Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FERNANDES DA SILVA | ||
| Descritores: | PODER DISCIPLINAR REPRESENTANTE NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR | ||
| Data do Acordão: | 03/21/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS DIREITO DO TRABALHO - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR | ||
| Doutrina: | -Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição, pág. 787. -Galvão Telles, Contratos Civis, pág. 71 e segs. - J. Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, pág. 219. - M. Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, 2010, pág.703. - Nuno Abranches Pinto, ‘Instituto Disciplinar Laboral’, Coimbra Editora, 2009, pág. 26. - Romano Martinez, Código do Trabalho, 8.ª edição, 2009, pág.881. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 260.º, N.º1, 1157.º, 1163.º, 1178.º, 1180.º, 1181.º, N.º1. CÓDIGO DO TRABALHO/2009 (CT): - ARTIGOS 98.º, 328.º, N.º1, 329.º, 382.º, N.º2. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22.6.2004, IN CJ/S.T.J., ANO XII, TOMO II, PG. 106-108; -DE 20.12.2000, PROCESSO N.º00S2370, IN WWW.DGSI.PT; -DE 8.11.2006, PROCESSO N.º 06S2579, IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | I - A titularidade do poder disciplinar, enquanto emanação essencial contida no contrato de trabalho, (que, por definição, conforma a posição de supremacia ou autoridade do empregador, nessa relação, por contraposição à característica subordinação jurídica do trabalhador), está legalmente conferida ao empregador. E, sendo um direito potestativo ambivalente, (com reconhecido carácter gravoso nesta sua mais característica manifestação de poder punitivo), importa reconhecer que o seu exercício – conferindo embora ao seu titular uma certa margem de natural elasticidade/discricionariedade – acarreta simultaneamente uma acrescida responsabilidade ante os limites gerais decorrentes da boa fé e do abuso do direito. II - No que tange ao seu exercício, o empregador pode delegar os seus poderes punitivos, quer seja ao superior hierárquico do trabalhador, ou a outra pessoa, nos termos consentidos pelo art. 329.º do CT/2009, sendo certo que tal exercício há-de respeitar os termos estabelecidos pelo empregador, ou seja, sempre estes poderes estarão sujeitos, no seu exercício, à conformação do legítimo titular desse direito. III - Não é de afirmar a invalidade do procedimento disciplinar, (com o fundamento de que a decisão final não foi proferida directamente pela R./empregadora), quando está demonstrado que esta nomeou, para o efeito, como seu procurador, um advogado, a quem conferiu “os mais altos poderes em direito permitidos, e os especiais de dar sequência a um processo disciplinar contra a sua trabalhadora (…), importando esclarecer factos graves ocorridos no local de trabalho no passado dia 07 de Março de 2009, a partir das 14h00”, que, para além de instruir o respectivo processo disciplinar, notificou a A., a final, da decisão de rescindir o contrato de trabalho que a ligava à R., com justa causa e efeito imediato. Desde logo, porque não se verifica a ocorrência de qualquer das omissões elencadas no n.º 2 do art. 382.º do CT e a A., em tempo oportuno, não manifestou que tivesse quaisquer dúvidas sobre a delegação desses poderes, dúvidas que, a existirem, deveria ter dissipado, nos termos determinados no art. 260.º, n.º 1 do CC, exigindo que o representante deles fizesse prova, sob pena de a declaração não produzir efeitos. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I – 1. AA, residente em E..., Valongo, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra «BB &, Ld.ª», com sede na Rua …, …, … Porto, pedindo a declaração de nulidade do seu despedimento, por ser ilícito, dada a ausência de justa causa e invalidade do procedimento disciplinar, e pedindo que seja a Ré condenada a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros legais desde a data da sua citação até ao seu integral pagamento: a. Indemnização por antiguidade, calculada ao abrigo do disposto nos arts. 389.º, n.° 1, a), 391.° e 392° do Código de Trabalho, que se cifra em € 6 576,00, na presente data; b. A quantia remanescente de € 150.22, referente ao pagamento das fracções proporcionais de subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato de trabalho; c. A quantia de € 60,45, referente à fracção proporcional de férias do ano da cessação do contrato; d. A quantia remanescente de € 124,00, referente à remuneração de férias vencida em 1 de Janeiro de 2009; e. A quantia remanescente de € 124,00, referente ao subsídio de férias vencido em 1 de Janeiro de 2009; f. As diferenças salariais correspondentes à categoria profissional da A., conforme supra discriminado, no montante global de € 4 498,76; g. Créditos emergentes do subsídio de refeição, desde 2004 e até Fevereiro de 2009, no valor global de € 5 158,46; h. A quantia de € 2 366,00 referente ao não pagamento do abono para falhas, previsto na cláusula 74.