Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOÃO BERNARDO | ||
| Descritores: | SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL DIREITO DE REGRESSO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 11/04/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. Relativamente ao mesmo sinistrado e ressalvados os casos de indemnização sob a forma de renda, o prazo prescricional da seguradora para exercer o direito de regresso relativamente a indemnização que pagou, faseadamente, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, começa a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento. 2 . Este prazo é de três anos, não valendo, quanto a ele, o alongamento previsto no n.º3 do artigo 498.º do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - A Companhia de Seguros AA, SA instaurou, no Tribunal Judicial de Alcobaça, contra: BB; A presente acção declarativa de condenação, em processo ordinário. Alegou, em síntese, que: No dia 15.01.2003, pelas 20H15, na Rua …da localidade da …, Alcobaça, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos automóveis …-LC, conduzido pelo réu e XZ-…. Do acidente, resultaram lesões graves para CC que, na altura, procedia a descarga deste último veículo, o qual estava devidamente estacionado e sinalizado; A responsabilidade do acidente coube por inteiro ao réu, não só por conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,66 g/l, que lhe diminuiu as capacidades de atenção e de concentração, mas, também, por, por imperícia e desatenção, não ter dominado o veículo que conduzia; Na sequência de acordo amigável com o referido lesado, efectuou pagamentos parciais de importâncias devidas em consequência do sinistro no montante global de €145.146,99 a cuja restituição o Réu deve ser condenado, conforme o disposto no artigo 19.º do Decreto-lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro. Pediu, em conformidade: A condenação dele no pagamento da quantia global de €145.146,99, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da citação. O réu contestou. Invocou, na parte que agora importa, a prescrição do direito que a demandante pretende fazer valer. Respondeu a autora à matéria da excepção, argumentando que: Integrando a conduta do réu crime com prazo de prescrição de cinco anos, beneficia desse prazo nos termos do n° 3 do art.° 498°, do Cód. Civil; Independentemente do alargamento do prazo, este só começou a contar a partir do último pagamento efectuado ao lesado (ocorrido em 25.11.05), dado tratar-se de pagamento unitário. Improcede, por isso, a excepção. II - No despacho saneador, a Sr.ª Juíza julgou parcialmente verificada a excepção de prescrição do direito da autora, absolvendo o Réu do pedido referente ao montante de €75.146,99, correspondente a todos os pagamentos efectuados até 25.11.2005. Entendeu, em resumo, que: O “dies a quo” da contagem do prazo de prescrição correspondia à data de cada um dos pagamentos que a ré efectuou; Não era aplicável às acções de regresso o alongamento do prazo consignado no artigo 498.º do Código Civil, pelo que valia o prazo de três anos; Tendo como referência a data correspondente ao dia em que deveria ter sido citado o réu (26.11.2008), julgou a excepção procedente quanto aos montantes cujo pagamento ocorrera mais de três anos antes e improcedente quanto aos outros. II. Inconformados, A. e R. interpuseram recurso dessa decisão. Pretendeu ela decisão de não prescrição relativamente a todas as quantias despendidas e ele decisão antagónica. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu nos seguintes termos: “A) Julgam improcedente a Apelação da Autora, confirmando-se nessa parte a decisão recorrida. B) Julgam, parcialmente, procedente a apelação do Réu e, revogando aquela mesma decisão na parte em que não julgou prescrito o crédito da indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegado no art.º 39º da petição, ordenam ampliação da base instrutória por forma a quesitar-se quer a data de pagamento alegada na acção (13.12.05) quer a alegada na excepção (25.11.2005) daquele mesmo crédito.” Aceitou o Tribunal da Relação a construção jurídica levada a cabo na 1.