelo que dela se não pode conhecer (art. 77, n.º 1, do CPT/99 e art. 716.º do CPC).
II - Dados os limitados e excepcionais poderes do STJ, em matéria de facto, previstos nos arts. 722.º, n.º 2 e 729.º, nos. 2 e 3, do CPC, não lhe é possível proceder à audição dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento em ordem a firmar uma convicção própria sobre os factos levados à Base Instrutória, alterando as respectivas respostas, ou sobre pontos não constantes dessa Base.
III - A caracterização de um acidente como de trabalho pressupõe a verificação de três elementos ou requisitos: (a) um elemento espacial – em regra, o local de trabalho, sendo, porém, que nos denominados acidentes de trajecto, previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º do RLAT, o elemento espacial é integrado pelo trajecto aí definido; (b) um elemento temporal – em regra, correspondente ao tempo de trabalho, mas nos acidentes de trajecto, definido pelo tempo de duração desse trajecto, tal como definido nessa alínea a), com a clarificação contida no n.º 3 desse art. 6.º; (c) um elemento causal – nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre essas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
IV - Como regra, os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho hão-de ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado (art. 342.º, n.º 1, do CC).
V - Todavia, face ao disposto no n.º 5 do art. 6.º da LAT, a lesão, perturbação ou doença reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste.
VI - Visa-se com esta presunção (ilidível) libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões.
VII - Constatando-se que o autor sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) no trajecto que efectuava para o seu local de trabalho, após ter saído da viatura que conduzia, numa interrupção forçada e justificada desse trajecto, ditada por causa de força maior (na sequência da colisão de outro veículo no seu), que ditou o (seu) transporte, do local onde ocorreu o embate para o hospital, onde ficou internado, verifica-se o nexo causal (por força dos n.ºs 2, alínea a) e 5 do art. 6.º da LAT, e do art. 6.º, n.º 2, alínea a) do RLAT) entre o acidente de trabalho e as lesões do autor, por não se encontrar demonstrado qualquer facto, acontecimento ou actuação, vg imputável ao autor, ocorrido entre o momento do embate e a ocorrência do AVC, com virtualidade para afastar aquele regime legal.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor AA intentou acção especial emergente de acidente de trabalho contra:
BB – Companhia de Seguros de Comércio e Indústria, S. A, actualmente denominada CC - Companhia de Seguros, S. A.
e "Laboratórios DD, S. A", pedindo a condenação das rés no pagamento das reparações que discriminou, por força de invocado acidente de trabalho sofrido.

A ré Seguradora contestou, aceitando a existência do contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho celebrado entre si e a ré "DD”, mas não aceitou a qualificação do acidente dos autos como de trabalho, por entender que o AVC foi consequência de doença natural do sinistrado, inexistindo nexo causal entre o acidente de viação e as lesões apresentadas pelo sinistrado - (1).
Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Também a ré "DD" contestou.
Impugnou factos da p.i. e sustentou que a qualificação do acidente como de trabalho é uma questão controvertida a ser dirimida pelo Tribunal.
Concluiu pedindo a procedência parcial da acção.

Saneada, condensada e julgada a causa, com gravação da prova, foi proferida sentença cuja parte dispositiva foi do seguinte teor:
“(...), decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,
a) Fixar ao autor/sinistrado uma Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) e uma Incapacidade Permanente Parcial de 70 % desde o dia imediato ao da alta;
b) Condenar a "BB – Companhia de Seguros de Comércio e Indústria, S. A." a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalicia de 40.993,73 (quarenta mil novecentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos), acrescida de € 4.279,20 (quatro mil duzentos e setenta e nove euros e vinte cêntimos) a título de subsídio por elevada incapacidade permanente e das quantias de 45.999,42 (quarenta e cinco mil novecentos e noventa e nove euros e quarenta e dois cêntimos) a título de indemnizações por ITA sofridas e de € 14,18 (catorze euros e dezoito cêntimos) a título de transportes, tudo acrescido dos correspondentes juros à taxa legal desde a data da alta e
c) Condenar a "Laboratórios DD, S. A." a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no montante de € 2.367,52 (dois mil trezentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), a quantia de € 2.656,62 (dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) a título de indemnizações pela ITA sofrida e a quantia de € 0,82 (oitenta e dois cêntimos) a título de despesas com transporte, tomando-se em consideração a quantia de € 26.912,80 (vinte e seis mil novecentos e doze euros e oitenta cêntimos) já entregue ao sinistrado por esta ré;
d) Condenar as rés, na medida das respectivas responsabilidades, na quantia a liquidar em execução de sentença e relativa às despesas hospitalares, médico-medicamentosas, meios complementares de diagnóstico, sessões de fisioterapia e de hidroterapia decorrentes do AVC sofrido pelo autor e suas sequelas, acrescida dos correspondentes juros à taxa legal desde a data da alta;
e) Absolver as rés do demais peticionado e, ainda, a ré Laboratórios DD do incidente de litigância de má fé
(...)”.
A ré seguradora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a sentença.

