Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
| Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ARQUIVAMENTO DO PROCESSO CONVOLAÇÃO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA ACORDO REVISTA EXCEPCIONAL REVISTA EXCECIONAL OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
| Data do Acordão: | 07/04/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
| Doutrina: | - Tomé De Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 8.ª edição, Julho 2017, p. 238 e 239. | ||
| Legislação Nacional: | LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (LPCJP), APROVADO PELA LEI N.º 147/99, DE 01 DE SETEMBRO (LPCJP): - ARTIGO 111.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 663.º N.º 2-. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 31-01-2019, PROCESSO N.º 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | Quando o juiz decide o arquivamento do processo nos termos do artigo 111º da LPCJP concluindo que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e protecção, pode, por apenso, decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo em vista o superior interesse da criança. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO Em 28.5.2018 o Ministério Público requereu, no Juízo de Família e Menores de …, procedimento judicial de promoção e protecção relativo a AA, nascida a ….01.2018, filha de BB e de CC. Alegou, em síntese, que em virtude de a requerida se encontrar numa situação de vulnerabilidade emocional, com historial de vivência em instituição e dificuldades económicas, com deficiente suporte familiar e desinteresse do progenitor da criança, foi-lhe aplicada, com o seu acordo, a medida de acolhimento residencial por seis meses, concretizada na instituição “DD”. A requerida deixou a instituição, com a criança, incumprindo o acordo, o que determinou a remessa do processo ao Ministério Público. O Ministério Público pediu que fosse declarada aberta a instrução, com audição dos progenitores e, a final, caso se justificasse, até por os progenitores estarem separados, fosse cumprido o disposto nos artigos 110.º, n.º 1, al. b), 112.º e/ou 112.º-A da LPCJP. Em 04.6.2018 foi declarada aberta a instrução e solicitada a elaboração de relatório com informação acerca da situação vivencial da criança AA (fls 83). Em 18.7.2018 (fls 90 a 94) deu entrada no processo o relatório social elaborado pela Equipa Multidisciplinar de Assessoria Técnica de …/…, no qual se concluiu: “Face ao exposto, e tendo por base as diligências realizadas, considera-se que estão salvaguardados os cuidados à criança, e que esta se encontra bem, deixando de se verificar a situação de perigo que deu origem à sinalização, ou outra das situações de perigo, enunciadas no art.º 3.º, da Lei 147/99 de 1 de Setembro. Somos de parecer, salvo melhor entendimento desse douto tribunal, de que não se considera, pelos motivos invocados, necessária a aplicação de uma medida de promoção e protecção, propondo-se o arquivamento dos autos.” Em 22.11.2018 (fls 104) o Ministério Público emitiu a seguinte promoção: “Atento os elementos dos autos, v. g. o relatório social da EMAT que antecede, visto que se confirma que os progenitores da criança, da AA, estão separados, não estando, ainda, reguladas as respectivas responsabilidades parentais, sendo justificável, atenta a urgência que decorre dos presentes autos – artigo 102º, nº1 da LPCJP e do superior interesse da criança – artigo 4º, al. a) da mesma Lei, providenciar-se, de imediato, nos presentes autos por, encerrada a instrução, designar-se a respectiva conferência (de pais), tal como se determina nos artigos 110º, nº1, al. b), 2ª parte e 112º-A ambos da LPCJP, sendo que, na parte final do nosso pedido – petição do Ministério Público que originou este P.P.P. Judicial, já constava que tal fosse, oportunamente, ponderado. Efectivamente, está, actualmente, prevista na Lei, na LPCJP, com a redacção da Lei nº142/2005 de 08-09, aquela aconselhável definição da situação tutelar cível, no próprio processo protectivo da criança, no caso, ainda, a decorrer, no superior interesse da mesma. Consagrou-se e bem, na actual redacção da LPCJP, a possibilidade de aproveitamento, para efeitos tutelares cíveis, dos resultados proporcionados pelos processos de promoção e protecção, designadamente a obtenção de acordo tutelar cível, o que racionaliza e simplifica procedimentos, reduzindo significativamente a morosidade da justiça tutelar cível. É o que esclarece, v. g. TOMÉ RAMIÃO e transcrevendo, desde logo, a exposição dos motivos do novo regime da LPCJP: «E para que também nesta área seja possível desburocratizar e simplificar procedimentos, estabelece-se a possibilidade de a regulação das responsabilidades parentais ser acordada no mesmo processo de promoção e de protecção das crianças. Dispensa-se a instauração de um novo processo a decorrer em paralelo e assim resolvem-se mais depressa os conflitos e evita-se, até, a degradação da própria situação familiar”. Em 28.11.2018 (fls 105) foi proferido o seguinte despacho: “Face ao relatório que antecede, a criança AA, na presente data, encontra-se integrada no agregado familiar da progenitora, encontrando-se salvaguardados os cuidados da mesma, revelando-se a mãe boa cuidadora e atenta na prestação de todos os cuidados à filha. Consequentemente e com base nas informações recolhidas, à actualidade, não foram identificados factores de perigo que justifiquem a manutenção do presente processo. Por todo o exposto, uma vez que a AA não evidencia, na presente data, situação de perigo, entendemos não existir fundamento para aplicação de medida de promoção e protecção nos termos e para efeitos do artigo 34º da LPCJP. Assim, atento o disposto nos artigos 34º, a contrario, e 99º da LPCJP, determina-se o arquivamento dos autos”. O Ministério Público apelou deste despacho e a Relação, por acórdão de 21.02.2019 (fls 124 a 128), julgou improcedente a apelação e manteve a decisão recorrida. O Ministério Público interpôs recurso de revista excepcional invocando o disposto no artigo 672º nº 1 alª c) do CPC, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: a) O acórdão proferido nestes autos (acórdão recorrido), confirmou a decisão de primeira instância que determinou o arquivamento do processo de promoção e protecção a favor da menor AA sem designar data para conferência de pais com vista à regulação das responsabilidades parentais como fora requerido pelo Ministério Público; b) No acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18/10/2018 e proferido na apelação n° 12958/17.6T8LRS da 8ª secção (acórdão fundamento), já transitado em julgado, decidiu-se, relativamente a quadro factual idêntico ao dos presentes autos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, de forma contrária; c) Com efeito, não obstante haver, em ambos os processos, fundamento para a intervenção tutelar cível, o certo é que no acórdão recorrido se ratificou o arquivamento do processo por se considerar desnecessária a intrusiva intervenção do Estado na vida familiar, enquanto no acórdão fundamento ordenou-se a convolação do processo de promoção e protecção em processo tutelar cível, por se entender, face à separação dos pais, que tal solução era que melhor prosseguia o superior da criança; d) Está pois, demonstrada a contradição de julgados entre dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito o que legitima o recurso à presente revista excepcional e aqui expressamente se alega nos termos e para os efeitos do disposto pelo artº 672° n° 1 alª c) e 2 alª c) do Código de Processo Civil, assim se legitimando o recurso à presente revista excepcional. e) No caso dos presentes autos, apesar de não persistir a situação de perigo que levou à instauração do processo de promoção e protecção, subsiste fundamento para a intervenção tutelar cível por via da regulação das responsabilidades parentais pois o pai e a mão da menor vivem separados; f) A solução adoptada pelo acórdão recorrido implica a instauração de novo procedimento judicial e forçosamente, conduzirá à prática de actos inúteis e à repetição de actos já praticados no processo de promoção e protecção, causando, por isso, graves transtornos para os intervenientes processuais e para a própria administração da justiça. g) Subscrevemos o entendimento sufragado no acórdão fundamento por ser o que se coaduna com os princípios da celeridade e economia processuais, com a letra e espírito da lei - arts 1906° e 1912° do