ª do CCTV, aplicável ao sector; i. Créditos emergentes da inexistência de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, desde 2004 até 2008, no valor global de € 781,40; j. Créditos emergentes do trabalho suplementar prestado desde 2004 até à presente data, no valor global de € 14 063,84; k. Indemnização por danos não patrimoniais, em valor a fixar pelo Tribunal, não devendo nunca ser inferior a € 5.000,00; l. O valor das prestações pecuniárias vincendas, respeitantes ao período decorrido desde 30 dias antes da data da propositura da acção (uma vez que a presente acção não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento) até à data do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 390.º do Código de Trabalho, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até integral pagamento, o que, no momento, se computa em € 583,00. Pediu ainda a condenação da Ré a emitir e a entregar-lhe o certificado de trabalho e a declaração comprovativa da situação de desemprego, e que seja extraída certidão, para efeitos de participação à Segurança Social, da matéria alegada nos art. 212.° e 213.° da petição inicial. Alegou para o efeito, em síntese útil, que foi contratada em 2001 como empregada de balcão, e foi despedida por carta do instrutor do processo disciplinar em 2009. Não existe justa causa para o despedimento, e o processo é inválido, de acordo com o art. 382.º do Código do Trabalho, pois que inexiste decisão de despedimento, já que a A. apenas recebeu uma carta simples do instrutor do processo disciplinar, a comunicar a rescisão do contrato com justa causa e efeito imediato, carta da qual não constava a decisão da Ré, fundamentada e com especificação das razões da aplicação daquela sanção. Invocou ainda diferenças salariais face ao CCT aplicável, o pagamento incorrecto do subsídio de refeição, subsídio de férias e subsídio de Natal, o não pagamento do abono para falhas, trabalho suplementar, bem como danos morais. Contestou a ré, pedindo a sua absolvição e alegando, em resumo, que o CCT aplicável não é o indicado pela A., que o processo é válido e que o despedimento se encontra justificado. Impugnou o direito aos valores salariais peticionados e terminou pedindo a condenação da A. como litigante de má-fé. Respondeu a A., insistindo na aplicação do CCT e pronunciando-se sobre diversos pontos. Saneada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, considerou lícito o despedimento e condenou a Ré a pagar à A. a quantia global de € 5.765,68 (cinco mil setecentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora.
2. Inconformada, a A. interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão prolatado a fls. 542-555, deliberou conceder parcial provimento à impugnação, declarando ilícito o despedimento e condenando, em consequência, a R./apelada no imediato pagamento da quantia de € 3. 093,33, e bem assim no montante que vier a apurar-se em liquidação da decisão relativamente às retribuições vencidas e vincendas, tudo nos termos do dispositivo, a que nos reportamos.
É ora a R., que, irresignada, se insurge contra o assim decidido, mediante a presente Revista, cuja motivação remata com estas conclusões: 1 - Deve o STJ, no exercício de um direito que lhe assiste – art. 154.º do C.P.C. – analisar os procedimentos e atitudes anómalas e ofensivas da autoria da A., no decurso do processo e tomar as decisões que julgue adequadas ao caso.
2 - Igualmente deve pronunciar-se acerca da legalidade das alegações apresentadas no recurso apresentado ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente verificando se as mesmas obedecem aos requisitos legais, sem esquecer que o senhor Procurador junto da Relação do Porto já levantou o problema.
3 - Também, atendendo à forma como foi dada sequência ao procedimento disciplinar que a inquirida aceitou, ao facto de ter colaborado no mesmo e à circunstancia de não aparecerem factos novos nos autos depois da decisão proferida em 1.ª Instância, deve ser considerado legal o despedimento e deve ser anulada a decisão do Acórdão que o considerou ilícito.
4 - Mesmo que, por mera hipótese, se entendesse que há escassez de mandato, ter-se-ia de concluir que, de acordo com a forma como se desenrolou todo o processo de despedimento, teria havido aprovação tácita, nos termos do art. 1163.º do CC.
Termina perorando que deva dar-se provimento à pretensão da recorrente e consequentemente revisto o Acórdão recorrido, já que não foram devidamente analisados e respeitados os arts. 329.º do CT e 260.º e 1163.º do CC.
A recorrida contra-alegou concluindo no sentido de que a decisão não merece qualquer reparo. De acordo com as suas proposições, que se resumem, o poder disciplinar pertence ao empregador e pode ser exercido pelo mesmo ou por um superior hierárquico, devendo contudo, neste caso, conferir-se a este o poder específico de decidir da aplicação ou não de qualquer sanção disciplinar. Atenta a ausência de decisão do empregador, só se poderá concluir pela ilicitude do despedimento da Recorrida e pela invalidade do processo disciplinar, conforme bem decidiram os Venerandos Desembargadores do Tribunal a quo. Em suma, ao contrário do que pretende a ora Recorrente, sempre a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto deverá manter-se na ordem jurídica. __
Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que, inexistindo na carta enviada à A. qualquer elemento que demonstre a intervenção da R. na aplicação da sanção em causa, o despedimento deverá ser considerado ilícito. Notificado às partes, não foi oferecida qualquer resposta.
Colheram-se os vistos devidos. Cumpre decidir. __
II –
A – O ‘thema decidendum’. Compulsado o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – são duas, em rigor, as questões basilares a resolver: - Da validade do procedimento disciplinar; - Da justa causa de despedimento.
Isto porque as duas primeiras das quatro proposições conclusivas que encerram a motivação do recurso respeitam a problemática que exorbita o âmbito de cognição deste Supremo Tribunal. Versam sobre questões de natureza adjectiva que o STJ não teria que considerar. Além disso – e se por mais não fora – mostram-se processualmente ultrapassadas e sem qualquer alcance ou efeito útil. O invocado art. 154.º do C.P.C. respeita à manutenção da ordem nos actos processuais aquando da sua realização, na 1.ª Instância, competindo a respectiva observância e implementação ao magistrado que a eles presida. O mesmo se verifica, por óbvias razões, quanto à pretendida pronúncia sobre a legalidade das alegações apresentadas ao Venerando Tribunal da Relação do Porto. __
B – Dos Fundamentos.
B.1 – De Facto. Tendo presente que a Relação concluiu não alterar a decisão de facto, como pretendido pela apelante, atendo-se à materialidade dada como provada na 1.ª Instância, a que apenas aditou os pontos adiante identificados, plasmados a fls. 551 v.º – e não se prefigurando qualquer das situações referidas no n.º 3 do art. 729.º do C.P.C. – é com base nos factos seguintes que há-de resolver-se a problemática que integra o objecto da impugnação. Vem, assim, assente que: 1º – A Ré tem como objecto social o comércio e fabrico de padaria e confeitaria. 2º - A Ré é associada da ‘AIPN – Associação das Indústrias de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte’. 3º - A A. trabalhou para a Ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde Agosto de 2001 até 14-04-2009. 4º - A A. foi contratada pela Ré com a categoria profissional de empregada de balcão. 5º - Por carta enviada à A. em 14-04-2009, que a A. recebeu, a Ré remeteu-lhe decisão proferida em processo disciplinar em que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento com justa causa. 6º - Enquanto a A. esteve ao serviço da Ré esta pagou-lhe a seguinte retribuição base mensal: a) – De Agosto a Dezembro de 2001 ---------------- 334,19 € b) – De Janeiro de 2002 a Março de 2003 --------- 348,01 € c) – De Junho de 2003 a Abril de 2004 -------------- 356,60 € d) – De Maio de 2004 a Janeiro de 2005 ----------- 365,60 € e) – De Fevereiro de 2005 a Fevereiro de 2006--- 374,70 € f) – De Março de 2006 a Fevereiro de 2008 ---------415,00 € g) – De Março de 2009 a Janeiro de 2009 ------------427,00€ h) – De Fevereiro de 2009 a Abril de 2009 ----------447,00 € 7º - Enquanto a A. esteve ao serviço da Ré, esta pagou-lhe subsídio de refeição, pelo menos, desde Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2006, inclusive. 8º - A Ré nunca pagou à A. subsídio para falhas. 9º - A Ré pagou à A., entre 2004 e 2009, subsídio de férias nos seguintes montantes: a) – 2004 -------------------------------- 365,00 € b) – 2005 -------------------------------- 374,70 € c) – 2006 -------------------------------- 415,00 € d) – 2007 -------------------------------- 415,00 € e) – 2008 -------------------------------- 427,00 € 10º - A Ré pagou à A., entre 2004 e 2009, subsídio de Natal nos seguintes montantes: a) – 2004 -------------------------------- 365,00 € b) – 2005 -------------------------------- 374,70 € c) – 2006 -------------------------------- 415,00 € d) – 2007 -------------------------------- 415,00 € e) – 2008 -------------------------------- 427,00 € 11º - O marido da A. é agente da PSP. Da base instrutória: 12º – A Ré é associada da ‘AIPN – Associação das Indústrias de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte’ – resposta ao quesito 1º. 13º - Ao serviço da Ré a A. fazia cobrança das importâncias referentes à actividade da Ré – resposta ao quesito 4º. 14º - Ao serviço da Ré a A. trabalhou de Fevereiro de 2009 a 16-03-2009, de 2.ª a 6.ª, das 11H00 às 15H00 e das 17H00 às 20H00 – resposta ao quesito 7º. 15º - Ao serviço da Ré a A. trabalhou de Fevereiro de 2009 a 04-03-2009, ao sábado, das 08H00 às 13H00 – resposta ao quesito 8º. 16º - Ao serviço da Ré a A. trabalhou de 05-03-2009 a 16-03-2009, das 14H00 às 19H00 – resposta ao quesito 9º. 17º - Em 7.3.2009, a A. recusou-se a ajudar a colega, CC, num serviço de limpeza no estabelecimento – resposta ao quesito 10º. 18º - O serviço referido em 10º, da B.I. aconteceu após as 14H00 – resposta ao quesito 11º. 19º - Depois de lhe ter sido dito que havia ordens expressas para efectuar o serviço, a A. manteve a recusa em executá-lo – resposta ao quesito 12º. 18º - E disse que não limpava nada – resposta ao quesito 13º. 19º - E dirigiu-se para junto do balcão – “ “ “ 14º. 20º - E sentou-se num banco – “ “ “ 15º. 21º - E contactou o marido – “ “ “ 16º. 22º - Passados cerca de 20 a 25 minutos, entrou no estabelecimento o marido da A. – resposta ao quesito 17º. 23º - Acompanhado de uma pessoa – resposta ao quesito 18º. 24º - E telefonou para o 112 – resposta ao quesito 19º. 25º - O “carro patrulha” compareceu no local com dois polícias – resposta ao quesito 20º. 26º - Após o referido em 17º, da B.I. – agora 22º – e chegado o sócio gerente da Ré, CC, a A. e o marido apelidaram-no de garoto (o marido), e de canalha (a A.) – resposta ao quesito 21º. 27º - E o marido da A. exigiu dos agentes da PSP a identificação do gerente da ré – resposta ao quesito 22º. 28º - E disse em voz alta que a T... – empregada da Ré – não tinha autoridade nem competência para dar ordens à esposa, a A. – resposta ao quesito 23º.
No Acórdão apreciando ficou ainda consignado, nesta sede, o seguinte: Por resultar provado dos articulados, adita-se ao facto n.º 17 que o mesmo ocorreu em 7.3.2009. E também: Por resultar provado dos autos, a saber de fls. 250, 1.ª folha do processo disciplinar que constitui o documento nº 15 com a contestação, não impugnado, dá-se ainda como provado que: 29º. CC, como legal representante da Ré, nomeou seu procurador o Sr. Dr. EE, ao qual conferiu “os mais altos poderes forenses em direito permitidos, e os especiais de dar sequência a um processo disciplinar contra a sua trabalhadora AA, importando esclarecer factos graves ocorridos no local de trabalho no passado dia 07 de Março de 2009, a partir das 14h00”. __
B.2 – O Direito.
O Acórdão revidendo, dissentindo, nesta matéria, do ajuizado na 1.ª Instancia, concedeu parcial provimento à Apelação deduzida pela A. e, consequentemente, declarou ilícito o despedimento, condenando a R., aí apelada, em conformidade.
Embora a sistemática adoptada na elaboração e exposição das asserções conclusivas com que se remata a motivação do recurso não facilitem propriamente a imediata apreensão do primum movens da impetrante, razões de precedência lógica e pragmática induzem-nos a que consideremos como questão primordial a relativa à regularidade do exercício do poder disciplinar, com repercussão na (in)validade do respectivo procedimento e consequente (i)licitude da decisão contendo o cominado despedimento. Isto pela óbvia razão de que, na economia da deliberação em causa, foi precisamente no tratamento desta temática que assentou a proclamada solução do litígio ora sob escrutínio. Com efeito, considerou-se na respectiva fundamentação (transcrevemos, do ponto b) que a contém, a sua parte final): … “O poder disciplinar pertence ao empregador e pode ser exercido por ele ou, nos termos que ele estabeleça, por superior hierárquico – art. 329.º, n.º 4, do Código do Trabalho. No caso concreto o poder disciplinar foi exercido pelo mandatário do empregador, e em lado nenhum consta que fosse superior hierárquico da trabalhadora – e deste modo – haverá de ver-‑se, por força dos poderes representativos conferidos no mandato – arts. 1178.º, 258.º, n.º 1 e 262.º todos do Cód. Civil, se pode afirmar-se que o poder disciplinar foi exercido pelo empregador. O problema está assim na interpretação dos termos da procuração que transcrevemos no n.º 29 da matéria de facto, em concreto, saber se a expressão ‘dar sequência’ a um processo disciplinar ‘importando esclarecer factos graves ocorridos no dia 07 de Março’, significa que a apelada deu poder ao seu mandatário para despedir a trabalhadora. Dos termos literais da outorga de poderes não consta a aplicação de qualquer sanção, menos ainda a aplicação da sanção de despedimento, e o ‘esclarecimento dos factos graves’ baliza, a nosso ver, o exercício dos poderes outorgados, ou melhor, põe um fim à ‘sequência’ a dar ao processo disciplinar, ou seja, o empregador credenciou o seu mandatário, a quem concedeu poderes forenses gerais, para também instruir (= esclarecer) o processo disciplinar. Não lhe concedeu o poder de decidir a sanção ou não sanção a aplicar. Aliás, muito adequado seria que, constituindo a comunicação da decisão do despedimento um negócio formal, nos termos conjugados do art. 238.º do Cód. Civil e art. 357.º, n.º 5, do Código do Trabalho, a procuração revestisse a mesma forma – art. 262.º, n.º 2, do Cód. Civil. A natureza formal do negócio a praticar – despedimento – comunica-se à procuração e deste modo não pode valer um sentido da procuração que não tenha no seu texto escrito um mínimo de correspondência. Haveria assim de exigir-se, pelo menos, que da procuração, intitulada ‘Credencial’, constasse que o mandatário tinha o poder de decidir, e não apenas, a nosso ver, o poder de esclarecer os factos. A consequência jurídica da decisão não ser proferida por quem tinha o poder de a proferir é, rigorosamente, a inexistência jurídica da decisão e a inconclusão do processo disciplinar, com a cominação prevista no art. 357.º, n.º 1 do Código do Trabalho, isto é, a caducidade do direito de aplicar a sanção, pelo decurso do prazo de 30 dias sobre a conclusão da última diligência instrutória. Mesmo que assim se não entenda, a ausência de decisão do empregador tem de determinar a ilicitude do despedimento por corresponder à falta de comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos, por escrito, a que alude a alínea d) do n.º 2 do art. 382.º do mesmo Código. No sentido da invalidade do processo disciplinar e da ilicitude da decisão ‘a non domino’, veja-se em www.dgsi.pt o acórdão desta Relação sob o n.º de documento RP201025861/07.2VFR.P1.”.
E concluiu-se, assim, pela invalidade do procedimento disciplinar e pela consequente ilicitude do despedimento. ___
Ter-se-á ajuizado com acerto? Tudo revisto e ponderado, não é esse o nosso entendimento. Vejamos, pois.
O poder disciplinar pertence ao empregador – como inequivocamente se contém no art. 98.º do Código do Trabalho – que pode, no seu exercício, aplicar, de entre outras eventualmente estabelecidas em IRCT, as sanções elencadas no art. 328.º/1 do Código do Trabalho/2009[1]. Nos termos do n.º 4 do seu art. 329.º ‘[o] poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele’.
Como acima enunciado, uma coisa é, pois, a titularidade do poder disciplinar, (um genuíno poder punitivo privado, nas palavras de J. Leal Amado[2]), enquanto emanação essencial contida no contrato de trabalho, que, por definição, conforma a posição de supremacia ou autoridade do empregador, nessa relação, por contraposição à característica subordinação jurídica do trabalhador; outra é a questão do seu exercício. Sendo um direito potestativo ambivalente (ordenatório ou prescritivo e sancionatório[3]), com reconhecido carácter gravoso nesta sua mais característica manifestação de poder punitivo, importa reconhecer que o seu exercício – conferindo embora ao seu titular uma certa margem de natural elasticidade/discricionariedade – acarreta simultaneamente uma acrescida responsabilidade ante os limites gerais decorrentes da boa fé e do abuso do direito. É por isso que a titularidade/pessoalidade do seu exercício está legalmente conferida ao empregador. Podendo ser exercido também por superior hierárquico do trabalhador, por delegação de poderes, sempre tal exercício há-de respeitar os termos estabelecidos por aquele, o empregador.
E ainda que num cenário mais alargado – em que se admita, como naturalmente se admite[4], que possam funcionar mais dilatados poderes de delegação/representação, nada obstando a que o empregador outorgue poderes a outrem para o exercício do poder disciplinar, como também sustenta Romano Martinez, em nota ao art. 329.º, pg. 881, in fine, ‘Código do Trabalho’, 8.ª edição, 2009 – sempre estes poderes estarão sujeitos, no seu exercício, como convimos, à conformação do legítimo titular desse direito/poder: …’nos termos estabelecidos por aquele’, o empregador, lembrando de novo o n.º 4 do art. 329.º.
Isto posto. Acrescidas estas considerações – e vindo factualizado que se remeteu à A. uma comunicação contendo a decisão disciplinar, como plasmado no ponto 5. do elenco constante da FF[5], a que já aludiremos mais circunstanciadamente – diremos que o enfoque da questão, e respectiva solução, se centrará antes, (diversamente dos termos em que foi equacionada), no âmbito do falado exercício/vs. titularidade do poder disciplinar, mais concretamente em sede de apreciação e qualificação da regularidade/suficiência/âmbito do mandato/delegação de poderes do empregador no advogado instrutor.
Ora, na sequência dos factos relatados como tendo acontecido no dia 7.3.2009, CC – conforme teor do ponto 29. da FF - actuando na qualidade de legal representante da Ré, nomeou seu procurador o Dr. EE, a quem conferiu ‘os mais altos poderes em direito permitidos, e os especiais de dar sequência a um processo disciplinar contra a sua trabalhadora AA, importando esclarecer factos graves ocorridos no local de trabalho no passado dia 07 de Março de 2009, a partir das 14h00’.
Foi o seu procurador/mandatário, na invocada qualidade de ‘advogado instrutor’, quem, usando o plural majestático (…’estamos a comunicar-lhe’), assumiu – como se vê da carta/documento constante do PD, que é afinal a carta a que se reporta o ponto 5. da selecção da matéria de facto – a decisão e comunicação à A. da rescisão do contrato que a ligava à firma BB & Ld.ª, com justa causa e efeito imediato.
Resta saber se quem o fez estaria para tal legitimado ou, no mínimo, se pode e deve, no contexto, ser havido como tal. O mandato é, por definição, o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem – art. 1157.º do Cód. Civil. Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, diz-se que é mandatário com poderes de representação, tendo, neste caso, o dever de agir não só por conta, mas também em nome do mandante – art. 1178.º do mesmo Cód. Civil. Agindo em nome próprio (mandato sem representação), o mandatário adquire direitos e assume obrigações decorrentes dos actos que celebra, em consequência e execução do mandato, devendo contudo transferir para o mandante, em cumprimento das respectivas obrigações contratuais, os direitos ou obrigações adquiridos/assumidas[6] – arts. 1180.º[7] e 1181.º/1 do mesmo Compêndio.
[De acordo com a lição de Galvão Telles, (‘Contratos Civis’, pg. 71 e seguintes, ibidem - cfr. anterior nota de rodapé), o mandato e a procuração, podendo coexistir, não são necessariamente sinónimos: o mandato é um contrato e a procuração é um acto unilateral, sendo que o primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta doutrem, enquanto o segundo confere o poder de os celebrar em nome doutrem].
Em consonância, nestes casos, em que o mandatário é também procurador (a que chamam de mandato representativo - ainda A. Varela e Pires de Lima, em nota 3. ao art. 1178.º do seu ‘Código Civil Anotado’) são de aplicar, conjuntamente, as normas dos dois institutos, (do mandato e da representação), como aliás decorre expressamente do n.º 1 daquele art. 1178.º, em cujos termos é aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes.
Assim, nas relações mandante-mandatário – e ante a insuficiência ou inexistência[8] do suporte formal respectivo – pontifica a regra constante do art. 1163.º, valendo o silêncio do mandante, nas previstas circunstâncias, como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante.
Nas relações com terceiros – seja, no caso, na relação do mandatário com a destinatária da veiculada declaração negocial – dispõe o art. 260.º/1 do Cód. Civil, em cujos termos ‘[s]e uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos’. Assim, se a A. tivesse tido então dúvidas sobre os poderes delegados do/no advogado instrutor, agindo enquanto representante do empregador, (seja aquando da elaboração e envio da nota de culpa com anúncio da intenção de despedimento, seja depois, com a comunicação da rescisão do contrato com justa causa), a única coisa que lhe era lícito seria exigir a justificação dos poderes do representante. E não se vê que em algum oportuno momento – maxime naqueles em que seria admissível colocar-se a dúvida sobre os poderes da actuação do representante da R./advogado instrutor, nomeadamente quando usou o referido plural majestático na comunicação da decisão sujeita – a A. o tenha interpelado para se justificar, nos sobreditos termos.
Aquela norma – como se expende no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, proferido em 20.12.2000, in www.dgsi.pt sob proc. n.º 00S2370 –tendo embora sido pensada para a eficácia das declarações de uma vontade negocial dirigidas a terceiro em nome de outrem, contém um princípio geral para a justificação dos poderes do representante, perfeitamente aproveitável para situações como a dos Autos. Esse entendimento foi posteriormente adoptado e mantido, v.g. no Acórdão tirado em 8.11.2006, também desta Secção, igualmente disponível em www.dgsi.pt, sob proc. n.º 06S2579, cuja bondade subscrevemos e, por isso, reiteramos.
Além disso, o procedimento só é inválido se verificada alguma das omissões elencadas no n.º 2 do art. 382.º do Código do Trabalho. Não é o caso. A tramitação respectiva, embora perfectível, respeitou as exigências mínimas, constando de nota de culpa escrita, com comunicação da intenção de despedimento, oportunidade do pleno exercício do direito de defesa do trabalhador e comunicação de decisão disciplinar escrita, contendo a fundamentação essencial.
Ante o que vem de ser exposto, o procedimento disciplinar em causa não é inválido como se ajuizou. Não é, pois, pelos analisados fundamentos que se patenteia a proclamada ilicitude do despedimento.
E, como se expendeu no Acórdão revidendo, não obstante – se não fora o acolhimento daqueles pretensos vícios procedimentais –, a sindicada conduta da A. conduziria inapelavelmente à justa causa de despedimento, em termos que se sufragam inteiramente. Improcede, por isso, a tese da A. acolhida no Acórdão sub judicio.
Perante esta concreta situação – usando, a propósito, a expressão constante do epílogo do supracitado Acórdão deste Supremo Tribunal de 8.11.2006 – seria intoleravelmente injusto concluir pela nulidade do processo disciplinar com os usados argumentos. __ III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e revogar o Acórdão impugnado, para subsistir a sentença proferida na 1.ª Instância. Custas na Relação e no Supremo pela recorrida/A. (sendo as da 1.ª Instância, como ajuizado, por ambas as partes, em função do decaimento). ***
(Anexa-se sumário do Acórdão – art. 713.º/7 do C.P.C.). __
Lisboa, 21 de Março de 2012 Fernandes da Silva (Relator) Gonçalves Rocha Sampaio Gomes _____________ |