II – De novo inconformada, a seguradora interpôs a presente revista, em que apresentou as seguintes conclusões:
1ª - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso de Apelação interposto e confirmou inteiramente a sentença impugnada, com o fundamento de estarmos em presença de uma presunção de acidente de trabalho, nos termos do nºs do art° 6° da Lei 100/97, com o que não pode a recorrente conformar-se pelos motivos que, de seguida, passa a expor.
2ª - Tal como se refere e bem no douto Acórdão recorrido, a questão decidenda consiste em se saber se existe nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado e o acidente de viação ocorrido no dia 7 de Maio de 2003, a fim de se concluir pela existência de um acidente de trabalho, sendo esta a questão a que se confina o presente recurso, como se demonstrará.
3ª - No dia 7 de Maio de 2003, pelas 8 horas e 25 minutos, o autor dirigia-se para o seu local de trabalho ao volante do veículo automóvel de marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula 00-00-TE, quando, junto às portagens de Sacavém, o veículo que conduzia sofreu um embate na parte traseira, causado por outro veículo (alínea C dos factos assentes).
4ª - Logo a seguir ao embate, o autor saiu da sua viatura para se inteirar do estado da mesma (alínea D dos factos assentes).
5ª - O autor foi acometido de um AVC, tendo sido levado de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde permaneceu internado até ao dia 9 de Maio de 2003, data em que foi transferido para o Hospital CUF - Infante Santo, onde permaneceu internado até ao dia 31 de Maio de 2003 (alínea E dos factos assentes)
6ª - Passemos agora aos factos inseridos nos quesitos 9, 10, 11 e 12, inclusive, da Base Instrutória, os quais mereceram, e bem, resposta negativa por parte do digno "Tribunal a quo", respostas estas às quais o douto Acórdão recorrido não deu a menor importância, não obstante as mesmas se apresentarem, por si só, mais do que suficientes para se poder concluir de que não estamos em presença de qualquer acidente de trabalho sofrido pelo A.. Basta para tanto ter-se em atenção, como não poderá deixar de ser, os factos contidos em cada um dos referidos quesitos e a forma como estão formulados, tal como se passa a enunciar:
- Quesito 9 - O acidente descrito em C) provocou uma perturbação emocional ao autor? (Resposta negativa)
E
- Quesito 10 - Determinou uma alteração imediata da sua tensão arterial? (Resposta negativa)
Pelo que
- Quesito 11 - O autor foi acometido de um AVC cinco a dez minutos depois do referido em D)? (Resposta negativa)
- Quesito 12 - O autor ficou a sofrer, em consequência do acidente sofrido, de:
- perda de equilíbrio;
- uma incapacidade que lhe afecta os movimentos das pernas e dos braços e
- perda de audição quase total do ouvido esquerdo? (provado apenas que o autor sofre de perda de equilíbrio e de audição quase total do ouvido esquerdo e de uma incapacidade que lhe afecta os movimentos das pernas e dos braços).
7ª - Na cassete 1 - lado A - voltas 0000 a 4927 encontra-se gravado o depoimento da testemunha - Dr. J... que foi o médico neurologista que prestou assistência clínica ao A., no Hospital Cuf - Infante Santo, após aquele ter sido acometido do AVC de que tratam os autos.
8ª - Esta mesma testemunha, no depoimento que prestou, revelou ao Tribunal, que, face à sintomatologia apresentada pelo A., a lesão, que esclareceu, estava na origem de um edema cerebral, não resultava de qualquer traumatismo craneano. Acrescentou, que ainda que tivesse havido um grave traumatismo craneano, o tipo de hematoma provocado por contusão do cérebro, é diferente daquele hematoma que o A. apresentava naquele momento.
9ª - Mais esclareceu que a lesão do A. estava relacionada com a tensão arterial do paciente, a qual se aproveita para esclarecer, de acordo com a matéria dada como provada, não sofreu qualquer alteração após o acidente.
10ª - O hematoma teria precedido o acidente de viação.
11ª - Referiu ainda que um indivíduo quando sofre uma hemorragia cerebral, das duas uma, ou morre rapidamente, ou entra em coma, ou há um desencadear progressivo de sinais. A lesão começa por ser relativamente pequena e depois transforma-se em dimensões bastante maiores, com edema do cérebro e portanto os sinais neurológicos agravam-se rápida e progressivamente.
12ª - Na cassete 3, lado A – Voltas 0000 A 1019 – encontra-se gravado o depoimento da testemunha M..., que à data dos factos era colega de trabalho do A ..
13ª - Este, no depoimento que prestou, disse ao Tribunal que vinha quatro carros atrás do A ..
14ª - O A. passou na via verde. A testemunha passou na mesma portagem na via ao lado onde tirou o ticket. O A. estava fora do carro e a testemunha perguntou-lhe se era preciso alguma coisa, se estava tudo bem com ele, ao que o A. respondeu que estava tudo bem, que não havia problemas e que a testemunha podia ir andando.
15ª - A testemunha abandonou o local, tendo circulado lentamente olhando para trás.
16ª – Ora, no douto Acórdão recorrido, não se faz sequer a menor menção à gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas, sendo certo que a análise dos mesmos ajuda a compreender o que é que aconteceu ao A no dia do alegado acidente.
17ª - A testemunha Dr. J... trata-se do médico neurologista que prestou assistência clínica ao A., no Hospital da CUF - Infante Santo, após aquele ter sido acometido do AVC de que tratam os autos.
18ª - Ninguém melhor do que este médico poderia explicar ao Tribunal o que é que terá determinado o AVC que atingiu o A. na data em apreço.
19ª - No depoimento prestado, o médico não se limitou a dizer que o A. tinha sofrido um AVC. Esclareceu o Tribunal em que circunstâncias é que o mesmo se verificou.
20ª - As explicações prestadas pelo médico ao Tribunal foram no sentido de esclarecer que o A. apresentava um hematoma no cérebro que nada tinha a ver com qualquer hematoma traumático, dado que são totalmente diferentes.
21ª - O hematoma que o A. apresentava era precedente ao acidente.
22ª - Mais esclareceu a testemunha que um indivíduo quando sofre uma hemorragia cerebral das duas uma, morre rapidamente ou entra em coma, ou há um desencadear progressivo de sinais.
23ª - A lesão começa por ser relativamente pequena e depois transforma-se em dimensões bastante maiores, com edema do cérebro e portanto os sinais neurológicos agravam-se rápida e progressivamente.
24ª - Dos esclarecimentos prestados pelo médico verifica-se, sem sombras de dúvidas, de que o AVC sofrido pelo A. se enquadra no quadro clínico descrito em último lugar, ou seja, pertence àquele grupo de pessoas cujo AVC é precedido de um edema cerebral, que constitui um sinal neurológico que se vai agravando rápida e progressivamente.
25ª - Para melhor compreender os esclarecimentos prestados pelo médico neurologista, que, repete-se, foi o primeiro médico que prestou assistência ao A., logo que o mesmo foi conduzido ao hospital, há que considerar as respostas negativas dadas aos quesitos 9, 10, 11 e 12 da base instrutória.
26ª - Com efeito, através destas, verifica-se que não logrou o A. fazer prova de que o acidente lhe tivesse provocado qualquer perturbação emocional, bem como uma alteração imediata da sua tensão arterial, perda de equilíbrio e incapacidade que lhe afectasse os movimentos das pernas e dos braços e perda de audição.
27ª - E mais importante que isso, não logrou o A. provar, tal como lhe competia, de que foi acometido de um AVC, cinco a dez minutos depois do acidente, o que equivale a dizer, a seguir ao acidente.
28ª - Aliás, os depoimentos prestados pelo colega de trabalho do A., o já referido M..., completam, se é que tal é possível ou até mesmo necessário, o depoimento prestado pelo médico, Dr. J...
29ª - Isto porque, no dia do alegado acidente, o mesmo cruzou-se na portagem com o A., tendo-o visto fora do carro e a quem perguntou se precisava dalguma coisa, ao que o A. respondeu que estava tudo bem com ele, que não havia problemas e que aquele se podia ir embora.
30ª - Também de acordo com o depoimento desta mesma testemunha, esta abandonou o local, lentamente, a olhar para trás, não tendo assistido a alguma coisa de anormal no que respeita ao A., o que seguramente não sucederia caso este tivesse sido acometido a seguir ao acidente de um AVC.
31ª - No que respeita às referidas testemunhas, quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal da Relação não deram a menor importância aos depoimentos que estas prestaram, sendo de salientar, no tocante a este último, que nem sequer deu a menor importância ao pedido formulado pela recorrente, quanto à apreciação da prova gravada.
32ª - Da prova produzida, verifica-se que o AVC sofrido pelo A., nada tem a ver com o acidente de viação de que o mesmo alega ter sido vítima, tratando-se, isso sim, de uma doença natural sem qualquer nexo causal com o referido acidente, acidente este que, repete-se, sempre se tratou de um acidente "envolvido em grande mistério".
33ª - Verifica-se, pois, que não estamos em presença de nenhum acidente de trabalho, por ausência de nexo causal entre o mesmo e as lesões apresentadas pelo A ..
34ª - Não gozando o A., tal como vem referido na douta sentença recorrida, das presunções plasmadas nos já referidos artigos 6° n.º 5 da LAT e 7° n.º 1 do RLAT.
35ª - Com efeito, da prova produzida, a conclusão a que se chega é a de que o A. foi acometido de doença natural, que se verificou nas circunstâncias descritas, mas que podia muito bem ter acontecido estando o A. em casa ou em quaisquer outro sítio.
36ª - Acresce que, da prova produzida, verifica-se que o AVC de que o A. foi vítima não foi reconhecido a seguir ao acidente.
37ª - No Acórdão recorrido, (página 11), refere-se que dada a sequência dos acontecimentos, não se pode deixar de concluir que a lesão (AVC) foi reconhecida logo a seguir ao acidente – foi no local e a seguir ao embate que foi acometido de AVC –. presumindo-se, por isso, consequência deste, nos termos do n.º 5 do art.º 6° da Lei 100/97 de 13.09.
38ª - Assim sendo, competia ao sinistrado provar que o AVC tinha sido consequência do acidente, o que, tal como vem referido na douta sentença em análise, o mesmo não logrou fazer.
39ª - Do que ficou referido resulta que o Tribunal da Relação, ao negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença impugnada, não teve em atenção a prova testemunhal produzida, tendo assim deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, o que, nos termos da al. d) do art.º 668° do Código do Processo Civil torna o Acórdão nulo.
40ª - Para além disso, o Acórdão recorrido interpretou erradamente os factos como provados, procedendo a uma errada interpretação das normas jurídicas, violando os princípios de direito aplicáveis à matéria em causa, tal como ficou referido.
Pede que o Douto Acórdão recorrido seja considerado nulo ou, caso assim se não entenda, que a acção seja julgada totalmente improcedente com a absolvição da R. do pedido.

