Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
747/04.2 TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
CULPA GRAVE
ÓNUS DA PROVA
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Sumário : I - A descaracterização do acidente de trabalho, nos termos previstos no art. 7.º, al. a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a verificação cumulativa das seguintes condições: que se evidencie uma conduta do sinistrado, por acção ou omissão, suportada por uma vontade dolosa ou intencional na sua adopção; que existam condições de segurança, impostas por lei ou pelo empregador, e que as mesmas tenham sido desprezadas pelo acidentado sem causa justificativa.
II - A descaracterização do acidente de trabalho com esteio no disposto no art. 7.º, al. b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a adopção, pelo sinistrado, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou nos usos e costumes da profissão (art. 8.º, n.º 2, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril).
III - A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objectivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo, mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).
IV - A negligência pode também assumir diferentes graus: será levíssima quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado; será leve quando o padrão atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa excepcionalmente descuidada e incauta teria também incorrido.
V - A negligência grosseira, correspondendo a uma culpa grave, pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.
VI - A culpa grave deve ser apreciada em concreto – conferindo as condições do próprio acidentado – e não com referência a um padrão abstracto de conduta.
VII - A descaracterização do sinistro constitui um facto impeditivo do direito reclamado na acção, competindo ao demandado, por via disso, a prova da materialidade integradora dessa descaracterização (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil).
VIII - O sinistrado, ao não accionar, como se lhe impunha – pois que as tarefas que se aprestava a executar na máquina integravam o seu núcleo funcional – o mecanismo de segurança principal que lhe permitiria trabalhar isento de quaisquer riscos, contrariou as normas de segurança exigíveis.
IX - De todo o modo, a omissão em causa, seja em virtude de o sinistrado se ter esquecido de accionar aquele mecanismo, seja em virtude de estar convencido que os demais sistemas de segurança da máquina lhe permitiriam executar as tarefas que se propunha, traduz-se numa culpa leve, porquanto deixou de observar os deveres de cuidado que um trabalhador normalmente diligente teria observado.
X - Por outro lado, tendo a máquina na qual o sinistrado se aprestava a executar as suas tarefas iniciado a sua laboração em circunstâncias que não foi possível apurar, afastado está o nexo causal que também sempre teria que existir entre o comportamento do sinistrado e a produção do acidente.
XI - A responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte; a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho.
XII - Ambos os fundamentos exigem, a par, respectivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer.
XIII - Tendo resultado provado que o sinistrado conhecia, quanto à actividade que se aprestava a executar na máquina, o funcionamento desta e os seus sistemas de segurança – pese embora não lhe tivesse sido ministrada formação específica para manutenção da maquinaria, accionamento e paragem da máquina – não pode afirmar-se a existência de comportamento que, assumido pela empregadora, consubstancie violação de norma de segurança.
XIV - E, não se tendo apurado as causas concretas do sinistro, sempre faltaria a prova do imprescindível nexo causal entre uma qualquer violação de norma de segurança e o acidente.
Decisão Texto Integral: