Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª. SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | LIMITES DO CASO JULGADO FACTOS NÃO PROVADOS FACTO NEGATIVO MATÉRIA DE FACTO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA PRINCÍPIO DA CONFIANÇA CASOS JULGADOS CONTRADITÓRIOS AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXCEÇÃO DILATÓRIA EXCEÇÃO PERENTÓRIA QUESTÃO PREJUDICIAL EXTENSÃO DO CASO JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 04/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGAR A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Não se ter provado a existência de acordo de extinção da parceria, tal não significa que essa extinção não tenha ocorrido, apenas resulta que não foi feita prova da extinção, isto é, uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo. II - Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente, o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado. III - A exceção de caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e confiança, ou seja, em nome da paz jurídica e ainda por imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. IV - A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado violando-o, ela mesma, diretamente. V - A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada. VI - Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção. AA, BB e CC, na qualidade de únicos e universais herdeiros na herança aberta por óbito de DD, intentaram ação declarativa, na forma comum, contra EE e mulher FF, e U... – URBANIZAÇÃO DE A..., LDA. Pedem a condenação dos RR. a: “I – a) reconhecerem os AA. como herdeiros universais na herança aberta pelo óbito de DD; b) reconhecerem os AA. como legítimos donos do resultado da “parceria” iniciada em finais de Julho, inícios de Agosto de 1998, entre aquele DD e o D. EE, “na proporção dos valores de aquisição e despesas suportadas por cada um”, bem como c) a prestarem conta de todas as operações, a débito e a crédito, realizadas na dita parceria, nomeadamente no que concerne aos dois projetos de investimentos imobiliários, melhor descritos no articulado, sendo um sito à Rua ..., a incidir maioritariamente sobre os iniciais artigos urbano ...55 e rústicos ...98 e ...99 e outro, sito ao .../..., sobre o inicial artigo rústico ...73, no prédio pelos “parceiros” designado por “terreno do Cego”, d) declarando-se e fazendo reconhecer a desconsideração da personalidade jurídica, coletiva, da 3.ª D., a U... - Urbanização de A..., Lda. - no que concerne a todos os contratos e atos praticados no âmbito da parceria referida em b), de onde decorrerá a condenação dos demais DD., EE e FF, a responderem, solidariamente com aquela, pelo resultado dali emergente e em consequência, os três demandados, solidariamente, a entregarem aos AA. o resultado líquido da parceria, na proporção dos pagamentos que para ela o autor da herança desembolsou, acrescido dos juros legais, a partir do momento em que hajam embolsado os ditos rendimentos; caso assim se não entenda, deverá II - a) julgar-se verificada a simulação relativa nas escrituras iniciais, atinentes às aquisições dos “parceiros”, EE e DD, a primeira outorgada em 07/08/1998 e a segunda, em 05/03/2000, como em todos os subsequentes atos em que a “U..., Lda.” atuou no âmbito dos projetos que integravam a “parceria”, e, em consequência, b) declarar-se a nulidade emergente de tal simulação, com os efeitos prescritos no art. 241º do C. Civil que, por isso, não afetarão os negócios realizados, e, c) por aplicação do disposto na al. c), do art. 465.º, do C. Civil, condenarem-se os DD. a prestarem contas de todos os contratos e atos praticados no âmbito da parceria referida em I - b), e na sequência, d) condenando-se ainda os três demandados, solidariamente, para o que se manterá a pedida desconsideração da personalidade coletiva, a devolverem aos AA. o resultado líquido da aludida parceria, na proporção dos pagamentos que para ela o autor da herança desembolsou, acrescidos dos juros legais, a partir do momento em que hajam embolsado os ditos rendimentos, nos termos da al. e), do art. 465.º, do C. Civil; caso assim se não entenda, deverá III – a) declarar-se a nulidade da parceria referida em I b), nos termos do art. 280.º, do C. Civil, por emergente de ato ilícito e ofensivo dos bons costumes, de igual modo se b) condenando os três DD. a prestarem contas da respetiva atividade, apresentando os resultados líquidos dos negócios por ela realizados, c) bem como, solidariamente, para o que se manterá a pedida desconsideração da personalidade coletiva, a entregarem aos AA. o resultado líquido da aludida parceria, na proporção dos pagamentos que para ela o autor da herança desembolsou, acrescidos dos juros legais, a partir do momento em que hajam embolsado os ditos rendimentos - rendimento do rendimento que deveria ter sido entregue e não foi; Sem conceder, IV - No caso de vir a considerar-se, face aos novos elementos de prova para aqui carreados, constituir a parceria uma sociedade irregular, aplicar-se-lhe-ão, nos termos do n.º 2, in fine, do art. 36.º, do CSC, “as disposições sobre sociedades civis”, por onde a) devem os DD. ser condenados, solidariamente, para o que se manterá a pedida desconsideração da personalidade coletiva, a entregarem aos AA. o resultado líquido da aludida parceria/sociedade, na proporção dos pagamentos que para ela o autor da herança desembolsou, acrescidos dos juros legais, a partir do momento em que hajam embolsado os ditos rendimentos – rendimento do rendimento que deveria ter sido entregue e não foi; Ainda sem conceder, V – No caso de se vir a julgar verificada alguma outra nulidade, ou mesmo anulabilidade que afete o trânsito do dinheiro ou dos bens para o património dos DD., devem estes ser sempre condenados nos termos do pedido imediatamente anterior. Ainda sem conceder, VI – No caso de se vir a decidir pela existência de invalidade do contrato, ou de alguma das declarações negociais prévias, contemporâneas, ou posteriores ao estabelecimento da parceria, ou aos contratos e projetos discriminados nos articulados como dizendo respeito a ela, mas considerando-a integrando um contrato de sociedade, deverá, nos termos do n.º 1, do art. 52.º, ex vi do n.º 1, in fine, do art. 41.º, do CSC, determinar-se “a entrada da sociedade em liquidação, nos termos do artigo 165º, devendo este efeito ser mencionado na sentença.” Fundamentam aqueles pedidos, essencialmente, na celebração, no decurso de 1998, de um acordo entre o falecido DD e o R. EE, de participação num negócio – tendo em vista a execução de um projeto imobiliário - na proporção dos valores de aquisição e despesas suportadas por cada um. Na contestação os RR. suscitaram a exceção de caso julgado; violação do princípio da preclusão e da concentração da defesa; invocaram a autoridade de caso julgado; e suscitaram também a exceção de prescrição, dado já terem decorrido mais de 20 anos desde a extinção do referido acordo – o que terá ocorrido em 17-10-2000. Realizada a audiência prévia foi proferida sentença na qual, fazendo uso da faculdade prevista no art.278º, nº3, do CPC, e concluindo-se pela procedência da exceção de prescrição, se decidiu julgar a ação improcedente. Entendeu-se haverem decorrido, aquando da entrada da ação em juízo, mais de 20 anos desde o momento em que teria surgido na esfera dos AA. – ou do autor da herança – qualquer eventual direito emergente do acordo de parceria celebrado entre o falecido DD e o R. EE. Escreveu-se na respetiva fundamentação: “Seja por via da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade U..., da simulação relativa dos negócios celebrados por esta ou da nulidade dos mesmos por ofensa a bons costumes, ou por força de uma liquidação de uma parceria ou de uma sociedade irregular, o alegado crédito dos Autores – que querem ver os Réus solidariamente condenados a entregar-lhe a quantia correspondente a metade do valor de 3 2555 568, 02 € que dizem ser o “realizado, até agora e ao que foi dado apurar pelos AA, na parceria” – está prescrito. Em resposta a esta exceção os Autores alegaram que não ficou provado na anterior acção qualquer acordo relacionado com a extinção da referida parceria. É neste particular ponto conveniente aos Autores a convocação do que ficou decidido na anterior acção. Todavia, são os próprios que alegam que a anterior acção não releva nesta acção e nem os limita nestoutra e que o que aqui esgrimem como causa de pedir é novo e não foi ainda apreciado. Ora, vista a petição inicial a essa luz – ou seja e melhor dizendo, caso não procedesse a excepção de caso julgado e os seus efeitos não nos vedassem o conhecimento do mérito desta acção, que é o que ora faremos -, o que releva, para aferir da eventual prescrição do direito dos Autores, é a forma como o sustentam. E, todos os pedidos, todas as causas de pedir desta acção se sustentam na alegação de uma cronologia de factos que são, nem mais nem menos, os que consubstanciam um alegado acordo entre DD e EE de participação num negócio que se traduzia na obrigação, para ambos de que “participariam no negócio na proporção dos valores de aquisição e despesas suportados por cada um.” O que é descrito, factualmente, é o referido acordo e particularmente os negócios feitos na execução do mesmo. Vejam-se os artigos 25, 47, 64 a 68 da petição inicial e deles decorre, à saciedade, que o falecido DD quis fazer cessar esse acordo e assim o fez, transmitindo tal vontade ao Réu EE, em Outubro de 2000. Ou seja, quaisquer direitos que o mesmo tivesse decorrentes da extinção desse negócio, seriam, pelo menos nessa data, exigíveis, como aliás o mesmo terá entendido já que veio, segundo alegado na petição inicial, por email de 18 de Outubro de 2000, a pedir ao Réu EE o pagamento de um crédito que quantificou em 105 000 000$00. Assi, se não antes, pelo menos nessa data podiam ser exercidos quaisquer dos direitos aqui convocados. O direito a exigir contas, a restituição de bens por virtude da desconsideração da personalidade jurídica ou de simulação relativa ou por via de invalidade dos negócios ou, ainda na decorrência de “liquidação” de parceria ou sociedade irregular, já não pode ser exercido por ter decorrido o prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309º do Código Civil. Defendem os Autores que o referido prazo prescricional se teria interrompido por via do “reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.” que, nos termos do art. 325.º, do C.Civil, interrompe a prescrição, inutilizando, nos termos do n.º 1, do art. 326.º, do mesmo diploma, “todo o tempo decorrido anteriormente,” como ao curso do pretérito processo, que, nos termos do n.º 1, do art. 323.º também daquele diploma, de igual modo interrompe a prescrição, como ainda, reservado para último apenas para terminar com a evidência do desconchavo da invocação, a decisão vigente, com a sua força de caso julgado e respectiva autoridade, ensina-nos que a prescrição não se terá sequer iniciado, face à manutenção, dela constante, da vigência da parceria”. (cfr. resposta de 25-10-2021). Antes de mais, uma correcção: os Autores alegam que face ao decidido na anterior acção a parceria se manteria em vigor: não é verdade. Ali ficou provado que “No dia 17-10-00, na sequência de uma reunião havida na Câmara Municipal ..., DD manifestou vontade em terminar a parceria existente e, consequentemente, propôs ao EE a cedência da sua quota-parte no valor por si investido”. O que não ficou provado (e só se convoca por rigor e porque os Autores, para este efeito já pretendem lançar mão da anterior acção), foi que a aludida parceria imobiliária estabelecida entre ambos foi extinta por acordo em que EE se teria obrigado a pagar a DD a quantia de 105.000.000$00. Todavia, como dissemos e reiteramos, o que releva para aferir da prescrição do direito invocados pelos Autores não é o que foi decidido em anterior acção. É o que os próprios aqui trazem aos autos. E são os Autores quem defende que os direitos que aqui querem exercer são distintos dos que foram apreciados em anterior acção. E, como acima afirmamos a propósito do conhecimento da excepção do caso julgado e da preclusão, as causas de pedir são, de facto, distintas da que ali enformou a reconvenção. Assim, atendendo à forma como configuram esta acção, é de facto imperativo afirmar que a notificação dos aqui Réus e ali Autores da dedução pedido reconvencional não fez interromper o prazo prescricional relativamente a pretensões que ali não deduziram nos termo do artigo 323º, número 1 do Código Civil. Não se interrompeu, por via da notificação do pedido reconvencional, um pretenso direito a exigir a prestação de contas; a liquidar um património comum aos Réus EE e mulher – por via da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que formalmente o detém ou da simulação relativa -; a pedir a restituição de quantias entregues em cumprimento de negócio que ora se diz nulo; ou por qualquer das outras vias que nesta acção se invocam, nem mesmo a título de responsabilidade civil profissional. Mais, cumpre sublinhar, quanto à Ré FF, esta é a primeira acção em que é citada pelo que, obviamente não ocorreu qualquer interrupção da prescrição quanto a tal Ré. Tão pouco alegam os aqui Autores que os Réus, nomeadamente o Réu EE, tenha(m) admitido qualquer uma das citadas obrigações: de prestar contas, de reconhecer a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade U... ou a anulabilidade de negócios por ela celebrados por causa de simulação relativa, de devolver quantias entregues em cumprimento de negócio nulo, de liquidar qualquer património autónomo ou de indemnizar os Autores seja a que título for. O único acordo/reconhecimento alegado na petição inicial é o que os Autores já alegavam e viram não provado na anterior acção – de que o referido EE se tinha obrigado a pagar ao DD 105 000 000$00 por força da extinção de uma parceria. E essa causa de pedir já não é aqui esgrimida. Assim, apelando apenas e tão só à forma como os próprios Autores configuram esta acção e tendo presente que, o fazê-lo sustentam a total novidade das causas de pedir invocadas (no que concordamos) e dos pedidos formulados (do que discordamos), não colhe a tentativa de vir agora defender que, afinal, já tinham exprimido a intenção de exercer estes direitos em anterior acção e que, assim, teriam interrompido o prazo prescricional”. Inconformados, os AA. interpuseram recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação: “Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes.” * Continuando inconformados, os autores interpõem recurso de revista concluindo: “A – da Revista 1 - O efeito que se pretende alcançar com a consagração do respeito pela autoridade do caso julgado, é, antes de qualquer outro, o da manutenção de soluções justas e perenes, coerentes com o Direito enquanto todo, e, entre si, na sua aplicação, de forma a fundar a confiança na actividade jurisdicional, de que decorre o seu prestígio, devendo, por isso, estender-se muito para além das sentenças de mérito, desde que a importância do que se encontra ajuizado e determinado possa influir de forma inultrapassável na eventual futura decisão de mérito, como é, paradigmaticamente, o caso sub judice: pela reviravolta decisória agora verificada, em relação à vigência da parceria, até aqui, inquestionável, os recorrentes veem consagrada, para já, a prescrição do seu direito e logo, a sua irremediável perda, sem sequer lhe ser dada a oportunidade de esgrimir as suas razões. 1.1 – Mostram-se violadas as normas que se contêm no n./s 1 e 2 do art. 580.º, do CP Civil, por apelo também ao critério consagrado na 1.ª parte, do art. 621.º, do mesmo diploma legal, cuja correcta interpretação impunha o respeito e a consequente manutenção da decisão proferida no anterior processo a propósito da vigência da parceria entabulada entre o pai dos AA e o D. EE. 2 - Subsistem, no processo, várias questões que comportam interpretações juridicamente válidas, plausíveis, diversas das que foram adoptadas e levaram ao conhecimento imediato do mérito aqui impugnado, o que impede esta decisão, em ordem à boa e justa decisão da causa. 2.1 – Mostra-se violada a al. b), do n.º 1, do art. 595.º, do CPC, e, com ele, o princípio estrutural do processo civil, do direito de acção, consagrado no n.º 2, do art. 2.º do CPC, assim 2.2 – configurando uma interpretação inconstitucional da aludida norma do n.º 1, do art. 595.º, do CPC, por violação do direito de acesso aos tribunais, conferido no n.º 1, do art. 20.º, da CRP. B – da Revista Excepcional 1 – Assume enorme relevância jurídica - e social – definir a posição a adoptar perante a constatação de decisões judiciais contendo segmentos que, conquanto não assumindo o cariz de decisão de mérito, se mostrem aptos, em determinadas circunstâncias, a inviabilizar totalmente o direito de acção futuro de qualquer das partes, no caso de virem a ser alteradas, como acontece na situação descrita na primeira conclusão da parte referente ao recurso de revisão, para onde, com todas as vénias, remetemos. 1.1 – Em tais casos, deverá determinar-se a extensão da autoridade do caso julgado, como ali se defende, a fim de preservar as expectativas jurídicas das pessoas, fundadas na confiança na unidade e coerência das decisões judicias e consequente prestígio dos tribunais. 2 – Na apreciação das declarações com relevância jurídica, não pode o intérprete alhear-se das capacidades intelectuais em confronto, da forma como tais declarações forma veiculadas, e, se possível, com que intenção, tudo reunindo para avaliar as consequências práticas da sua opção interpretativa, devendo rejeitar qualquer decisão que tenha a possibilidade, ainda que apenas em abstracto, de prefigurar um resultado iníquo, como é o presente, em que a interpretação levada a cabo na decisão recorrida exprime o triunfo total da aleivosia, traduzindo-se numa forte e totalmente imerecida denegação de justiça, o que, por sua vez, evidencia uma má, mesmo inadmissível aplicação do que é suposto ser direito, e que, agora, só a purga reparadora dessa Suprema Instância poderá sanar. 2.1 – Mostra-se realizada uma perversa aplicação da norma do art. 325.º, cuja correcta interpretação impunha um aligeiramento das exigências de expressão do reconhecimento do direito dos AA., parte mais débil, por parte do D. EE, parte claramente mais forte e detentora do domínio de toda a situação, desde a sua génese, ainda que tal reconhecimento se possa dizer tácito, atentos os motivos expostos. 3 – Nunca se tendo verificado um qualquer alheamento do direito pelo seu titular, mas, ao invés, uma permanente insistência, não só extra-judicial, através de diversas comunicações escritas, mas também judicial, de ver reconhecido o direito, não se pode considerar a existência da prescrição, ainda que outros factores, nomeadamente a eventual culpa do beneficiário - esta objectivamente desmobilizadora do seu direito, nos termos do n.º 2, do art. 344.º, do CC – ou menor capacidade de antecipação técnico-jurídica, tenham levado a erros de qualificação, materiais, ou de adjectivação, processuais, com o consequente insucesso nas respectivas lides. 3.1 – Verifica-se uma perversa aplicação das normas que se contêm no n.º 1, do art. 298.º, e, concomitantemente, no art. 309.º, ambos do CC, pois nas circunstâncias que os autos espelham, pelo que aqui se encontra já provado, por confissão, certidão ou outros documentos nunca poderia ter-se determinado a verificação da prescrição do direito dos AA. 4 – A verificação de consubstanciação de um interesse público significativo, de estimulada vox populi, à volta do conflito sub judice, pelos montantes e as personalidades envolvidas, aliado ao tempo porque tem perdurado – onde sabem os recorrentes, não o público, caber-lhes elevada culpa – reforça a necessidade de afastamento de soluções aparentemente fáceis, de rápida resolução, mas que comportem o risco de perpetuar uma iniquidade e a criação de um exemplo a apontar do triunfo da aleivosia, da lei do mais esperto, do mais forte, institucionalmente, justificando-se, salvo melhor opinião, também por aqui, o apelo ao Olimpo desse Supremo Tribunal, à Formação e à função reparadora do Recurso de Revista a que, apenas por sua interseção, poderemos aceder. Termos em que Admitindo-se a Revista, deve a decisão recorrida ser revogada, por violação da autoridade do caso julgado, determinando-se a manutenção da vigência da parceria, como resulta do processo anterior a propósito desta questão e a descida do processo, em ordem à prossecução dos seus termos; Assim se não entendendo, Roga-se a essa Erudita Formação a admissão do presente recurso excepcional, e, a esse Supremo Tribunal, no seu conhecimento, seja determinada a revogação da decisão recorrida, com a consequente descida do processo, em ordem à prossecução dos seus termos, com o que se verá realizado e ensinado o bom DIREITO e a JUSTIÇA que ao caso cabe.” Contra-alegaram os réus concluindo: “REVISTA NORMAL 1ª.- No seu douto saneador sentença proferido em 1ª instância, não obstante ter deixado bem claro que a presente acção constituía, ab initio, uma clara violação à autoridade do caso julgado formada na acção anterior - Processo nº 639/13.... -, o que constituiria excepção conducente à absolvição da instância em relação a todos os RR., a Mma Juiz acabou por absolver os RR dos vários pedidos, com fundamento, exclusivamente, na prescrição de todos os direitos que os Autores pretendiam exercer, por achar encontrar-se decorrido o prazo de 20 anos do art. 309º do CCivil desde 17-10-2000, a data a partir da qual, podiam ter sido exercidos aqueles direitos. 2ª.- Nessa linha, o Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão que é objecto do presente recurso para este Venerando STJ elegeu, de modo directo e objectivo, como única questão a decidir, ada “verificação da excepção de prescrição”, tendo sido com base na resposta afirmativa a essa questão que, entendendo que se verificava aquela excepção, julgou, sem voto de vencido, a apelação improcedente e confirmou a sentença de 1ª instância. 3ª.- Com esse acórdão formou-se a situação de dupla conforme, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC, uma vez que à conformidade das decisões corresponde uma fundamentação não divergente, razão pela qual a revista, dita normal, interposta pelos AA. para este Supremo Tribunal de Justiça é legalmente inadmissível. *** 4ª.- Por definição, como decorre do artigo 627º, nº1 do CPC e é entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, os recursos visam o reexame e a consequente alteração e ou revogação, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas e ou sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão impugnada, só não sendo assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, como é o caso, por exemplo, da norma do nº 4 do artigo 615º do PC, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso. 5ª.-Como, neste nosso caso, o Tribunal da Relação do Porto elegeu expressamente como a única questão a decidir a da “verificação da excepção de prescrição”, e foi apenas essa a questão sobre a qual versou a sua decisão, não poderá agora ser colocada em revista nem o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal ad quem, conhecer de outra questão que não seja essa: a da prescrição do direito dos recorrentes. 