Código Civil e 43° n° 3 da Lei n° 141/2015 de 8/9 (RGPTC), 110° n° 1 ai. b), 2a parte e 112°-A da LPCJP - e sobretudo, por salvaguardar o superior interesse da criança. h) Ao manter o despacho determinando o arquivamento dos autos sem designar data para conferência de pais com vista à regulação das responsabilidades parentais relativas à menor AA, o acórdão recorrido violou o disposto pelos arts 1906° e 1912° do Código Civil, 43° n° 3 da Lei n° 141/2015 de 8/9 (RGPTC), 4º alª a), 110° n° 1 alª b), 2ª parte e 112°-A da LPCJP. Termina, pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que ordene a designação de data para realização de conferência de pais com vista à regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor AA. Não houve contra-alegações. Remetidos os autos à Formação a que alude o artigo 672º nº 3 do Código de Processo Civil, em 06.06.2019 foi proferido acórdão (fls 165 e 166) que ordenou o envio do processo à distribuição como revista normal, porque, estando perante um processo de jurisdição voluntária, “ a decisão sobre eventual bloqueio recursório emergente do nº 2 do artigo 988º do Código de Processo Civil, não lhe cabe sob pena de poder estar a invadir o mérito o recurso”. Além disso, continua o acórdão, “havendo de ser assim enviado, caberá inerentemente ao (…) relator, e salvo prejudicialidade, conhecer da admissibilidade do recurso face aos nº 1 e 2 do artigo 671º e até perante eventual aproveitabilidade da contradição invocada para efeitos da alínea d) do nº 2 do artigo 629º, ainda do mesmo código. Se de tudo resultar a hipótese de admissibilidade apenas segundo as regras próprias da revista excepcional, então voltarão os autos”. Os vistos tiveram lugar nos termos do disposto nos artigos 657º nº 2, segunda parte ex vi artigo 679º, ambos do CPC. II - FUNDAMENTAÇÃO A) Fundamentação de facto Os factos a ter em consideração são os constantes no Relatório. B) Fundamentação de direito A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se, no despacho de encerramento da instrução, constatada a necessidade de intervenção tutelar cível, se pode encerrar o processo de promoção e protecção ou deve ser designada data para a conferência de pais com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor AA. O quadro factual essencial é o seguinte: - A AA, nasceu a … .01.2018 e é filha de CC e BB (doc fls 49). - No relatório social elaborado pela Equipa Multidisciplinar de Assessoria Técnica de …/…, concluiu-se de que não se considera necessária a aplicação de uma medida de promoção e protecção, propondo-se o arquivamento dos autos - (fls 90 a 94). - Em 22.11.2018 (fls 104), o Ministério Público promoveu que, encerrada a instrução, sejam reguladas as respectivas responsabilidades parentais. - Por despacho de 28.11.2018 (fls 105) foi determinado o arquivamento dos autos, nos termos dos artigos 34º, a contrario, e 99º da LPCJP”. - O acórdão recorrido de 21.02.2019 manteve a decisão recorrida e encontra-se assim sumariado: “O aproveitamento, para efeitos tutelares cíveis, dos resultados do processo de promoção e protecção de criança, visado pelos artigos 110.º n.º 1 al. b) e 112.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, não impõe que, constatando-se que a criança alvo de processo de protecção não corre perigo, o processo prossiga para fins tutelares cíveis, em lugar de se proceder ao seu imediato arquivamento”. ** Dispõe o artigo 110º nº 1, alª a) da LPCJP (Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2003, de 2 de Agosto, e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro): 1 - O juiz, ouvido o Ministério Público, declara encerrada a instrução e: a) Decide o arquivamento do processo; b) Designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção ou tutelar cível adequado. Segundo o artigo 111º “o juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e protecção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação”. De acordo com o disposto no artigo 112º-A[1], nº 1 “Na conferência e verificados os pressupostos legais, o juiz homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a constar por apenso”. Em anotação a este artigo escreveu Tomé De Almeida Ramião[2]: Este preceito foi acrescentado pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro. E quanto à justificação deste novo regime explicitou o legislador: “E para que também nesta área seja possível desburocratizar e simplificar procedimentos, estabeleceu-se a possibilidade de a regulação das responsabilidades parentais ser acordada no mesmo processo de promoção e protecção das crianças. Dispensa-se a instauração de um novo processo a decorrer em paralelo e assim resolvem-se mais depressa os conflitos e evita-se, até a degradação da própria situação familiar”- exposição motivos. Regula-se os termos subsequentes quando se opte pela conferência com vista à obtenção de acordo tutelar cível, a designar nos termos previstos nos artºs 106º/2, al. a) e 110º/1, al. b). Estabelece-se que se na conferência se mostrarem verificados os pressupostos legais o juiz homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a constar por apenso, sendo o processo de promoção e protecção arquivado (nº 1). Não havendo acordo, seguem-se os trâmites dos artigos 38º a 40º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ou seja, o regime que se mostra previsto para a regulação das responsabilidades parentais, o que significa a convolação do processo de promoção e protecção em processo tutelar cível”. - O acórdão fundamento da Relação de Lisboa de 18.10.2018[3] junto com as alegações de revista do Ministério Público, - num quadro factual idêntico à dos presentes autos, em que foi declarada encerrada a instrução e determinado o oportuno arquivamento dos autos, por não se justificar a aplicação de medida de promoção e protecção face à inexistência de situação de perigo para a criança- artigos 110º, al. a) e 11º da LPCJP -, revogou a decisão recorrida e substituiu-a por outra, determinando o prosseguimento dos autos, com a realização de conferência com vista ao possível acordo da RERP, tendo em vista o superior interesse da criança. Como bem observou a Formação, estamos perante dois acórdãos da Relação que estão em contradição um com o outro, nos termos do disposto no artigo 629º nº 2 alª d) do Código de Processo Civil. No presente recurso de revista, o recorrente argumenta, na esteira do acórdão fundamento, que se deve ordenar a convolação do processo de promoção e protecção em processo tutelar cível, por se entender, face à separação dos pais, que tal solução era que melhor prosseguia o superior interesse da criança. Enunciados os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar a presente decisão, não temos dúvidas em afirmar, sem margem para maiores considerações que a razão está do lado do recorrente. Assim, num contexto de arquivamento do processo nos termos do artigo 111º da LPCJP, pode o juiz, por apenso, decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ordenando a convolação do processo de promoção e protecção em processo tutelar cível. Neste sentido foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 31.01.2019[4]: “Sendo permitida a apensação de processos de natureza diversa relativos à mesma criança (concretamente, Processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais e Processo judicial de promoção e protecção de menor em perigo) e a competência, por conexão, para evitar a prolação de medidas ou decisões judiciais contraditórias, inconciliáveis ou até incompatíveis entre si, com vista a, mais facilmente, garantir e proteger os superiores interesses da criança e jovem, reconhecemos que nada impede que o Tribunal da Relação, aprecie e conheça de decisão proferida, no âmbito do processo de promoção e protecção, que, simultaneamente, a ter sido decretada a cessação da medida cautelar com arquivamento dos autos de promoção e protecção de menores, fixou um regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais”. Pelo exposto, procedem as conclusões das alegações do Ministério Público. III - DECISÃO Atento o exposto, concede-se provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido, determinando-se o prosseguimento dos presentes autos, com a realização de conferência com vista a alcançar o acordo em matéria tutelar cível. Sem custas. Lisboa, 04.07.2019 Ilídio Sacarrão Martins (Relator) Nuno Manuel Pinto Oliveira Paula Sá Fernandes _____ [1] Aditado pela Lei nº 142/2015, de 08 de Setembro. |