O A. e a R. DD contra-alegaram, defendendo a improcedência da revista.

Também a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, no seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, se pronunciou no sentido de ser negada a revista.


III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. Desde 1 de Abril de 1977, o autor exerce, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré "Laboratórios DD, S. A.", as funções de Director de Serviços, auferindo, em 7 de Maio de 2003, a remuneração mensal de € 4.575,14 (quatro mil quinhentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos) x 14 meses (alínea A) dos factos assentes).
2. O autor desempenhava as suas funções nos escritórios da ré "Laboratórios DD, S. A." sitos na Rua ..., 42, Vala do Carregado, Castanheira do Ribatejo (alínea B) dos factos assentes).
3. No dia 7 de Maio de 2003, pelas 8 horas e 25 minutos, o autor dirigia-se para o seu local de trabalho ao volante do veículo automóvel de marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula 00-00-TE quando, junto às portagens de Sacavém, o veículo que conduzia sofreu um embate na parte traseira, causado por outro veículo (alínea C) dos factos assentes).
4. Logo a seguir ao embate, o autor saiu da sua viatura para se inteirar do estado da mesma (alínea D) dos factos assentes).
5. O autor foi acometido de um AVC, tendo sido levado de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde permaneceu internado até ao dia 9 de Maio de 2003, data em que foi transferido para o Hospital CUF – Infante Santo, onde permaneceu internado até ao dia 31 de Maio de 2003 (alínea E) dos factos assentes).
6. De 7 de Maio de 2003 a Dezembro de 2004, a ré "Laboratórios DD, S. A." entregou ao autor a quantia de € 26.912,80 (vinte e seis mil euros novecentos e doze euros e oitenta cêntimos), a título de remunerações correspondentes ao seu salário-base naquele período (alínea F) dos factos assentes).
7. As rés outorgaram entre si um "Contrato de Seguro do Ramo Acidentes de Trabalho", titulado pela apólice n.° 2-1-19-118802/02, mediante o qual a ré "Laboratórios DD, S. A." transferiu para a ré "BB – Companhia de Seguros de Comércio e Indústria, S. A." a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho pela retribuição mensal de € 4.575,14 (quatro mil quinhentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos) x 14 meses (alínea G) dos factos assentes).
8. Em exame médico realizado neste Tribunal, o Senhor Perito reconheceu ao autor uma incapacidade temporária absoluta (ITA), de 08.05.2003 a 07.05.2004, e uma incapacidade permanente e parcial (IPP) de 70%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde a data da alta, 07.05.2004 (alínea H) dos factos assentes).
9. O autor recebeu anualmente uma quantia de valor variável, a título de prémio, que no ano de 2003 foi de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) (resposta ao facto 1) da base instrutória).
10. A ré "Laboratórios DD" atribuiu ao autor um automóvel para uso profissional, que podia ser utilizado a título pessoal mediante autorização para tal, veículo que, à data do acidente, era o melhor identificado em 3. e tinha um valor não inferior a € 10.250,00 (dez mil duzentos e cinquenta euros) por ano (resposta aos factos 2) e 3) da base instrutória).
11. A ré "Laboratórios DD" atribuiu ao autor um telemóvel para uso profissional, que podia ser utilizado a título particular, com um "plafond" mensal máximo de cerca de € 100,00 (cem euros) (resposta aos factos 4) e 5) da base instrutória).
12. O autor sofria, e sofre, de tensão arterial elevada, tendo sido medicado para esta patologia, mostrando-se a sua tensão arterial, aparentemente, estável (resposta aos factos 6), 7) e 8) da base instrutória).
13. O autor sofre de perda de equilíbrio e de audição quase total do ouvido esquerdo e de uma incapacidade que lhe afecta os movimentos das pernas e dos braços (resposta ao facto 12) da base instrutória).
14. O autor tem de usar, com carácter permanente e vitalício, uma prótese auditiva (resposta ao facto 13) da base instrutória).
15. Durante os períodos de internamento referidos em 5.), o autor foi submetido a vários exames médicos e meios complementares de diagnóstico, designadamente, do foro neurológico e do foro auditivo (resposta aos factos 14) e 15) da base instrutória).
16. Desde 31 de Maio de 2003, o autor continua a ter de se submeter a exames médicos e meios complementares de diagnóstico (resposta ao facto 16) da base instrutória).
17. Desde 7 de Maio de 2003 até hoje, o autor despendeu a quantia de € 17.526,11 (dezassete mil quinhentos e vinte e seis euros e onze cêntimos) em despesas hospitalares, médico-medicamentosas, meios complementares de diagnóstico, deslocações de e para o hospital, tratamentos ambulatórios, sessões de fisioterapia, sessões de hidroterapia, aluguer de cadeira de rodas e prótese auditiva (resposta ao facto 17) da base instrutória).
18. A ré "Laboratórios DD, S. A." reconheceu, em conversas mantidas com familiares directos do autor, o AVC e as suas consequências directas como acidente de trabalho (resposta ao facto 18) da base instrutória).