6ª.- Ora, tendo os recorrentes invocado neste seu recurso de revista, totalmente ex novo, e, portanto, pela primeira vez, a questão da alegada violação da autoridade do caso julgado decorrente da anterior acção - Processo nº 639/13.... - , e nada tendo essa questão a ver com aquela questão da prescrição, que foi a única questão apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação, está aquela outra questão (da violação da autoridade do caso julgado) afastada do conhecimento deste Venerando Supremo Tribunal pela via da presente revista. 7ª.-Na tese dos AA, a violação do caso julgado ocorreria já com a decisão da 1ª instância – porque os fundamentos de facto e de direito de ambas as instâncias foram coincidentes – e apesar disso não foi invocada nas alegações de recurso de apelação 8ª.- Quando muito, caso se considerasse tal questão do conhecimento oficioso, não ocorreria por parte da Relação qualquer violação de caso julgado mas sim nulidade por omissão de pronúncia (não conhecer de uma questão quer era do conhecimento oficioso) – o que, em face da dupla conforme verificada, jamais poderia ser fundamento de recurso normal de revista 9ª.-Para a hipótese, porém, de se entender de forma diversa, ou seja, que sempre haveria lugar a recurso de revista normal, atento o disposto nos arts 671 nº 3 e 629 nº 2 a) C P Civil, e que por isso este Venerando e Supremo Tribunal está constituído no dever de apreciar e decidir se, neste caso, ocorre ou não violação da autoridade do caso julgado, adianta-se já, como conclusão, que tal não sucede. Com efeito, 10ª. Pelo que resulta dos articulados das partes, da sentença de 1ª instância, do acórdão da Relação e, finalmente, do acórdão deste STJ no anterior processo (a acção nº 639/13, peças aquelas cujas cópias foram juntas aos presentes autos com a contestação dos RR ora recorridos), não existe nenhuma relação de coincidência, dependência, prejudicialidade ou interdependência entre o que era pedido e foi decidido nesse outro processo, nisso incluindo as questões directamente decididas na parte dispositiva do acórdão do STJ, e a decisão, proferida no presente processo, de julgar procedente a excepção de prescrição nos termos e com os fundamentos em que as instâncias o fizeram. 11ª.- O objecto da anterior acção consistia em saber se os aí RR. tinham ou não direito a exigir dos aí AA o pagamento da quantia de PTE 105.000.000$00, que aqueles se teriam, alegadamente, comprometido a pagar-lhes no âmbito do alegado acordo de revogação da parceria, e que o STJ, em linha com as instâncias, entendeu e decidiu pela negativa, por não se ter provado o referido acordo de revogação nem, muito menos, o compromisso de pagamento daquela quantia, o que é coisa bem diferente da decisão, proferida na presente acção, que julgou procedente a excepção de prescrição, pelo decurso do prazo, dos direitos que os AA nela pretendiam exercer. 12ª.- A fundamentação de direito do anterior processo e, em especial, do acórdão do STJ nele proferido, nada releva, no caso presente, para efeitos de caso julgado em face do que acolá, naquele outro processo, estava em causa. 13ª.- Assim, a expressão, escrita no acórdão deste STJ proferido na anterior acção, “… para além de não se ter provado qualquer acordo relacionado com a extinção da referida parceria…” é parte da argumentação ou fundamentação de direito pela qual aí se julgou improcedente o pedido e o recurso dos aí RR (ora AA), não relevando, no caso presente, para efeitos de caso julgado em face do que estava em causa naquela anterior acção. 14ª.- Por outro lado, com essa argumentação quer-se referir, naturalmente, o acordo segundo o qual, na tese (não provada) dos aí RR, o aí A. EE teria acordado assumir o pagamento da referida quantia de PTE 105.000.000$00”, ou seja, que não se provou esse acordo de pagamento. 15ª.- De facto, contextualizando essa afirmação, não só com esse acórdão no seu todo, mas também com os demais elementos desse processo, parece evidente que estamos perante uma mera argumentação que não tem a virtualidade, (só) agora desejada e argumentada pelos recorrentes, de levar a entender que o STJ julgou provado que a alegada parceria não terminou em 17-10-2010 e que teria continuado daí em diante. 16ª.- Essa argumentação dos recorrentes é falaciosa tendo (só) agora sido montada por eles para tentarem evitar a questão da prescrição, que lhes foi e é fatal – contrariando aliás a sua anterior posição, expressamente tomada quer na anterior acção quer na petição inicial da presente acção e bem consensualizada entre as partes (como bem salientou o douto acórdão da Relação do Porto e se demonstrou a págs 9 e 10 das alegações que antecedem estas conclusões), segundo a qual a dita parceria tinha efectivamente terminado em 17-10-2000 (data a partir da qual se iniciou o prazo para o exercício dos seus direitos derivados de tal parceria). 17ª.- Nada existe, da parte do anterior processo e do acórdão do STJ nele proferido, que impeça que na presente acção fosse, como de facto foi, julgada procedente a excepção de prescrição do direito peticionado pelos AA. ora recorrentes. 18ª.- Logo, não ocorre, da parte do acórdão objecto do presente recurso, a violação da autoridade do caso julgado formado na anterior acção, alegada pelos ora recorrentes, uma vez que, e já repetindo, a autoridade do caso julgado formado na anterior acção não tem nenhum efeito condicionador da decisão proferida nos presentes autos, apontando aliás num sentido que nada, nada tem a ver com o sentido da decisão que está a ser objecto do presente recurso. 15ª.- Rematando esta questão, mesmo que se entendesse que a questão da violação da autoridade do caso julgado invocada pelos recorrentes era - ou é – questão do conhecimento oficioso deste Supremo Tribunal de Justiça, o certo é que, analisada essa questão, conclui-se pela inexistência dessa violação. 