Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERNANDES CADILHA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE ALCOOLÉMIA NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200703010046134 | ||
Data do Acordão: | 03/01/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | Não é possível considerar descaracterizado o acidente de trabalho, por negligência grosseira do sinistrado, nos termos previstos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, quando se não encontram determinadas as causas próximas da ocorrência e se não demonstra que ele tenha sido devido, em exclusivo, à elevada taxa de alcoolémia que o sinistrado apresentava nessa ocasião. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório. AA, patrocinada pelo Ministério Público intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho contra a ... – Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, pedindo o pagamento das pensões e indemnizações devidas pelo acidente de trabalho de que resultou a morte do seu cônjuge BB, ocorrido quando prestava a sua actividade profissional a favor da entidade patronal ... – Agregados e Extracção de Inertes, Ld.ª, que havia transferido a sua responsabilidade infortunística para seguradora. Tendo sido suscitada, na contestação, a descaracterização do acidente, por virtude, além do mais, da elevada taxa de alcoolémia que o sinistrado acusava na ocasião em que ele ocorreu, a sentença de primeira instância veio, todavia, a considerar insubsistente essa questão e a julgar procedente a acção, por ter entendido que não se encontra apurado nos autos a relação causal entre a excessiva ingestão de álcool e a produção do acidente, não sendo, por isso, possível atribuí-lo a negligência grosseira do sinistrado. Em apelação, o Tribunal da Relação do Porto manteve o mesmo entendimento, vindo a concluir que, desconhecendo-se as causas do acidente e não estando provado o nexo de causalidade adequada entre o grau de alcoolémia e o acidente, o caso não é subsumível na previsão do artigo 7º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e, por conseguinte, não pode considerar-se excluído o direito à reparação. É contra esta decisão que a ré seguradora de novo reage, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: 1. A infeliz vítima cometeu uma temeridade em alto e relevante grau na medida em que, estando sob o efeito do álcool com uma taxa de 2,45 g/litro e com as suas capacidades necessariamente afectadas, decidiu, de sua iniciativa, pôr em marcha uma máquina carregadora "pá de rodas"; 2. E, pior do que isso, abandonou a cabine da máquina logo a seguir a tê-la posto em movimento, com esta a rolar em manobra de recuo; 3. Sem que haja para o facto qualquer explicação; 4. Pois a máquina continuou a rolar normalmente, obedecendo aos comandos que lhe tinham sido imprimidos pela vítima e sem que se tenha, antes ou depois do infeliz evento, detectado qualquer avaria na "Furukava"; 6. De tão arriscado acto resultou, como era previsível, que a vítima acabou por ser colhida pelo rodado da máquina em movimento; 7. O que causou a sua morte. 8. O sinistro ficou assim a dever-se, em exclusivo, a comportamento temerário em alto e relevante grau, consubstanciador de negligência grosseira do sinistrado. 9. Não tendo reconhecido que estão preenchidas as hipóteses dos arts. 7.°, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 8.°, n.º 2, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, como efectivamente estão; 10. O Tribunal da Relação - que manteve a decisão de primeira instancia – violou estas disposições legais. O magistrado do Ministério Público, em representação da autora, contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Matéria de facto. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto: a) No dia 3 de Maio de 2004, em Sobrado, Vila das Aves, Santo Tirso, o sinistrado BB trabalhava, como operador de fragmentação, sob as ordens, direcção e fiscalização de ... – Agregados e Extracção de Inertes, Ld.