ª instância, de contar o início da prescrição faseadamente, relativamente a cada pagamento e de considerar o prazo de três anos (não em absoluto para as acções de regresso, mas porque o procedimento criminal correspondente ao crime invocado dependia de queixa e não demonstrou a autora que esta tivesse sido apresentada). Mas entendeu que não podia dar-se como assente a data do pagamento que escapara à prescrição, porquanto a ré sustenta a de 25.11.2005 e a autora a de 13.12.2005 e daí a necessidade de ampliação da matéria de facto. Este aresto teve um voto de vencido, com o entendimento de que o prazo a considerar deveria ser o de cinco anos, irrelevando a questão da apresentação da queixa. III – Pede revista a autora. Conclui as alegações do seguinte modo: a) As questões a analisar no presente Recurso consistem em averiguar: Se ocorreu a prescrição do direito de regresso da Recorrente, sendo aquela determinada em função desde logo do momento a partir do qual se conta o seu início; Qual o prazo a aplicar à referida prescrição, e se para o efeito deve atender-se à circunstância de ser determinante ou não a extinção do procedimento criminal ou a existência ou não de queixa. b) Quanto à questão do prazo em si, e na vertente da necessidade de ter existido queixa e consequente procedimento criminal, o douto Acórdão refere que, se tivesse que optar entre duas posições jurisprudenciais divergentes em aplicar ou não o n.º 3 do art.° 498.º do CC, optaria pela inaplicabilidade daquele preceito ao direito de regresso. E ainda que "Só que nunca a Recorrente aludiu a qualquer procedimento criminal incidente sobre tais factos nem tão pouco alegou que alguma vez tenham sido objecto de queixa, absolutamente necessária ao procedimento criminal, face à exigência do n.º 4 do citado artigo 148.º do CP.". c) A diversidade de Jurisprudência quanto àqueles aspecto é de tal modo vincada que no Douto Acórdão, agora posto em crise, foi proferido voto de vencido do Venerando Desembargador, Doutor Manuel Artur Dias, relativamente à improcedência da apelação da Autora, por duas ordens de razões: O alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do artigo 498.º do CC é aplicável ao direito de regresso, e a eventual extinção, pelo seu não exercício, do direito de queixa relativamente ao crime que o facto ilícito integre é indiferente ao aproveitamento do questionado prolongamento do prazo de prescrição (Ac. do STJ de 22/02/1994; Ac. STJ de 13/10/1998; Ac. STJ de 15/03/2003 e Ac. STJ de 02/12/2004). d) Segundo a orientação jurisprudencial seguida nomeadamente nos Acórdãos do STJ, de 22/02/94, de 28/03/96, de 20/02/2001 e 18/11/99, RP de 20/05/97 e RE de 17/12/99, " a extinção do direito de queixa pelo seu não exercício é indiferente ao aproveitamento do prazo mais longo previsto no n.º 3 do art. 498.º, pois o que determina tal alargamento é a gravidade do facto e do dano, a especial qualidade do ilícito" - cfr. Ac. STJ de 13/05/2003 in www.dgsi.pt. e) Por um lado, o elemento literal do n.º 3, do art. 498.º do C.C. só se refere à prescrição do procedimento criminal, prevista nos art. 118.º e seguintes do C.P. e não à extinção do direito de queixa pelo decurso do prazo de 6 meses, para além de que se não alude ao efectivo exercício da acção penal para apuramento dos factos. Ou seja, o alargamento do prazo depende apenas de o facto ilícito constituir crime. f) Em termos Doutrinais pesa a favor da tese ora defendida a posição do Prof. Antunes Varela que discorrendo sobre a ratio legis daquele artigo, defende que " ... segundo a qual o dito alongamento do prazo não assenta numa circunstância de carácter puramente objectivo - isto é, já que pode apreciar-se o facto ilícito no campo do direito penal, nada justifica que o mesmo se não possa fazer na acção cível " - cfr. Ac. STJ de 22/02/94 in www.dgsi.pt. g) Afirma o Prof. Antunes Varela que para que a acção cível seja admitida nos termos do n.º 3 do art. 498.