16ª.- Logo, sem prejuízo do entendimento já adiantado nas anteriores conclusões 8ª e 9ª, deve continuar a entender-se que a revista é inadmissível – e que, mesmo que fosse admissível, teria de improceder. *** REVISTA EXCEPCIONAL Al. a) do nº 1 do art. 672: 18ª.- Como já se salientou e repetiu, a única questão em causa para efeitos da presente revista excepcional tem exclusivamente a ver com a prescrição do direito dos Autores/recorrentes e consiste apenas em saber se, à luz dos factos resultantes dos autos, o direito que eles pretendem fazer valer se encontra (ou não) prescrito pelo decurso do prazo de 20 anos consignado no art. 309º do CCivil, tal como foi decidido pela 1ª e pela 2ª instâncias. 19ª.- Trata-se de uma questão linear e que está muito longe de assumir a “relevância jurídica” legalmente exigida pela al. a) do nº 1 do art. 672º do CPC para fundamentar a excepcionalidade da “ultrapassagem” da regra da dupla conforme e justificar o acesso privilegiado a este Supremo Tribunal de Justiça: não é uma questão complexa, bem pelo contrário, é bem simples e de fácil resolução; a sua subsunção jurídica é um trabalho linear e de um simples e meridiano silogismo jurídico; não está sujeita a debate na doutrina nem na jurisprudência, muito menos com o objectivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação, sobre a qual também não há divergências; não é susceptível de decisões jurisprudenciais diferentes nem de gerar controvérsia nos tribunais; não é susceptível de gerar decisões divergentes, não ultrapassando, pois, a normal relevância jurídica das questões submetidas a tribunal; em suma, a sua apreciação e decisão por este STJ nenhum contributo trará (porque de facto não pode trazer, tão simples é tal questão) para a melhor aplicação do direito em geral. 20ª.- Depois, os recorrentes também não indicam (porque de facto não existem) as razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária dessa questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional tendo por objectivo encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes. 21ª.- Logo, pelas duas referidas razões – a inexistência de relevância jurídica para efeitos da al. a) do nº 1 do art. 672º do CPC, e a não alegação das razões a que se refere a al. a) do nº 2 do mesmo preceito – a revista excepcional é inadmissível é inadmissível com aquele fundamento, de acordo, aliás, com a orientação pacífica da jurisprudência deste STJ. *** Al. b) do nº 1 do art. 672: 22ª.- A “particular relevância social” legalmente exigida (pela al. b) do nº 1 do cit. Art. 672º do CPC) para efeitos da intervenção do STJ a título de excepção à regra da dupla conforme, deve resultar dos autos e ou da questão decidida em si mesma, tal como ela se mostra configurada e foi decidida pelas instâncias. 23ª.- À luz do que resulta dos autos, a questão que no caso presente foi decidida pelas instâncias – da prescrição do direito dos recorrentes pelo decurso do prazo de 20 anos exigido pelo artº 309º do Código Civil – não preenche aquele requisito legal, porquanto não envolve qualquer controvérsia (muito menos forte controvérsia) e não é susceptível de gerar decisões divergentes, não ultrapassando, pois, a normal relevância inter partes das questões submetidas a tribunal; tal questão resulta pacífica dos factos alegados e consensualizados pelas partes, e nenhuma repercussão, ou, no limite, nenhum alarme, nenhuma controvérsia social ou pública suscita; muito menos tem essa questão qualquer conexão com valores ou interesses socioculturais, que ponham em causa a eficácia do direito ou façam duvidar da sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística; muito menos ainda revela essa questão – a da prescrição do direito dos recorrentes – qualquer interesse comunitário significativo ou impacto social que transcenda a dimensão inter partes. 24ª.- O apelo que os recorrentes fazem a um suposto alarido ou interesse público, à voz do povo à volta do caso, além de ser uma pura efabulação sua para tentar impressionar e forçar a barreira da dupla conforme, não encontra qualquer eco ou correspondência nos autos, que revelam um litígio igual à generalidade dos litígios judiciais, sem qualquer reflexo ou repercussão pública extra processual. 25ª.- O eventual valor económico também esgrimido pelos recorrentes com a mesma finalidade – impressionar -, além de também não ter correspondência com a verdade, não preencheria nunca, só por si, o requisito legal do “interesse de particular relevância social” com o sentido e alcance que a nossa doutrina e jurisprudência têm atribuído a esse conceito. 26ª.- Em suma, parece manifesto que também não estão em causa interesses de particular relevância social, com o sentido e alcance que a nossa doutrina e jurisprudência mais abalizadas têm atribuído a este conceito indeterminado, isto é, interesses que extravasam, de forma inequívoca, os meros interesses das partes, tendo, antes, uma dimensão mais alargada, ou seja, com um forte impacto social e com relevância para a comunidade em geral. 27ª.- Sendo manifesto que a questão suscitada – da prescrição - não reveste particular relevância social, nem a sua solução ultrapassa os limites do caso concreto por forma a gerar sentimentos de intranquilidade ou alarme ou colocar em causa a credibilidade do direito, não se pode considerar preenchido o pressuposto da relevância social para que possa subir a este Supremo Tribunal de Justiça. 28ª.- Logo, pelas duas referidas razões – a inexistência de relevância social para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 672º do CPC, e a não alegação das razões a que se refere a al. a) do nº 2 do mesmo preceito – a revista excepcional é inadmissível com aquele fundamento, de acordo, aliás, com a orientação pacífica da jurisprudência deste STJ. De facto, 29ª.