IV – As instâncias entenderam que se verificava a presunção do n.º 5 do art.º 6º da Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13.9 (doravante designada por LAT), e do n.º 1 do art.º 7º do Regulamento dessa Lei, aprovado pelo DL n.º 143/99, de 30.04 (doravante designada por RLAT), motivo por que qualificaram o acidente como de trabalho e condenaram a R. no pagamento das correspondentes reparações, acima mencionadas.

A R. seguradora discorda do acórdão recorrido, invocando, em síntese, que o mesmo não valorou correctamente a prova testemunhal produzida, designadamente os depoimentos do Dr. J..., médico neurologista, e de M..., colega do A., dos quais resultaria, em seu entender, que o AVC sofrido pelo A. nada teve a ver com o acidente de viação por ele sofrido, antes se tratou de uma doença natural sem qualquer nexo de causalidade com esse acidente.
Mais defende que, face à prova produzida, a lesão sofrida pelo A. não foi reconhecida a seguir ao acidente, pois o A., após o embate, saiu do seu veículo e falou com o seu colega de trabalho, M ..., que se cruzou com ele na portagem, tendo-lhe comunicado que estava tudo bem e que não havia problemas, pelo que o A. não goza da presunção prevista nos art.ºs 6º, n.º 5 da LAT e 7º, n.º 1 do RLAT.
Invoca ainda a nulidade do acórdão recorrido prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 668º do CPC.
Defende que, a não colher a nulidade, deve ser absolvida do pedido, por não estar provado directamente ou por via presuntiva, o nexo causal entre o acidente e a lesão sofrida pelo A. (AVC), pelo que não se está perante um acidente de trabalho.
São, pois, essas as questões que, levadas às conclusões, constituem objecto da revista (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção aplicável, que é a anterior à actual).

Conhecendo:
Na apelação, a R. recorrente não impugnou qualquer das respostas à matéria de facto, limitando-se a mencionar que certas considerações da sentença estavam, em seu entender, em contradição com parte dos depoimentos gravados, prestados em julgamento pelas acima referidas testemunhas, depoimentos que revelariam que o AVC sofrido pelo A. nada teve a ver com o acidente de viação, tratando-se de uma doença natural sem qualquer nexo causal com tal acidente.
Na revista, não atacando qualquer aspecto relacionado com a não alteração das respostas, a recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 668º do CPC, por, segundo refere, o acórdão não ter tido em atenção tal prova testemunhal produzida e gravada, que, segundo refere na conclusão 16ª, ajudaria a compreender o que aconteceu ao A., no dia do acidente, em termos de permitir concluir pela não verificação do nexo causal entre o acidente e a lesão sofrida pelo A..
Apreciando, há que dizer que este Supremo não pode, no caso, conhecer da arguida nulidade, porque formulada por meio inadequado.
Isto porque a sua arguição não foi feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição da revista - (2) , como exige o art.º 77º, n.º 1 do CPT - (3). (aprovado pelo DL n.º 480/99, de 09.11) – aplicável também aos acórdãos da Relação, nos termos conjugados dos art.ºs 1º, n.º 2, a) desse Código e 716º, n.º 1 do CPC –, conforme jurisprudência uniforme dessa 4ª Secção.
Na verdade, nesse requerimento, a R. limitou-se a interpor revista do acórdão da Relação, não fazendo qualquer menção à arguição da nulidade ora em apreço, que veio a invocar apenas na alegação da revista e suas conclusões.

Complementarmente, há que dizer que, dados os limitados e excepcionais poderes do STJ, em matéria de facto, previstos nos art.ºs 722º, n.º 2 e 729º, n.ºs 2 e 3 do CPC, não abrangidos pela hipótese em causa, não é possível a este Tribunal proceder à audição dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento em ordem a firmar uma convicção própria sobre os factos levados à Base Instrutória, alterando as respectivas respostas, ou sobre pontos não constantes dessa Base.
Por isso, a factualidade a atender é a que acima se deixou transcrita em III, por não haver fundamento legal para a alterar.

Conhecendo agora da verificação ou não de nexo causal entre o acidente e a lesão sofrida pelo A. e da inerente qualificação ou não do acidente como de trabalho, com as respectivas consequências.
Como já vimos, está apenas em causa saber se, por via da presunção do art.º 6º, nº 5 da LAT, é de concluir pela existência ou não de nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo A. e a lesão por ele apresentada (diga-se que não vem questionado na revista – e não constitui, pois, objecto da mesma – a verificação dos demais requisitos indispensáveis ao preenchimento de acidente de trabalho reparável, incluindo a verificação do nexo causal entre tal lesão e as consequências, a nível de ITA e IPP apuradas), com as inerentes consequências de haver ou não lugar à respectiva reparação infortunística pela recorrente.

Atenta a data dos factos ocorridos (7 de Maio de 2003), e como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, é aplicável ao caso o regime constante dos referidos LAT e RLAT, como resulta do disposto nos art.ºs 41º, n.º 1 daquela e 71º do RLAT e ainda do DL n.º 382-A/99, de 22.9.

O art.º 6º, nº 1 da LAT dá-nos a definição genérica de acidente de trabalho, dispondo que “ é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte ”.
O seu n.º 2 alarga a noção a outras situações, estabelecendo, no que aqui interessa:
“Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos do que vier a ser definido em regulamentação posterior;
(...)”.
Por seu turno, o art.º 6º do RLAT dispõe, assim, na parte que aqui interessa:
“2. Na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º da lei estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador:
a) Entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho;
(...)
3. Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pelas necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito”.
Pode, assim, como quadro genérico, continuar a dizer-se, tal como acontecia face à Base V da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 2127, de 3.8.1965, que a caracterização de um acidente de trabalho pressupõe a verificação de três elementos ou requisitos:
a) um elemento espacial – em regra, o local de trabalho, sendo, porém, que nos denominados acidentes de trajecto ou “in itinere”, previstos na alínea a) do n.º 2 do art.º 6º do RLAT, como o que está em causa nos autos, o elemento espacial é integrado pelo trajecto aí definido.
b) um elemento temporal – em regra, correspondente ao tempo de trabalho, mas, nos referidos acidentes de trajecto, definido pelo tempo de duração desse trajecto, tal como definido nessa alínea a), com a clarificação contida no n.º 3 desse art.º 6º.
c) um elemento causal – nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte - (4).
Ou seja, no que respeita à referida modalidade de acidentes de trajecto, o acidente de trabalho pressupõe um evento ocorrido nesse trajecto e durante o referido período de tempo e a verificação de uma cadeia de factos interligados por um nexo causal. Assim, a lesão corporal, perturbação funcional ou doença hão-de resultar desse evento; e a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho devem ser causadas pela lesão corporal, perturbação funcional ou doença.
E tem sido geralmente entendido que, em regra, o acidente consiste num evento externo, súbito e violento que produz, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença.

Como regra, os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho hão-de ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado ( art.º 342º, n.º 1 do CC ).
Contudo, há aspectos em que a lei facilita a tarefa do sinistrado ou seus beneficiários, criando presunções a seu favor.
É assim que o art.º 6º da LAT dispõe:
“5. Se a lesão, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste.
6. Se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência deste ” - (5).
Esse n.º 5 reproduz, com pequenas e irrelevantes diferenças de redacção, o que já constava do n.º 4 da Base V da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 2127, de 3.8.1965.

Segundo orientação firmada nesta Secção Social, o sentido útil da presunção estabelecida no referido n.º 5 do art.º 6º é o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento (acidente) causador das lesões.
Tal presunção assenta a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima, de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença), que justificam, na visão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o benefício atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível de prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente e a lesão -(6).
Sendo de entender que o nexo de causalidade entre as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças contraídas no acidente e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte da vítima, não está abrangido nas referidas presunções, sendo a sua demonstração um ónus dos sinistrados ou seus beneficiários - (7).
E como resulta da sua letra – e à semelhança da posição já defendida perante a correspondente norma da Lei de 1965 –, o n.º 5 do art.º 6º da LAT consagra uma presunção juris tantum, ou seja, ilidível.

Feitas estas considerações introdutórias, vejamos o caso dos autos.
No que interessa para a apreciação da questão ora em apreço, vêm provados os seguintes factos:
1. Desde 1 de Abril de 1977 o autor exerce, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré “Laboratórios DD, S. A.”, as funções de Director de Serviços, auferindo, em 7 de Maio de 2003, a remuneração mensal de (...) – alínea A) dos factos assentes.
2. O autor desempenhava as suas funções nos escritórios da ré “Laboratórios DD, S. A.” sitos na Rua d...., 00, Vala do Carregado, Castanheira do Ribatejo (alínea B) dos factos assentes).
3. No dia 7 de Maio de 2003, pelas 8 horas e 25 minutos, o autor dirigia-se para o seu local de trabalho ao volante do veículo automóvel de marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula 00-00-TE quando, junto às portagens de Sacavém, o veículo que conduzia sofreu um embate na parte traseira, causado por outro veículo (alínea C) dos factos assentes).
4. Logo a seguir ao embate, o autor saiu da sua viatura para se inteirar do estado da mesma (alínea D) dos factos assentes).
5. O autor foi acometido de um AVC, tendo sido levado de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde permaneceu internado até ao dia 9 de Maio de 2003, data em que foi transferido para o Hospital CUF – Infante Santo, onde permaneceu internado até ao dia 31 de Maio de 2003 (alínea E) dos factos assentes).
8. Em exame médico realizado neste Tribunal o Senhor Perito reconheceu ao autor uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 08.05.2003 a 07.05.2004 e uma incapacidade permanente e parcial (IPP) de 70%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) desde a data da alta, 07.05.2004 (alínea H) dos factos assentes).
12. O autor sofria, e sofre, de tensão arterial elevada, tendo sido medicado para esta patologia, mostrando-se a sua tensão arterial, aparentemente, estável (resposta aos factos 6), 7) e 8) da base instrutória).

Embora não se tenha provado, como o A. havia alegado, que o embate em causa lhe provocou uma perturbação emocional e lhe determinou uma alteração imediata da tensão arterial, razão por que teria sido acometido do AVC, nem que este tenha ocorrido cinco ou dez minutos depois de ocorrido o embate - (8), o certo é que resultou apurado que o A. - (9), sofreu o AVC no trajecto que efectuava para o seu local de trabalho, após ter saído da viatura que conduzia, numa interrupção forçada e justificada desse trajecto, ditada por caso de força maior, na sequência da colisão do outro veículo no seu, AVC que ditou o seu transporte, do local onde ocorreu o embate, para o Hospital de Santa Maria, onde ficou internado.
Não vindo demonstrado qualquer facto, acontecimento ou actuação, vg. imputável ao A., ocorrido entre o momento do embate e a ocorrência do AVC, com virtualidade para afastar a aplicação do regime legal consagrado nos termos conjugados dos n.ºs 2, al. a) e 5 do art.º 6º da LAT, e do art.º 6º, n.º 2, al. a) do RLAT.
Nesse quadro fáctico apurado, entendemos, à semelhança das instâncias e do Parecer do Mº Pº neste Supremo, que é de concluir pela verificação da presunção, não ilidida, do nexo causal em apreço, no quadro do art.º 6º, n.º 5 da LAT, conjugado com os art.ºs 6º, n.º 2, a) e 9º, n.º 1 do RLAT.
Isto porque é lícito assentar, dentro da apontada corrente jurisprudencial, que a lesão (AVC) sofrida pelo A. foi reconhecida, no local do mencionado embate e a seguir à ocorrência deste.
E, repete-se, as rés não lograram, como lhes cabia, provar factos que ilidam a dita presunção, sendo que esta só cede com a prova do contrário, não bastando criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto presumido - (10)..
Com efeito tinham as RR. que alegar e provar – o que não fizeram – factos de que se pudesse concluir que o AVC não resultou, directa ou indirectamente, do aludido embate entre os 2 veículos, nomeadamente que se tratou de um AVC exclusivamente devido a uma doença ou predisposição patológica de que o A. já sofresse.
É certo que vem provado que o A. sofria de tensão arterial elevada, mas não é menos verdade que está assente também que ele tinha sido medicado para tal patologia, mostrando-se a sua tensão arterial, aparentemente, estável, o que reflecte a ideia de um controle médico da situação.
Sendo que, como é sabido, factores vários, incluindo de ordem emocional ou sentimental, podem determinar a eclosão de um AVC.
Ora, resulta do disposto no n.º 1 do art.º 9º da LAT que o simples facto de o A. sofrer de tensão arterial elevada não afasta, por si só, a tutela reparadora infortunística.
Na verdade, dispõe-se aí que“a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada”.
Abordando o preceito, escreve Carlos Alegre - (11), no que agora interessa:
“(...), o número 1 trata a situação de o sinistrado, que por força de uma sua predisposição patológica vier a sofrer sequelas do acidente que não ocorreriam se não fosse aquela predisposição.
A predisposição patológica não é, em si, doença ou patogenia: é antes uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vária intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.
Por isso, a predisposição patológica não exclui o direito à reparação integral”.
Sendo de referir que, no caso, não vem questionado na revista, nem, aliás, vem provado nem sequer foi alegado, nos autos, que o A. tenha ocultado a sua situação de tensão arterial elevada, sendo que o ónus de alegação e prova de tal ocultação cabia às RR., conforme art.º 342º, n.º 2 do Cód. Civil, por se estar perante facto impeditivo da responsabilidade infortunística - (12).
A recorrente não logrou, pois, ilidir a presunção prevista no n.º 5 do art.º 6º da LAT.
E, assim, concluímos pela verificação do nexo causal, embora presumido, entre o acidente de trabalho (o aludido embate) e a lesão (AVC) sofrida pelo A., sendo que, como já dissemos, essa era a única questão suscitada na revista, em sede de determinação da responsabilidade infortunística da R seguradora.
Improcede, pois, o recurso.


V – Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas da revista a cargo da R. seguradora.

Lisboa, 07 de Maio de 2008


Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

___________________________________
(1) - Esta fora já a posição da R. seguradora, na tentativa de conciliação, de cujo auto, a fls. 149, ficou a constar que “não aceita o nexo causal entre as lesões descritas pelo Senhor Perito Médico do Tribunal no seu exame e o acidente, uma vez que as mesmas não são imputáveis ao acidente de viação sofrido pelo sinistrado, mas a doença natural (AVC hemorrágico).
(2) - Requerimento junto a fls. 798.
(3) - Preceitua este n.º 1 que “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
(4) - Neste sentido, veja-se, por exemplo, o ac. STJ de 05.02.2003, na Revista n.º 1367/02, da 4ª Secção
(5) - E o art.º 7º do RLAT, reproduzindo, com meras alterações de pormenor, o artigo 12º do Decreto n.º 360/71, de 21.8, que aprovou o Regulamento da mencionada Lei de 1965.preceitua:
“1. A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 6º da lei presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho.
2. Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele ”.
(6) - Veja-se, neste sentido, por exemplo, o acórdão do STJ, 4ª Secção, de 7.10.1999, na Rev. n.º 169/99, nos “Sumários da Secção Social do STJ ”, de 1999, págs. 114/115.
(7) - Como o não estava nas correspondentes presunções da LAT 1965 e seu regulamento. Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 12.12.1980, no BMJ 302º-212, citado por Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, ed. de 1983, págs. 28 e 209, e cuja posição mantém actualidade.
(8) - Ver respostas negativas aos n.ºs 9 a 11 da Base Instrutória.
(9) - Residente, à data, em Lisboa, segundo os dados documentais constantes dos autos, a fls. 80, 99, 128 e 205, referentes ao seu internamento e à participação do acidente.
(10) - Veja-se sobre esta problemática, o acórdão do STJ de 29.11.2005, na Revista n.º 1964/05, desta 4ª Secção.
(11) - Ob. cit., p. 69.
(12) - Nessa linha, escreve Carlos Alegre, ob. cit., pág. 70: “Judicialmente, em termos de processo especial emergente de acidente de trabalho, não cabe ao sinistrado provar que não conhecia e ocultou a predisposição patológica de que é portador, mas à entidade responsável demonstrar que aquele não só conhecia, de forma clara e inequívoca, como a ocultou da entidade empregadora, no momento em que celebrou o contrato de trabalho ou equivalente, ou no momento em que dela teve conhecimento”.