ª. b) Auferia a retribuição € 584,48 [ e não € 548,48, como se veio a reconhecer pelo douto despacho de fls. 172 e 173] x 14 + € 118,14 x 11 + € 545,47 x 12. c) No dia do acidente a vítima tinha procedido à lubrificação de uma máquina britadeira, conhecida por “primário”. d) Para o desempenho de tal tarefa são, normalmente, utilizadas as máquinas de perfuração e de lubrificação e a massa de lubrificação. e) Pelo seu peso e volume, tais elementos carecem de ser transportados para o local por sistema mecânico de transporte. f) Naquele dia, os referidos elementos foram carregados para a proximidade do “primário” através de uma máquina pá de rodas, marca Furukava. g) A movimentação de tal máquina foi feita pelo seu manobrador habitual, A...T... h) Após a conclusão da lubrificação do primário, as peças referidas foram novamente colocadas no balde da Furukava, para serem retiradas do local. i) Mostrava-se necessário retirar a aludida máquina do local, para que, à hora do início da laboração da pedreira, o primário estivesse operacional. j) Foi então que o sinistrado, por si só, decidiu pôr a Furukava a trabalhar, que tinha a si atrelado um tanque de rega. k) Pôs a máquina a trabalhar, engrenou a marcha-atrás e iniciou a viagem, com a máquina em manobra de recuo. l) O piso ali era plano e ligeiramente descendente, atento o sentido que a máquina prosseguia. m) Ao iniciar a condução de uma pá carregadora “ROC” em direcção à oficina, abandonou a respectiva cabine, tendo, então, sido apanhado por um rodado dessa máquina, quando esta circulava em marcha-atrás. n) Na altura em que o sinistrado abandonou a pá carregadora, esta deslizava rumo a um precipício. o) Em consequência sofreu fractura transversal do andar médio da calote craniana e hemorragia sub-aracnoideia parietal esquerda, lesões que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte. p) Após o sinistro a máquina continuou a rolar em recuo, sem ninguém a conduzi-la, com a marcha-atrás engrenada, até se imobilizar junto a um talude. q) Não tinha ele recebido formação para conduzir tal veículo, pois que o seu trabalho se desenvolvia junto do primário. r) Porém, frequentes vezes o sinistrado conduzira anteriormente aquela máquina e sempre o fizera com o conhecimento e sem oposição da sua entidade patronal. s) Apresentava na altura do sinistro uma taxa de alcoolémia de 2,45 g/l de sangue, encontrando-se, por isso, sob o efeito do álcoo t) Antes e depois do sinistro, a máquina não evidenciava qualquer avaria. u) O sinistrado faleceu no Hospital de Guimarães e foi sepultado em Santo Tirso. v) A autora é viúva da vítima e nasceu a 21.11.61. w) Despendeu ela a quantia de € 10,00 em transportes nas vindas a Tribunal, a diligências para que foi regularmente convocada. x) À data do acidente, a responsabilidade infortunística da entidade, em sede de acidentes de trabalho, encontrava-se transferida para Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº AT82005630, pela totalidade do salário auferido pela vítima. 3. Fundamentação de direito. A única questão em debate no presente recurso consiste em saber se face à factualidade apurada se deve considerar descaracterizado o acidente de trabalho, por negligência grosseira imputável ao sinistrado. As instâncias consideraram, no essencial, que não se determinaram as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente e também se não apurou em que termos é que a ingestão de álcool pode ter afectado as faculdades e a capacidade reactiva do sinistrado, pelo que não foi possível estabelecer um exclusivo nexo causal entre o comportamento do trabalhador e a ocorrência do acidente. A ré discorda deste entendimento, argumentando que os factos provados evidenciam um comportamento temerário em alto e relevante grau, porquanto este decidiu, por sua iniciativa, pôr em marcha uma máquina pesada, quando se encontrava sob o efeito do álcool com uma taxa de 2,45 g/litro e com as suas capacidades necessariamente afectadas, além de que abandonou a cabine da máquina logo a seguir a tê-la posto em movimento, com esta a rolar em manobra de recuo. Para dilucidar a questão suscitada, importa começar por chamar à colação o regime jurídico ao caso aplicável. O artigo 7° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, sob a epígrafe “Descaracterização do acidente”, dispõe o seguinte: "1 - Não dá direito a reparação o acidente: a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; |