- O que no fundo os recorrentes pretendem é que este Venerando Supremo Tribunal, agindo como 3ª instância, revogue as duas decisões já proferidas, com toda a simplicidade e sem que haja – como de facto não há – nenhuma razão especial para isso, a não ser contornar a regra legal da dupla conformidade prevista no nº 3 do art. 671º do CPC. *** Sem conceder, e apenas por mera cautela e dever de patrocínio, 30ª.- Tendo a Mma Juiz de 1ª Instância, na douta e bem fundamentada sentença, expressa e reiteradamente manifestado o seu entendimento de que, no caso presente, as excepções dilatórias também invocadas pelos RR. – caso julgado/autoridade do caso julgado/princípio da concentração preclusão da defesa na acção anterior e ilegitimidade da R. mulher - procediam inteiramente, mas tendo, não obstante, com recurso ao nº 3 do art. 278º do CPC, privilegiado a improcedência da acção com fundamento na excepção de prescrição, caso se viesse a entender que a presente revista deveria ser recebida e procedesse (hipótese que apenas se equaciona pela mera e habitual cautela profissional), deveria este SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA determinar que os autos baixassem à Relação para esta, por si ou determinando a baixa à 1ª instância, conhecesse daquelas excepções dilatórias *** Termos em que, e nos demais de direito do douto suprimento, deve o recurso ser inadmitido. Porém, para a hipótese, que respeitosamente e por dever de ofício se admite, de o recurso ser recebido (em qualquer das suas modalidades, de revista normal ou de revista excepcional, ou ambas), deverá, sempre e em qualquer caso, ser julgado improcedente, confirmando-se a douta decisão de 1ª instância e o não menos douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Para o caso, porém (que apenas se admite por mera e habitual cautela profissional), de o recurso vir a ser recebido e a proceder e de, por via disso, ser julgada improcedente a excepção de prescrição, deverá então, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do para que aí se profira decisão sobre aquelas demais excepções. Assim fazendo, se fará, como sempre, a esperada e habitual JUSTIÇA.” * O recurso foi admitido nos termos dos arts. 671º, nº 2 al. a) e 629º, nº 2 al. a), ambos do CPC. Cumpre apreciar e decidir. * A matéria de facto tida em conta é a supra constante do relatório. * Conhecendo: São as questões suscitadas pelos recorrentes e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C. Questiona-se: - A verificação de ofensa do caso julgado na vertente da autoridade do caso julgado no que respeita à existência da parceria. Estranha-se que os autores intentem esta ação invocando a inexistência de caso julgado, e agora pretendam alegar que se verificou caso julgado que lhes aproveita (apenas na parte que lhes interessa). No art. 112 da petição destes autos e, relativamente à “parceria”, dizem os autores, “Em 06/05/2013, os ora AA. contestaram a acção, excepcionando a existência de um acordo de revogação do negócio de parceria firmado em 17/10/2000, referido no fax junto supra, no art. 40.º, como doc. n.º 30, e, em reconvenção, peticionaram a condenação dos reconvindos, ora DD., a pagar aos aqui AA. a quantia de €823.399,92, acrescidos de juros de mora vincendos à taxa legal, sobre o capital de €523.737,80, desde a sua notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento – cfr. decisão de 1.ª Instância, proferida no processo n.º 639/13.... ora junta como doc. n.º 67, sob “I). Relatório” e a mencionada contestação, junta supra, no art. 40.º, como doc. n.º 31.” (sublinhado nosso). E no acórdão do STJ proferido nesse processo pode ler-se, “5.Como se disse anteriormente, os RR. sustentaram a sua pretensão basicamente num acordo revogatório de uma parceria que traduziria uma sociedade irregular.; sendo o pedido correspondente ao alegado valor da participação de DD nessa parceria.” Nesse processo nº 639/13...., em que os aqui autores eram réus e, sem correta correspondência os aqui réus eram autores, foi decidido: - Pela 1ª Instância: “1. DD, marido e pai dos RR.. não é nem nunca foi em sua vida, sócio da A.U... - Urbanização de A..., Lda. e não assiste aos RR-. seja em seu nome próprio ou na qualidade de herdeiros do referido DD, direito a ser sócios da A. nem a qualquer participação no seu capital 2. Que nenhum dos AA. deve aos RR, em nome próprio destes ou na qualidade invocada nos arts. 4º e 5º da petição, qualquer quantia em dinheiro tendo por causa os projetos imobiliários respeitantes à compra dos terrenos referidos nos arts. 15°, 22°, 23° e 37° da petição e à prevista construção nos mesmos dos projetos imobiliários aludidos ao longo da petição inicial; 3. Foi declarado improcedente o pedido formulado pelos RR. de condenação no pagamento da quantia de € 823.399,92 (capital e juros vencidos) e dos juros de mora vincendos à taxa legal, sobre o capital de € 523.737,80, desde a notificação dos AA. da reconvenção, até efetivo pagamento.” - Foi decidido pela Relação, embora por razões diferentes, julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença. - Foi decidido pelo STJ em acórdão de 06-06-2019, em julgar improcedente a revista. Nesse processo ficou provado, entre outros: “- Em finais de julho e início de Agosto de 1998, DD e o A. acordaram verbalmente em estabelecer uma parceria, mediante a qual aquele adquiriria um prédio urbano e um prédio rústico, ao passo que o Á. adquiriria um prédio rústico, acordando ainda que iriam anexar tais prédios antes de avançarem com um projeto imobiliário; -No dia 17-11-00, DD manifestou vontade em terminar a parceria existente e propôs ao A. EE a cedência da sua quota-parte no negócio pelo valor por si investido.” Pretendem aqui os recorrentes que se considere caso julgado que esta parceria “não viu ainda o seu termo, motivo porque só pode manter-se vigente”. Resulta da fundamentação daquele acórdão: “Mas para além de não se ter provado qualquer acordo relacionado com a extinção da referida parceria, também não ficou demonstrado que o A. se tivesse obrigado a pagar ao seu parceiro qualquer quantia correspondente a uma alegada cessão da sua parte nessa parceria.” Entendendo os recorrentes que resulta a manutenção da parceria, também deveriam entender que não lhes era devida qualquer quantia. Mas, não se ter provado a existência de acordo de extinção da parceria, tal não significa que essa extinção não tenha ocorrido, apenas resulta que não foi feita prova da extinção, isto é, uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo. Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se podendo extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico – Cfr. Ac. do TCAS, de 11-04-2019, no Proc. nº 9477/16.1BCLSB. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado. Constando daquele acórdão ter-se considerado não provada a extinção da referida parceria, não se pode concluir que a mesma se mantém. O facto “fala” por si. Apenas não se provou que se verificou a extinção da parceria, e nada mais. Não se podendo considerar que, não provada a extinção, de deve considerar provado o contrário, isto é, a vigência. Inexiste qualquer facto demonstrativo que à data de 06-06-2019, data da prolação do Ac. do STJ naquele processo nº 639/13.4TBOAZ.P1.S1, vigorava a parceria. Pelo que não se verifica o caso julgado, mesmo no caso de se entender que os factos provados noutro processo poderiam formar, aqui, caso julgado. O caso julgado pode ser formal ou material. Verifica-se o caso julgado formal quando a sentença (acórdão) ou o despacho, incidir, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo - art. 620º do CPC e, verifica-se o caso julgado material quando a decisão respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, conforme preceitua o n.º 1 do art. 619º do CPC. A exceção de caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e confiança, ou seja, em nome da paz jurídica e ainda por imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. E no sentido do que vimos sustentando, também o Ac. do STJ de 28-02-12, no Proc. nº 42/08.8TBMTL.E2.S1 que refere que “a admissibilidade do recurso fundada na violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado, violando-o, ela mesma diretamente, bem como a posição assumida no mesmo acórdão de sindicar a decisão de mérito impugnada na perspetiva do respeito pela autoridade do caso julgado, em conformidade com as normas contidas nos aludidos arts. 673 (o caso julgado constitui-se “nos precisos limites e termos em que se julga”) e 675, fazendo respeitar “a vinculatividade à decisão judicial que primeiramente tivesse apreciado a matéria subjacente ao litígio e que tivesse transitado em julgado” - (ac. de 09-08-2011, proc. 407/04.TBCDR.P2.S1)”. E o Ac. deste STJ de 17-11-15, no Proc. 34/12.2TBLMG.C1.S1que refere que, “Para efeitos de admissão excecional (prescindindo da alçada e da sucumbência) a ofensa do caso julgado a que se refere o preceito imediatamente acima citado [art. 629 nº 2 al. a), do CPC] tem de ser cometida pela decisão que se pretende impugnar que não por quaisquer outras que, a montante, se pronuncie sobre aquela exceção”. Face ao alegado pelos recorrentes, está em causa saber se a matéria de facto fixada noutro processo forma, aqui, caso julgado. Temos que apenas forma caso julgado formal- art. 620º, do CPC e com força obrigatória dentro do processo onde tais factos foram fixados. E a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado” – Proc. nº 241/07.0TTLSB.L1.S1, Ac. do STJ de 20 de junho de 2012. Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada. Ora, os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. Assim se entendeu no Ac. deste STJ de 08-11-2018, no Proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1 com sumário elucidativo: “I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada. IV. Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. V. Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo. VI. De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.” Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo. E o Ac. deste STJ de 05-05-2005, no Proc. nº 05B691decidiu que: “2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. 3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.” Pelo que não se poderia verificar o caso julgado pretendido pelos recorrentes. * Face ao exposto e sem necessidades de mais considerações, conclui-se pela manifesta improcedência da alegada violação de caso julgado. * Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC: I-Não se ter provado a existência de acordo de extinção da parceria, tal não significa que essa extinção não tenha ocorrido, apenas resulta que não foi feita prova da extinção, isto é, uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo. II- Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente, o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado. III- A exceção de caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e confiança, ou seja, em nome da paz jurídica e ainda por imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. IV- A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado violando-o, ela mesma, diretamente. V- A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada. VI- Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. * Decisão: Em face do exposto acordam, no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção, em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 12-04-2023
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto |