Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO DIREITO DE PROPRIEDADE PROVA TESTEMUNHAL FORÇA PROBATÓRIA | ||
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Data do Acordão: | 07/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | Embora o art. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15-11, exija uma certa espécie de prova, não fixa a força da prova documental produzida. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA, FF — entretanto falecida, tendo sido declarados habilitados como seus sucessores BB, CC, DD e EE — e GG intentaram, a 08 de Julho de 2010, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que se reconheça que o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico denominado “Q....”, sito na freguesia ....., no sítio ......., inscrito na matriz predial rústica do serviço de finanças ..... sob o artigo .. da secção “AQ” e descrito na Conservatória do Registo Predial .... sob o n.º 77 ...., abrange, a sul, as parcelas de leitos ou margens de águas do mar. 2. O Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou, pugnando pela improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre parcelas de leitos ou margens do mar. 3. Em despacho de 8 de Julho de 2011, os Autores foram convidados ao aperfeiçoamento da petição inicial. 4. Os Autores apresentaram uma nova petição inicial, ampliando o pedido deduzido. 5. Pedem que se reconheça, nos termos do n.º 1 do artigo 15 da Lei n.º 54/2005, de 15-11, o direito de propriedade dos autores sobre uma parcela de margem da ........../... com a área de 18 260 m2, contados da L.M.P.A.V.E., com a largura de 50 m e o comprimento, a sul, da estrema nascente à estrema poente do prédio rústico denominado “Q.......”, sito na freguesia ........, no sítio …...., inscrito na matriz predial rústica do serviço de finanças de ........., sob o artigo …. da secção AQ e descrito na Conservatória de Registo Predial ........ sob o n.º 77........., como documentado e assinalado na planta topográfica e na planta de pormenor juntas. 6. O Estado Português, representado pelo Ministério Público, pronunciou-se sobre a nova petição inicial. 7. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção procedente. 8. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor. Face ao exposto, decido julgar procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decide-se reconhecer os autores BB, CC, DD, EE e GG como titulares do direito de propriedade privada sobre uma parcela de margem da ........../... com a área de 18 260 m2, contados da L.M.P.A.V.E., com a largura de 50 m e o comprimento, a sul, da estrema nascente à estrema poente do prédio rústico denominado “Q........”, sito na freguesia ........, no sítio ......., inscrito na matriz predial rústica do serviço de finanças ............, sob o artigo … da secção “AQ” e descrito na Conservatória de Registo Predial ....... sob o n.º 77.........., nos termos e para os efeitos do disposto artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação introduzida pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho, por o mesmo se encontrar na posse em nome próprio de particulares, antes de 31 de dezembro de 1864. Após trânsito e com cópia da presente decisão, comunique à A.P.A. para os efeitos tidos por convenientes. Sem custas, atenta a isenção do réu (artigo 15º, n.º 1 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na redação introduzida pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho e artigo 4º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais). Registe e notifique. 9. Inconformado, o Estado português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso de apelação. 10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - A menção à "carta de 1843", inserta no 2.° parágrafo, 4.ª linha de fls. 11 da sentença do douto Tribunal "a quo", constitui um erro material, a eliminar, pois não existe nenhuma carta desse ano, antes uma de 1893, cujos trabalhos se iniciaram em 1843 (art.º 614.°, n.º 1 do Código de Processo Civil). 2.ª - A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.° 615.° do Código de Processo Civil, por haver uma oposição insanável entre o único facto não provado e os factos provados sob 1., 2. e 35. e o dispositivo da decisão. 3.ª - Na verdade, não existindo prova, maxime documental, de que os antepossuidores do prédio n.º 1638, do qual foi desanexado aquele que hoje pertence aos AA., n.º 774, o adquiriram, na qualidade de proprietários e por titulo legítimo, antes de 31 de Dezembro de 1864, é lógico-juridicamente impossível julgar a acção procedente, por segura falta de preenchimento dos pressupostos tipificados no n.º 2 do art.° 15.° da Lei n." 54/2005. 4.ª - Os AA. estruturaram a demanda, ao abrigo do seu poder conformativo do objecto do processo, exclusivamente nos termos daquela disposição e não, também ou sequer subsidiariamente, nos termos do n." 3, como inequivocamente resulta da circunstância de nunca mencionarem o n." 3 do art. 15.º e, sobretudo, do teor concludente do art.º 82.° da PI corrigida: "Está, pois, documentalmente provado que o prédio identificado no art. 1º desta pi (…) era propriedade privada em data anterior a 1864” (…). 5.ª - Por isso, revelam erro no julgamento da questão de direito todas as relevantes afirmações e ilações da sentença a fls. 18, parágrafos 3.° e 5.°, sobre a aplicabilidade, ao caso dos autos, do n.º 3 do art.° 15.° da mencionada lei. 6.ª - Os factos fixados sob os n.ºs 1., 2. e 35. do probatório estão incorrectamente fixados, ponderados os meios de prova invocados e o facto de recair sobre os AA. o ónus da prova (art.º 342.°, n.º 1 do Código Civil). 7.ª - A decisão baseou-se no teor do relatório da segunda perícia, a fls. 370 ss., mas não pode desconsiderar-se que o laudo tem por expresso pressuposto o confronto de dois documentos históricos, dos anos de 1775 e de 1893, com um levantamento topográfico apresentado pelos AA. para instruírem a petição inicial corrigida de fls. 263 ss., tratando-se de uma peça desenhada executada fora do processo, sob a direcção deles (AA.), em termos de representação, não da realidade, mas da sua pretensão, tal como a deduziram em juízo, não passando de uma alegação desenhada em vez de narrada. 8.ª - Para além de ser muito duvidoso que o dito levantamento preencha o conceito de documento, por falta da função probatória, o R, impugnou-o no art.° 4.° da sua resposta a fls. 296-298, sem que os AA. hajam feito prova positiva da sua genuinidade, como lhes competia. 9.ª - Suprimida mentalmente a existência do levantamento topográfico, nunca o relatório pericial poderia apresentar o seu conteúdo, aliás limitativo, em especial quanto ao documento de 1893, por inexistência de um termo essencial à comparação empreendida. 10.ª - As diversas menções a lugares ou prédios na carta topográfica de 1775 e na carta cartográfica de 1893 são de tal forma variadas, por referência aos diversos documentos do Séc. XIX que descrevem o pretenso prédio actual dos AA., que não se pode concluir, com um mínimo de segurança, que esse imóvel está assinalado no 1.º documento como "Q.........” e, no 2.