° do C. C. basta que o facto ilícito constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível. h) Em suma " Sendo certo não exigir-se prévio procedimento criminal contra o lesante, não basta, no entanto, para que haja efectivamente lugar ao alargamento, nos termos do n.º 3, do prazo de 3 anos previsto no n.º1 do art. 498.° C. Civ., que se esteja perante facto abstracta ou eventualmente susceptível de constituir crime: é, isso sim, preciso que concretamente concorram no caso todos os elementos essenciais dum tipo legal de crime." Ac.STJ, 2.12.2004, in www.dgsi.pt. i) Pelos argumentos sustentados naquela doutrina e Jurisprudência, nomeadamente, da referida do Supremo Tribunal de Justiça, a tese do douto Acórdão não encontra acolhimento na letra, nem no espírito da lei, nem na evolução Jurisprudencial, devendo assim improceder o referido argumento da falta de procedimento criminal ou não exercício do direito de queixa. j) A questão da aplicabilidade ou não do n.º 3 do art. 498.° do C. C. ao prazo de prescrição nos casos de direito de regresso da seguradora, previsto no artigo 19.° alínea c) do Dec-Lei 522/85, de 31 de Dezembro e no Artigo 498.°, n.º 2 do Código Civil é questão não serenada a nível doutrinário e jurisprudencial, inclusivamente a nível do S.T.J. pois que, também se tem defendido que o alargamento do prazo de prescrição estabelecido no n.º 3 do Art.° 498.° do C.C. se aplica a qualquer das hipóteses previstas nos números 1 e 2 do mesmo preceito legal. k) Quanto ao alargamento do prazo, existe um argumento do ponto de vista literal, ou melhor dizendo do sentido próprio da lei "Nem se trata aqui de uma argumentação puramente formal ou com recurso a elementos puramente literais, mas da busca do sentido que o legislador quis logicamente transmitir e consagrar mediante a utilização de determinada fórmula por que conscientemente optou, procurando-se assim encontrar na fórmula e sistematização por ele utilizada a própria essência desse pensamento." - cfr-. Ac. STJ de 03/11/2009 in i www.dgsi.pt; no mesmo sentido o Ac. STJ de 26/06/07 in www.dgsi.pt. l) "Considera-se dessa forma que o alargamento do prazo de prescrição estabelecido no n.º 3 do art. 498.° do Cód. Civil para o caso de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição do procedimento criminal superior a três anos se aplica às duas hipóteses previstas nos dois primeiros números daquele artigo, sendo por isso mesmo que aquela regra do n.º 3 aparece só a seguir às dos mencionados dois primeiros números, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13/04/00, ( ... ) relatado pelo conselheiro Sousa Inês, a que adere também o Acórdão igualmente deste Supremo de 26/06/07 ( ... ), relatado pelo conselheiro Faria Antunes." - cfr-. Ac. STJ de 03/11/2009 in www.dgsi.pt. m) A Jurisprudência do STJ tem defendido que a extensão do prazo de prescrição do n.º 3 do art. 498° do Cód. Civil é aplicável aos responsáveis meramente civis como o comitente e a seguradora - Ac. STJ de 13/04/00 e de 22/02/94. n) A matéria alegada pela Recorrente quer na petição inicial (artigos 7° e 22° a 39°), quer na réplica (artigos 15° a 21°) demonstram que o comportamento do R. consubstancia a prática de um crime de ofensa à integridade física grave previsto no artigo 144° do C.P. o) Os factos alegados nos autos consubstanciam factos ilícitos que constituem crime de ofensa à integridade física grave, sujeito a prazo de prescrição do procedimento criminal de 10 anos (Art. 144.° e 118.°, n.º1, al. B) do C.P.) ou, quando assim não se considere, crime de ofensa à integridade física por negligência, sujeito a prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos (Art. 148.°, n.º 3 e 118°, n.º1, al. C) do C. P.), sendo que o prazo de prescrição do n.º 3, do art. 498.° do C. C. se estende ao caso do n.º 2 do mesmo artigo e o direito de indemnização da Recorrente apenas prescreveria no prazo mais longo de prescrição do respectivo procedimento criminal, o que no caso, não prescreveram os créditos da Recorrente. p) Quanto à questão do início da contagem do prazo de prescrição entendemos diversamente, com o devido respeito, como aliás tem vindo a ser entendido por parte da Jurisprudência, que a obrigação de indemnização, resultante de danos como os emergentes de acidente de viação e " ... com o conteúdo dos artigos 562° e seguintes do Código Civil, diz respeito a uma a partir do último pagamento e não após o cumprimento de cada crédito parcial cfr. Ac. RE, de 10/10/02. r) Quem é contra essa tese alega que o artigo 19.° do Dec-Lei 522/85 " ... não distingue a indemnização global que a seguradora satisfez ... parece ter em conta que relativamente à satisfação de qualquer indemnização (total ou parcial, liquida ou ilíquida) desde que exigível pelo lesado, nasce para a seguradora o imediato e consequente direito de regresso" - AC. STJ de 27.3.2003. s) Em síntese diremos que tal conclusão não encontra acolhimento na letra da lei e tem, a nosso ver, alguma discrepância analítica. Na letra da lei (art.ºs 8.°, 17.° e 19.° do Dec-Lei 522/85 de 31.12) sempre surge o conceito, visão de uma indemnização. t) Em suma, e na verdade dos factos e ainda segundo a Jurisprudência, o prazo de prescrição em acções como a presente, estando em causa o direito de regresso da Recorrente, deve iniciar-se a partir do último pagamento e não após o cumprimento de cada crédito parcial u) No caso em apreço, a contagem do prazo de prescrição inicia-se com o último pagamento liquidado pela Recorrente, e quanto ao prazo de prescrição, em nosso entender é aplicável o prazo do respectivo procedimento criminal, por remissão do n.º 3 do artigo 498.° do C. C., sendo indiferente a existência da extinção do procedimento criminal ou do direito de queixa, pelo que pelos fundamentos atrás aduzidos o douto Acórdão aplicou, ou fez uma má aplicação do artigo 498.°, n.º 1, 2 e 3 do C.C. v) Devendo ser proferida Decisão que revogue o Acórdão ora em crise, sendo substituída por outra que determine a não verificação da prescrição. Não houve contra-alegações. IV – A questão que se nos depara consiste em saber se não se verifica a prescrição relativamente às quantias que foram julgadas prescritas e, bem assim, independentemente dos factos mandados apurar pela Relação, relativamente à referida na alínea b) da parte decisória do acórdão recorrido. Encerra três sub-questões, que ordenamos do seguinte modo: A primeira diz respeito ao faseamento ou não faseamento, de acordo com a sucessão dos pagamentos, da data do início da contagem do prazo prescricional; A segunda cifra-se em saber se é de considerar aplicável às acções de regresso o alongamento do prazo previsto no artigo 498.º, n.º3 do Código Civil; A terceira, pressupondo esta abertura de alongamento do prazo, consiste em saber se, tratando-se de crime semi-público, tal só tem lugar tendo havido denúncia criminal. V – 1 Na 1.ª instância foi considerado provado o seguinte: 1. No âmbito da sua actividade seguradora, a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n° …, destinado a garantir a responsabilidade civil emergente da condução do veículo de matrícula …LC. 2. Ao abrigo de tal contrato, foi apresentada à Autora a ocorrência de um acidente de viação, envolvendo o veículo seguro e o de matrícula XZ… e ocorrido em 15 de Janeiro de 2003, pelas 20h45m. 3. A Autora assumiu a responsabilidade do seu segurado, na ocorrência do dito acidente. 4. Nesse âmbito, a Autora liquidou a título de abonos a CC, pelas consequências que sofreu em consequência do acidente, a quantia de €30.488,68 e €488,68 em 17/03/03 e €1.000.00, em 28/03/03, 14/05/03, 22/05/03. 16/06/03, 15/07/03, 14/08/03, 15/09/03, 15/10/03, 14/11/03, 15/12/03. 16/01/04, 16/02/04, 15/04/04, 14/05/04, 16/06/04, 15/07/04, 16/08/04, 15/09/04, 14/10/04. 15/11/04,15/12/04, 14/01/05, 23/02/05, 15/03/05 e 14/06/05. 5. A Autora liquidou a quantia de € 2000,00 em 10.05.05. 6.A Autora liquidou a CC despesas de tratamento nos montantes de €21, 80 em 17/12/03, €14,00 em 20/02/04, €11,45 em 15/03/04, e €67,80 em 15/04/04, € 27,00 em 14/05/04, €2,00 em 16/06/04, €2,00 em 16/06/04, €4,00 em 16/08/04, €2,00 em 15/09/04, €4,00 em 15/11/04, €2.00 em 15/12/04, 14/01/05, 23/02/05 e 21/03/05, no total de €264,05. 7. A Autora liquidou outros danos nos montantes de €330,71 em 15/09/03, €130,75 em 15/10/03, €70,67 em 17/12/03, €344,65 em 20/02/04, €208,00 em 6/04/04, €100,80 em 14/05/04, e €166,70 em 16/06/04, €105,60, em 4/08/04, €48,00 em 16/08/04, €104,30 em 15/09/04, €219,90 em 15/11/04, €28,20 em 15/12/04, €100,80 em 14/01/05, €52,80 em 17/12/05, €93,40 em 21/03/05, €41,00 em 10/05/05, no total de € 2.247.08. 8. Com deslocações de táxi do peão, a Autora liquidou as quantias de € 92,40 em 27/01/04, €184,10 em 3/02/04, € 182,00 em 6/02/04, € 182, 10 em 10/02/04, €182,10 em 17/12/04, €192,20 em 2/03/04, €182,30 em 9/03/04, €182,40 em 16/03/04 e 182,45 em 19/03/04. 9. A título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a Autora liquidou a quantia de €70.000,00, em 13/12/05. 10. A Autora liquidou à Associação … Alcobaça, os valores de €2.477,50 em 22/04/03, €258,00 em 16/05/03, €205,00 em 11/07/03, €730,00 em 18/07/03, €685,00 em 6/08/03, €487,50 em 2/10/03, €365.00 em 30/10/03, €305,00 em 12/11/03, €290,00 em 21/01/04, €320,00 em 3/05/04, no total de €4.366.50. 11. A Autora liquidou aos Hospitais … os tratamentos de saúde efectuados ao peão nos valores de €40,80 em 19/05/03, €53,70 em 12/06/03. €118,10 em 12/08/03, €43,000 em 14/11/03, €182,94 em 14/11/03, €64,40 em 19/11/03, €265.84 em 30/12/03, €157,49 em 12/12/04, €1,643,74 em 27/03/04, €2.245,64 em 14/04/04, €703,83, em 17/05/04, €10.893,16 em 17/06/04, €165,50 em 19/06/04, €101,82 em 28/07/04. €94,60 em 20/09/04, €165.50 em 29/10/04 e 2.904,41 em 7/12/04, €752.83 em 21/12/04, €86,52 em 21/03/05, €205,90 em 28/03/05, €86,52 em 3/05/05, € 63,76 em 14/06/04, no total de €21.040.00. 12. A Autora liquidou as despesas de €10,16 com análises clínicas realizadas a CC em 12/11/04. 13. A Autora liquidou €425,00, em 2/08/03, relativos à clínica Médica Den. Dr.ª DD, Lda. 14. A Autora liquidou aos Hospitais .…de Coimbra, em 17/03/04, o valor de €4.372,97 pela assistência médica prestada a CC. 15. A Autora liquidou ao Hospital … em 4/04/03, o valor de €110,51. 16. A Autora liquidou ao Centro de Saúde …, em 13/02/04, o valor de € 92,80 pela assistência médica prestada a CC. 17. Com tratamentos de fisioterapia que o peão teve de realizar, a Autora pagou as quantias de €124,92 em 28/05/03, €259,92 em 31/07/03, €324,34 em 8/10/03, €224,54 em 12/05/04, €199,60 em 11/06/04, €224.54 em 19/07/04, €199.60 em 2/09/04, €224,54 em 13/01/05 e €324,34. 18. A Autora liquidou ao Hospital de …, em 31/08/03, o valor de €6663,97. 19. A Autora liquidou por sapatos ortopédicos a quantia de €120,75. em 23.07.04. 20. A Autora liquidou pela reparação do XZ, a quantia de €1.368, 60 em 13.03.03. 21. A Autora liquidou pela paralisação do XZ, a quantia de €117.53 em 13.03.03. 22. A presente acção deu entrada em Tribunal, em 21.11.2008. 23. O Réu foi citado para a acção, em 18.12.2008. V – 2 Como já vimos em II, a Relação afastou, da matéria provada, a certeza sobre a data do pagamento referido em 9, situando esta na alternativa entre a ali indicada e a de 25.11.2005. V - 3 Também na enumeração factual consta um pagamento de €52,80 em “17.12.2005”(ponto 7.º), mas tal deve-se a mero erro material, porquanto a data alegada – alínea e) do artigo 21.º da réplica, página 137, e mantida nas alegações desta revista – é antes de 17.2.2005. Assim, tem-se como certa esta data. VI – O artigo 498.º do Código Civil dispõe que: 1 – O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 2 – Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. 3 – Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. A referência de que começa a contar o prazo ainda que o lesado não tenha conhecimento da “extensão integral dos danos” radica-se no entendimento de Vaz Serra, exposto no BMJ n.º 87, 43: “Se, conhecido o dano e a pessoa do responsável, não é ainda conhecida a extensão integral daquele, que pode não ser mesmo previsível, sustenta-se que este facto não obsta a que a prescrição comece a correr.” E continua, fazendo suas as palavras de Enneccerus-Lehmann: “E que, assim, não impede o começo da prescrição a circunstância de o dano continuar a desenvolver-se e aumentar, visto que a pretensão indemnizatória é única. Mas, se posteriormente se manifesta outro dano produzido pelo acto ilícito, por exemplo se a lesão externa se mostra ter produzido uma enfermidade interna grave ou o padecimento, aparentemente transitório, evoluciona e se converte em enfermidade crónica grave, a prescrição da pretensão em razão deste dano só pode começar então.” Esta ideia de o prazo prescricional começar a correr independentemente do conhecimento integral dos danos – com a ressalva relativamente a danos que não eram previsíveis com “razoáveis probabilidades” - enforma também as anotações daquele Ilustre Professor de Coimbra na RLJ Anos 95.º, 308, 96.º, 182 e 215 e, bem assim, 97.º, 231 já reportadas especificamente a indemnizações emergentes de acidentes de viação e recebidas, concordantemente, por Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao referido artigo 498.º. Reportando-se ao artigo 56.º, n.º9 do Código da Estrada então em vigor, mas com perfeita actualidade face à lei agora vigente reafirma, nomeadamente, que: “A melhor solução parece ser, de facto, que o prazo corre logo que o lesado conhece a existência do dano, ainda que ignore a sua extensão, mas que se mais tarde se produzir outro dano imprevisível causado pelo acidente, o prazo relativo ao direito de indemnização deste outro dano corre da data em que ele for conhecido do lesado” (Ano 95.º, 310). Temos, então, que, salvo casos de razoável imprevisibilidade em que surge um começo de prazo autónomo relativamente aos danos então verificados, o “dies a quo” da prescrição se situa na data do conhecimento, por parte do lesado, do direito a ser indemnizado. Decerto que o desconhecimento da integralidade dos danos leva a que se venha a juízo com um pedido não líquido, mas o artigo 569.º do Código Civil e, bem assim, o artigo 661.º, n.º2 do Código de Processo Civil asseguram a tutela dos direitos em causa. Aliás, este óbice não deixa de ser afastado – tendo em conta a lei vigente ao tempo – nos mencionados artigos de Vaz Serra. VII – No presente caso, todavia, não é autor o lesado, mas antes a seguradora que pagou e vem exercer o seu direito de regresso. Há, então, que atentar no n.º2 daquele artigo. Nele está um início de contagem específico. Agora não se reporta a lei ao “conhecimento do direito”, mas ao “cumprimento”. A referência ao “desconhecimento da extensão integral dos danos” desapareceu. Só que, no caso de os pagamentos serem faseados, ainda que sempre reportados à obrigação derivada de se ter pago a indemnização emergente do acidente de viação, a referência a “cumprimento”deixa ao intérprete a dúvida entre ter como boa a data: Do primeiro dos pagamentos; De cada um deles, com respectivos “dies a quo” (posição seguida nas instâncias); Do último. Na última das apontadas anotações (Ano 96.º, 182) o caso reportava-se precisamente à prescrição do direito da seguradora que pagou a indemnização faseadamente. Vaz Serra repete a mesma argumentação, opinando no sentido de que o início da contagem do prazo prescricional se situa na data do primeiro dos pagamentos. Todavia, aqui releva a evolução legislativa. Hoje a seguradora não fica sub-rogada, como – conforme refere o Ilustre Professor - ficava então. Agora, nos casos previstos na lei – “in casu” no artigo 19.º do DL n.º522/85, de 31.12 – assiste-lhe o direito de regresso que é um direito “ex novo”. E, com a palavra “cumprimento”, surgiu, expressamente, uma referência nova integrante do “dies a quo”. Esta referência tem correspondência, para os casos de acidentes de viação abrangidos pelo seguro obrigatório, com a constante daquele artigo 19.º - continuada no artigo 27.º do DL n.º 291/2007, de 21.8 - de “satisfeita a indemnização.” Por outro lado, o início da contagem do prazo de prescrição com o primeiro dos pagamentos, redundaria num regime injustificadamente violento para a seguradora e pouco compreensível na perspectiva de eficácia de apreciação do caso pelos tribunais. Assim, por exemplo, pagando a seguradora, logo após um acidente de viação, um par de canadianas para o lesado, veria contra ela começar a correr todo o prazo prescricional, com inclusão das despesas normalmente feitas em momentos posteriores ou bem posteriores que constituíssem a parte mais importante da indemnização. Com frequência, cruzar-se-iam acções do lesado para haver indemnização e da seguradora para obter o direito de regresso do que pagou e havia de vir a pagar. Manifestamente, não procedem aqui as razões que terão levado o legislador, no artigo 307.º do Código Civil, a, para os casos ali previstos, situar o “dies a quo” com referência à exigibilidade da primeira prestação. VIII - Com a ressalva – aqui irrelevante – dos casos em que há mais do que um lesado, justificando-se, então, o começo do prazo prescricional relativamente a cada um (cfr-se os Ac.s deste Tribunal de 27.3.2003, processo n.º 03B644, e de 28.10.2004, processo n.º 04B3385, disponíveis em www.dgsi.pt), também não nos parece de acolher a posição que vai no sentido de considerar vários prazos a terem início com a data de pagamento de cada parcela que integra a indemnização. A obrigação relativamente a cada lesado derivada do acidente de viação é una ou simples. Como refere A. Varela (Das Obrigações em Geral, 9.ª ed., I, 66): “Suponhamos que A, conduzindo o seu automóvel, atropela culposamente B…Também neste caso, se A tiver causado danos a B, se cria uma obrigação (relação obrigacional ou creditória) una ou simples: o dever jurídico de o dono e condutor do automóvel pagar a indemnização dos danos causados e o correspondente direito subjectivo da pessoa atropelada de exigir o pagamento dessa indemnização.” O direito de regresso encerra uma obrigação nova, mas as razões que levam à unicidade da obrigação primitiva são para aqui também válidas. Ainda que, do carácter uno da obrigação, não resulte necessariamente que o “dies a quo” da contagem do prazo prescricional, nos casos em que as respectivas prestações se vão cumprindo ao longo do tempo, se situe em data que abranja todas estas, temos aqui um argumento muito forte a favor da não cindibilidade, para estes efeitos, do pagamento. Por regra, sendo a obrigação una e simples, quando se fala em cumprimento, está-se a reportar ao cumprimento integral. E também aqui há que ponderar os efeitos práticos daquela posição de cisão das datas dos pagamentos para os efeitos que vimos abordando. Por cada pagamento ou grupo de pagamentos, a seguradora poderia ter de intentar uma acção e vir sucessivamente com acções relativamente a cada pagamento ou grupo de pagamentos posteriores, o que só complicaria a apreciação judicial do caso, correndo-se mesmo o risco de, numa das acções, se condenar o lesado e noutra ou noutras se absolver (de acordo, por exemplo, com a prova ou não da relação de causalidade entre o grau de alcoolémia e a verificação do acidente). As regras de elasticidade do processo civil (nomeadamente quanto a apensação de processos) já constituiriam um mero remendar do que, à partida, com outro entendimento, corresponderia a uma tramitação linear. Decerto que esta posição pode ter uma razão de ser nos casos em que o fraccionamento resulta do próprio regime de satisfação da obrigação. Estamos a pensar na indemnização em forma de renda, caso em que passaria a compreender-se muito mal o início do prazo prescricional só com o pagamento da última renda, sendo aqui de ponderar a aplicação do artigo 307.º do Código Civil. Mas, nos casos vulgares, o próprio fraccionamento é ditado por razões de protecção do próprio lesado (em ver satisfeitas, de imediato, certas despesas), por razões de conveniência de pagamento, de índole burocrática, de prontidão de exigência dos hospitais, etc. No limite, a contagem do início do prazo de prescrição com a data de cada fracção do pagamento levaria até as seguradoras a protelarem este, com prejuízo dos lesados, correndo menor risco as menos cumpridoras. Ressalvados, pois, os casos de satisfação da indemnização em forma de renda, optamos pelo entendimento que vai no sentido de ter em conta, como data do início do prazo prescricional, a do último pagamento. Posição já assumida no Acórdão deste Tribunal de 11.7.2006, revista n.º 1856/06, 2.ª secção. IX – Face a esta posição, não fica prejudicada a segunda das questões enumeradas em IV, consistente em decidir se se aplica às acções de regresso o alongamento do prazo previsto no n.º3 daquele artigo 498.º. O último dos pagamentos foi o referido no ponto 9, cuja data, no entanto, pode ser de 25.11.2005 – versão da defesa – ou de 13.12.2005 – versão da autora. Sabendo-se que a interrupção da prescrição ocorreu, com a data em que devia ter sido feita a citação - 26.11.2008 - se se considerar o prazo de prescrição de três anos, temos que procede ou não a excepção da prescrição agora relativamente a todas as quantias pagas, conforme a resposta à pergunta que a Relação manda fazer na parte decisória do Acórdão recorrido. Se, porém, o prazo for de cinco anos, improcede a excepção relativamente a todas as quantias, não se justificando a ampliação factual ordenada em 2.ª instância. X – Como vimos, o artigo 498.º, começa por estabelecer um prazo relativamente à indemnização ao lesado, depois estabelece igual prazo relativamente ao “direito de regresso entre os responsáveis” e, já no número 3, alude ao alongamento deste. O “direito de regresso entre os responsáveis” é o direito contemplado precisamente no artigo anterior, ao estabelecer que “existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram…” Aqui ainda poderia considerar-se a ligação ao facto ilícito. Num caso estatui-se sobre a relação lesante-lesado, noutro sobre as relações entre os lesantes. Poder-se-ia, então, entender que se manteria a razão de ser de não afastar a responsabilidade quando ainda pode vir a correr processo-crime. XI – Mas o direito de regresso contemplado no artigo 19.º do DL n.º522/85 tem um cariz diferente para estes efeitos. Com a evolução da legislação sobre acidentes de viação abrangidos pelo seguro obrigatório, o causador do acidente deixou, à partida, de ser responsável civilmente. A lei teve mesmo o cuidado de o excluir, por regra, das acções intentadas pelo lesado, no artigo 29.º do DL n.º522/85 (aqui aplicável, mas com manutenção do mesmo regime face à lei nova). Só excepcionalmente o próprio lesado é demandado. Feito o pagamento pela seguradora, a lei estatuiu, no já mencionado artigo 19.º, os casos de direito de regresso e, de alguns deles, vemos que se perdeu de vista o ilícito que esteve na base da primitiva indemnização. Para além de constituir um direito novo, este direito de regresso nada tem a ver com a gravidade daquele ilícito. Assim, por exemplo, nos casos de veículo não inspeccionado ficaria sem se compreender a diferença de prazos de acordo com os prazos prescricionais do crime preenchido com o acidente de viação. Ou, então, com o ilícito que esteve na base da primitiva indemnização, passam a coexistir outros, em plano de igualdade, com prazos de prescrição diversos – condução sob o efeito do álcool ou de drogas, condução sem habilitação legal, furto, furto de uso ou roubo do veículo – que acentuam o repúdio pela ideia de relevar particularmente a gravidade penal daquele. Para o direito de regresso baseado naquele artigo 19.º, não procedem as razões de alongamento do prazo consignadas no artigo 498.º. n.º3, justificando-as antes a consideração do prazo, imutável, de 3 anos. Prazo que tem sido acolhido nos Ac.s deste Tribunal de 8.5.2003, Revista n.º 1140/03, 2.ª Secção, 27.3.2003, já referido, 13.01.2005, Revista n.º 3623/04, 7.ª secção, 4.11.2008, processo n.º 08A3119 (este disponível em www.dgsi.pt), 13.03.2008, Revista n.º378/08, 7.ª Secção e de 27.10.2009, processo n.º 844/07.2TBOER.L1 (também disponível no referido sítio). XII – Com a tomada de posição no sentido do prazo de três anos, irrelevando o prazo prescricional do crime integrado pela conduta que esteve na base do acidente de viação, fica prejudicada a questão relativa à necessidade de apresentação de queixa. XIII - Face a todo o exposto, concedendo-se parcialmente a revista: Revoga-se a alínea a) da parte decisória do Acórdão recorrido; Mantém-se a alínea b), agora com relevância, não só relativamente ao montante ali referido, mas também a todos os montantes pagos. Custas a final. Lisboa, 4 de Novembro de 2010 João Bernardo (Relator) Oliveira Rocha Oliveira Vasconcelos |