º, como "M.......”, desde logo por não se ver razão para a mutação na designação de um mesmo espaço e por se saber que os topónimos "M…….." e "M……." são autónomos. 11.ª - As menções dos ditos documentos oitocentistas não apresentam as especificações suficientes, desde logo quanto a denominação, área e confrontações, para que se possa estabelecer a correspondência fixada nos artigos 1., 2. e 35. do probatório. 12.ª - Ao contrário do que se afirma na fundamentação fáctica, é nítida a falta de correspondência entre as características do prédio descrito no ponto 3. dos factos provados e as dos prédios referidos nos pontos 4., 6., 7., 9. e 11. 13.ª - Ainda que se pudesse dar por assente que o actual prédio dos AA. integrou o(s) prédio(s) mencionado(s) na conclusão 10.ª, seria indispensável estabelecer que o imóvel, a Sul, já antes de 31 de Dezembro de 1864 confrontava com a margem do .../........., o que se tem por irrespondível, não só porque vários prédios foram desanexados do "prédio-mãe" (art. 4.° PI), o que gera as maiores dúvidas, como porque ainda hoje não está fixada a indispensável linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais, 14.ª - Em todo o caso, sempre quedaria dúvida insanável sobre a natureza privada ou pública de um imóvel com a centralidade da Q........, tópico sobre o qual a sentença guarda absoluto mutismo. 15.ª - Os AA. não produziram prova bastante dos factos provados sob os n.ºs 1., 2. e 35., pelo que devem transitar para os factos não provados, com a seguinte formulação: "Não se provou que: 1. O prédio dos AA. descrito Conservatória do Registo Predial ........... sob a ficha n.º 77..... da freguesia ........... corresponda à parcela identificada na carta topográfica de 1775 sob a denominação Q........” e que, a Sul, confrontasse com o mar; 2. O prédio referido corresponda à parcela identificada na carta cartográfica de Portugal de 1893 como M..……; 35. O prédio em causa encontra-se parcialmente inserido em área de Domínio Público Marítimo, abrangendo a faixa de terreno contígua à linha que limita o leito ......, com a largura de 50 metros, contados da linha máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE) para dentro (norte), ao longo de todo o seu comprimento que corresponde, atualmente, a uma faixa de terreno com a área de 18 260 m2, contados daquela linha, com cinquenta metros de largura e o comprimento, a sul, da sua estrema nascente à estrema poente. 16.ª - Em consonância com essa alteração, a acção deve ser julgada totalmente improcedente e o R. absolvido do pedido. 17.ª - Subsidiariamente, caso assim não de julgue, a acção deve ser julgada apenas parcialmente procedente, reconhecendo-se a propriedade privada dos AA. apenas sobre a parte da área, a delimitar pelo procedimento administrativo próprio, que na planta da Agência Portuguesa do Ambiente de fls. 616, se localiza entre o limite Sul do prédio, aí desenhado a tracejado (cor amarela), e a linha limite da margem, aí representada em cor verde. 11. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela rejeição da impugnação da decisão de facto, por inobservância dos ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil, e pela confirmação da sentença recorrida. 12. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: 1.ª As alegações do Recorrente não cumprem cabalmente as exigências do art. 640 do CPC, pois não especificam os «concretos meios probatórios, constantes do processo […] que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», pelo que toda a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida deve ter-se por definitivamente assente. 2.ª Independentemente do incumprimento do referido ónus, o Recorrente não tem razão em nenhuma das suas teses sobre alegados erros no julgamento da matéria de facto, pois: a) Que o prédio dos autos fez parte do terreno que em carta de 1775 era designado «Q..........» resulta do confronto dessa carta com o levantamento topográfico de fls. 289, feito no mesmo, do relatório pericial de fls. 730 e segs. (elaborado por perito do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa ) e da planta elaborada pela Agência Portuguesado Ambientede fls616 esegs.,em especial da imagem aérea de fls. 616; b) Que o prédio dos autos fez parte do terreno designado “M..........» na carta publicada em 1893 (a partir de trabalhos de campo iniciados em 1843 e terminados substancialmente em 1861) era designado “M..........» resulta também do confronto dessa carta com o levantamento topográfico de fls.289, do relatório pericial de fls. 730 e segs. (elaborado por perito do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa ) e da planta elaborada pela Agência Portuguesa do Ambiente de fls 616 e segs., em especial da imagem aérea de fls. 616; c) Que a «Q........» era propriedade privada resulta de: - A identificação completa do terreno na carta de 1775 ser «Q...... Dez.or HH», i.e., a identificação conter o nome do dito governador – o que, naturalmente, não sucederia se o terreno fosse público; - O título da carta ser «Carta Topographica dos Baldios, e Terras Incultas do Termo da V.........., onde se Declarão os nomes dos seus Senhorios, os ............ …» - sendo claro que a palavra «Senhorios» designa proprietários,como resulta além do mais, da própria «Explicação» constante da carta, segundo a qual «Cada porção de terra inculta leva 3 ordens de caracteres, o primeiro de caracteres Romanos, explicará do interior da coluna em que estão, o nome do seu Senhorio, ou enfiteuta…» - Na lista de proprietários que consta da carta (canto inferior esquerdo) surgir «Dez.or HH»; - Ser desconhecido haver terrenos públicos encabeçados em governadores; d) A natureza privada do terreno em causa antes de 1864 resulta também dos factos que a sentença recorrida deu como provados sob os n.ºs 3 e 4 – atos aquisitivos do terreno por parte de antepassados dos AA.,ora Recorridos, em data anterior a 1864; 3.ª A perícia sobre três documentos (levantamento topográfico apresentado pelos AA, carta topográfica de 1775 e carta topográfica editada em 1893) foi admitida em definitivo por decisão desse Tribunal da Relação, em Acórdão proferido em 19 de novembro de 2015, transitado em julgado, pelo que não pode ser posta aqui em causa. 4.ª O relatório pericial do Professor Doutor Francisco Roque de Oliveira, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa , não se fundamentou no levantamento topográfico junto pelos AA.; o que fez foi uma nova avaliação da correspondência (autónoma do juízo do topógrafo sobre essa correspondência, embora levando em conta o levantamento topográfico) entre o imóvel dos AA. e parcelas do terreno representado no documento datado de 1775 como «Q..............» e do terreno representado no documento datado de 1893 como “M..........» . 5.ª O art. 15, n.ºs 2 e 3, da Lei 54/2005 faz depender a propriedade privada de parcelas de terreno do tipo das que estão em causa na ação da prova de as mesmas serem objeto de propriedade particular (ou comum) antes de 31dedezembro de 1864 (ou estarem n aposse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa) – e não da prova de atos aquisitivos determinados anteriores a 31 de dezembro de 1864. 6.ª Por outras palavras: a lei não exige a prova do facto aquisitivo, nem da identidade dos proprietários ou possuidores, mas apenas da natureza privada (ou comum) antes de 31 de dezembro de 1864. 7.ª Os autos contêm prova clara de que os terrenos em que se situa o prédio dos AA., ora Recorridos, eram privados antes de 1864. 8.ª A sentença não padece de qualquer irregularidade na formulação do facto provado sob o n.º 1, nem no modo de referência à carta de 1893. 9.ª A pretensão do Recorrente (constante da sua conclusão 17.ª, mas não fundamentada no corpo das alegações) de que, procedendo a ação, a procedência se restrinja a parte do terreno em causa a delimitar por procedimento administrativo é descabida, não apenas por não ter amparo na lei, mas por violar abertamente o decidido por esse Tribunal da Relação no seu acórdão de 13.9.2018, tirado em recurso interposto pelos ora Recorridos. 10.ª Na verdade, não sóo procedimento administrativo regulado no art. 17 da Lei 54/2005 é independente da questão que se discute na presente ação, como o próprio artigo em causa, no seu n.º 7, é claro, ao estabelecer que «A delimitação a que se proceder por via administrativa não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas». 11.ª Em consequência, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, por estar inteiramente conforme à lei, tendo feito correta interpretação dos factos e não menos correta aplicação do Direito. Assim se julgando se fará Justiça! 13. O Tribunal da Relação ….. julgou procedente o recurso de apelação e revogou a sentença recorrida, absolvendo o Estado português do pedido. 14. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista. 15. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª — A prova documental exigida pelo n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, pode consistir em qualquer tipo de documento, entendendo documento segundo a definição do art. 362 do Código Civil: qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto; 2.ª — Deve, pois, considerar-se admissível que a prova documental exigida pelo n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, seja feita por uma carta topográfica; 3.ª — Ao decidir que «A mera representação, naquela carta cartográfica [carta topográfica datada de 1775 junta pelos AA aos autos], de uma parcela de terreno correspondente ao prédio atualmente pertencente aos autores, não configura, por si só, uma prova documental de que o prédio se encontrava então no domínio privado», a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro; 4.º — O presente recurso é admissível quanto à violação de lei que se invoca, nos termos do n.º 3 do art. 674 do CPC, por a decisão recorrida ter incorrido em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa com ofensa de uma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto: no caso, o n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro; 5.º — O presente recurso é admissível quanto à nulidade cuja declaração visa, por força do art. 615, n.º 1, alínea d), aplicável por remissão do art. 666, n^ 1 do CPC; 6.º — O acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado os argumentos dos AA, ora Recorrentes, quanto aos elementos de prova que permitem concluir que o prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos, era privado, designadamente, que essa natureza privada decorre de: — A identificação completa do terreno na carta de 1775 ser «Q....... Dez.or HH», i.e., a identificação conter o nome do dito governador - o que, naturalmente, não sucederia se o terreno fosse público; — O título da carta ser «Carta Topographica dos Baldios, e Terras Incultas do Termo da V.........., onde se Declarão os nomes dos seus Senhorios, os ............ ...» - sendo claro que a palavra «Senhorios» designa proprietários, como resulta além do mais, da própria «Explicação» constante da carta, segundo a qual «Cada porção de terra inculta leva 3 ordens de caracteres, o primeiro de caracteres Romanos, explicará do interior da coluna em que estão, o nome do seu Senhorio, ou enfiteuta…» — Na lista de proprietários que consta da carta (canto inferior esquerdo) surgir «Dez.or HH»; — Haver identificação das terras não privadas, designadamente pelo nome «concelho»; — Outros proprietários com títulos (v.g., «tenente» e «capitam») serem referidos com eles; 7.ª — Os elementos de facto referidos impõem que se considere que o prédio em causa era privado em 1775, pelo que, também por isso, a decisão recorrida violou o art. 15, n.º 2 da Lei 54/2005 de 15 de novembro, ao não considerar esses elementos, ou ao interpretá-los de modo diverso do sustentado pelos Recorrentes; 8.ª — A consideração de que a Carta Topográfica de 1775 junta aos autos deve ser tida como documento bastante para efeitos do n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, implica que todo o conteúdo dessa Carta Topográfica, nomeadamente as suas legendas, seja tido em conta; 9.ª — Ora, como resulta do que se escreveu, das legendas da Carta resulta o prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos, era privado (propriedade de HH, então Governador ......); 10.ª — Acresce que a prova resultante da Carta Topográfica de 1775 de que o prédio em que, nessa data, se incluía o atual prédio dos autos, era privado é corroborada, quanto a outros momentos, todos anteriores a 1864, por outros documentos juntos aos autos, designadamente: — Os documentos referidos nos factos provados n^s 3 e 4, datados de 1849 e 1853, que mostram que, no primeiro desses anos, II e JJ compraram uma porção da "Q......", pois que, mesmo entendendo, como o Tribunal da Relação, que as confrontações indicadas na escritura de 1849 não permitem concluir que o prédio objeto da mesma foi o que veio a ser descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o n.2 1938 (do qual resultou o prédio dos AA, ora Recorrentes), é impossível negar relevância a tal facto para efeitos de apoiar a tese de que a área em causa tinha natureza privada; — A Carta Cartográfica de Portugal junta à p.i como doe. 11 (onde o topónimo “M.....” aparece a designar o terreno em causa), referida como facto provado n^ 2, documento esse, que, embora publicado em 1893, foi elaborado a partir de trabalhos de campo iniciados em 1843 e terminados substancialmente em 1861; 11.ª — O acórdão recorrido deve ser considerado nulo, por não ter apreciado os argumentos dos AA, ora Recorrentes, quanto aos elementos de prova que permitem concluir pelo caráter privado do prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos; 12.ª — Mais deve o acórdão recorrido ser revogado por ter violado o n.° 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro (na parte em que estabelece que o reconhecimento da propriedade privada sobre margens das águas do mar depende de prova documental de que os terenos em causa eram objeto de propriedade particular antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868), que se trata de «disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 674 do CPC; 14.ª — Em consequência, deve a presente ação ser declarada procedente, por provada, ainda que, por força do decidido pelo Tribunal da Relação em matéria de facto (n.- 35), fique a constar que o limite sul do prédio dos AA é a ......, e não o mar.Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por decisão que declare a pressente ação procedente Assim se julgando se fará Justiça! 16. O Estado português, representado pelo Ministério Público, contra-alegou. 17. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: 1 - São fundamentos do presente recurso, essencialmente, a alegada nulidade, prevista no artº 615º nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artº 666º nº do mesmo diploma legal (omissão de pronúncia), a alegada violação da lei expressa - artº 15º nº 2 da Lei nº 54/2005, de 15/11, e o alegado erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa – artº 674º nº 3 do CPC. 2 - Mas, salvo melhor entendimento, o recurso interposto pelos AA. não merece provimento 3 - Quanto à alegada nulidade, prevista no artº 615º nº 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia, nem formalmente, nem em substância, assiste razão os recorrentes. 4 - Desde logo, porque só pode ocorrer omissão de pronúncia relativamente a “questões” concretas que o tribunal tivesse de apreciar no âmbito do caso sub judice, e não, quanto a “argumentos” das partes … 5 - Por outro lado, verifica-se que tais “questões” a apreciar pelo tribunal superior, estavam circunscritas à “Conclusões” do recurso de Apelação apresentado pelo Mº Público, então recorrente (vide artº 639º nº 1 do CPC), decorrendo da mera leitura do texto do Acórdão do T.R... que os respectivas fundamentos foram cabalmente analisados no aresto ora sob recurso, sendo certo que, ali improcedeu a arguição de nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, mas foi julgada parcialmente procedente a impugnação da Matéria de Facto (Factos 1, 2 e 35), com as legais consequências. 6 - Quanto aos demais fundamentos do presente recurso, importa ter presente que, estamos na presença de um Recurso de Revista, dita, “normal”, em que, não pode ser impugnada a Matéria de facto, atento o teor do disposto no nº 2 do artº 682º do CPC, pois que, contrariamente ao defendido pelos ora recorrentes, não se verifica o caso excepcional previsto na parte final do nº 3 do 674º, do mesmo diploma legal – ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 7 - Na verdade, os ora recorrentes ao referirem que os “elementos de facto” impõem que se considere que o seu terreno já era privado em 1775, estão a pretender, na realidade, a reapreciação da Matéria de Facto, o que lhes é vedado por lei. 8 - E, não se diga que, o aresto recorrido, tenha violado o disposto no artº 15º nº 2 da Lei nº 54/2005, de 15/11, pois que, esta disposição legal, não confere, só por si, a tal carta topográfica, prova plena. 9 - Na verdade, a referida carta topográfica, datada de 1775, tal como todos os restantes documentos juntos aos autos, foram tidos em conta pelo tribunal, não lhe tendo sido retirado qualquer valor probatório, porém, e ainda assim, não foi possível distinguir com exactidão tal terreno dos AA. (tal como muitos outros que, foram desanexados do prédio 1638) – vide, designadamente, os pontos 5, 6, e 7, 12, 15, 17, e 21 a 35, da Matéria de facto - pelo que, não é suficientemente clara a respectiva localização naquela carta topográfica. 10 - Nesse sentido, se clarifica no Ac. recorrido que “Quanto ao levantamento topográfico junto aos autos, sabido que se trata de um meio de prova cuja força probatória não se encontra especialmente fixada na lei, não tendo força probatória plena encontra-se sujeita à livre apreciação pelo tribunal assim, podendo ser complementado ou mesmo infirmado por outros meios de prova.” E “Em processo civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, conforme dispõem os artº 389º do CC e 489º do CPC, pelo que não vincula o julgador, que deverá apreciá-la em conjugação com os demais meios de prova.” 11 - Igualmente, deve improcede aqui o recurso. 12 - Ora, tendo sido validamente impugnada (parte) da Matéria de Facto fixada pelo tribunal de 1ª Instância (e, após correção de outros lapsos e omissões alegados no recurso de Apelação pelo Mº Público,em representação do Estado Português, julgados procedentes), o acórdão de TRE, veio a alterar a redacção dos Factos 1), 2) e 35), e aditado o Facto 1-A), no ponto 2.1.1 (Factos provados), e tendo aditado igualmente os Factos ii) e iii), ao ponto 2.1.2 (Factos não provados), aqui dados por integralmente reproduzidos, mostra-se definitivamente fixada, após reexame, a Matéria de Facto. 13 - E, perante tal Matéria de Facto, não poderia deixar de se concluir, entre o mais, que o terreno pertença dos AA. está sujeito à presunção de dominialidade do Estado Português, atendendo às respectivas delimitações, pelo que recaía sobre aqueles, o ónus de provar documentalmente que tal terreno era, por título legítimo, objecto de propriedade particular, ou comum, antes de 1864 (art 15º nº 2 da Lei nº 54/2005, de 15/11), o que não lograram fazer, pelo que, o desfecho da acção não poderia deixar de ser a revogação da decisão final proferida em sede de tribunal de 1ª Instância, e declarada a improcedência da acção, com a absolvição do R. Estado Português. 14 - Assim, salvo melhor entendimento, é de manter o aresto ora sob recurso, atentos os respectivos fundamentos, de facto e de direito, aqui dados por integralmente reproduzidos, e a que se adere. 15 - Acresce que, ainda quanto ao mérito/demérito do recurso é também de ter em conta, na parte aplicável, ao teor das Alegações do recurso de Apelação apresentado pela Mº Público no tribunal de 1ª Instância, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas designadamente, as constantes das respectivas Conclusões. 17. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil]; II. — se o acórdão recorrido infrige disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto III. — se o acórdão recorrido infringe disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova [cf. art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil]. II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 18. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes: 1. Em 1775 (na carta topográfica) o prédio em causa confrontava a sul com o mar e constituía uma parcela da área aí identificada como “Q.......”. 2. Na carta cartográfica de Portugal, cujos trabalhos de campo se iniciaram em 1843 o prédio referido constituía uma parcela da área aí identificada como “M..........”. 3. Através de escritura de venda e trespassamento datada de 26 de agosto de 1849, KK, LL, por si e como procuradores das suas mulheres venderam a II e seu irmão JJ o seguinte prédio: “porção da Q............, freguesia do mesmo nome e concelho desta vila, a qual porção de fazenda consta de terras de pão matosa, oliveiras, vinha e uma casa arruinada e confrontada pelo norte com estrada que vai para ….., nascente com Fazenda de Dona MM, hoje aforada pelos ditos compradores, sul com o oceano e poente com os mesmos compradores”. 4. Em 30 de junho de 1853, em Portimão, foi elaborada uma minuta de procuração, por via da qual, a esposa do foreiro referido Senhor LL constituía seu bastante procurador o seu marido, para que em nome dela outorgante, pudesse assinar com JJ e II, negociantes em ..........., a escritura de ratificação de “dois contratos de venda (e suas respectivas escrituras em data de 13 de julho, 30 de novembro e 26 de agosto de 1849, nas notas do Tabelião NN, da dita .........) de uma vargem em …… e porção da Quinta do mesmo sítio, que coube a ela outorgante em legítima de seu pai, cujos resíduos foram feitos, ainda em menoridade do marido dela outorgante, sem autorização alguma do juízo respetivo, nos sobreditos senhores (…)” 5. Em 16 de março de 1880, na Conservatória do Registo Predial ......., foi aberta a descrição de um prédio sob o n.º …. resultante da transcrição do Livro B-5 da Conservatória de ….. a folhas 95 verso - descrição predial n.º ….. 6. Na Conservatória do Registo Predial ....., tal prédio (n.º 1938), estava descrito da seguinte forma: “Prédio rústico no sitio de “……...”, freguesia ….. d’esta camara ….., o qual se compõe de terra de semeadura, oliveiras, amendoeiras, figueiras e outras arvores, casas de moradia, ramada, palheiro e metade em um poço d’água; a confrontar do norte com ………, sul com o mar, nascente com OO e poente com a F......”. 7. A descrição deste prédio foi aberta pela primeira vez neste Registo Predial ..... e feita (grafia antiga): “à vista do título apresentado sob o n.º 2 do Diário 2 d’esta Conservatória, em 16 de Março de 1880, o qual é uma escriptura publica de partilha amigável, lavrada nas notas do tabelião do Julgado .......... d’esta dicta Comarca, PP, em o livro das mesmas n.º 63, a fls. 16v, aos três dias do dicto mês e anno: d’ella consta que este prédio é foreiro a LL, na quantia de cento e trinta e dois mil cento cessenta e quatro reis annuaiz e á camara municipal do Concelho ........., acima dicta em dez mil reis, também annuaiz, em dinheiro, e mais dez mil reis em papel. O seu valor venal, livre dos capitaes dos mesmos fóros, é de sete contos e tresentos mil reis. Indice real, n.º 1 a fls. 15v O Conservador privativo QQ”. 8. A escritura referida supra foi lavrada para partilha amigável do património de II, falecido em 20 de maio de 1879, com 85 anos, deixando viúva RR e como herdeiros seus Filhos, SS e II e foi lavrada em 3 de março de 1880. 9. Nessa escritura pode ler-se como descrição do prédio em causa: “um predio rustico, sito no sitio da ......, freguezia ....... deste Julgado, que consta de casas de morada, ramada, palheiro e metade de um poço de agua, oliveiras, amendoeiras, figueiras e outras arvores, terras de semear, confronta do Norte com …………., sul com o Mar, Nascente com OO, Poente com a F....., foreiro LL na quantia de cento trinta e dois mil cento cessenta e quatro reis annuaez à comarca Municipal desta Villa, em dez mil reis também annuaez em dinheiro e dez mil reis em papel, avaliação livre dos capitais dos mesmos foros na quantia de sete contos e trezentos mil reis”. 10. Tal prédio rústico foi o primeiro que, com outros, constituiu o pagamento do “herdeiro II da sua legitima e pertença no valor de doze contos e quatrocentos mil reis”. 11. Com base nesta escritura, o referido II, solteiro, maior (filho do falecido com o mesmo nome), inscreveu definitivamente a seu favor, também em 16 de março de 1880, sob o n.º …26, a propriedade dos prédios que fez descrever sob os números ….38, ….39, ….40, ……41 e ….42, “os quaes adquiriu por virtude da partilha amigável de todos os bens do casal, a que o dicto apresentante, seu Irmão, SS, viúvo e sua Mãe, D. RR (…) procederam por falecimento de II, marido desta e pae dos primeiros (…).” 12. Foi este o prédio que passou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial ..................., sob o n.º ….38, correspondendo, assim, à descrição n.º ….38 da Conservatória do Registo Predial ...... 13. Por óbito do seu proprietário, II, no estado de solteiro, ocorrido em 27 de março de 1924, sucedeu-lhe como seu único herdeiro, o seu sobrinho SS (neto paterno de II e de RR). 14. Após tal óbito, o seu referido e único herdeiro, SS, procedeu à respetiva declaração do óbito de seu tio e à apresentação da relação de bens na Repartição de Finanças ................., para efeitos de liquidação do imposto sucessório, em 23 de abril de 1924. 15. Na referida relação de bens consta na verba um dos imóveis “um prédio rústico no sítio .........., composto de terras de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, vinha e casas no valor de 62.000$00” que correspondia aos artigos matriciais rústicos 1292 e 1293, tendo sido pago o imposto sucessório. 16. O referido SS veio a falecer em 9 de junho de 1940. 17. Em 19 de Setembro de 1944, a sua viúva e os seus herdeiros outorgaram escritura de habilitação de herdeiros, partilha e doação, onde o prédio em causa constituiu a verba n.º 9 da relação de bens por óbito de SS, com a seguinte descrição: “Verba número nove – Um prédio rustico no sitio ………, da dita freguesia ................, que consta de terras de semear, alfarrobeiras, oliveiras, figueiras e amendoeiras, vinha e casas destinadas aos serviços agricolas, que confronta do norte com o caminho, municipal, nascente com Dona TT, sul com o mar, e poente com o Ribeiro ……, alodial, inscrito nas respectiva matriz sob os artigos números mil duzentos e noventa e dois e mil duzentos e noventa e trêz, com o rendimento colectavel total de nove mil setecentos e cincoenta e quatro escudos e cincoenta e oito centavos, a que corresponde o valor matricial de cento e noventa e cinco mil e noventa e um escudos e sessenta centavos.”, sendo que o próprio Notário declarou que ao prédio descrito sob a verba n.º 9, correspondem os artigos matriciais rústicos números ….92 e ….93 e está descrita na Conservatória do Registo Predial ...................... sob o n.º …….38, a fls. 53v, do livro B-5. 18. Apenas em 22 de fevereiro de 1967 foi o referido SS habilitado notarialmente como único herdeiro do seu tio II e só após esta habilitação foi possível registar o trato sucessivo na Conservatória do Registo Predial ............... e, assim, em 18 de maio de 1967, pela inscrição n.º 2556, foi registada a aquisição do prédio descrito sob o n.º ….38, a favor de SS e mulher UU, por óbito de II (ocorrida em 27 de Março de 1924) e com base na mesma escritura de 1944 foram atualizadas as confrontações a nascente e poente, ficando a constar que nessa ocasião, já confrontava a nascente com TT e a poente com o ribeiro ....., mantendo-se as confrontações a Norte com canada do concelho e a sul com o mar e do mesmo averbamento consta que o referido prédio estava inscrito na matriz predial rústica sob os artigos ….92 e …..93 19. Por partilha e doação escrituradas, tal prédio ficou a pertencer a VV, na proporção de 72% e a WW, na proporção de 28%. 20. Pelo averbamento n.º 2 à referida descrição, também em 18 de maio de 1967, procedeu-se à desanexação do prédio n.º …., tendo tal desanexação dado origem a outro prédio, descrito sob o n.º ….31, a fls. 31 do Livro B-20 da Conservatória do Registo Predial ............... 21. O prédio descrito sob o n.º ….31, após a desanexação referida ficou com a seguinte descrição “Prédio rústico, no sítio ........, freguesia ...................., concelho ...................., com a área aproximada de 443.239 m2, que consta de terra de semear, diverso arvoredo e casas de destinadas aos serviços agrícolas e confronta a norte com caminho municipal, sul com o mar, nascente com TT e poente com WW. Corresponde a parte dos artigos rústicos n.ºs ….92 e …..93 Este prédio foi desanexado do descrito sob o n.º …38., a fls. 53.vº do Livro B-5”. 22. Pela Apresentação 01/220988, tal descrição foi completada passando a constar que “o prédio n.º ….31, fica situado na Q......, é rústico, composto de cultura arvense, pomar de citrinos, e celeiros, armazéns e instalações para caseiro – área de 377.600 m2 (…) artigo 0023 – Secção AQ”. 23. Tal prédio foi inscrito, nesse mesmo Registo Predial, em 18 de maio de 1967, sob o n.º ….57 a favor de VV. 24. O prédio descrito sob o n.º ….38, após a mesma desanexação, passou a ter a seguinte descrição: “prédio rústico no sítio .........., freguesia ........., concelho ..................., que consta de terras de semear com diverso arvoredo, nora e vinha, a confrontar do Norte com Caminho Municipal, sul com o mar, nascente com VV (prédio 8131) e poente com ribeiro ....., correspondente a parte dos artigos rústicos 1292 e 1293”. 25. A aquisição deste prédio (1638) veio a ser inscrita sob o n.º 3603, a favor de WW e Mulher, pela Apresentação n.º 3, em 2/5/1973, tendo passado a corresponder-lhe o artigo matricial n.º 24 da secção AQ. 26. O prédio descrito sob o n.º ….31 da Conservatória do Registo Predial .........., que teve origem na desanexação referida, ficou com as confrontações do actual prédio descrito sob a ficha 77........... e estava inscrito sob o n.º ….57, a favor de VV. 27. Os prédios atualmente descritos sob os números ….38 e ….31 na Conservatória do Registo Predial ......., antes da desanexação registada em 18 de maio de 1967, eram um único prédio (o ….) e este prédio (….) era o que foi registado, por transcrição do Livro B5, a fls. 95 do prédio n.º …. do Registo Predial de ....., à face de escritura de partilhas de 3 de março de 1880. 28. VV vendeu o prédio descrito sob o n.º ….31, em 22/9/1988, a seus sobrinhosXX, FF e YY, que o adquiriram em comum e partes iguais, ficando cada um com 1/3 indiviso. 29. A aquisição do direito de propriedade por compra, permuta e doação sobre o prédio rústico denominado “Q.....”, sito na freguesia ......, no sítio ......., descrito com a área total e descoberta de 377 600 metros quadrados e composto por cultura arvense, pomar de citrinos, celeiros, armazéns e instalações para caseiro, a confrontar a norte com caminho municipal, a sul com mar, a nascente com TT e a poente com WW, inscrito atualmente na matriz predial rústica ....... sob o artigo 23 da Secção AQ e descrito na Conservatória do Registo Predial ...... sob o n.º 77…….... [resultante da anterior descrição em Livro n.º 8131, Livro n.º 20], está inscrita a favor dos autores [apresentações n.º 1 de 22 de setembro de 1988, n.º 5 de 7 de agosto de 1992, n.º 8 de 12 de novembro de 2003 e n.º 22 de 10 de dezembro de 2003]. 30. Os autores FF e AA, bem como XX e Mulher, ZZ, adquiriram, em comum e partes iguais, a totalidade deste prédio, por permuta feita com YY e Mulher, em 7/8/1992. 31. A autora GG adquiriu a metade indivisa do referido prédio, em comum e partes iguais com a sua Irmã, AAA, por doação feita por seus Pais,XX e ZZ, casados sob o regime de comunhão geral de bens, em 22/11/2003. 32. A autora GG adquiriu a parte da sua irmã (ou seja, ¼ da totalidade do prédio), por compra que lhe fez, em 10/11/2003. 33. Após o levantamento do Cadastro Geográfico, este prédio que correspondia a parte dos artigos rústicos 1292 e 1293 passou a corresponder ao actual artigo matricial .., da secção AQ. 34. A descrição da Conservatória do Registo Predial ......, sob o n.º ….38, correspondendo, à descrição n.º ….38 da Conservatória do Registo Predial ….., foi a primeira descrição do referido prédio, não existindo registo anterior. 35. O prédio em causa encontra se parcialmente inserido em área de Domínio Público Marítimo, abrangendo a faixa de terreno contígua à linha que limita o leito ....., com a largura de 50 metros, contados da linha máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE) para dentro (norte), ao longo de todo o seu comprimento que corresponde, atualmente, a uma faixa de terreno com a área de 18 260 m2, contados daquela linha, com cinquenta metros de largura e o comprimento, a sul, da sua estrema nascente à estrema poente do atual prédio descrito sob o n.º 77......., da Conservatória de Registo Predial de VRSA. 19. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provado o facto seguinte: i) II recebeu o prédio em causa por óbito de seu pai BBB que o detinha desde pelo menos 1840. 20. O Tribunal da Relação …..: I. — aditou aos factos dados como provados um n.º 1 com o seguinte teor: O prédio rústico denominado “Q.............”, localizado no sítio......., freguesia .............., concelho ......................., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo .. da Secção AQ, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..................... sob o n.º 77........ II. — aditou aos factos dados como provados um n.º 1-A, com o seguinte teor: 1 - A. O prédio identificado no ponto 1 corresponde a uma parcela da área identificada na carta cartográfica datada de 1775, da autoria de CCC, como «Q......» III. — alterou a redacção do factos dados como provado sob os n.ºs 2 e 35: 2. O prédio identificado no ponto 1 corresponde a uma parcela da área identificada na folha 37 da edição de 1893 da Carta de Portugal da autoria de Filipe Folque como “M......» 35. O prédio identificado no ponto 1 encontra-se parcialmente inserido numa parte da faixa de terreno contígua à linha que limita o leito ........, com a largura de 50 metros, contados da linha máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE) para dentro (norte), ao longo de todo o seu comprimento. IV. — aditou aos factos dados como não provados os seguintes: ii) A parcela a que alude o ponto 1-A de 2.1.1. confronta a sul com o mar; iii) O prédio a que alude o ponto 1 de 2.1.1. ocupa, a sul, a totalidade da faixa de terreno contígua à linha que limita o leito ............, com a largura de 50 metros, contados da linha máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE) para dentro (norte), ao longo de todo o seu comprimento. O DIREITO 21. Os Autores, agora Recorrentes, alegam que o acórdão recorrido é nulo, por o Tribunal da Relação ….. ter deixado de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar [art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil]. 22. As conclusões 7.ª a 11.ª da alegação de recurso são do segunte teor: 5.º — O presente recurso é admissível quanto à nulidade cuja declaração visa, por força do art. 615, n.º 1, alínea d), aplicável por remissão do art. 666, n^ 1 do CPC; 6.º — O acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado os argumentos dos AA, ora Recorrentes, quanto aos elementos de prova que permitem concluir que o prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos, era privado, designadamente, que essa natureza privada decorre de: — A identificação completa do terreno na carta de 1775 ser «Q............. Dez.or HH», i.e., a identificação conter o nome do dito governador - o que, naturalmente, não sucederia se o terreno fosse público; — O título da carta ser «Carta Topographica dos Baldios, e Terras Incultas do Termo da V.........., onde se Declarão os nomes dos seus Senhorios, os ............ ...» - sendo claro que a palavra «Senhorios» designa proprietários, como resulta além do mais, da própria «Explicação» constante da carta, segundo a qual «Cada porção de terra inculta leva 3 ordens de caracteres, o primeiro de caracteres Romanos, explicará do interior da coluna em que estão, o nome do seu Senhorio, ou enfiteuta…» — Na lista de proprietários que consta da carta (canto inferior esquerdo) surgir «Dez.or HH»; — Haver identificação das terras não privadas, designadamente pelo nome «concelho»; — Outros proprietários com títulos (v.g., «tenente» e «capitam») serem referidos com eles; 7.ª — Os elementos de facto referidos impõem que se considere que o prédio em causa era privado em 1775, pelo que, também por isso, a decisão recorrida violou o art. 15, n9 2 da Lei 54/2005 de 15 de novembro, ao não considerar esses elementos, ou ao interpretá-los de modo diverso do sustentado pelos Recorrentes; 8.ª — A consideração de que a Carta Topográfica de 1775 junta aos autos deve ser tida como documento bastante para efeitos do n.º 2 do art. 15 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, implica que todo o conteúdo dessa Carta Topográfica, nomeadamente as suas legendas, seja tido em conta; 9.ª — Ora, como resulta do que se escreveu, das legendas da Carta resulta o prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos, era privado (propriedade de HH, então Governador........); 10.ª — Acresce que a prova resultante da Carta Topográfica de 1775 de que o prédio em que, nessa data, se incluía o atual prédio dos autos, era privado é corroborada, quanto a outros momentos, todos anteriores a 1864, por outros documentos juntos aos autos, designadamente: — Os documentos referidos nos factos provados n^s 3 e 4, datados de 1849 e 1853, que mostram que, no primeiro desses anos, II e JJ compraram uma porção da "Q............", pois que, mesmo entendendo, como o Tribunal da Relação, que as confrontações indicadas na escritura de 1849 não permitem concluir que o prédio objeto da mesma foi o que veio a ser descrito na Conservatória do Registo Predial ..... sob o n.º …. 38 (do qual resultou o prédio dos AA, ora Recorrentes), é impossível negar relevância a tal facto para efeitos de apoiar a tese de que a área em causa tinha natureza privada; — A Carta Cartográfica de Portugal junta à p.i como doc. 11 (onde o topónimo “M..........” aparece a designar o terreno em causa), referida como facto provado n^ 2, documento esse, que, embora publicado em 1893, foi elaborado a partir de trabalhos de campo iniciados em 1843 e terminados substancialmente em 1861; 11.ª — O acórdão recorrido deve ser considerado nulo, por não ter apreciado os argumentos dos AA, ora Recorrentes, quanto aos elementos de prova que permitem concluir pelo caráter privado do prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos […]. 23. O Supremo Tribunal de Justiça tem sustentado, unformemente, que “para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir ‘questões’ com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem com isso incorrer em omissão de pronúncia” [1]. 24. Como ensinava José Alberto dos Reis, “[s]ão, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [2]. 25. Em concreto, a questão suscitada pelo Réu, agora Recorrido, consistia em determinar se os terrenos sobre os quais os Autores pretendiam obter o reconhecimento da sua propriedade “eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864” [3] — e não poderá haver dúvida séria de que o Tribunal da Relação de ….. se pronunciou sobre a questão suscitada. 26. Os Autores admitem explicitamente que imputam ao acórdão recorrido, tão-só, o “não ter apreciado os argumentos dos AA, ora Recorrentes, quanto aos elementos de prova que permitem concluir que o prédio em que, em 1775, se incluía o atual prédio dos autos, era privado” [cf. conclusões 6.ª e 11.ª]; ora, ao admitirem explicitamente que lhe imputam, tão-só, o não ter apreciado os argumentos dos Autores, agora Recorrentes, estão a admitir, implicitamente, que se pronunciou sobre todas as questões suscitadas. 27. Esclarecido que não há nulidade por omissão de pronúncia, deve averiguar-se duas coisas: — se o acórdão recorrido infrige disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto; — se o acórdão recorrido infringe disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova [cf. art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil]. 28. O art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 29. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —, “… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [4]; “… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [5]. 30. Os Autores, agora Recorrentes, alegam, em síntese: que o art. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, exige uma certa espécie de prova — a prova documental; que a prova documental exigida pelo art. 15.º da Lei n.º 54/2005 pode consistir numa carta topográfica [cf. conclusões 1.ª, 2.ª e 3.º das alegações de recurso]; que, desde que se admita que a prova documental exigida pelo art. 15.º da Lei n.º 54/2005 pode consistir numa carta topográfica, todo o conteúdo da carta topográfica, incluindo as suas legendas, deve ser tido em conta [conclusões 8.º e 9.º das alegações de recurso]; e que o art. 15.º da Lei n.º 54/2005 fixa a força da prova documental produzida, em termos de determinar “que se considere que o prédio em causa era privado em 1775” [cf. conclusão 7.ª das alegações de recurso]. 31. O art. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, sob a epígrafe Reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, determinava: 1. — Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a correspondente acção judicial até 1 de Janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868. 2. — Sem prejuízo do prazo fixado no número anterior, observar-se-ão as seguintes regras nas acções a instaurar nos termos desse número: a) Presumem-se particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais, na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos mesmos nos termos do n.º 1, se prove que, antes daquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa; b) Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. 3. — Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação nem aqueles que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião. 31. A Lei n.º 78/2013, de 21 de Novembro, alterou o n.º 1, dando-lhe a redacção seguinte: Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento por via judicial, intentando a correspondente ação judicial junto dos tribunais comuns até 1 de julho de 2014, devendo, para o efeito, provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868. 32. O texto do art. 15.º foi alterado pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho: 1. — Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio. 2. — Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868. 3. — Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. 4. — Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. 5. — O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que: a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei; b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias; c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado. 33. A Lei n.º 31/2016, de 23 de Agosto, aditou-lhe um n.º 6: 6. — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios. 34. A presente acção foi proposta em 8 de Julho de 2010 — logo, ao abrigo da redacção inicial do art. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro. 35. Independentemente das alterações sucessivas, o sistema da Lei n.º 54/2005 assenta sobre uma presunção de propriedade do Estado [6], ainda que a presunção seja ilidível [7]. 36. O art. 15.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na sua redacção inicial, ao dizer que “quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis… deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868”, está a exigir uma certa espécie de prova — a prova documental. 37. Os Autores, pretendendo obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, estão adstritos “à necessidade de oferecer prova documental de tal direito, ou prova da posse privada dos bens em causa, em momento anterior a 31 de dezembro de 1864” [8]. 38. Em todo o caso, ainda que o art. 15.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005 exija uma certa espécie de prova, não fixa a força da prova documental produzida, em termos de determinar “que se considere que o prédio em causa era privado em 1775”. 39. Os Autores, agora Recorrentes, não imputam ou, em todo o caso, não podem imputar ao acórdão recorrido a violação de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova. 40. O Tribunal da Relação ..….. admitiu, explícita ou implicitamente, que a prova pudesse ser feita através de uma carta topográfica e que todo o conteúdo da carta topográfica, incluindo as suas legendas, deve ser tido em conta. 41. Como que a confirmá-lo, está o facto de o acórdão recorrido dizer, p. ex., que “Analisando os dois mencionados documentos [scl. a carta topográfica datada de 1775, da autoria de CCC, e o levantamento topográfico] à luz dos elementos indicados no relatório pericial, e inexistindo qualquer elemento probatório que em sentido diverso, cumpre concluir que os aludidos meios de prova se mostram suficientes para considerar assente que o prédio identificado no ponto 1, supra aditado, corresponde a uma parcela da área identificada na carta cartográfica datada de 1775, da autoria de CCC, como “Q.............”, parcela essa inscrita no setor poente dessa área, imediatamente a nascente do limite poente da aludida propriedade, confrontando a poente com a ribeira .....”. 42. Em lugar de imputarem ao acórdão recorrido a violação de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova, os Autores, agora Recorrentes, imputam-lhe a violação de disposição expressa da lei que fixa a força de determinado meio de prova. 43. Embora se admita que todo o conteúdo da carta topográfica, incluindo as suas legendas, deve ser tido em conta, a carta topográfica não tem (nunca teria) força probatória suficiente para que se conclua que os terrenos eram objecto de propriedade particular ou comum, ou que eram objecto de propriedade particular ou comum por título legítimo. 44. Em termos semelhantes aos do acórdão do STJ de 4 de Junho de 2020 — processo n.º 108/14.5T8PTS.L2.S1 —, dir-se-á que “a junção de cartas topográficas por parte dos Autores não significa que sejam acolhidos pelo tribunal os dados nelas constantes”. 45. O acórdão recorrido di-lo de forma elucidativa: “[a] correspondência, entre o prédio atualmente pertencente aos autores e as mencionadas parcelas de terreno representadas naquelas duas cartas cartográficas, não permite considerar documentalmente provado que a parcela de terreno em apreciação fosse, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864, conforme impõe o n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15-11, na redação original (que corresponde ao estatuído no n.º 2 da redação atual do artigo 15.º). No que respeita, concretamente, à carta cartográfica da autoria de CCC, datada de 1775 – como tal anterior ao ano de 1864 –, dela não se extrai qualquer elemento relativo ao direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno, que se provou corresponder ao prédio atualmente pertencente aos autores. A mera representação, naquela carta cartográfica, de uma parcela de terreno correspondente ao prédio atualmente pertencente aos autores, não configura, por si só, uma prova documental de que o prédio se encontrava então no domínio privado, nem da existência de um título legítimo de aquisição do prédio por um particular, nos termos previstos no n.º 1 do citado preceito. O mesmo ocorre com a representação constante da folha 37 da edição de 1893 da Carta de Portugal da autoria de Filipe Folque, sendo certo que a edição do documento em data posterior ao ano de 1864 sempre lhe retiraria utilidade como elemento probatório da situação do prédio em data anterior. Cumpre concluir que os autores não lograram efetuar a prova exigida pelo n.º 1 do artigo 15.º da citada lei, na redação original (que corresponde ao estatuído no n.º 2 da redação atual do artigo 15.º), o que impede o reconhecimento do respetivo direito, nos termos invocados. […] sempre se dirá que os autores não alegaram, nem decorre da matéria provada, factualidade que permita considerar verificada a situação possessória a que alude a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 15.º, na sua redação original (que corresponde, com algumas alterações, ao estatuído no n.º 3 da redação atual do preceito), o que impede se considere reconhecida a situação supra identificada em ii)”. 46. Ora o facto de o acórdão recorrido não ter infringido “disposição expressa de lei… que fixe a força de determinado meio de prova” determina que o Supremo Tribunal de Justiça não possa pronunciar-se sobre o alegado erro na apreciação da prova, que os Autores, agora Recorrentes, imputam ao Tribunal da Relação. III. — DECISÃO Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 14 de Julho de 2021 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) José Maria Ferreira Lopes Manuel Pires Capelo
Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo. _______ [1] Cf. designadamente o acórdão do STJ de 27 de Março de 2014 — processo n.º 555/2002.E2.S1. [2] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V — Artigos 658.º a 720.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1984 (reimpressão), pág. 143. [3] Cf. art. 15.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro — na sua redacção inicial, em vigor à data da propositura da presente acção. |