Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4095/07.8TPPRT.P1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
PENA ÚNICA
INEXISTÊNCIA
PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL
QUESTÃO INTERLOCUTÓRIA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DIREITO AO RECURSO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
INQUÉRITO
COMPETÊNCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
ESCUTAS TELEFÓNICAS
EFEITO À DISTÂNCIA
MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
QUESTÃO DE DIREITO
PROIBIÇÃO DE PROVA
TESTEMUNHA
DEPOIMENTO
CONEXÃO DE PROCESSOS
ESPECIAL CENSURABILIDADE
COMPARTICIPAÇÃO
MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
MEIO INSIDIOSO
FRIEZA DE ÂNIMO
PREMEDITAÇÃO
REFLEXÃO SOBRE OS MEIOS EMPREGADOS
ARMA DE FOGO
MEDIDA DA PENA
FINS DAS PENAS
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Apenso:
Data do Acordão: 06/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

I - São dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP: o acórdão da Relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicada na Relação não ser superior a 8 anos de prisão.
II -A constitucionalidade desta norma, na actual redacção, na medida em que limita a admissibilidade de recurso para o STJ aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, já foi apreciada pelo TC, que decidiu não a julgar inconstitucional – cf. Ac. n.º 645/09, de 15-12-2009.
III -No caso de concurso de crimes e verificada a dupla conforme, sendo aplicadas várias penas que, por força do disposto no art. 77.º do CP, são unificadas numa pena única, haverá que verificar quais as penas superiores a 8 anos e só quanto aos crimes punidos com tais penas e/ou quanto à pena única superior a 8 anos é admissível o recurso para o STJ.
IV -A al. f) do n.º 1 do art. 400.º não comporta o entendimento de que a circunstância de o recorrente ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão assegura a recorribilidade de toda a decisão, compreendendo-se, portanto, todas as condenações ainda que inferiores a 8 anos de prisão – cf. Ac. de 12-05-2011, Proc. n.º 7761/05.9TDPRT.P1.S1, desta Secção.
V - Quanto às questões da inexistência jurídica do processo e da violação do princípio da lealdade processual, suscitadas pelo recorrente BP, são questões interlocutórias, intermédias; a al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP estatui que [não é admissível recurso] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.
VI -No entanto, as decisões sobre essas questões, embora proferidas “no recurso” não foram proferidas “em recurso”; essas questões foram suscitadas, pelo recorrente BP, pela 1.ª vez, no recurso que interpôs para a Relação, pelo que a Relação conheceu delas ex novo. Entende-se, por isso, que o recurso para o Supremo, quanto a essas questões, deve ser admitido, sob pena de supressão de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso, quanto a elas.
VII - Pelo crime de homicídio qualificado (consumado) todos os recorrentes foram condenados em penas superiores a 8 anos de prisão e, necessariamente, todos os recorrentes foram condenados em penas únicas superiores a 8 anos de prisão; como tal, apenas relativamente aos crimes de homicídio em que foram condenados e às penas únicas em que também foram condenados é que os recursos para o STJ do acórdão da Relação são admissíveis.
VIII - Os recorrentes incluíram, no objecto do seu recurso, várias questões que se referem ao crime de ofensas à integridade física qualificada, ao crime de coacção, aos crimes de homicídio na forma tentada, aos crimes de detenção de arma proibida e de detenção ilegal de arma: tendo havido, quanto a esses crimes, confirmação total, em recurso, pela Relação, do acórdão condenatório da 1.ª instância, e tendo os recorrentes sido condenados, por cada um desses crimes, em penas de prisão inferiores a 8 anos, não é admissível recurso para este Tribunal quanto a todas as questões que lhes respeitem.
IX -Vem o recorrente sustentar, em síntese, «que o n.º 5 do artigo 264.º do CPP, interpretado no sentido de que, no inquérito, o Ministério Público tem competência para operar a separação de processos, ainda que o processo já tenha sido presente ao juiz de instrução, muitas vezes para praticar, ordenar e autorizar a quase totalidade dos actos a que se referem os artigos 268.º e 269.º e múltiplas disposições dispersas pelo Código de Processo Penal e por outras tantas leis, viola o due process of law e o disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1, 4, 7 e 9, 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 9.º do Código Civil, 17.º, 30.º e 268.º, n.º 1, alínea f), daquele Código», pretendendo que, com a prolação do despacho, o MP invadiu a esfera de competência do JIC, tratando-se de um acto que traduz usurpação da função jurisdicional, vício que deverá ser tido como de inexistência jurídica, a acarretar a sua inexequibilidade.
X - Contendo o art. 30.º, n.º 1, do CPP a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos e decorrendo do n.º 5 do art. 264.º a aplicação dessa norma ao inquérito, não parece que outro possa ser o alcance da “aplicação correspondente” do art. 30.º que não o de atribuir ao MP, competente para o inquérito, o poder (poder-dever) de fazer cessar a conexão de inquéritos e determinar a separação dos inquéritos nos casos exemplificados nesse art. 30.º, n.º 1, do CPP.
XI -Por outro lado, as determinações relativas à conexão ou separação de processos não integram o elenco dos actos a praticar, ordenar ou autorizar pelo JIC (arts. 268.º e 269.º do CPP) e não se divisa qualquer norma que expressamente as reserve; assim, na fase de inquérito, a competência para ordenar a separação de inquéritos é do MP – cf. Ac. do TRP de 06-02-2002, Proc. n.º 140/2001.
XII - Sustenta o recorrente a proibição de valoração das intercepções das comunicações telefónicas por não haver reconhecimento da sua indispensabilidade para os factos objecto do processo por despacho judicial, na medida em que, tendo sido autorizadas para a investigação de crimes que não se compreendem no objecto do processo (homicídio consumado de AP e homicídio tentado de AF), terão sido fonte dos chamados “conhecimentos fortuitos”.
XIII - O STJ tem entendido que a fiscalização sobre o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que, em última análise, se reporte à matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, desde que seja recorrível a decisão final do processo onde se verificou a situação – cf. Ac. de 06-05-2010, Proc. n.º 156/00.2IDBRG.S1 - 5.ª.
XIV - O Ac. da Relação reconhece e esclarece que as escutas telefónicas não foram meio de prova valorado em julgamento que tivesse servido para fundamentar a convicção adquirida quanto aos factos que constituem o recorrente co-autor do crime de homicídio (o único que, no âmbito deste recurso, pode ser considerado); ora, não sendo as escutas telefónicas meio de prova de que o tribunal de 1.ª instância se tivesse servido para formar a sua convicção, a questão da valoração desse meio de prova constituir uma prova proibida resultava necessariamente prejudicada.
XV - Tendo a Relação conhecido de facto, em termos amplos, nomeadamente por o recorrente BP ter impugnado a decisão proferida sobre matéria de facto, concretamente quanto aos factos relativos ao crime de homicídio consumado, reafirmou, na reapreciação da prova a que procedeu, a irrelevância das escutas telefónicas para a prova desses factos
XVI - Os ofendidos, neste processo, NC, HC e LC foram ouvidos como testemunhas, em audiência, sendo que o recorrente BP suscita a questão de estarem impedidos de depor como testemunhas, uma vez que não consentiram expressamente nisso, isto é, na violação do art. 133.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPP, assenta o recorrente a proibição de valoração dos depoimentos por eles prestados.
XVII - Na base desta questão está, afinal, o errado pressuposto de que há conexão entre este processo e o Proc. que terá sido originado pela acusação deduzida no Inquérito n.º … e a irreal suposição de que, por os factos que foram objecto dessa acusação integrarem acusação autónoma, se revela uma separação de processos.
XVIII - Para os efeitos da al. a) do n.º 1 do art. 133.º, deve entender-se por “processo conexo” os casos determinantes de conexão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, e, para efeitos do seu n.º 2, deve entender-se “caso de separação de processos” qualquer dos casos determinantes de separação de processos, nos termos do art. 30.º
XIX - Nesta compreensão, que é a que decorre da lei, não se verifica qualquer limitação ou condicionamento legal à inquirição de NC, HC e LC como testemunhas, neste processo, porque, pura e simplesmente, não são arguidos em processo conexo.
XX - O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias cuja verificação nem sempre se revela qualificadora. O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (art. 132.º, n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo.
XXI - Se todas as circunstâncias contidas no n.º 2, não são mais do que casos exemplares que podem conduzir à integração do tipo de culpa agravado do n.º 1, e se, como é indispensável à afirmação do dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se das representações do agente, fica, então, próxima a afirmação de que a contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada autonomamente, enquanto fundamentadora, ou não, de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente respectivo.
XXII - O que vale por dizer que todos os elementos dos exemplos-padrão e das situações substancialmente análogas, relevando pela via da culpa e não pela da ilicitude, sujeitam-se, em definitivo, ao regime constante do art. 29.º, e não ao do art. 28.º, ambos do CP.
XXIII - Os exemplos-padrão de qualificação do homicídio que foram considerados no acórdão decorrem de o recorrente: ter praticado o facto juntamente com mais quatro pessoas [al. h)]; ter utilizado um meio insidioso [(al. i)]; ter agido com frieza de ânimo [al. j)].
XXIV - Na al. i) juntam-se três constelações (o agente praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas, ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum) que se deixam reduzir à mesma estrutura valorativa através, nomeadamente, da ideia da maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima.
XXV - Praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas é uma circunstância qualificadora se e quando a comparticipação de três agentes determinar uma particular perigosidade do meio (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender.
XXVI - A al. i) subordina-se também a uma ideia condutora de uma execução do facto especialmente censurável porque reduz as possibilidades de defesa da vítima. Para efeitos desta alínea, meio insidioso será todo aquele que assuma um carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto. Em suma, meios traiçoeiros que eliminam uma possibilidade razoável de defesa por parte da vítima.
XXVII - Ora, os factos provados são expressão de que na morte da vítima se revela a especial censurabilidade dos agentes na medida em que, independentemente do “meio usado”, ocorreu numa “situação” traiçoeira de especial perigosidade criada pelos agentes com a consequente particular dificuldade da vítima de deles se defender.
XXVIII - Os co-autores (5, um de identidade desconhecida), já munidos de armas, apercebendo-se do local onde a vítima se encontrava, sabendo que a iam apanhar desprevenida e incapaz de reagir e que, colocados num plano superior, teriam uma posição favorável para disparar, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, sem serem vistos ou ouvidos, aproximaram-se, de surpresa, do gradeamento que separa a Rua …, da Rua …., em conjugação de esforços e intenções, empunhando as armas de fogo que cada um deles detinha, efectuaram disparos, de forma intensa e sequencial, designadamente na direcção da vítima IC que, relativamente ao local onde eles se tinham posicionado, se encontrava a cerca de 6,70 m.
XXIX - Na al. j) reúnem-se alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos jurídicos conferem ao conceito de premeditação; para além da premeditação, propriamente dita (desígnio de matar formado pelo menos 24h antes), a frieza de ânimo, a traduzir um processo frio, lento, cauteloso na preparação do crime, e a reflexão sobre os meios empregados, na manifestação da escolha, por parte do agente, dos meios de actuação que facilitem a execução do crime (que tenham mais probabilidade de êxito).
XXX - Na estrutura valorativa do exemplo padrão desta alínea encontra-se uma linha condutora que engloba, afinal, diversas manifestações de uma especial intensidade da vontade criminosa.
XXXI - Qualquer das aludidas manifestações – agir com frieza de ânimo, agir com reflexão sobre os meios empregados, persistir na intenção de matar por mais de 24 h – e outras estruturalmente análogas, v. g., num exemplo de escola, em certos casos, a persistência da intenção de matar por 23 h, é, por si mesma, susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado .
XXXII - Nos factos provados manifesta-se, também, a reflexão que precedeu a execução: demonstram que, já na tarde do dia 28-11-2007, BP, FM, MS e PG, pelo menos, passaram a andar à procura dos irmãos C, busca que prosseguiu na madrugada do dia 29, já com a participação do recorrente (enquanto PG abandonou esse propósito, o recorrente e outro juntaram-se a BP, FM e MS), e, no veículo conduzido por BP, munidos de, pelo menos, quatro armas de fogo – uma pistola semi-automática, de calibre 7,65 mm, uma outra pistola semi-automática, de calibre .45, uma espingarda caçadeira de calibre 12 e um revólver de calibre .32 – continuaram a procurar o encontro com os irmãos C, de acordo com um plano conjunto de lhes causar a morte, até que, apercebendo-se do local onde eles, e outros, se encontravam, actuaram. No contexto dos factos provados, decorre que o recorrente acompanhou os outros, na procura dos irmãos C, com o referido propósito, por período sempre superior a 1h.
XXXIII - Neste circunstancialismo, o exemplo-padrão da al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP mostra-se completamente preenchido, quanto ao recorrente AF, na medida em que as circunstâncias do cometimento do crime são reveladoras de que agiu, também ele, com reflexão sobre os meios empregados e frieza de ânimo, por aí se manifestando uma particular intensidade da vontade criminosa, capaz de revelar a especial censurabilidade da conduta do recorrente.
XXXIV - A presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade, que fundamenta a moldura agravada, e só circunstâncias especiais, que atenuem especialmente a culpa, são susceptíveis de anular o efeito de indício do exemplo-padrão; no caso, não ocorrem circunstâncias que possam contra-provar o efeito de indício dos exemplos-padrão e que imponham a sua revogação, quanto ao recorrente AF (nem quanto a nenhum dos outros recorrentes).
XXXV - Cada um dos recorrentes foi condenado, pelo homicídio qualificado consumado, na pena de 17 anos de prisão e ambos visam a redução das penas, para próximo do limite legal.
XXXVI - Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do art. 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
XXXVII - Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro – a vida – é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Mas quando o homicídio, como acontece no caso, está associado a disputas e rivalidades entre grupos e afirmações de supremacia, numa expressão extrema de violência, desencadeia fortes “sentimentos” de insegurança e intranquilidade na comunidade adequados a elevar as exigências de prevenção geral.
XXXVIII - No caso, ainda, particularmente acentuadas pelas circunstâncias que rodearam a “motivação” para o crime e o modo como foi executado, trazendo para a “realidade da noite do …” o que, até então, era dos domínios da ficção, particularmente cinematográfica, e, ainda que esta se baseasse em factos verdadeiros, sempre eles pertenciam a vivências culturais alheias.
XXXIL - Neste quadro, releva considerar, também, as exigências de prevenção geral negativa ou de intimidação, como efeito lateral (desejável) da necessidade de tutela do bem jurídico e de estabilização das expectativas comunitárias.
IL - Os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada reclamam uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela do bem jurídico assegurando a manutenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.
ILI - A culpa dos recorrentes pelo crime é muito elevada, como decorre das circunstâncias em que o facto foi praticado, conformadoras de três dos exemplos-padrão; previna-se que, com isto, não se está a proceder a uma dupla valoração daquelas circunstâncias (para efeitos de qualificação do crime e para efeitos da medida da pena). Antes, sem violação dessa proibição, a relevar o conjunto dessas circunstâncias.
ILII - Como, no caso, concorrem os elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, todos com relevo para a qualificação da atitude especialmente censurável dos recorrentes, esse conjunto deverá ter efeito na determinação da medida da pena.
ILIII - Pondera-se a personalidade agressiva, vulnerável às piores influências do meio, capaz de acolher e fazer suas decisões, sem motivos próprios, e o que é mais, capaz de as executar, na base de solidariedades de ocasião, sem escrúpulos ou recuos no uso de desmedida violência e, em face das exigências de prevenção especial de socialização que intensamente decorrem das qualidades desvaliosas da personalidade do recorrente BP, manifestadas nos factos, a circunstância de ser primário e as suas condições pessoais de satisfatória integração familiar e profissional apresentam-se de pouca valia, nesse âmbito; no caso do recorrente AF, também as exigências de prevenção especial de socialização são muito elevadas, não só em decorrência da sua personalidade, revelada na prática dos factos, como, em geral, na condução da sua vida, levando a que já tivesse sofrido três condenações por crimes contra a integridade física.
ILIV - Na ponderação das exigências de prevenção geral e especial e da elevada culpa dos recorrentes não merece qualquer crítica, por ser excessiva, a pena aplicada a cada um dos recorrentes pelo crime de homicídio qualificado consumado.
ILV - A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do art. 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP, para o qual o art. 78.º, n.º 1, do mesmo diploma, remete – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente. No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
ILVI - No caso do recorrente BP há a considerar as seguintes penas parcelares: 17 anos de prisão, pelo crime de homicídio qualificado, 6 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 1 ano de prisão, por um crime de ofensas à integridade física qualificadas, 2 anos de prisão, por um crime de coacção, 1 ano de prisão, por um crime de detenção ilegal de arma, 9 meses de prisão, por um crime de detenção de arma proibida, 6 meses de prisão por um crime de detenção ilegal de arma; assim, a moldura penal abstracta do concurso tem como limite mínimo 17 anos de prisão e limite máximo 25 anos de prisão (na medida em que a soma material das penas em concurso atinge 48 anos e 3 meses).
ILVII - Da apreciação global dos factos praticados por este recorrente emerge, como nota dominante, a sua extrema gravidade, independentemente de, quanto aos crimes cometidos na madrugada de 28-11-2007, o desvalor das acções sobrelevar o desvalor dos resultados, com o que se quer significar que a não verificação de mais mortes é alheia à conduta do recorrente; a prática do ilícito global é expressão de qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente. Praticou todos os crimes para tirar desforço de opositores e ganhar supremacia no “meio”, através do uso de violência incontrolada, com o respaldo do uso de armas de fogo. Na apreciação da relação da personalidade do recorrente com o conjunto de factos sobressai uma personalidade violenta, com dificuldade em gerir a frustração e incapaz de controlar a sua ânsia de dominação, a qualquer custo. Manifesta-se, por isso, na prática dos crimes (do ilícito global) uma verdadeira tendência criminosa do recorrente BP que não suporta, numa ponderação global dos factos e da personalidade do recorrente, neles manifestada, a redução da pena conjunta de 24 anos de prisão, em que foi condenado.
ILVIII - No caso do recorrente AF há a considerar as seguintes penas parcelares: 17 anos de prisão, pelo crime de homicídio qualificado, 6 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 1 ano de prisão, por um crime de detenção ilegal de arma e 2 meses de prisão, por um crime de detenção ilegal de munição.
ILIX - Numa ponderação global da personalidade do recorrente AF manifestada nos factos destaca-se a violência e a agressividade incontroladas, a que não põe freio mesmo quando, na sua expressão, não é guiado por motivos próprios. Nas qualidades desvaliosas da sua personalidade inclui-se a permeabilidade às piores influências do meio, capaz de acolher e fazer suas decisões, sem motivos próprios, e o que é mais, capaz de as executar, na base de solidariedades de ocasião, sem escrúpulos ou recuos no uso de desmedida violência; por isso, também no caso deste recorrente, a prática dos crimes (do ilícito global) é expressão de uma verdadeira tendência criminosa. A ponderação global dos factos e da personalidade do recorrente AF, neles manifestada, leva a concluir que a pena conjunta de 21 anos de prisão se peca é por benevolência, com o que se quer dizer que não há razões que validamente justifiquem a sua redução.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I


1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 4095/07.8TDPRT, da 4ª vara criminal do Porto, por acórdão de 19/01/2010, foi decidido, no que, agora, releva considerar, condenar:

1.1. o arguido AA [B...P...] pela prática:

– em co-autoria, de um crime de ofensas corporais qualificadas, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 146.º, n.os 1 e 2, e 132.º, n.os 1 e 2, alínea g), todos do Código Penal (1), na pena de 1 ano de prisão;

– de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p), ab), 3.º, n.º 3 e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 6 meses de prisão;

– em co-autoria, de um crime de coacção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 154.º e 155.º, alínea a), ambos do CP, na pena de 2 anos de prisão;

– de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p), ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 17 anos de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), do CP, na pena de 6 anos de prisão;

– em co-autoria, de mais 4 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., cada um deles, pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 5 anos de prisão por cada um dos crimes;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p) e ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea l), e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 4 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena unitária de 23 anos de prisão.

1.2. Condenar o arguido BB [M...S...] pela prática:

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 17 anos de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 6 anos de prisão;

– em co-autoria, de mais 4 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., cada um deles, pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 5 anos de prisão, por cada um dos crimes;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p) e ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão;

– de um crime de detenção ilegal de munição, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 3, alínea l), e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena unitária de 21 anos de prisão.

1.3. Condenar o arguido CC [F...M...] pela prática:

– em co-autoria, de um crime de coacção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 154.º e 155.º, alínea a), ambos do CP, na pena de 2 anos de prisão;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p), ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 6 meses de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 17 anos de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 6 anos de prisão;

– em co-autoria, de mais 4 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., cada um deles, pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 5 anos de prisão, por cada um dos crimes;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p) e ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão;

– de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p), s), af), 3.º, n.os 1 e 4, alínea b), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 6 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena unitária de 22 anos de prisão.

1.4. Condenar o arguido DD [A...F...] pela prática:

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 17 anos de prisão;

– em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 6 anos de prisão;

– em co-autoria, de mais 4 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., cada um deles, pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), todos do CP, na pena de 5 anos de prisão, por cada um dos crimes;

– de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas o), p) e ab), 3.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão;

– de um crime de detenção ilegal de munição, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 3, alínea l), e 86.º, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena unitária de 21 anos de prisão.

2. Inconformados com o acórdão da 1.ª instância, interpuseram recursos para a relação os arguidos condenados B...P..., M...S..., F...M... e A...F... e o Ministério Público.

3. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2010, foi decidido, no que, agora, interessa:

3.1. Quanto ao arguido B...P...:

Alterar o acórdão recorrido, em matéria de facto, dando a seguinte redacção ao facto provado sob n.º 148: «No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 8h 30m, no interior da residência sita na Rua ..., Porto, onde residia o arguido B...P..., foram encontrados os seguintes objectos:» e acrescentando o facto não provado n.º 56 do seguinte teor: «Não se provou que os objectos descritos nos factos assentes sob os nºs 149 e 150, fossem pertença do recorrente B...P..., o qual bem conhecia as suas características e sabia não estar legalmente autorizado à sua detenção.»

Confirmar, no restante, a decisão de facto do acórdão recorrido.

Em consequência das alterações da matéria de facto, absolver o arguido B...P... da prática de um crime de detenção de arma proibida que lhe foi imputado em consequência das buscas domiciliárias realizadas em 16 de Dezembro de 2007.

Quanto ao mais, negar provimento ao recurso do arguido B...P....

Mas, no parcial provimento do recurso interposto pelo Ministério Público, agravar a pena unitária aplicada ao arguido B...P... para 24 anos de prisão.

3.2. Quanto ao arguido M...S...:

Negar provimento ao recurso do arguido M...S... e confirmar a pena unitária aplicada a este arguido no Acórdão recorrido.

3.3. Quanto ao arguido F...M...:

Negar provimento ao recurso do arguido F...M... mas, concedendo provimento parcial ao recurso do Ministério Público aumentar a pena unitária aplicada ao arguido F...M... para 23 anos de prisão.

3.4. Quanto ao arguido A...F...:

Negar provimento ao recurso do arguido A...F... e confirmar a pena unitária aplicada a este arguido no acórdão recorrido.

4. Os arguidos B...P..., M...S..., F...M... e A...F..., inconformados com o acórdão da relação, interpuseram recursos para este Supremo Tribunal de Justiça.

4.1. O arguido B...P... formulou as seguintes prolixas conclusões:

«1. O arguido discorda do acórdão recorrido e que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena de 24 anos de prisão, agravando em um ano a pena de prisão sentenciada em 1.ª instância.

«2. Discorda o arguido do acórdão recorrido por sustentar ser o mesmo violador de diversas normas legais que o ferem de nulidade como se demonstrará.

«3. A motivação de recurso obedece à seguinte estrutura que decompõe os fundamentos da defesa: Inexistência Jurídica do Processo - Separação de processos ordenada pelo Ministério Público; Violação do Principio da Lealdade Processual; Análise recursiva de cada uma das situações que demandaram a sua condenação: 3 de Maio de 2007, sendo ofendido EE 28 de Novembro de 2007, sendo ofendido FF; 29 de Novembro, sendo ofendidos GG, FF, HH, II, JJ e LL; Medida da Pena.

«4. Surpreendem-se várias questões cuja legalidade, conformidade factual face à prova produzida, e, valia probatória foram questionadas em sede recursiva e que, mau grado tal alegação, não mereceram decisão pelo tribunal a quo (por omissão) ou foram indeferidas (quando apreciadas).

«5. Ainda que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, por imposição da lei processual (artg. 434.º do CPP), se limitem ao reexame da matéria de direito, certo é que a regra enunciada é excepcionada pelo disposto no artg. 410.º n.º 2 do CPP, restringindo a apreciação de factos pelo Supremo Tribunal de Justiça a requisitos apertados e sem recurso a elementos exógenos à decisão recorrido (os vícios têm de constar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, sendo esses mesmos vícios passíveis de subsunção no n.º 2 do artg. 410.º do CPP, ou seja, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, exista um erro notório na apreciação da prova).

«6. Propomo-nos demonstrar, onde se verifiquem, os vícios que eclodem em sede valorativa factual e que impelem a apreciação desse Colendo Tribunal, sem prejuízo daqueles que doutamente serão supridos por via oficiosa.

«Inexistência Jurídica do Processo – Separação de Processos ordenada pelo Ministério Público

«7. Submeteu a defesa à apreciação do tribunal a quo a conformidade legal da decisão do Ministério Público de ordenar a separação dos diversos inquéritos que se achavam pendentes e que tinham por base a "onda de violência que ocorria à época na noite portuense".

«8. Reivindicamos a violação da Lei Processual Penal e Lei Constitucional, maxime, quando em causa estavam autos que já haviam sido submetidos à jurisdição do Juiz de Instrução Criminal.

«9. O tribunal a quo indeferiu a pretensão do arguido e a bondade da argumentação expendida, decidindo sinteticamente que "...nos termos do disposto no artg. 264.º do CPP é competente para a realização do inquérito e para a prática dos actos de inquérito, o Ministério Público, sendo correspondentemente aplicável durante esta fase processual o disposto nos artigos 24.º a 30.º do CPP – n.º 5 do preceito legal citado.

A prática de actos de inquérito em nada ofende a Constituição, antes consubstancia uma consequência da estrutura acusatória do processo penal português.

Ora, a separação de processos, ora posta em causa, surge na sequência da determinação de apensação do inquérito relativo à morte de GG e outros, conforme despacho do Ministério Público a fls. 727 dos autos.

...face ao exposto no artg. 264.º n.º 5 do CPP resulta para nós evidente que a competência para ordenar a apensação ou separação de processos durante o inquérito pertence ao M. Público, não estando reservado ao juiz de instrução, como resulta da interpretação conjugada do preceito legal citado, com o disposto nos artigos 268.º e 269.º, ambos do CPP, que estabelecem quais os actos a praticar ou autorizar pelo juiz de instrução.

Assim sendo, não se vislumbra qualquer invasão do M. Público nas competências do juiz de instrução, pelo que, nunca se poderia configurar o alegado vicio de inexistência jurídica...

Conclui, sentenciando, "...no caso concreto, não se vislumbra qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, no despacho que ordenou a separação de processos improcedendo, pelo exposto, os argumentos do recorrente".

«10. Por ser desconforme à Lei e se manterem válidos os argumentos aduzidos pela defesa, suscita-se o reexame da matéria de Direito junto do tribunal ad quem. Efectivamente,

«11. A fls. 5837 a 5841 dos autos, Vol. XXIV, imediatamente antes da prolação da acusação pública que enforma o processado, o Ministério Público ordena a separação de processos, maxime, aquele que deu origem ao presente inquérito, homicídio consumado de MM e homicídio tentado de NN (originário do inq. n° 4095/07.8 TDPRT).

«12. Os inquéritos separados por decisão do Ministério Público haviam sido apensados em 6/12/2007, a fls. 727 e ss. do Vol. IV, aí se consigN... a conexão processual dos inquéritos ns. 917/07.1 PJPRT, 1228/07.8 JAPRT, 45/07.0 PCPRT, e, 913/07.9 PJPRT (este respeitante ao homicídio consumado de GG, na ocasião ainda não registado como inquérito).

«13. A separação de processos consta do artg. 30.º do CPP„ sendo dois os requisitos essenciais ali prescritos: a) a separação de processos pressupõe que as pessoas cujos processos foram separados tenham sido constituídas arguidas no processo do qual resultou a separação; b) a entidade competente para determinar a separação de processos é o juiz, de instrução criminal se for em sede de inquérito ou instrução, e, de julgamento se posteriormente.

«14. Em solução de continuidade com este artigo está o 264.º do CPP, inscrito na fase processual de inquérito com a epígrafe "Competência", maxime, e no que ao caso interessa, o n.º 5 que reza o seguinte: “É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 24.º a 30.º "

«15. "...O art. 30.° do CPP impõe à autoridade judiciária competente uma ajuizada ponderação de interesses e dele se extrai que o escopo fundamental da "separação de processos " é a defesa do arguido.

«16. O Tribunal da Relação de Lisboa, sobre este tema, expendeu que "O escopo fundamental da separação aponta para a defesa dos direitos fundamentais do (ou dos) arguidos – exceptuado o caso de 'grave risco para a pretensão punitiva do Estado', em que poderão estar em causa os direitos da comunidade — escopo que não se compadece com a função da entidade directora do inquérito. É que o inquérito tem em vista 'investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas' e não a defesa dos direitos dos arguidos. A protecção das garantias do processo criminal está a cargo do juiz (art. 32.° da CRP)."

«17. Neste conspecto, dúvidas não parecem subsistir de que só ao juiz de instrução compete determinar a sobredita "separação de processos", pois a protecção das garantias do processo criminal está constitucionalmente a seu cargo, como resulta claramente dos n.ºs 1 e 4 do art. 32.º da Constituição, cabendo ainda notar que os magistrados judiciais são independentes e estão apenas sujeitos à lei (cfr. arts. 202.º n.º 2 e 203.º da Constituição da República), ao passo que os magistrados do Ministério Público representam o interesse próprio do Estado e estão hierarquicamente subordinados (cfr. art. 219.º n.ºs 1 e 4 da CRP).

«18. Nestes termos, o Ministério Público invade a esfera própria de competência do juiz de instrução criminal quando determina a "separação de processos". Trata-se, na verdade, de um acto praticado a non judice, de usurpação da função jurisdicional, vício [que] deverá ser tido como de inexistência jurídica, e que, portanto, está ferido de inexequibilidade, não tendo a virtualidade de produzir efeitos jurídicos, o que não significa, porém, que se não devam ordenar as diligências necessárias à reposição da legalidade, porventura, se preciso for, fazendo baixar à fase de inquérito os processos nos quais a ilegalidade foi cometida, e impossibilitando em qualquer caso o testemunho em julgamento de arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo cujo processo haja sido "separado" pelo Ministério Público.

«19. Face ao exposto, cumpre concluir que o n.º 5 do art. 264.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que, no inquérito, o Ministério Público tem competência para operar a "separação de processos", ainda que o processo já tenha sido presente ao juiz de instrução, muitas vezes para praticar, ordenar e autorizar a quase totalidade dos actos a que se referem os arts. 268.º e 269.º e múltiplas disposições dispersas pelo Código de Processo Penal e por outras tantas leis, viola o due process of law e o disposto nos arts. 32.º n.ºs 1, 4, 7 e 9, 20.º n.º 4 e 202.º n.º 2 da Constituição da República, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 9.º do Código Civil, 17.º, 30.º e 268.º n.º 1 alínea f) daquele Código, donde se segue que o despacho de fls. 5837 e ss. que ordena tal "separação" padece do vício de inexistência jurídica, sendo ineficaz, cabendo ao tribunal ad quem declarar o referido vício e ordenar a reposição da legalidade violada.

«Violação do Principio da Lealdade Processual

«20. O arguido suscitou em sede de recurso a violação do princípio da lealdade processual pelo Ministério Público com interferência directa e relevante nos presentes autos.

«21. Contudo, tal violação de principio fundamental e estrutural do procedimento penal não mereceu acolhimento junto do tribunal a quo.

«22. Decidiu o tribunal a quo que "'… O princípio da lealdade processual é uma noção de ordem essencialmente moral que diz respeito à postura a adoptar pelos vários intervenientes processuais. Trata-se de impor uma atitude de respeito pela dignidade das pessoas e de rejeição de abusos por parte das autoridades.

Porém, tendo em vista que o objecto do processo contemplou...as relações tensas vivenciadas por arguidos e ofendidos, não vislumbramos que a postura do M. Público em relação a um outro processo autónomo viole o invocado princípio processual.

Também não se vislumbra em que é que poderia ter sido afectado o valor dos depoimentos dos ofendidos que são livremente apreciados pelo tribunal, e também assim seria, se a acusação de ambos os processos fosse conjunta e fossem todos co-arguidos.

Na verdade, as declarações de um co-arguido desde que submetidas ao contraditório exercido em julgamento, são um meio de prova legalmente admissível, mesmo contra co-arguido que tenha exercido direito ao silêncio, e a sua credibilidade é livremente apreciada pelo tribunal de julgamento nos termos do disposto no artg. 127°. do CPP.

Assim, não vislumbramos qualquer violação por parte do M. Público ao principio da lealdade processual e ainda que se verificasse tal violação, não se vê prevista no nosso Código de Processo Penal, qualquer sanção como consequência legal da sua ocorrência. "

«23. O tribunal a quo reduziu a violação de um principio estrutural do processo penal, e como tal com consagração constitucional (em linha de raciocínio com a máxima Doutrinária que apelida o direito processual penal como direito constitucional aplicado), a uma mero exercício de respeito pela Ordem Moral e a cuja violação se não acha estatuída nenhuma consequência (???).

«24. O tribunal a quo invoca a não interferência directa da aludida violação em actos processuais praticados subsequentemente, sendo as declarações dos ofendidos apenas um dos elementos abrangidos por essa contaminação.

«25. E, se a violação do principio em apreço é inquestionável (atente-se que o tribunal a quo se limita a declaração genérica de "...não vislumbramos qualquer violação por parte do M. Público..." quando foi invocado facto concreto, objectivado e documentalmente provado a merecer uma apreciação valorativa adequada!) face a todo o manancial probatório junto aos autos e aquele que já ali constava, outra solução não restaria ao tribunal a quo que não fosse decidir de acordo com os dados objectivos que se lhe oferecerão conhecer, e, não, como fez, omitir pronúncia sobre os mesmos.

«26. Esta omissão de pronúncia (omissão ad substanciam) fere de nulidade o acórdão recorrido, pois, estava o tribunal a quo obrigado a emitir decisão de fundo sobre os dados de facto que foram invocados, achando-se em curso a postergação do estatuído no artg. 97º nº 1, 2 e 5, 374º. nº 2, 379º. nº 1 ex vi artg 425º. do CPP o que se requer seja declarado com a consequência legal decorrente qual seja a remessa do processado ao tribunal a quo para pronúncia sobre a violação, em concreto, pelo Ministério Público do Principio da Lealdade Processual.

«27. Se assim se não entender, ou seja, se tiverem por bastante a exígua tomada de posição do tribunal a quo face ao invocado pela defesa, sempre será de suscitar o reexame da questão de direito em causa por se acharem inabalados os motivos que presidiram à motivação recursiva do arguido.

«28. O Principio da Lealdade é uma aspiração da comunidade que, com o processo penal, pretende o restabelecimento da Paz Jurídica, seja com a absolvição do acusado, seja com a condenação deste.

«29. Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva, "...a lealdade não é uma noção jurídica autónoma, é sobretudo de natureza essencialmente moral, e traduz uma maneira de ser da investigação e obtenção de provas em conformidade com o respeito dos direitos da pessoa e a dignidade da justiça". Ainda sobre o mesmo Principio, alvitra o mesmo Doutrinador que, "A eficácia da Justiça é também um valor que deve ser perseguido, mas, porque numa sociedade livre e democrática os fins nunca justificam os meios, só será louvável quando alcançada pelo engenho e arte, e nunca pela força bruta, pelo artificio ou pela mentira, que degradam quem as sofre, mas não menos quem as usa", usando palavras incisivas, duras, quanto à qualificação dos intervenientes processuais que façam tábua rasa de tal mandamento processual (Lealdade); citando o mesmo autor, "Todos os intervenientes processuais, magistrados, advogados, policias e funcionários, não podem nunca esquecer que exercem uma função e são remunerados para a exercer, devendo exercê-la o melhor que souberem dentro dos limites da própria função, mesmo sem o quererem e até sem o perceberem, revelam quem são e como são ".

«30. O Principio da Lealdade tem uma dupla vertente, como assinala o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, sendo uma delas (e que ao caso importa) a condução dos sujeitos processuais no processo, incluindo o juiz e o ministério público.

«31. Sustenta este autor que "Este principio vale também para os agentes do Estado e, em particular, para a autoridade judiciária, como tem sido repetidamente acentuado pelo Tribunal Constitucional, no entendimento de que decorre do conceito de Estado de Direito um processo leal e respeitador da "confiança legitima dos cidadãos nas decisões dos tribunais...", escrevendo mais adiante que "...A condução de alguns sujeitos processuais no processo está também sujeita a um dever de colaboração com o tribunal. Há um dever de colaboração do MP com o tribunal com vista à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa", dada a sua função constitucional de promotor da acção penal e de defensor da legalidade democrática "(2).».

«32. O Ministério Público, enquanto sujeito processual, desempenha uma função perfeitamente delimitada na lei processual penal, devendo pautar a sua actuação em colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade e realização do direito, obedecendo em todas as suas intervenções a critérios de estrita objectividade e legalidade (artg. 53º. Nº 1 do CPP). Tal imposição decorre da Lei Fundamental e do Estatuto do Ministério Público no seu artg. 1.º e 3.º

«33. Nos presentes autos, e, como sobejamente foi tido por provado, existia uma relação de conflitualidade entre o arguido e o ofendido FF, sendo que, como se teve por facto provado nº 32, este havia sovado aquele, suspendendo-o e atirando-a de cima de um muro com alguns metros de altura. Ademais, é tido por provado que o clima de conflitualidade era extensível a outros arguidos e ofendidos (factos provados nº 16 a 19).

«34. Neste contexto, inexiste um clima de neutralidade psíquica do ofendido NN face ao arguido, exigindo o seu depoimento particulares cautelas valorativas (o mesmo se diga dos demais ofendidos porquanto se enquadram naquilo que o próprio Ministério Público designa na acusação de fls. 5923, artigo 17, por "grupo de Miragaia ou Pretos".

«35. É pacífico, pois, o facto de o Ministério Público considerar latente um clima de tensão e conflitualidade entre arguidos e ofendidos, sendo que estes seriam arguidos em outros processos em que eram ofendidos os aqui arguidos (arguido AA, BB, CC "C..."); mais, o Ministério Público constituiu uma unidade especial de investigação para os acontecimentos ocorridos na noite do Porto no ano de 2007 e que culminou com o despacho do Senhor Conselheiro Procurador Geral da República que se acha junto a fls. 1521 e ss.

«36. Constituída a equipa de investigação, sob a direcção e coordenação da Senhora Procura da República, Drª H...F..., todos os factos investigados passaram a estar concentrados e a ser conhecidos na sua globalidade por esta equipa, não sendo cogitável um hipotético desconhecimento de factos intimamente conexionados e de relevo valorativo nos diversos processos de inquérito que foram sendo cozidos e retalhados pelo titular da acção penal.

«37. As audiências de julgamento decorreram (cfr. actas das audiências de julgamento) de 08/09/2009 a 21/12/2009, sendo proferido o acórdão recorrido em 19/01/2010, ou seja, decorreu a audiência de julgamento durante 3 meses e meio, aproximadamente, e, o acórdão final foi proferido volvidos quase 30 dias sobre o encerramento da discussão da prova carreada.

«38. Durante este lapso temporal, 8 de Setembro a 21 de Dezembro, decorriam (e decorrem) outros inquéritos com o mesmo objecto, ou seja, a criminalidade ocorrida na noite portuense e a que já fizemos referência (louvando-nos no despacho que criou a designada equipa especial de investigação), sendo visados os ofendidos em um desses inquéritos, mas na qualidade de arguidos.

«39. O Ministério Público é o único sujeito processual que tem acesso a toda a matéria de facto e de prova que vai sendo carreada para os diferentes inquéritos, que marca o compasso do seu desenvolvimento, pelo que, a ele se impõem acrescidas exigências de Lealdade na descoberta da verdade material.

«40. Tal como se pode constatar da acusação pública deduzida no inquérito n° 61/08.4 JAPRT, cuja junção se requer, proferida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, redigida (ao abrigo do despacho a que já se fez alusão) pelos Magistrados do Ministério Publico integrantes da equipa especial, Drª H...F..., Dr. J...C...F... e Dr. R...C..., a data da sua feitura é de 14 de Setembro de 2009, ou seja, uma semana após o inicio da audiência de julgamento dos presentes autos, e, a data da notificação do libelo acusatório é de 21/12/1009, ou seja, precisamente o dia em que findou a discussão de prova na audiência de julgamento.

«41. Durante 3 meses (!!!) o Ministério Publico (leia-se, equipa especial de investigação) "escondeu" a aludida acusação do tribunal a quo e arguidos, pois, nesse libelo acusatório surgem os aqui ofendidos como arguidos, perpetrando crimes de inusitada gravidade, alguns deles sobre cidadãos que foram arguidos nestes autos.

«42. Mais, alguns dos factos descritos na acusação proferida no inquérito nº 61/08.4 JAPRT interferem directamente com aqueloutros constantes destes autos, e, se conhecidos como deviam, em muito contribuiriam para aquilatar da idoneidade, credibilidade e neutralidade psíquica dos ofendidos. De entre estes factos, ressaltam os vertidos sob os ns. 1, 2, 3, 4 e 5 (cfr. cópia da acusação pública junta a final), caracterizando-se tal grupo "pela atemorização de todos aqueles que estivessem contra esses interesses, utilizando com facilidade, e por vezes gratuitamente, violência física com terceiros...", sic.

«43. O conhecimento do teor da acusação proferida no inquérito autonomizado era importantíssimo para a defesa e para o julgador, e, tanto assim era, que o Ministério Público fez questão de escondê-la até ao limite, limite este que é o encerramento da discussão da prova neste processo, tendo a supina ironia de ordenar a notificação do libelo acusatório no dia em findou a produção de prova, 21/12/2009!

«44. A postura do Ministério Público só tornou possível o seu conhecimento após o encerramento da audiência de julgamento nestes autos.

«45. O comportamento evidenciado pelo Ministério Público evidencia a postergação do principio da Lealdade Processual, e, enquanto principio estruturante do processo penal, tem como consequência a eclosão de vício grave e sindicável pelo tribunal ad quem, pois, a violação de princípios constitucionais como é o caso, não se compadece com o regime de nulidade, irregularidade, ou proibição de prova.

«46. As consequências da violação do Princípio da Lealdade impelem a consideração [de] alguns vícios maiores, como sejam a proibição de valoração de prova dos depoimentos prestados pelos ofendidos e demais prova conexa (artg. 32º. nº 8 da CRP), mas, a violação do princípio em si tem consequências directas no respeito pelo Estado de Direito e dignidade da pessoa humana que o Ministério Público tinha a obrigação de respeitar (artg. 219º da CRP).

«47. Adoptando comportamento voluntário, consciente, censurável e violador do Princípio da Lealdade, impeliu o ministério público a que o julgador adoptasse decisão sem total e cabal conhecimento dos factos, e, o arguido a que não exercitasse a sua defesa de forma ampla e abrangente, violando os artgs. 1º, 2º, 32º., 219º. da CRP, 53º., 339º. nº 4 do CPP e 1º e 3º do Estatuto do Ministério Público, devendo ser declarado tal vício, e, com conformidade, deverá ser admitida a junção de cópia da acusação respeitante ao inquérito nº 61/08.4 JAPRT e, desta forma, devolvido o processado ao tribunal ad quem para que, reaberta a audiência de julgamento, seja apreciada e contraditada tal prova documental.

«Da Impugnação do Acórdão Recorrido; Sua Nulidade

«48. O acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade por eclosão de diferentes vícios e relativos a situações individualizadas temporal e espacialmente.

«Factos de 3 de Maio de 2007 (ofendido: EE) Nulidade do Acórdão por Omissão de Pronúncia - Provas Proibidas e sua Valoração

«49. O arguido exercitou o seu direito ao recurso aduzindo diferentes argumentos em prol da sua inocência, para além de ilegalidades probatórias constantes da fundamentação do acórdão de que então se recorria.

«50. Como consta do texto da presente decisão sob recurso, em sede de conclusões, o arguido sobre esta situação delituosa imputada e pela qual veio a ser condenado, invocou um conjunto de ilegalidades probatórias (cfr. conclusões de recurso 33 a 43, transcritas no aresto recorrido a fls. 10641 e ss).

«51. Nenhuma das questões submetidas à apreciação do tribunal a quo mereceu decisão, pelo que, sem necessidade de outros considerandos, se acha ferido de nulidade o acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre as questões em concreto colocadas pela defesa (valia probatória do reconhecimento fotográfico em violação do artg. 147º. do CPP; valoração probatória da denúncia criminal em violação do artg. 355º. nº 1 e 2 a contrario sensu e 356º. nº 1 al. b) a contrario sensu do CPP; valoração probatória das declarações do ofendido em violação do artg. 129º. e 355º. do CPP), em afronta directa ao estatuído no artg. 379º. nº 1 al. c) do CPP e 425º. do mesmo diploma legal,

«52. O que se requer seja declarado com as consequências legais, in casu, remessa dos autos ao tribunal a quo para prolação de decisão de mérito sobre questões direito que lhe foram colocadas em devido tempo.

«Nulidade do Acórdão Por Omissão de Pronúncia – Insuficiência dos Factos Provados Para a Decisão de Direito

«53. O arguido invocou, tal como consta do texto da decisão recorrida a fls. 10645 (conclusões de recurso apresentadas ns. 44 a 47), a nulidade do acórdão proferido em 1.ª instância por insuficiência de factos provados para a decisão de direito proferida.

«54. Tais argumentos constam, como se referiu, da fundamentação e conclusões apresentadas em sede de recurso, sem que o tribunal a quo proferisse decisão de mérito sobre a matéria em questão.

«55. O vício assinalado era, e é, do conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso estando em causa a ilegalidade constante do artg. 410º. nº 2 al. a) do CPP, acrescendo, pois, ao tribunal a quo um dever de apreciação e fundamentação.

«56. Ousamos transcrever as conclusões aduzidas no recurso interposto junto do Tribunal da Relação:

"44. Os factos provados sob os ns. 5 a 15 impeliram a condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa corporal qualificada, p. e p. pelos artgs. 143º. nº 1, 146º. ns. 1 e 2 e 132º. ns. 1 e 2 al g) do CP na pena de 1 ano de prisão (não esquecendo a condenação pela detenção de arma proibida punida com 6 meses de prisão que se referirá aquando da discordância quanto à dosimetria das penas parcelares e única cominadas).

“45. O enquadramento jurídico seguiu a esteira vertida em sede de motivação da matéria de facto provada, aí se referindo um pretenso desentendimento entre o ofendido e outras pessoas, no bowling do Arrábida Shopping, e, que seria este o leitmotiv da actuação do arguido.

“46. Lido e relido o acórdão recorrido, vistoriados os factos provados, em momento algum se alvitra este facto de que o tribunal a quo lança mão para qualificar a conduta do recorrente, ou seja, a constelação dos factos provados não alberga o sustentáculo de facto indicado pelo julgador e que impeliu a qualificação da conduta do arguido.

“47. Neste conspecto, evidencia-se a insuficiência para a decisão (de direito) da matéria de facto provada, sendo nulo o acórdão recorrido por força do disposto nos artgs. 374º. nº 1 e 379º. nº 1 al. a) do CPP, constando tal insuficiência do texto do aresto recorrido, e, como tal sindicável pelo tribunal ad quem por força do estatuído no artg. 410º. nº 2 al. a) do CPP. ".

«57. Como se respiga do acórdão recorrido, maxime, fls. 10801 a 10803, omitiu o tribunal a quo a prolação de decisão sobre a invocada insuficiência de factos provados para a decisão de direito, fulmiN... o aresto recorrido com a nulidade prevista no artg. 379º. nº 1 al. c) do CPP e 410º. nº 3 ex vi artg. 425º, do CPP, o que se requer seja declarado com as legais consequências, in casu, a remessa dos autos para reformulação do acórdão recorrido de acordo com o juízo de nulidade invocado.

«58. A rejeição da nulidade ora invocada, o que se admite mas não se aceita, implica a prolação de decisão pelo tribunal ad quem sobre a matéria em apreço, pois, valendo a argumentação expendida e transcrita, em causa está vício de conhecimento oficioso que consta do texto da decisão recorrida (artg. 410º. nº 2 al. a) do CPP).

«Contradição Insanável da Fundamentação – artg. 410º. nº 2 al. b) do CPP

«59. O tribunal a quo, concomitantemente com a omissão de pronúncia sobre questões concretamente colocadas pela defesa em sede de recurso, sustenta em sede de fundamentação a razoabilidade do não reconhecimento pessoal do arguido pelo ofendido (admitindo que após a audição do depoimento do ofendido este havia hesitado na identificação do arguido) com base em argumentos contraditórios entre si.

«60. Do aresto recorrido a fls. 10802 resulta que o não reconhecimento do arguido (realce-se que sem cumprimento de qualquer formalismo exigido pelo artg. 147º. do CPP) tem razões próprias que lhe subjazem, ou seja, a proximidade entre agressor e agredido; a situação de inferioridade posicional, seja por se encontrar mais baixo, seja por se achar preso pelo cinto de segurança; a coloração da pele, mais moreno aquando da prática dos factos por se achar o arguido em liberdade e estar a correr o mês de Maio em detrimento da palidez da pele após o período de reclusão e estar a correr o mês de Setembro caucionam o não reconhecimento do arguido em audiência e, por via dessa realidade, acha-se justificada a decisão de 1.ª instância.

«61. Uma coisa seria certa, no entendimento do tribunal a quo, o arguido não seria pessoa das "relações pessoais do ofendido" por carência de conhecimento da fisionomia em situação de "aperto".

«62. Não cuidou o tribunal a quo de demonstrar (nem o poderia por ser matéria de facto a produzir em 1.ª instância e não em sede de recurso) qual a coloração da pele do arguido em Maio de 2007 e Setembro de 2009; tal facto não (se) tem guarida nos factos provados e, por isso mesmo, trata-se de presunção destituída de qualquer fundamento fáctico; mais, não demonstrou o tribunal qual o tempo que se fazia sentir em Maio de 2007 e em Setembro de 2009, se chuvosos, se soalheiros, se frios, se quentes, de forma a alcançar a razoabilidade da tese defendida.

«63. Sem isso, caiu o tribunal a quo em conjecturas explicativas sem suporte fáctico, incorrendo em claro vício de erro notório na apreciação da prova (artg. 410º. nº 2 al. c) do CPP).

«64. Retomando a invocação de contradição na fundamentação, e, recordando a carência de reconhecimento do arguido (sempre em violação do artg. 147º. do CPP) por ser desconhecido do ofendido (tese do tribunal a quo), surpreende-se no aresto recorrido a negação da tese até aqui exposta; ainda a fls. 10802 e 10803, respiga-se do aresto sob recurso que, se por um lado, o reconhecimento do arguido é inviável pela posição de superioridade face ao ofendido e coloração da pele (ou seja, o ofendido teria visualizado ao tempo dos factos o arguido mas com tonalidade de pele diferente), por outro, não é aceitável o depoimento desse mesmo ofendido quando diz que conhece os funcionários que trabalham para o ofendido e não reconheça o seu líder (!!!).

«65. Por desnecessidade de argumentação adicional, dada a evidência da contradição fundamentadora do aresto recorrido, será de reapreciar a matéria de facto ao caso cabível (artg. 410º. nº 2 al. b) do CPP), e, em consequência ser reformado a decisão recorrida absolvendo o arguido da prática do crime pelo qual se acha condenado.

«Não preenchimento do tipo legal previsto nos artgs. 132°. n° 2 ai. g) ex vi artg. 146°. n° 2 do CP: crime cometido com mais duas pessoas e uso de meio particularmente perigoso. Reexame de Matéria de Direito

«66. Pese embora a argumentação expendida pelo arguido em prol não preenchimento do tipo legal qualificado do crime de ofensa à integridade física, decidiu o tribunal a quo pela manutenção do decidido em 1.ª instância.

«67. A apreciação de direito e consequente decisão acham-se erradamente julgadas, e, ademais, sustenta a defesa existir excesso de pronúncia sobre a questão em apreço pelo tribunal a quo enquadrável no disposto no artg. 379º. nº 1 al. c) do CPP.

«68. Consta do texto do aresto recorrido a fls. 10816 a fundamentação da decisão de direito emanada pelo tribunal de julgamento em 1.ª instância.

«69. Na ocasião, e fundamentando a decisão condenatória proferida, inscreveu o tribunal de 1.ª instância que as "...ofensas corporais que o arguido causou na pessoa do ofendido EE, foram praticadas em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, desde logo e antes de mais porque executadas por meio de disparo com arma de fogo mas também porque o motivo subjacente à sua prática o evidencia...aborda-o juntamente com outro um individuo... o que faz diminuir a possibilidade de reacção do ofendido e, como acima se disse, ainda utiliza para cometer a agressão um meio particularmente perigoso, com o é uma arma de fogo. Todas estas circunstâncias, concreta e conjuntamente apreciadas, permitem-nos concluir que as ofensas foram cometidas de forma especialmente censurável e reveladoras de uma especial perversidade no comportamento adoptado pelo arguido, razão pela [qual], nos encontramos caídos na previsão do artigo 146º. nº 1 e 2, 132º. n.º 2 al g) todos do CP...".

«70. Lida a fundamentação do acórdão de 1.ª instância uma evidência ressalta à saciedade: o regime aberto que a técnica legislativa consente no preenchimento do tipo qualificado, por meio de exemplos padrão, requer um juízo de especial censurabilidade ou perversidade do agente. É pacifica, pois, a assunção de responsabilidade jurídico-penal do agente desde que preenchida a descrição típica, com ou sem uso dos exemplos padrão.

«71. Mas, se é verdade que os exemplos padrão não se esgotam naqueles que se acham elencados, não menos verdade é que o tribunal de 1.ª instância sentenciou, condeN..., o arguido pelo tipo qualificado por preenchimento de dois desses exemplos e que, ainda em 1.ª instância, concreta e conjuntamente apreciados, integraram o comportamento ilícito inscrito na norma tipo.

«72. É objectiva, porque constante do texto da decisão proferida em 1.ª instância e no aresto recorrido, que a censurabilidade do comportamento e a especial perversidade do arguido foram atribuídas à prática de dois exemplos padrão, "praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso... " .

«73. O objecto da decisão alvo de recurso pelo arguido, em 1.ª instância, incidiu sobre este(s) núcleo fundamental e fundamentador da qualificação do tipo legal de crime em causa.

«74. A defesa expendeu, conclusivamente, que,

“48. São três os fundamentos de Direito que presidiram à qualificação da conduta do recorrente, tendo-a por especialmente censurável e reveladora de perversidade: em primeiro lugar, a perpetração do crime por retaliação face a desentendimento havido entre o ofendido e outras pessoas, no bowling do Arrábida Shopping, pessoas estas que trabalhariam para o arguido; em segundo lugar, o cometimento do ilícito com mais outra pessoa em muito dificultaria a defesa do ofendido face à agressão que sobre impendia, e, em terceiro lugar, o uso de arma de fogo impele a agravativa por uso de meio particularmente perigoso. Tudo isto, por recurso ao exemplo padrão constante do artg. 146º. nº 1 e 2 ex vi artg. 132º. ns. 1 e 2 al. g) do CP.

“49. Se o leitmotiv que terá presidido à retaliação se não acha provado, como se expendeu, cumprirá deduzir duas breves notas quanto às duas outras circunstâncias fundamentadoras da agravação criminosa.

“50. Alvitra o tribunal a quo que a perpetração do crime com outra pessoa (que se não identificou) em muito dificultaria a defesa do ofendido o que, de acordo com a motivação expendida no aresto recorrido, seria passível de enquadramento no exemplo padrão constante da al. g) do nº 2 do artg. 132º. do CP por força da remissão operada pelo artg.- 146º. do mesmo diploma legal;

“51. Evidencia-se, à saciedade, o manifesto lapso de Direito cometido pelo tribunal a quo, pois, como resulta do tipo legal agravativo, apenas se(rá) terá por preenchido este exemplo padrão se o facto for praticado com mais duas pessoas (seriam três, portanto), o que in casu, não sucedeu.

“52. Sustenta o julgador ser de qualificar a conduta do arguido pelo tipo legal enunciado por haver utilizado meio particularmente perigoso, um arma de fogo, achando-se preenchida a descrição do tipo legal.

“53. Contudo, e, ousando transcrever a Doutrina vertida pelo Prof Figueiredo Dias no Comentário Conimbricense do Código Penal, a propósito da anotação ao artg. 132º. nº 2 al. g), pag. 37, "...exigindo a lei que aqueles sejam particularmente perigosos, há que concluir...: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes)... "(3).

“54. A utilização de arma de fogo, como vem descrita na decisão recorrida, não constitui um meio particularmente perigoso na perpetração criminosa, tratando-se outrossim, de uso de instrumento perigoso, sem dúvida, mas que não logra preencher o tipo "particularmente" perigoso; inexiste um reforço na perigosidade própria que subjaz à utilização de arma de fogo, tendo ela própria, invariavelmente, como desiderato a produção de ofensa a bem jurídicos como sejam a vida a integridade física.

«55. Em conclusão, não se acha preenchido o tipo legal qualificado de ofensa à integridade física pelo qual o arguido se achou condenado em pena de 1 ano de prisão, inexistindo matéria de facto provada que sustenta a motivação de facto e o enquadramento jurídico operado pelo tribunal a quo, bem como não se acha preenchida descrição típica de perpetração criminosa com, pelo menos, mais duas pessoas e uso de meio particularmente perigoso, impondo-se, pois, a absolvição do arguido neste segmento condenatório.

“56. Em consequência da decisão absolutória peticionada, será de convolar o crime para o tipo legal "base" de ofensa à integridade física p. e p. pelo artg. 143º. do CP, sendo de reenviar o processo ao tribunal a quo para determinação da pena a aplicar.

«75. E apenas sobre isto deveria o tribunal a quo ter proferido a sua decisão, ou seja, a especial censurabilidade e perversidade do arguido por preenchimento das qualificativas enunciadas pelo julgador de 1.ª instância.

«76. Contudo, o tribunal a quo no aresto recorrido omitiu, por um lado, qualquer decisão sobre o mérito do recurso apresentado pela defesa neste concreto ponto, e, por outro lado, tomou posição extra petitum relativamente ao objecto da decisão sindicada, aclarando-a em detrimento das agravantes que se surpreendem em 1.ª instância.

«77. Neste segmento argumentativo, acha-se o acórdão recorrido ferido de nulidade por pronúncia sobre questão de que não poderia tomar conhecimento e, ainda em causalidade, omissão de pronúncia sobre questão de que devia ter tomado conhecimento (artg. 379º. nº 1 al. c) do CPP ex vi artg. 425º. do CPP), nulidade esta que se requer seja declarada com as legais consequências, in casu, a reformulação do acórdão recorrido mediante a tomada de decisão de mérito sobre o não preenchimento das agravativas que demandaram a condenação do arguido em 1.ª instância. Subsidiariamente, e por mera cautela de patrocínio se alega,

«78. Sempre será de reclamar o reexame da decisão de direito proferida pelo tribunal a quo quanto ao preenchimento do tipo qualificado em causa, louvando-se a defesa no mérito da argumentação expendida supra que se tem por reproduzida nos seus precisos termos e cuja conclusão expressamente se reclama.

«Nulidade do Acórdão Recorrido – Omissão de Pronúncia - Proibição de Prova

«79. Invocou o arguido em sede de recurso, e, como questão prévia à motivação referente aos factos tidos provados ocorridos em 28/11/2009 e 29/11/2009 - ilegalidade probatória que se invocava e aproveitava a ambas as situações, sendo-lhe transversal sem que se vislumbre no aresto recorrido qualquer decisão de mérito sobre tais questões.

«80. Invocou o arguido, tal como consta das conclusões transcritas e constantes do acórdão recorrido a fls. 10647 a 10650, ilegalidade probatória (sua validade e aquisição) e cuja declaração expressamente peticionou:

"...1. As escutas telefónicas que se acham juntas ao processo foram ordenadas e determinadas para investigar e recolher prova do homicídio consumado de MM e homicídio tentado de NN (originário inquérito que determinou a apensação dos demais).

Na sequência dessa interferência nas telecomunicações de arguidos e suspeitos, foram sucessivamente seleccionadas e transcritas conversações mantidas e mensagens trocadas entre eles(4)

É patente, pois, que a autorização concedida para as intercepções telefónicas respeita(va) apenas ao processo de inquérito em curso e que investiga(va) o homicídio de MM.

Nesta senda, e sendo cristalina tal evidência, aquando da perpetração dos factos ocorridos em 28/11/2009 (episódio do túnel da Ribeira) e 29/11/2009 (episódio de Miragaia), as intercepções telefónicas em curso lograram obter conteúdo que se percutiu como relevante para as situações em causa mas que, face aos mandamentos legais, se inscrevem nos designados "conhecimentos fortuitos". Efectivamente, os dados comunicacionais recolhidos, ao tempo em que o foram, não se achavam legitimados por ordem judicial, pois, como se disse, a autorização concedida não visava (nem podia) tais factos subsequentes.

E tanto assim é que, em 6/12/2007, fls. 727, vol. IV é ordenada a apensação dos inquéritos que haviam sido abertos para investigação dos crimes neles denunciados, e, neste mesmo despacho, o Ministério Público requer a prorrogação das intercepções telefónicas extensivas a todos estes factos, sendo proferido despacho judicial concordante a fls. 732 do mesmo volume.

Neste conspecto, qui iuris quanto aos "conhecimentos fortuitos" obtidos quanto aos factos não abrangidos pela legitimação de intercepção telefónica?

A lei processual penal, com a alteração operada pela Lei 48/2007, de 29/08, tomou posição sobre a questão debatida pela Doutrina (Prof. Costa Andrade, Francisco Aguilar, Prof. Germano Marques da Silva, Conselheiro Benjamim Rodrigues, Prof Paulo Pinto de Albuquerque, entre outros) e inscreveu a orientação de que tais conhecimentos serão admissíveis se for interceptada pessoa constante do nº 4 do artg. 187 e na medida em que for indispensável aprova de crime previsto no nº 1 do mesmo normativo (catálogo fechado de crimes susceptíveis de consentirem a intrusão nas comunicações).

Se o primeiro dos requisitos não oferece grandes dúvidas, já a indispensabilidade exigida pelo segundo merece detenção.

As escutas telefónicas, enquanto meio de obtenção de prova representam uma das formas mais agressivas de ingerência do Estado no domínio dos direitos fundamentais dos cidadãos tendo em vista a recolha de prova, pelo que não hesitou o legislador em considerar admissível a intrusão comunicacional quando a recolha de prova se revelar indispensável; afirma-se, pois, o carácter excepcional e de ultima ratio, que preside a este meio de obtenção de prova.

Reforçando a ideia exposta, será de atentar que, neste meio de obtenção de prova vigora o princípio da subsidiariedade, decorrendo deste princípio a ideia mestra de que só será admissível a intercepção e gravação telefónica quando nenhum outro meio de obtenção de prova se apresenta como capaz de satisfazer as necessidades de investigação. Demonstrando-se impossível ou de obtenção extremamente dificultada a descoberta e demonstração da factologia ilícita a investigar, será então admissível o recurso à escuta telefónica.

A violação dos ditames exigidos pelos artgs. 187º., 188º. e 189º. do C.P.P. demandam a nulidade do respectivo meio de prova, tal como se colhe do artg. 190º. do mesmo diploma legal:

"Os requisitos e condições referidos nos artigos 187º. e 188º. e 189º. são estabelecidos sob pena de nulidade".

Impõe a legislação constitucional, e, processual penal que o meio de prova assim obtido não poderá ser valorado no processo, constituindo prova proibida.

Atente-se [n]o artg. 32º. nº 8:

São nulas todas as provas obtidas mediante... abusiva intromissão na vida privada...ou nas telecomunicações.

Em estreita conexão com o dispositivo constitucional vindo de transcrever está o artg. 126º nº 3 do C.P.P.:

"Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada...nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular ".

A postergação das formalidades exigidas para a realização de escutas telefónicas determina a sua nulidade (5), acarretando a sua declaração a presença no processo de prova obtida de forma proibida, e, insusceptível de ser tida em consideração pelo tribunal.

Vale isto por dizer que, nos presentes autos, inexiste a declaração de indispensabilidade de tal meio de obtenção de prova quanto aos conhecimentos fortuitos obtidos pelo que, será de ter por prova de valoração proibida as aludidas intercepções telefónicas quanto aos factos ocorridos em 28/11/2009 e 29/11/2009, em cumprimento do disposto nos artgs. 118º., nº 3, 126º. nº3, 187º., 190º.do CPP e 32º. nº 8 da CRP.

2. Em 6/12/2009, fls. 727, volume IV, foi proferido despacho que determinou a apensação dos inquéritos que tivessem conexão com a onda de violência que eclodia na noite portuense.

Nesta sequência foi criada a equipa especial de investigação concentrada dos factos que enformavam tal violência; o despacho em alusão, proferido pelo Senhor Procurador Geral da República em 12/12/2007, junto a fls. 1521 e ss., refere precisamente a direcção e concentração da investigação dos factos ocorridos na noite portuense, sendo que a titular da investigação concentrada, Srª Procuradora da República, Dra H...F..., fez consignar isso mesmo a fls. 1524. Ou seja, desde o despacho proferido pelo Sr. Procurador da República todos os factos de violência na noite portuense se acham em conexão, seja objectiva ou subjectiva, e, como tal na dependência da equipa especial de investigação, alvitrando decisivamente tal asserção conexional a Srª Procuradora da República a fls. 1524.

Contudo, por razões que a defesa desconhece, o inquérito que impeliu a dedução da acusação e cuja cópia se junta no presente recurso, inquérito n° 61/08.4 JAPRT, não logrou ser apensado a estes autos, sendo patente a conexão subjectiva aí existente.

Não determinou a apensação, mas tem repercussões processuais não despiciendas nestes autos, como já evidenciamos supra, e, que ora se cristalizam; é que, nessa mesma acusação, de forma a não dar margem para dúvidas, existe a quesitação de factos intimamente conexionados com estes autos e com o despacho do Sr. Procurador Geral da República e despacho de fls. 1524 da titular do inquérito, que transcrevemos:

"1. GG, PP, mais conhecido por "M...", FF, HH, todos irmãos entre si, e II, conhecido por "Santinho ", para além de outros, constituem o "núcleo duro" de um grupo de indivíduos, conhecido no Porto como "Grupo de Miragaia" ou "Grupo dos Pretos", sendo que alguns destes indivíduos residiam na zona de Miragaia, no Porto, e outros de onde eram originários.

2. Para além de tais indivíduos se dedicarem à prestação de serviços de segurança privada em estabelecimentos de diversão nocturna, todos eles partilhavam interesses comuns, sendo que, quando necessário, uniam-se e agiam em conjugação de esforços na defesa de qualquer um dos seus membros.

3. Tal grupo caracterizava-se ainda pela atemorização de todos que estivessem contra esses interesses, utilizando com facilidade, e por vezes gratuitamente, violência física para com terceiros.

4. O mesmo método era utilizado pelos membros de tal grupo para a disputa pelo domínio dos serviços de segurança privada a estabelecimentos de diversão nocturna ou a indivíduos, quer relativamente aos grupos rivais que prosseguiam o mesmo objectivo.

5. Pelo menos desde o verão de 2007, começaram a existir conflitos entre elementos deste grupo e elementos do "Grupo da Ribeira", liderado por AA, também conhecido por "P...". "

Evidenciada a conexão factual, há que retirar as ilações processuais ao caso cabidas e que se acham previstas no artg. 133º do CPP que prescreve sobre a epigrafe "Impedimentos ", prescreve:

"1 – Estão impedidos de depor como testemunhas:

b) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;

2 – Em caso de separação de processos, os arguidos de um [me]smo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada e julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem. "

Os ofendidos FF, HH e II foram arrolados como testemunhas nestes mesmos autos(6) , sendo arguidos em processo conexo, e, por força do estatuído no artg. 133º. nº 1 al. a) achavam-se impedidos de depor como testemunhas nestes autos; acrescenta o nº 2 do mesmo normativo que em caso de separação de processos – como será o caso, cremos, pois tal acusação e processo foram escondidos até terminar esta audiência – o depoimento será atendível se nisso expressamente consentirem os arguidos declarantes.

Respiga-se das actas de audiência de julgamento que a testemunha FF, HH e II foram ouvidas enquanto tal (em concomitância com a sua qualidade de demandantes, irrelevante para o caso) e não consentiram expressamente na sua inquirição enquanto tal.

Desta sorte, os depoimentos prestados em audiência são prova proibida e como tal imprestáveis para fundar a convicção do tribunal, nos termos do artg. 118º. e 133º. ns. 1 al. a) e nº 2 do CPP, ferindo de nulidade o acórdão recorrido por violação do disposto no artg. 379º. nº 3 do CPP, o que se requer seja declarado(7).

«81. Lido e relido o acórdão recorrido, não se colhe qualquer juízo decisório sobre as ilegalidades probatórias expressamente invocadas e que, uma vez declaradas, afectariam a substância fundamentadora do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância por contender directamente com meios de prova que caucionaram a decisão.

«82. Neste conspecto, e por ser matéria expressamente invocada e sobre a qual o tribunal a quo teria obrigatoriamente de se pronunciar, acha-se o aresto recorrido ferido de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artg. 379º. nº 1 al. c), 410º. nº 3 ex vi artg. 425º. do CPP, que se requer seja declarada com a legal consequência qual seja a remessa dos autos ao tribunal a quo para prolação de decisão de mérito sobre as ilegalidades de prova invocadas pela defesa.

«83. Se assim não for entendido, o que se admite mas não concede, reclama a defesa o reexame da matéria de direito quanto à questão de proibição de prova que elencou e cuja fundamentação se transcreveu, devendo ser prolatado pelo tribunal ad quem acórdão que reconheça as ilegalidades invocadas com as legais consequências.

«Factos ocorridos em 28 de Novembro de 2007 (ofendido: FF) -Violação do Principio in Dubio Pro Reo

«84. Na senda do decidido em 1.ª instância relativamente à prática pelo arguido recorrente de um crime de coacção sobre o ofendido FF, consta do aresto recorrido a fundamentação do acórdão então sob recurso - fls. 10816 e 10817.

«85. Com relevância manifesta para a questão que nos acólita, ou seja, a existência justificativa de comportamento excludente da ilicitude, transcreve-se o quanto segue:

"...Efectivamente, já anteriormente FF e AA se tinham pegado de razões e envolvido em confronto físico. Em confronto corpo-a-corpo, o FF tinha levado a melhor sobre o AA. Poderia o arguido AA ter pensado que uma vez mais iria [ser] agredido e ser essa a única forma de "travar" o FF?...

Caso algo mais se tivesse apurado poderia ter de se ponderar se estávamos perante a situação consagrada no nº 3, alínea b) do referido artigo que diz que o facto não será punível se visar impedir a prática de um facto ilícito típico — o que poderia eventualmente suceder se se tivesse provado que era intenção do FF, ao sair do carro e ao dirigir-se ao arguido B...P..., envolver-se com ele em confronto físico ...

«86. O tribunal a quo, face à invocação do principio in dubio pro reo invocado pela defesa e aplicável ao caso de ocorrência (ainda que indiciada) de causa excludente da ilicitude, manteve a decisão de 1.ª instância, condeN... o arguido nos seus precisos termos.

«87. Sinteticamente, em desabono da aplicação do aludido princípio, sustenta o tribunal recorrido que "...É neste contexto que se dá o confronto físico entre o FF e o B...P... e o FF acabou por agarrar o AA pelo pescoço e pernas suspendendo-o no ar, projectou-o por cima do gradeamento que separa a Rua ... da Rua ... e que tem um desnível superior a 4 metros...

Assim, a situação concreta ocorrida à entrada da Rua ... não pode, deforma alguma, subsumir-se no disposto no artg. 154º. nº 3 al. b) do C. Penal, nem integrar os conceitos de legítima defesa ou direito de necessidade, previstos nos artigos 32.º e 34.º, ambos do C. Penal, já que, o FF, apesar dos factos anteriormente ocorridos não pode considerar-se, naquela situação concreta, como um perigo actual e eminente para os arguidos.

Improcede, pois, também este fundamento de recurso... "

«88. Com a decisão tomada não se conforma o arguido, crendo mesmo que os argumentos expendidos pelo tribunal a quo acrescentam o acerto da tese recursiva do arguido.

«89. Mal se compreende que o tribunal a quo tome posição sobre questão de facto que demonstra precisamente o inverso da ilação extraída: se o FF havia sovado o arguido, independentemente de quem foi responsável pela contenda, mal se compreende que se afirme que volvidos uns dias ou meses, esse mesmo individuo (ofendido) sai inopinadamente de um carro e se dirija ao arguido sem que represente um perigo actual e eminente para a integridade física deste, ainda que esta possibilidade se venha a revelar putativa.

90. Reafirmando a valia da argumentação expendida, dir-se-á que o tribunal a quo, ao proceder ao enquadramento jurídico dos factos provados admite, sem margem para dúvidas, que o comportamento do arguido seria subsumível no disposto no artg. 155º. nº 3 al. b) do CP se algo mais tivesse apurado, ou seja, poderia o comportamento criminoso ser excluído por causa de justificação o que, ainda no aresto recorrido, se acha indiciado por haver confronto físico entre arguido e ofendido, e, este ter positivamente arremessado aquele de cima de um muro com alguns metros de altura (texto da decisão recorrida por transcrição do acórdão de 1.ª instância).

«91. O enquadramento jurídico operado e a motivação aí oferecida chama à colação o principio in dubio pro reo (decorrência do principio da presunção de inocência - artg. 32º. da CRP), porquanto, a actividade judicatória reconhece peremptoriamente que dúvidas ficaram sobre a ocorrência de causa justificativa do comportamento, tanto mais que este se achava indiciado por factos anteriores, e a prova de algo mais poderia determinar a exclusão da ilicitude.

«92. O principio in dubio pro reo é concebido como "...o correlato processual do principio da culpa...pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como o dolo e a negligência A insuficiência da prova — que equivale à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência de determinado facto — deve seguir-se um Ersatz do non liquet: dá-se como não provado o facto desfavorável ao arguido, por outras palavras: é indicado ao juiz que valore a favor do acusado a «prova dúbia»"(8)

«93. O princípio enunciado é aplicável a dúvida sobre ocorrência, ou não, de factos relevantes para a decisão e não para a qualificação (sentido não técnico) jurídica de determinado comportamento. Ainda, nas palavras do Prof. Figueiredo Días, ao 'facto sujeito a julgamento aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude...de exclusão da culpa...de exclusão da pena... Em todos estes casos a persistência da dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido, e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" (9) , donde se pode extrair conclusão segura de que a dúvida razoável que ocorra sobre a eclosão, ou não, de factos indiciadores de causa justificativa impelem a aplicação do principio in dubio pro reo como decorrência do principio da presunção de inocência previsto no nº (sic) 32º. da CRP.

«94. No caso em apreço, o tribunal a quo obnubilou a aplicação do normativo e principio enunciado, violando o disposto no artg. 32º. da CRP e 155º. nº 3 al b) do CP, sendo que a violação assinalado encontra sindicabilidade recursiva no artg. 410º. nº 2 al. c) do CPP, porquanto a não aplicação do principio in dubio pro reo constitui erro notório na apreciação da prova (10)

e tal erro de apreciação consta do texto da decisão recorrida.

«95. Nos termos expostos, requer seja declarado o vício assinalado, e, em consequência, seja o arguido absolvido da prática do crime de coacção p. e p. pelo artg. 155º. nº 1 do CP pelo qual veio a ser condenado.

«Factos ocorridos em 29 de Novembro de 2007 (ofendidos: GG (homicídio qualificado consumado), FF, HH, LL, II e JJ (homicídio qualificado tentado) Prejudicialidade do Recurso Quanto à Vertente Fáctica

«96. Os factos tidos por provados e não provados acham-se feridos de ilegalidade probatória nos exactos termos propostos e submetidos à apreciação do tribunal ad quem.

«97. Neste conspecto, e achando-se o recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça restrito a matéria de direito, salvo a eclosão de vícios passíveis de inscrição no artg. 410º. nº 2 do CPP, a questão a apreciar será necessária e decisivamente a invocada pela defesa quanto à eclosão de prova proibida e cuja omissão de pronúncia se assacou ao aresto recorrido.

«Homicídios Tentados e Dolo Eventual - Sua Compatibilidade e Omissão de Pronuncia

«98. O arguido exercitou o seu direito ao recurso invocando dois fundamentos distintos: por um lado impunha-se a absolvição do arguido pela prática de quatro crimes de homicídio qualificado na forma tentada (e não cinco como na ocasião invocou, excluindo, pois, o ofendido FF) por ser insuficiência de prova (conclusões de recurso de fls. 10657 e 10658) e, por outro, incompatibilidade jurídica entre tentativa e dolo eventual.

99. O tribunal a quo omitiu a pronúncia sobre o primeiro dos temas propostos a debate – insuficiência de prova para a conclusão de direito – e, assim sendo, encontra-se o acórdão recorrido ferido de nulidade prevista no artg. 379º. nº 1 al. c), 410º. nº 3 ex vi artg 425º. do CPP, o que se requer seja declarado com as legais consequências.

«Errada Subsunção Jurídica dos Factos Provados ao Direito

«100. Se assim se não entender, o que se admite mas não concede, impõe-se o reexame da questão de direito suscitada junto do tribunal a quo.

«101. O enquadramento jurídico dos factos provados impeliu a condenação do arguido pelo cometimento, em co-autoria, de cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada (tantos quantos os ofendidos, exceptuado a vitima mortal, GG) p. p. pelos artgs. 22º., 23º., 73º., 131º., 132º. nsº 1 e 2 als. h), i) e j) do CP.

«102. O tribunal a quo fundamentou a sua convicção de forma a materializar o dolo eventual de forma insuficiente; respiga-se do acórdão recorrido que "Ao verem as demais pessoas que estavam com eles, os arguidos admitiram que ao efectuarem disparos pela forma como o fizeram, pudessem também atingir os corpos de JJ, HH, II e LL e matá-los, conformando-se e aceitando a possibilidade das mortes se verificarem" sendo esta asserção sustentada pelos factos provados sob os ns. 122 e 123.

«103. O facto provado nº 122 descreve a direcção dos disparos, efectuados de forma direccionada para o ofendido FF e para a vítima mortal GG, sendo que quantos aos demais ofendidos ali presentes se limita (facto provado 123.) a extrair conclusão de direito elevado à categoria de matéria de facto.

«104. O tribunal a quo, sem matéria de facto a suportar, extrai conclusão de direito, qual seja, a hipotezição de conformação do acto perpetrado com o resultado morte.

«105. Se, por um lado se tem por provado que os disparos foram intencionalmente direccionados para FF e GGG, por outro admite-se que estes poderiam atingir todos os outros ofendidos o que de per si permite alvitrar contradição de julgados entre estes factos provados.

«106. Ademais, o crime de homicídio, simples ou qualificado, é um crime material ou de resultado pelo que a consideração do tribunal a quo da existência de dolo eventual da forma como o fez inculca a transformação do crime de homicídio em crime de perigo, antecipando a tutela do bem jurídico para limites irrazoáveis: os disparos, ainda que perfeitamente direccionados, poderiam matar os ofendidos que ali se encontravam e todos os que passassem na rua!!!

«107. Nos termos expostos será de absolver o arguido dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, por ser insuficiente para a decisão de direito da matéria de facto provada, e, concomitantemente, ser incorrecta a interpretação dos artgs. 131º. e 132º. do CP com o estatuído no artg,. 22º. do mesmo diploma legal.

«Compatibilização entre Tentativa e Dolo Eventual

«108. O tribunal a quo acantonou a questão supra referida na compatibilização entre dolo eventual e tentativa quando, como se evidenciou e consta das conclusões de recurso, duas eram as matérias a analisar: insuficiência de factos para a decisão de direito e compatibilidade entre tentativa e dolo eventual.

«109. Invocada a ilegalidade por omissão quanto à primeira questão, cumpre evidenciar o desacerto do decidido no que à segunda concerne.

«110. Doutrinariamente surge a questão de saber se é compatível o cometimento de um ilícito criminal na forma tentada e a sua imputação subjectiva a título de dolo eventual.

«111. O tribunal a quo adoptou a vertente doutrinária que aceita a harmonização conceptual e, nesse conspecto, condenou o arguido pelos homicídios qualificados tentados a título de dolo eventual.

«112. Discorda a defesa da tese adoptada, sustentando ser inaceitável do ponto de vista jurídico a harmonização de conceitos que têm géneses interpretativas de sentidos opostos.

«113. Na doutrina, exemplarmente, expende o Prof. Faria Costa a incongruência entre estas duas proposições. Escreve o citado Mestre que "Afigura-se-nos, pois, indispensável que se verifique a intenção directa e dolosa por parte do agente, em que parece ser de excluir o dolo eventual, já que o agente, apesar da representação intelectual do resultado como possível, ainda se não decidiu. Estar-se-á, desta maneira, perante uma formulação que consagra, a nosso modo de ver, um critério objectivo mitigado. Quer isto significar... que o critério fundamental se nos apresenta como objectivo, já que a tentativa tem sempre de integrar uma referência objectiva a certa negação de valores jurídico-criminais na forma de lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos protegidos mas a que há que adicionar o próprio plano do agente integrado na sua intencionalidade, volitivamente assumida que, face ao texto legal e segundo a nossa opinião, não pode ser limitado a mero papel de esclarecer o significado objectivo do comportamento do agente, antes deve ser valorado em si mesmo" (11)

.

«114. Na confluência do entendimento perfilhado, ensina o mesmo doutrinador com absoluta razão que "No dolo eventual, tal como hoje é definido na nossa lei, o agente representa como possível a realização de um facto e com isso se conforma. Ora, o que se diz é que o agente se conforma com a realização do facto e não com a tentativa de realização do facto. Não se podendo aplicar aqui, como se viu, a regra a maioria ad minus. Podendo mesmo adiantar-se que fazer uma interpretação desse género é estar-se claramente a violar o n° 3 do artigo Io do código penal, já que desrespeita o principio da proibição da analogia relativamente à norma incriminadora... É uma extrapolação inadmissível pensar que aquele que se conforma com o resultado está, do mesmo jeito, conformado com a sua não realização...Por isso, a nossa adesão doutrinal vai por inteiro para aqueles que ...consideram incompatível o delito tentado e o dolo eventual..." (12)

.

«115. Cremos ser, sem mácula, de adoptar a tese expendida pelo Prof. Faria Costa, atenta a sua manifesta congruência e compatiblidade conceptual com os princípios de Direito Penal, e, em consequência será revogar o acórdão recorrido neste segmento punitivo, por errada interpretação dos artgs. 14º. nº 3, 22º., 131º., 132º. do CP, absolvendo o arguido dos cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada pelos quais se achou condenado.

«Medida da Pena - Penas Parcelares e Pena Única - Nulidade do Acórdão

Falta de Fundamentação - Nulidade do Acórdão - Excesso de Pronúncia

«116. De acordo com a matéria de facto tida por provada, foi o arguido condenado nas seguintes penas parcelares:

"...1 ano de prisão, pela co-autoria de um crime de ofensas qualificadas na pes.soa do ofendido EE;

6 meses de prisão pela autoria de um crime de detenção ilegal de arma;

2 anos de prisão pela co-autoria de um crime de coacção;

9 meses de prisão pela autoria de um crime de detenção de arma proibida;

17 anos pela co-autoria de um crime de homicídio qualificado consumado na pessoa do ofendido GG;

6 anos pela co-autoria de um crime de homicídio tentado na pessoa do ofendido FF;

5 anos de prisão pela co-autoria de um crime de homicídio tentado na pessoa do ofendido HH;

5 anos de prisão pela co-autoria de um crime de homicídio tentado na pessoa do ofendido II;

5 anos de prisão pela co-autoria de um crime de homicídio tentado na pessoa do ofendido JJ ;

5 anos de prisão pela co-autoria de um crime de homicídio tentado na pessoa do ofendido LL;

1 ano de prisão pela autoria de um crime de detenção ilegal de arma " e

«117. Em cúmulo jurídico, sentenciou o tribunal a quo como"...adequada e justa ... a pena única a aplicar a este arguido em 23 (vinte e três) anos de prisão, pena esta que se reputa ajustada para que o arguido sinta a reprovação que a sua conduta merece e para o afastar da prática de futuros ilícitos.

«118. De entre os crimes que determinaram a condenação do arguido nas diferentes penas parcelares, apenas os de homicídio qualificado praticado sobre GG e homicídio qualificado na forma tentada sobre FF não admitem a suspensão de execução da respectiva pena de prisão, sendo que os crimes de detenção de arma proibida consentem a aplicação alternativa de pena de prisão ou multa.

«119. O tribunal a quo não fundamentou a decisão recorrida, como devia, quanto à opção de penas privativas de liberdade onde se consinta a sua suspensão, nem tão pouco, se pronunciou sobre a aplicação de pena de prisão em detrimento da pena de multa relativamente aos crimes que consentem tal alternatividade« (13)

; de igual modo, na determinação do cúmulo jurídico, não efectuou o julgador, por meio de escorreita fundamentação, à justa demonstração da justiça punitiva entre a proporcionalidade das penas parcelares, os factos e a personalidade do arguido.

«120. Sustentou, pois, o arguido a violação dos artgs. 374º. nº 2 do CPP e, por via dessa ilegalidade, seria nulo o acórdão de 1.ª instância de acordo com o estatuído no artg. 379º. nº 1 als. a) e c) do CPP e artg. 40º. do CP.

«121. O tribunal a quo reforçou a eclosão da nulidade invocada por falta de fundamentação sem que daí retirasse a devida conclusão de direito.

«122. Refere, sobre este tema, o aresto recorrido (fls. 10834 e ss.):

"...porém, resulta implicitamente da fundamentação supra transcrita, que as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir são de tal modo elevadas, que se torna evidente que a pena de multa não realizaria de forma adequada e suficiente, no caso concreto, as finalidades da punição...

Assim, facilmente se apreende que atentas as circunstâncias que rodeiam tais crimes...

Em conclusão, dir-se-á que o tribunal recorrido aplicou como se impunha penas privativas da liberdade ...depreendendo-se da fundamentação do acórdão o acerto da referida escolha, não se verificando, por isso, qualquer nulidade por falta de fundamentação...

Mas antes consigna-se que, ainda que de forma sucinta, na elaboração e fundamentação do cúmulo jurídico... ", carregado nosso.

«123. Como se evidencia, o aresto recorrido considera a fundamentação do acórdão de 1.ª instância como perceptível por apreensão, por recurso a raciocínios implícitos e, não, como impõe a Lei, de forma clara, inequívoca, escorreita« (14)

«124. Atente-se que o Ministério Público, ainda que por razões diferentes, concluiu de igual forma: fls. 10692, conclusões de recurso, "...é escassa a fundamentação da decisão de determinação da medida da pena única... Tal impede-nos (tal como aos próprios arguidos, imaginamos) sindicar com rigor todo o raciocínio lógico dedutivo do tribunal que conduziu a essas decisões... ".

«125. Na esteira de Paulo Pinto de Albuquerque, a fundamentação da sentença exige "...a fundamentação especifica da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos (acórdão do TC n° 61/2006); a fundamentação especifica da decisão que efectue o cúmulo jurídico com base na demonstração da relação de proporcionalidade entre a pena conjunta e a personalidade do arguido.." (15)

«126. O acórdão recorrido coloca a nu a deficiência fundamentadora do acórdão de 1.ª instância, e, por via dessa evidência será de reformular o aresto recorrido, que para caucionar a ilegalidade de 1.ª instância, excedeu a pronúncia da matéria que havia de sindicar – artg. 379. nº 1 al. c) do CPP – remetendo-se os autos ao tribunal a quo para que declare nulo o acórdão nos precisos termos peticionados pela defesa no recurso interposto.

«Medida da Pena: Penas Parcelares e Pena Única

«127. O arguido sustentou em recurso a diminuição das penas parcelares e única cominadas, sendo que, ao invés, o Ministério Público reclamou o seu agravamento.

«128. Decidiu o tribunal a quo, operando a desconto relativo à absolvição do arguido pelo prática de um crime de detenção ilegal de arma, na aplicação de pena única de prisão de 24 anos, dando parcial provimento ao recurso do Ministério Público.

«129. Sendo duas realidades antagónicas, mas versando sobre a mesma questão – pena única resultante do cúmulo jurídico – impõe-se tratamento conjunto.

«130. Para determinar a medida concreta da pena (artg. 71º. do CP.), o tribunal a quo deu por provado o acervo fáctico ns. 381 a 399.

«131. As disposições do artg. 71º. nº 1 e nº 2 do C.P. constituem o afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito criminal é estruturado com base na culpa do agente, impondo-se por isso, observar rigorosamente a sua incidência em sede de determinação da medida da pena.

E se, em sede de culpa, se pugna pelo carácter diminuído da imputabilidade do arguido, igualmente relevará para determinação da medida da pena as exigências de prevenção reclamadas pelo artg. 71º nº 1 do CP.

«133. As exigências de prevenção geral definem o limite mínimo da pena e a culpa o limite máximo, assim, a moldura dentro da qual se há-de fazer sentir as exigências de prevenção especial ou de ressocialização.

«134. Atendendo às finalidades das penas, assume relevo o expendido pelo Prof. Figueiredo Dias, in RPCC, Ano I, 1, Janeiro-Março de 1991, pag. 30., "...E é ainda em último termo uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se a seguir esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma por excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos.

«135. A prevenção geral positiva ou de integração é entre as finalidades da punição a que reveste carácter essencial, consubstanciada na "...ideia de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma violada. Nisto consiste essencialmente a ideia, hoje fundamental e irrenunciável, da prevenção geral positiva (ou de integração, no preciso sentido de restabelecimento, através da punição, da paz jurídica comunitária) como finalidade básica da aplicação da pena..." — Figueiredo Dias, obra cit, pag 28.

«136. A ideia de prevenção especial positiva ou de ressocialização serve, por seu lado, o escopo de reintegração do agente na comunidade, tentando evitar a quebra da sua inserção nessa mesma comunidade. Esta ideia de prevenção especial positiva não pode ser considerada como uma socialização forçada, pois tal imposição retiraria qualquer legitimidade ao estado em proceder a tal desiderato. Antes deve "...surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanóia); o que de resto...só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal, e nesta acepção, uma pena «justa». " In Figueiredo Dias, obra cit, pag. 29.

«137. Na determinação das exigências de prevenção especial, atendem-se a diversas variáveis atinentestes à conduta do agente, vida familiar, profissional, entre outras.

«138. In casu, e, para além da deficiente valoração das circunstâncias constantes do acórdão recorrido e que se transcreveram, sempre se dirá que o tribunal a quo não levou na devida conta dois aspectos essenciais e que determinam a reformulação da pena de prisão a aplicar.

«139. Efectivamente, não foi valorado decisivamente o percurso de vida do arguido, os fortes laços de solidariedade familiar, com princípios justos e bem firmados de coesão social e respeito pelo trabalho enquanto fenómeno de realização social, oriundo de agregado familiar com desafogo financeiro.

«140. De igual sorte não devidamente sopesado percurso pessoal e afectivo do arguido, com desgosto relevante ocorrido quando era jovem adulto – morte de filho no final do período de gestação –, divórcio subsequente a degradação de relacionamento afectivo, recuperação emocional e constituição de agregado familiar ulterior, vivendo em união de facto, nascendo desta união uma filha menor, assumindo o papel masculino de liderança da família após o falecimento de seu pai.

«141. O arguido tinha profissão estável, vigilante, desde o ano de 1997, sendo proprietário de estabelecimento de beleza e solário, gerido pela sua companheira, T...S....

«142. Fruto da actividade laboral e lucro do estabelecimento comercial de que é proprietário, dispõe o agregado familiar de condições económicas bastantes para viver sem dificuldades.

«143. O arguido tem apoio familiar para encetar processo de reinserção e evidencia grau de preocupação não despiciendo com o processo de crescimento da sua filha menor na sua ausência próxima por reclusão.

«144. O arguido AA é primário.

«145. Por fim, a provocação sucessiva e reiterada dos ofendidos, havendo sido sovado selvaticamente pelo ofendido FF, não mereceu a devida ponderação do julgador.

«146. Sopesados todos os factores, cremos que as penas parcelares se acham incorrectamente fixadas, requerendo-se a aplicação de penas de multa quanto aos crimes de detenção de arma proibida, e, penas de prisão suspensas na sua execução quanto aos crimes cuja pena se acha fixada em quantum inferior a 5 anos de prisão, assim se dando concordância prática ao estatuído no artg. 70°. do CP.

«147. Já quanto à determinação das penas quanto aos homicídios qualificados, tentado de FF, percute a defesa como exagerada a pena de 6 anos de prisão, e, como tal requer a fixação de pena inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, e, consumado de GG, devidamente sopesados todas as circunstâncias enunciadas, será de reputar como justa a pena de prisão próximo do limite legal.

«148. O cúmulo jurídico a operar deverá, dentro do quadro legal inscrito no artg. 77º. do CP ser fixado próximo do seu valor mínimo, assim se adequando as exigências de prevenção geral, especial "e culpabilidade do arguido no caso concreto.»

4.2. Os arguidos M...S... e F...M..., tendo interposto os recursos em peça conjunta, formularam as seguintes singelas conclusões:

«1- Foi violado o princípio in dubio pro reo, porquanto toda a prova pericial, bem assim com o depoimento das testemunhas e a versão dos arguidos concluiria por uma hipotética possibilidade dos factos terem ocorrido tal como relatado por estes arguidos, e corroborado pelas testemunhas de acusação e peritos.

«2- A pena cominada aos arguidos é exagerada, tendo-se violado os artigos 70 e seguintes do CP.»

4.3. O arguido A...F... formulou as seguintes conclusões:

«a) O arguido foi condenado na pena única de 21 anos de prisão pela pratica de um crime de homicídio qualificado, cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de detenção ilegal de arma e um crime de detenção ilegal de munição, tudo nos termos das disposições legais conjugadas dos artigos 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2 alíneas h) i) e j), 22.º, 23.º, 73.º, do Código Penal e artigo 2.º n 1, alíneas o) p) e ab), 3.º n.º 3 e 86.º n.º 1 alínea c) e 2.º n.º 3 alínea I) e 86.º alínea d) da Lei 5/2006.

«b) Tendo sido a condenação integralmente confirmada pelo T.R.P., não obstante, no acórdão proferido, e do qual agora se recorre, não tenham sido respondidas as várias questões que foram levantadas pelo arguido.

«c) O arguido, no seu recurso, invocou quer nas suas alegações quer nas suas conclusões a nulidade do acórdão de primeira instância pelo facto de o mesmo não ter, em nenhum momento, fundamentado a matéria de facto que foi dada como provada nos números 102 e103.

«d) Não obstante, o T.R.P. no acórdão que proferiu, não se referiu quer directa quer indirectamente à questão, estando por isso ferido de nulidade nos termos do disposto nos artigos 425.º e 379.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.

«e) O mesmo se diga quanto ao facto de o arguido ter suscitado a questão de nunca ter sido visto a disparar qualquer arma, pelas testemunhas que dizem tê-lo visto no local, facto esse que foi invocado, quer em sede de alegações, quer em sede de conclusões.

«f) E sobre qual o T.R.P. não se pronunciou, ficando também por esse motivo ferido de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 425.º e 379.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.

«g) Não obstante, o arguido invocou ainda a violação do principio de presunção de inocência, na análise que o Tribunal de primeira instância fez da prova. No entanto, também quanto a esta questão ficou sem resposta, determiN... também, por esse mesmo motivo, a nulidade do acórdão de que se recorre, nos termos do disposto nos artigos 425.º e 379,º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.

«h) Acresce ainda que não se verifica, quanto ao arguido, qualquer uma das circunstâncias agravantes, pelo que no seu caso a punição deveria conhecer apenas o tipo de crime, sem o respectivo agravamento.

«i) Para além disso, a pena de 21 (vinte e um) anos aplicada ao arguido mostra-se exagerada;

«j) Na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido foi violado o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal;

«k) Os critérios de prevenção geral e especial, quer positivos quer negativos, conduzem a penas bem mais benevolentes;

«I) Nomeadamente, as necessidades de prevenção especial (leia-se ressocialização) justificam a aplicação de uma pena próxima dos limites mínimos.

«m) Tanto mais que, se um dos objectivos primordiais da aplicação das penas é a ressocialização do delinquente, a aplicação de uma pena manifestamente exagerada, terá sempre o efeito contrário, ou seja, a desintegração social;

«n) Para além de que a pena aplicada ultrapassa em muito a medida da sua culpa.»

5. O Ministério Público, notificado nos termos do artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (16) , respondeu aos recursos e concluiu:

5.1. Pela rejeição dos recursos, em razão da irrecorribilidade, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas c) e f), e 420.º, n.º 1, alínea b):

5.1.1. Do recurso interposto por B...P... quanto:

– às questões relativas aos factos de 3 de Maio de 2007;

– às questões relativas aos factos de 28 de Novembro de 2007;

– às questões relativas aos factos de 29 de Novembro de 2007, na parte que vai além do que se relaciona com o crime de homicídio consumado;

– à alegada violação do principio da lealdade processual.

5.1.2. Do recurso interposto pelos arguidos F...M... e M...S... quanto:

– aos factos de 29 de Novembro de 2007, na parte que vai além do que se relaciona com a pena aplicada ao crime de homicídio consumado.

5.1.3. Do recurso interposto por A...F... quanto:

– aos factos de 29 de Novembro de 2007, na parte que vai além do que se relaciona com a pena aplicada ao crime de homicídio consumado.

5.2. Pela rejeição dos recursos, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a):

5.2.1. Do recurso interposto por B...P..., quanto à questão da inexistência jurídica do processo.

5.2.2. Do recurso interposto por F...M... e M...S..., na parte relativa à pena pelo crime de homicídio.

5.2.3. Do recurso interposto por A...F..., na parte relativa à invocada omissão de pronúncia sobre nulidade atinente à falta de fundamentação de facto relativa ao crime de homicídio.

5.3. Pela improcedência dos recursos:

5.3.1. Quanto ao interposto por B...P...:

– na questão da nulidade resultante de omissão de pronúncia quanto às pretensas proibições de prova, quer no que concerne às intercepções, quer no que tange ao incumprimento do disposto no artigo 133.º, n.º 2, do CPP;

– na questão da omissão de pronúncia em relação à invocada nulidade decorrente da falta de fundamentação da pena do homicídio consumado e também na questão atinentente ao invocado excesso de pronúncia quanto à fundamentação da pena única aplicada;

– na questão da redução das penas pelo crime de homicídio e única.

5.3.2. Quanto ao recurso interposto por F...M... e M...S..., na questão da impugnação da decisão com base no vício do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

5.3.3. Quanto ao recurso interposto por A...F...:

– na questão da não verificação da qualificação do crime de homicídio:

– na questão do excesso da pena aplicada por este crime; e

– na resultante do cúmulo jurídico.

6. Admitidos os recursos, foram os autos remetidos a este Supremo Tribunal.

7. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do CPP, a Exm.ª Procuradora-geral-adjunta pronunciou-se:

7.1. Quanto ao recurso de B...P...:

– pela irrecorribilidade de todas as questões referentes aos crimes de coacção, homicídio qualificado tentado e porte de arma proibida, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP;

– pela irrecorribilidade das questões da inexistência jurídica do processo e da violação do princípio da lealdade processual por conformarem questões processuais intermédias, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP;

– pela irrecorribilidade das questões relativas a proibição de prova, na medida em que elas não respeitam ao crime por cuja condenação é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;

– pela confirmação da pena única.

7.2. Quanto ao recurso de A...F...:

– pela improcedência da questão da omissão de pronúncia sobre a fundamentação da matéria de facto;

– pela improcedência da questão da omissão sobre a presunção de inocência;

– pela improcedência da impugnação da qualificação jurídica do crime de homicídio;

– pela redução das penas pelo crime de homicídio e única.

7.3. Quanto aos recursos dos arguidos M...S... e F...M...:

– pela sua rejeição, por irrecorribilidade, na parte em que visam impugnar a matéria de facto;

– pela sua rejeição, por manifesta improcedência, quanto às medidas das penas.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, apenas o recorrente B...P... apresentou resposta.

Para, essencialmente, reagir à posição do Ministério Público, nesta instância, sobre não ser o recurso admissível quanto às questões interlocutórias suscitadas e quanto às questões relativas aos crimes por que foi condenado em pena inferior a 8 anos de prisão.

Argumentação que rejeita, por violar o direito ao recurso, imediatamente invocando, prevenindo decisão coincidente com o parecer, nesses aspectos, a inconstitucionalidade desse entendimento por errada interpretação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 400.º, n.º 1, alíneas c) e f), do CPP.

Quanto ao mais, limitou-se a expressar a sua discordância com o parecer.

9. Uma vez que nos respectivos requerimentos de interposição de recurso nenhum dos recorrentes requereu a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), decidiu a relatora, no exame preliminar, e sem prejuízo da manifesta inviabilidade de muitas das questões suscitadas nos recursos, remeter para a conferência o julgamento dos recursos (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência, da mesma procedendo o presente acórdão.


II

1. Os factos que foram fixados pelas instâncias (factos dados por provados no acórdão da 1.ª instância com as alterações introduzidas pelo acórdão da relação quanto à matéria de facto do ponto 148) são os seguintes:

«Factos provados (da acusação e da discussão da causa):

«1 – Pelo menos durante o ano de 2007, AA, também conhecido por “P...” e “B...”, CC, também conhecido por “N...”, “B...” ou “N... B...”, BB, QQ, também conhecido por “L...” ou “A...”, RR, também conhecido por “S...”, DD, também conhecido por “T...”, SS, também conhecido por “L...”, TT, residentes ou frequentadores habituais da zona da Ribeira, no Porto, mantiveram entre si fortes laços de amizade e, entre alguns, de proximidade familiar, constituindo um grupo de indivíduos conhecido no Porto como “Grupo da Ribeira”, que partilhava interesses comuns e que, quando necessário, se unia e agia em comunhão de esforços na defesa de qualquer dos seus elementos (passando de seguida, de forma abreviada, a serem nomeados “os arguidos”).

«2 – O arguido B...P... tinha certo ascendente sobre alguns elementos deste grupo.

«3 – SS e RR são, respectivamente, cunhado e primo de B...P....

«4 – RR era geralmente referenciado pelos restantes elementos do grupo como “o primo do AA P...”.

«5 – No dia 3 de Maio de 2007, cerca das 17 horas e 15 minutos, na Rua ..., Porto, quando EE aí circulava, conduzindo o automóvel de marca e modelo “Peugeot 307”, com a matrícula ...-...-TG, B...P..., conduzindo por sua vez o veículo de marca “Smart Fortwo” com a matricula ...-AZ-..., acompanhado, no lugar ao seu lado, por um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, ultrapassou aquele veículo, colocando-se à sua frente de forma a barrar-lhe o caminho.

«6 – Tal manobra originou um ligeiro embate entre o veículo conduzido por EE e a parte lateral traseira do veículo conduzido pelo arguido B...P....

«7 – Acto contínuo, B...P... e o indivíduo que o acompanhava saíram do interior do respectivo veículo e dirigiram-se ao outro veículo, tendo-se B...P... aproximado da janela da porta do condutor e, de imediato, tentado desferir um soco em EE que ainda se encontrava no seu interior.

«8 – Todavia, o B...P... não logrou, nesse momento, atingir o corpo de EE em virtude de este se ter esquivado.

«9 – De seguida, quando EE tentou sair do interior do veículo onde se encontrava, o referido indivíduo cuja identidade não foi possível apurar desferiu um pontapé na porta desse veículo, de forma a impedi-lo de sair, tendo, contudo, a porta permanecido aberta.

«10 – Quando EE iniciou novamente o movimento para sair do interior de tal veículo, tentando desapertar o cinto de segurança que o prendia ao assento, B...P..., com intenção deliberada de ofender o seu corpo, deu dois passos atrás e sacou de uma pistola semi-automática de calibre .22, cujas restantes características não foi possível apurar, que, para o efeito, trazia consigo, empunhou-a e, acto contínuo, quando se encontrava à distância de cerca de dois metros do EE, efectuou dois disparos, direccioN...-os para a parte inferior do interior do veículo, local onde este tinha as pernas.

«11 – Assim, um dos disparos atingiu de raspão a perna esquerda deste, na zona por trás do joelho, furando as calças que ele trajava, tendo o outro disparo atingido unicamente o veículo onde se encontrava, causando-lhe estragos.

«12 – Logo após, B...P... e o indivíduo que o acompanhava introduziram-se rapidamente no interior do veículo de marca “Smart Fortwo” com a matricula ...-AZ-... e retomaram a marcha, colocando-se em fuga a grande velocidade na direcção da Ribeira.

«13 – Ao disparar a referida pistola, cujas características bem conhecia, agiu B...P... com intenção concretizada de atentar contra a integridade física do ofendido EE, munindo-se para tanto de uma arma de fogo, bem sabendo que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei.

«14 – Na data dos factos, AA, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«15 – À data dos factos, o veículo de marca “Smart Fortwo” com a matrícula ...-AZ-... estava registado como sendo propriedade RR.

«16 – GG, PP (conhecido por M...), FF, HH, são todos irmãos entre si e viviam ou viveram em Miragaia;

«17 – LL, JJ e II eram amigos daqueles e costumavam acompanhá-los.

«18 – Alguns destes dedicavam-se à prestação de serviços de segurança privada em estabelecimentos de diversão nocturna (passando de seguida de modo abreviado a ser nomeados “os ofendidos”).

«19 – Pelo menos desde o dia 24 de Agosto de 2007, começaram a existir conflitos entre algumas destas pessoas e alguns dos elementos do chamado “Grupo da Ribeira”.

«20 – Com efeito, nesse dia, UU, para festejar o seu aniversário de nascimento, reuniu um grupo de amigos, entre os quais AAA, também conhecido por “P...”, B...P... (“P...”) e F...M... (“B...”), foram todos jantar fora e, depois, a vários estabelecimentos de diversão nocturna.

«21 – Pelas 04:00 horas do dia 25 de Agosto, deslocaram-se todos à discoteca “La Movida”, sita na zona industrial do Porto, onde era segurança GG, que não se encontrava ali naquela noite. FF fazia segurança num outro estabelecimento localizado perto deste.

«22 – Aí, por motivos não concretamente apuradas, o HH e o AAA travaram-se de razões, tendo o FF sido chamado ao local e intervindo para serenar os ânimos.

«23 – O arguido B...P..., que estava com o AAA, não aceitou muito bem esta intervenção do FF e, por isso, acabaram ambos, já no exterior do dito estabelecimento, por se insultarem e empurrarem reciprocamente, só não tendo havido logo ali confrontação física mercê da intervenção dos demais que os separaram e da concomitante chegada de uma viatura policial, o que fez com que o B...P... abandonasse o local juntamente com AAA e UU.

«24 – Contudo ficou, entre ambos, um clima de conflitualidade latente. Tanto assim que:

«25 – No dia 25 de Agosto de 2007, em momento não determinado concretamente, mas cerca das 23:00 horas, quando B...P... seguia pela Rua ..., no Porto, no sentido Ribeira – Foz, conduzindo um automóvel “Citröen Picasso” de matrícula não apurada, de cor escura, na companhia de um indivíduo não identificado, reparou que na rampa de acesso à Rua ..., sensivelmente em frente do parque de estacionamento da Alfândega do Porto, FF se encontrava no interior de um automóvel “Mercedes” de matrícula ...-...-SC, conduzido por JJ e que esperava oportunidade de trânsito para entrar na Rua ....

«26 – De imediato, B...P... parou o seu veículo em frente daquele conduzido por JJ, impedindo-o de prosseguir a marcha.

«27 – B...P..., com o indivíduo que o acompanhava, saiu e caminhou na direcção de FF, chamando-o pelo nome e dizendo-lhe para sair do automóvel.

«28 – O que este fez. Apercebendo-se que a intenção de B...P... era lutar consigo, retirou e entregou a JJ o casaco, o relógio e a pulseira que usava.

«29 – Quando se encontravam já a cerca de um metro de distância um do outro, B...P... meteu a mão numa bolsa que usava e daí retirou um objecto que a FF pareceu ser um revólver de cor prateada.

«30 – Este, ao ver tal objecto, levantou a sua camisola, mostrando a B...P... que estava desarmado, ao mesmo tempo que lhe dizia que se queria “andar à pancada” com ele deveria guardar o “revólver”.

«31 – B...P... colocou o aludido objecto no local de onde o havia retirado, após o que ele e FF se envolveram numa luta corpo a corpo, desferindo, um no outro, várias pancadas com as mãos.

«32 – No decurso dessa contenda, FF agarrou B...P... pelo pescoço e pernas, suspendeu-o no ar e projectou-o por cima do gradeamento que separa a Rua ... da Rua ... e que têm uma em relação à outra um desnível de alguns metros, fazendo-o cair sobre esta última via.

«33 – Como consequência directa e necessária destes factos, FF sofreu lesão traumática no nariz e ferida incisa no lábio, e B...P... escoriações e hematomas no rosto, tórax, abdómen, costas, nádegas e membros inferiores.

«34 – Por isso FF foi ao hospital receber tratamento médico tendo, no entretanto, ligado para o seu irmão GGG a contar o sucedido.

«35 – Cerca das 01:30 horas já do dia 26 de Agosto de 2007, este e PP deslocaram-se à zona da Ribeira, no Porto, com o intuito de encontrarem e confrontarem B...P... com o anteriormente sucedido e com as lesões que provocara ao seu irmão FF.

«36 – Quando se encontravam na Praça ..., cujas esplanadas se encontravam ocupadas por diversos clientes, foram vistos por B...P..., M...S... e F...M..., que estavam junto da esplanada do café da Sede do Clube Desportivo “...”, sito na Rua ..., num plano superior à referida praça em cerca de cinco metros e com visibilidade sobre a mesma.

«37 – Nesse local foram efectuados quatro disparos.

«38 – Junto da Sede do Clube Desportivo “...” foi posteriormente encontrada uma cápsula deflagrada calibre 7,65 mm.

«39 – O conflito entre os irmãos C... e o arguido AA continuou latente. Assim:

«40 – No dia 28 de Novembro de 2007, cerca das 02:40 horas, JJ e FF circulavam no veículo automóvel de marca e modelo “Mercedes SLK 200 Kompressor” com a matrícula ...-..., pelo “Túnel da Ribeira”, no Porto, no sentido Freixo-Foz, dirigindo-se para a residência deste último, sita na Rua ..., Porto.

«41 – Este túnel faz a ligação da Avenida ... à Rua ..., via que, imediatamente à saída do mesmo, tendo em conta o sentido de marcha em que estes viajavam, cruza com a Rua ....

«42 – Na ocasião, o veículo era conduzido por JJ, seguindo FF, a quem o veículo pertencia, sentado no lugar ao lado do condutor.

«43 – Nesse circunstancialismo, B...P..., F...M... e um outro indivíduo cuja identidade não foi possível determinar, acompanhados de OO, conhecido por “N... C...” e de VV, mulher deste, encontravam-se a conversar no referido entroncamento formado pela Rua ... e pela Rua ..., estando posicionados à direita da saída do referido túnel, atento o aludido sentido de marcha, entre um veículo de marca “BMW”, de cor preta, que aí estava estacionado, com a frente do mesmo já na Rua dos Mercadores, e os prédios existentes no início dessa secção desta artéria.

«44 – Na ocasião, B...P..., F...M..., detinham entre si uma pistola semi-automática de calibre 7,65 milímetros e pelo menos um revólver de calibre .32, cujas demais características não foi possível apurar.

«45 – Momentos depois, após atravessar o “Túnel da Ribeira”, o veículo onde seguiam JJ e FF chegou à Rua ..., passou então pelo local onde B...P..., F...M... e os demais indivíduos se encontravam, apercebendo-se reciprocamente da presença uns dos outros.

«46 – Quando se encontrava a uma distância de cerca 12,50 metros daqueles, o carro onde seguiam FF e JJ imobilizou-se.

«47 – De seguida, FF saiu para a via pública e fez menção de se dirigir ao arguido B...P....

«48 – Nesse momento os arguidos B...P... e F...M..., querendo obrigar o FF a abandonar o local, mostrando-lhe que, se não o fizesse, o poderiam matar, começaram a efectuar disparos com as armas de fogo que empunharam, direccioN... tais disparos para o chão e para a parte traseira do veículo automóvel em que o FF e o JJ se faziam transportar.

«49 – Desta forma efectuaram, pelo menos, treze disparos, dez dos quais com a pistola semi-automática de calibre 7,65 milímetros e outros três com, pelo menos, um revólver de calibre .32., mantendo-se posicionados a cerca de 12,50 metros daquela viatura.

«50 – Quando começaram os disparos FF correu e agachou-se à frente do veículo e o JJ, que dele não tinha saído, baixou-se no seu interior e assim permaneceram ambos até cessarem os disparos.

«51 – Nessa ocasião o FF levantou-se, ainda vendo os arguidos AA e F...M..., a correrem pela Rua ... acima.

«52 – Dos projécteis provenientes dos referidos disparos, dois atingiram o pára-choques traseiro, outros dois atingiram a zona das embaladeiras do lado direito, um atingiu a porta da bagageira e outro atingiu o pneu dianteiro do lado esquerdo.

«53 – Desses, pelo menos dois foram disparados por uma pistola semi-automática de calibre 7,65 milímetros e pelo menos um foi disparado por um revólver de calibre .32 mm

«54 – Ao dispararem as armas pela forma como o fizeram, direccioN... os disparos para o chão e contra a viatura propriedade do FF, que o JJ conduzia, os arguidos B...P... e F...M... pretenderam, usando de violência, mostrar de modo peremptório ao ofendido FF que se este se aproximasse deles seria atingido a tiro, podendo ser gravemente ferido ou até morto.

«55 – Sabiam também estes arguidos que este seu comportamento é proibido e punido por lei. Actuaram de modo deliberado, livre e consciente.

«56 – Nesta data, B...P... e F...M..., como bem sabiam, não eram titulares de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«57 – Alguns minutos depois, quando FF se encontrava num posto de abastecimento de combustível sito em Massarelos, Porto, OO e a mulher deste, VV, que por ali passavam de automóvel, ao aperceberem-se da presença daquele, pararam e dirigiram-se-lhe.

«58 – Encetaram então conversa acerca da situação anteriormente ocorrida, referindo-lhe que nada tinham que ver com o anteriormente sucedido, tendo o FF dado a atender que ia destruir o solário propriedade da mulher do B...P... e atentar contra a vida ou integridade física de ambos.

«59 – Tal situação logo chegou ao conhecimento de CC, através de contacto telefónico de OO, para este efectuado às 02:57 horas do número ... para o número ....

«60 – Momentos depois, FF, acompanhado de JJ, deslocou-se à 9.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública do Porto, sita na Rua ...., a fim de denunciar essa situação. A eles se juntou, posteriormente, GG.

«61 – Na altura FF estava convencido que os arguidos B...P... e F...M..., bem como o outro indivíduo que os acompanhava, se tinham refugiado em casa do arguido M...S..., na Rua ....

«62 – Cerca das 5:00 horas, quando FF e o seu irmão GG estavam no exterior da referida Esquadra, viram passar naquele local o referido M...S... conduzindo o automóvel “Mercedes C220” de matrícula ...-DI-....

«63 – Entraram então de imediato para o automóvel “Porsche Cayenne”, cuja matrícula não foi possível apurar, pertencente a GG, e foram em perseguição de M...S....

«64 – Cerca das 05:10 horas, no viaduto que liga a zona do Cais ... à Rua ..., no Porto, conhecido por “Ponte Luminosa”, ao aperceberem-se que M...S... estava imobilizado imediatamente antes da luz vermelha de um sinal luminoso aí existente, GG ultrapassou-o e, de forma a bloquear a sua passagem, imobilizou o veículo por si conduzido à frente do veículo conduzido por M...S..., que na ocasião transportava consigo a sua namorada, A...F...P...D....

«65 – Acto contínuo, FF e GG saíram do interior desse veículo e dirigiram-se ao outro, onde M...S... se encontrava.

«66 – De seguida, já com o M...S... fora da viatura automóvel em que seguia, confrontaram-no com os tiros que horas antes haviam sido disparados e com a eventualidade de estar a esconder em sua casa os autores de tais factos. BB rejeitou qualquer implicação no caso, discutiram e envolveram-se em confronto físico.

«67 – No contexto dessa contenda GG desferiu, pelo menos, dois socos no rosto do M...S... e deu-lhe um pontapé, o que originou que este ficasse com evidentes lesões no sobrolho e sangue na boca. Após intervenção da namorada do M...S..., as agressões terminaram.

«68 – Nesse entretanto, chegaram, ao local, três agentes da Polícia de Segurança Pública, num veículo caracterizado, tendo o M...S... participado aos agentes o sucedido.

«69 – Dos factos ocorridos M...S... deu conhecimento quer ao F...M..., quer ao F...G.... Também o B...P... veio a saber do ocorrido.

«70 – Nesse mesmo dia 28 de Novembro de 2007, entre as 10:30 horas e as 12:30 horas, GG, FF, HH, juntamente com outros dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, com o intuito de forçarem encontro com os arguidos B...P... e F...M..., deslocaram-se ao stand de comércio de automóveis denominado “Falcão Car”, sito na Rua ..., no Porto, pertencente a BBB.

«71 – Aí manifestarem a vontade de falar com BBB, e porque este aí não se encontrava nesse momento, um seu empregado (LL) telefonou-lhe e solicitou-lhe que viesse até ao “stand”, comunicando-lhe a pretensão daqueles.

«72 – Após J...G... aí chegar, o GG e o FF abordaram-no, falaram com ele, pressioN...-o para que telefonasse ao “AA” e ao “N... “B...””, a fim de os convencer a deslocarem-se ali para irem buscar os seus automóveis que se encontravam no interior de tal stand, respectivamente um de marca “BMW”, modelo “530D”, matricula ...-DX-..., e outro de marca “AUDI”, modelo “A3”, de cor cinza, matricula ...-CI-....

«73 – Pretextou o J...G... que esses carros não eram dos arguidos, chamando ao seu Stand C...A...N...da S..., conhecido por “B... L...”, a quem explicou a situação das viaturas e pediu que interviesse junto de GG.

«74 – O CCC falou então com GG, de quem era amigo, procurando acalmar a situação, explicando-lhe que as referidas viaturas já não pertenciam aos arguidos B...P... e F...M..., a primeira porque tinha sido retomada pelo stand por compra de uma outra e, a segunda, porque tinha sido entregue para ser vendida, em virtude de não estarem a ser pagas as prestações à financeira.

«75 – Porém o GG continuou a ordenar ao J...G... que colocasse as ditas viaturas na rua, garantindo-lhe contudo que nada aconteceria com elas, insistindo, porém, que ao local fossem chamados os referidos dois arguidos.

«76 – J...G... deu então ordens a um seu empregado para colocar aqueles dois veículos na rua, o que veio a acontecer.

«77 – Cientes de que, não obstante os contactos telefónicos estabelecidos, B...P... e F...M... não se deslocariam até ali, GG e FF bem como os demais indivíduos que os acompanhavam, abandonaram o local.

«78 – Os veículos automóveis ficaram parqueados na via pública, junto às aludidas oficinas, sitas na Rua ..., em frente a um estabelecimento de café aí existente, denominado “Café F...”, aí permanecendo até hora não concretamente determinada.

«79 – Através de contactos telefónicos efectuados às 14:23 horas, 14:36 horas e 15:41 horas, M...S...M...dos S..., através dos números ... e ..., relatou todos estes episódios a QQ, para o telemóvel deste com o número ..., que depois chegaram ao conhecimento de, pelo menos, B...P..., F...M... e M...S....

«80 – Cerca das 18:00 horas desse mesmo dia, FF e HH, juntamente com os outros dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, deslocaram-se novamente ao referido “stand” de comércio de automóveis denominado “Falcão Car”, para mais uma vez falarem com J...G... acerca automóveis atrás referidos.

«81 – Aí chegados, e porque J...G... estava ausente, um empregado deste, após para o efeito ter sido questionado por tais indivíduos, informou-os do local exacto onde tais veículos haviam sido estacionados.

«82 – Face às referidas agressões a M...S... e às pretensões que haviam sido manifestadas perante OO, sua mulher VV e J...G..., pelo menos B...P..., F...M..., M...S... e QQ, passaram a andar à procura dos irmãos C....

«83 – Estes, por seu lado, percorreram também alguns locais da cidade, tentando encontrar B...P... e F...M..., ou algum dos elementos que normalmente acompanhava com estes.

«84 – Nessa noite GG, seus irmãos e amigos utilizaram automóveis que não eram aqueles em que habitualmente viajavam.

«85 – Cerca das 20:00 horas desse dia, em Miragaia, Porto, GG pediu uma viatura emprestada ao seu amigo DDD, tendo-lhe este cedido o veículo automóvel de marca “Citröen”, modelo “C4”, com a matrícula ...-DZ....

«86 – Pouco depois, junto a umas arcadas da Rua ..., GG encontrou-se com os seus irmãos FF e HH, e com mais dois amigos, JJ e II.

«87 – De seguida, deslocaram-se em duas viaturas automóveis, no já mencionado “Citröen C4”e num “Smart Fortwo”, com a matrícula ...-BG-..., pertencente a JJ, para a residência de um outro irmão, PP, conhecido por “M...”, sita na Maia.

«88 – O “Citröen C4”foi ocupado por GG, que o conduziu, por HH, que seguia ao seu lado, e por II, no banco de trás.

«89 – Por sua vez, o “Smart Fortwo”foi conduzido por JJ, seguindo ao seu lado FF.

«90 – Estas posições em cada um dos veículos mantiveram-se durante o resto da noite, sempre que estes se fizeram transportar nos mesmos.

«91 – Chegados à residência de PP, ali jantaram, enquanto assistiam à transmissão televisiva do jogo de futebol relativo à “Liga dos Campeões” que opunha a equipa do Futebol Clube do Porto e a equipa do “Liverpool”, que se desenrolava em Inglaterra.

«92 – Já após esse jogo de futebol ter terminado deslocaram-se novamente a Miragaia para se juntarem a LL, que passou a ocupar, no “Citröen C4”, o lugar atrás do GG, sentando o II à direita dele.

«93 – Todos os seis, nas duas viaturas, GG, HH, LL e II, no “Citröen C4” e JJ e FF no “Smart Fortwo” decidiram deslocar-se ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, em Pedras Rubras, a fim de ali aguardarem o regresso a Portugal da equipa de futebol do Futebol Clube do Porto.

«94 – Durante esse período de tempo, B...P..., F...M..., M...S... e QQ, tentaram, sem sucesso, saber onde se encontravam FF e GG:

«95 – Porém, cerca das 24:00 horas desse dia, antes de irem para o aeroporto, GG e FF, decidiram passar no Bairro do Aleixo para falarem com o OO (N... C...). Assim fizeram, no que foram acompanhados pelos demais que com eles se encontravam. Aí chegados solicitaram a um vizinho que o chamasse.

«96 – Momentos depois, após OO e a sua mulher terem descido até à entrada do referido prédio, FF e GG logo o abordaram, exigindo-lhe que este lhe pagasse a reparação do seu veículo pelos danos neste provocados com os disparos de arma de fogo junto ao “Túnel da Ribeira”.

«97 – Tal situação chegou ao conhecimento de F...M..., de M...S... e QQ, através de contactos telefónicos realizados para o primeiro por EEE, sua respectiva companheira, e de OO, igualmente através do telemóvel desta, efectuados às 00:39 horas minutos e às 00:49 horas do dia 29 de Novembro de 2007.

«98 – Nessa ocasião EEE informou F...M... de quais os veículos automóveis em que aqueles indivíduos se faziam transportar.

«99 – Na posse de tais informações, B...P..., CC, BB e QQ, persistiram na procura do paradeiro de, pelo menos, GGG e FF.

«100 – Chegados ao aeroporto, GG, FF, HH, LL, JJ e II aí aguardaram a chegada da equipa de futebol do Futebol Clube do Porto.

«101 – Cerca das 02:50 horas, QQ deixou os seus acompanhantes e foi para casa de uma pessoa do sexo feminino com a qual mantinha um relacionamento amoroso.

«102 – Neste ínterim, dois outros indivíduos, um dos quais DD, juntaram-se a B...P..., F...M... e M...S....

«103 – Este, cerca das 02:15 horas, deslocou-se para a zona Ribeirinha do Porto, nomeadamente na Ribeira para Miragaia e por aí circulou até cerca das 03:30 horas.

«104 – Entretanto, cerca das 03:00 horas desse dia, GG, FF, HH, LL, JJ e II resolveram vir embora do aeroporto, antes mesmo da chegada da equipa do Futebol Clube do Porto e deslocaram-se a umas “roulottes” de restauração, sitas na marginal do Rio ..., no Porto, onde chegaram por volta das 03:30 horas.

«105 – Permaneceram todos junto às mencionadas “roulottes” durante cerca de 35 minutos, partindo daquele local directamente para a Rua ..., Porto, cerca das 04:05 horas.

«106 – Neste entretanto, do número de telemóvel 915 275 243 foi efectuado um contacto para número 91....

«107 – Em local e em circunstâncias que concretamente se não lograram apurar, B...P..., F...M..., M...S..., A...F... e outro indivíduo cuja identidade não se conseguiu determinar, agruparam-se e passaram a transportar-se juntos num veículo automóvel, marca “BMW”, de cor escura, conduzido por B...P....

«108 – Também se muniram de, pelo menos, quatro armas de fogo, a saber: uma pistola semi-automática de calibre 7,65 milímetros, uma outra pistola, semi-automática ou automática, de calibre .45, equivalente a 11,43 milímetros no sistema métrico, uma espingarda caçadeira de calibre 12, e pelo menos um revólver de calibre .32

«109 – Depois de saírem das roulottes os veículos conduzidos por GG e por JJ, dirigiram-se a Miragaia, passando assim pelo “Túnel da Ribeira”, circulando pela Rua ... e seguindo sempre em frente até à Rua....

«110 – Nesta artéria, desceram uma rampa, localizada sensivelmente em frente do parque de estacionamento da Alfândega do Porto, que dá acesso à Rua ....

«111 – A ... é paralela à Rua ..., mas situa-se em plano inferior relativamente a esta, sendo ladeada pela esquerda, no sentido de quem desce a referida rampa, por um muro que suporta esta última artéria.

«112 – Colocado por cima de tal muro existe um gradeamento, sendo que, da perspectiva de quem se encontra na Rua ..., o gradeamento está colocado no passeio, protegendo o desnível para a Rua ....

«113 – Já na Rua ..., sensivelmente em frente às arcadas aí existentes, GG estacionou o veículo de marca e modelo “Citröen C4” de forma perpendicular ao sentido da via, com a traseira do mesmo para o referido muro que, nesse local, tem uma altura de 4,48 metros.

«114 – Por sua vez, JJ imobilizou o veículo que conduzia, de marca “Smart Fortwo”, com a matrícula ...-BG-..., do lado direito da faixa de rodagem, no mesmo sentido de marcha de que provinha, sem desligar o funcionamento do motor, no enfiamento do local onde GG havia estacionado o “Citröen C4”.

«115 – Do interior do veículo de marca e modelo “Citröen C4” saíram todos os indivíduos, enquanto do interior do referido veículo de marca “Smart Fortwo” apenas saiu FF, tendo permanecido aberta a respectiva porta.

«116 – Nesse momento, AA, CC, BB, DD e um outro indivíduo cuja identidade não foi possível determinar, apercebendo-se que aqueles haviam descido para a Rua ..., local onde habitualmente estacionavam, e que, dessa forma, iriam apanhá-los desprevenidos e incapazes de reagir, bem como que, colocados num plano superior, teriam uma posição favorável para disparar sobre os mesmos diminuindo-lhes as possibilidades de defesa, imobilizaram na Rua ... o veículo automóvel em que se faziam transportar, sensivelmente no enfiamento do local da Rua ... onde aqueles se encontravam.

«117 – Acto contínuo, saíram todos do interior de tal veículo automóvel, detendo as referidas armas de fogo e, sem que os seus alvos os vissem ou ouvissem, aproximaram-se do referido gradeamento que separa a Rua ... da Rua ..., indo AA e BB um pouco mais à frente dos restantes, face à forma como saíram do interior de tal veículo.

«118 – Nesse preciso momento, GG e II encontravam-se na frente do veículo de marca e modelo “Citröen C4”a conversar, aquele de frente para o muro e este de costas;

«119 – HH e LL estavam debruçados para o interior de tal veículo a sacudirem os estofos, através das portas traseiras, este na da esquerda e aquele na da direita;

«120 – FF estava junto ao guarda-lamas frontal direito do aludido veículo de marca “Smart Fortwo”, estando JJ no seu interior.

«121 – Foi então que AA, BB, CC, DD e um outro indivíduo que não se conseguiu identificar, surgiram de surpresa junto ao referido gradeamento, o primeiro sensivelmente no enfiamento do local onde estava estacionado o veículo de marca e modelo “Citröen C4”, BB junto de si à direita, e, um pouco mais afastados e à direita destes, CC, DD e o outro indivíduo.

«122 – Acto contínuo, todos eles, em conjugação de esforços e intenções, empunhando as referidas armas de fogo que cada um deles detinha, efectuaram disparos, de forma intensa e sequencial, na direcção de FF – que se encontrava, relativamente ao local onde se posicionaram os atiradores, a uma distância de cerca de 11,50 metros –, e de GG – este a cerca de 6,70 metros daqueles – querendo matá-los, ao mesmo tempo que AA, dirigindo-se-lhes em voz alta, proferiu as expressões «Filhos da puta, pretos, ai agora não fazeis nada?»

«123 – Estando também no local JJ, II, HH e LL, os arguidos B...P..., M...S..., F...M... e A...F... admitiram que os disparos, que efectuaram de modo intenso e sequencial, poderiam atingir cada um deles e provocar-lhes a morte, resultado esse com o qual se conformaram.

«124 – Um dos projécteis provenientes desses disparos atingiu GG na região frontal direita da cabeça, ao nível da porção externa da sobrancelha, a 5,5 centímetros da glabela e a 8,5 centímetros da zona de implantação da orelha, com trajectória da direita para a esquerda, de frente para trás e aproximadamente na horizontal, no preciso momento em que este efectuou um movimento com a cabeça para olhar para cima, onde se encontravam os atiradores, depois de se ter baixado e posicionado na parte frontal do veículo que havia acabado de estacionar, procurando proteger-se.

«125 – GG caiu de imediato no chão, na via pública, junto à parte frontal do automóvel de marca “Citröen”, modelo “C4”, com a matrícula ...-DZ....

«126 – Dos restantes projécteis disparados na direcção de GG, pelo menos cinco atingiram esse automóvel, sendo quatro impactos no lado direito do capot e um impacto na coluna direita do suporte do pára-brisas, causando-lhe dessa forma estragos.

«127 – Dos restantes projécteis provenientes desses disparos, um deles atingiu o tejadilho do veículo de marca “Smart Fortwo”, com a matrícula ...-BG-..., estilhaçando o respectivo vidro panorâmico.

«128 – AA, CC, BB, DD e o outro indivíduo cuja identidade não foi possível determinar-se, só não atingiram os restantes indivíduos porquanto estes fugiram e/ou acabaram por se esconder

«129 – FF, mal ouviu os primeiros disparos, atirou-se para o interior do veículo conduzido por JJ, que logo arrancou, colocando-se em fuga no sentido em que se encontrava.

«130 – Quando chegaram ao final dessa artéria, que não tem saída, depois de realizarem um trajecto de cerca de 50 metros, saíram ambos do interior do veículo e resguardaram-se, colocando-se JJ abaixado junto ao vértice frontal direito desse veículo, e colocando-se FF atrás de um outro automóvel que aí se encontrava estacionado.

«131 – Enquanto isso, II, que estava junto de GG, deixou-se cair para baixo da parte da frente do veículo que se encontrava estacionado à esquerda do Citröen”, modelo “C4”, com a matrícula ...-DZ....

«132 – Por sua vez, HH fugiu rapidamente na direcção das aludidas arcadas, tendo, sempre em passo de corrida, percorrido as mesmas pelo lado esquerdo, na perspectiva de quem está de costas para a Rua Nova de Alfândega, contornado o quarteirão, subindo umas rampas aí existentes, na direcção da Igreja de S. Pedro de Miragaia, detendo-se num ponto mais elevado da Rua ..., artéria perpendicular à Rua ..., que se situa nível inferior ao da Rua ..., mas ligeiramente superior à da Rua ....

«133 – Finalmente, LL encostou-se de imediato ao referido muro aí existente, com a parte da frente do seu corpo, e, nessa posição, deslocou-se um pouco lateralmente, tendo de seguida corrido para as referidas arcadas e se refugiado numa viela.

«134 – Momentos depois, quando perceberam que já haviam tirado a vida a GG e que os restantes indivíduos que o acompanhavam haviam logrado fugir ou esconder-se, AA, CC, BB, DD e o outro indivíduo cuja identidade não se apurou, introduziram-se novamente no referido veículo de marca “BMW” e iniciaram rapidamente a marcha do mesmo, seguindo na direcção da Foz do Douro, para onde a frente desse veículo estava virada, colocando-se em fuga.

«135 – Cerca das 04:20 horas, após para o efeito terem estabelecido contacto telefónico, SS encontrou-se com estes arguidos na Zona Industrial, Porto, passando, pelo menos, CC e BB a viajar com ele no veículo automóvel em que se fazia transportar.

«136 – Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, sofreu GG as seguintes lesões:

«137 – Orifício de entrada localizado na região frontal direita das paredes da cabeça, com fractura, de forma ovóide, e infiltração sanguínea dos bordos;

«138 – Orifício de saída localizado na região occipital esquerda das paredes da cabeça, com fractura, de forma quadrangular, e infiltração sanguínea dos bordos;

«139 – Fractura, de forma linear, de bordos com infiltração sanguínea, iniciando-se no bordo posterior da fractura frontal direita, atrás descrita, atravessando o parietal direito, termiN... ao nível do occipital, à esquerda, com o comprimento de dezanove centímetros;

«140 – Fractura, cominutiva, de bordos infiltrados de sangue, dos andares anterior (à direita) e médio (bilateralmente) da base do crânio;

«141 – Hemorragia sub-dural das meninges;

«142 – Hemorragia sub-aracnoideia das meninges;

«143 – Laceração do encéfalo, ‘em túnel’, devido a acção de projéctil de arma de fogo, desde o lobo frontal direito até ao lobo occipital esquerdo, com focos de contusão circundantes.

«144 – Estas lesões crânio-encefálicas foram causa directa e necessária da sua morte imediata.

«145 – Ao dispararem as referidas armas de fogo, cujas características bem conheciam, agiram AA, CC, BB, e DD, de acordo com um plano que previamente em conjunto traçaram e que em conjugação de esforços executaram, com o fim de atingirem GG e FF e de, assim, lhes causar lesões susceptíveis de lhes provocarem a morte, o que efectivamente veio a acontecer relativamente ao primeiro, apenas não o logrando quanto ao segundo por motivos alheios às suas vontades.

«146 – Estes arguidos, considerando a posição de HH, LL, JJ e II relativamente a GG e a FF, admitiram a morte de cada um destes quatro como consequência possível dos disparos que efectuaram, conformando-se com tal resultado, que apenas se não verificou por motivos que lhes foram alheios.

«147 – Nesta data, AA, CC, BB, e DD, como bem sabiam, não eram titulares de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«148 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 8h 30m, no interior da residência sita na Rua ..., Porto onde residia o arguido B...P..., foram encontrados os seguintes objectos (17)

«149 – no vão da escada, sobre a tábua de passar a ferro, uma faca com abertura por meio de mola (actuando sobre um botão que se encontra no punho), com cabo em massa de cor preta com a inscrição PM e lâmina em aço do tipo corto-perfurante, com um só gume, com o comprimento total de 22,5 centímetros, sendo 10 centímetros o comprimento da lâmina;

«150 – na despensa contígua ao seu quarto, sobre uma prateleira, uma faca de mergulho, marca SUBACQUA, com lâmina metálica, com o comprimento total de 23 centímetros, sendo 11,5 centímetros o comprimento da lâmina.

«151 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, foram encontradas, dentro de uma bolsa própria para acondicionar óculos, colocada na mala do automóvel “Smart Fortwo”de matrícula ...-AZ-..., estacionado das imediações da residência de AA, vinte e três munições de calibre .22, aptas a serem disparadas de imediato por arma de fogo.

«152 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., n.º ..., no Porto, no seu quarto, XX, irmã de AA, estava na posse dos seguintes objectos, sua pertença, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia:

«153 – no interior de uma bolsa, uma soqueira em metal, vulgarmente conhecida por “boxer”, totalmente construída em aço inox, medindo cerca de 13x6x0,6 centímetros, dotada de quatro “anéis”para os dedos, tendo ainda um “esporão”na zona correspondente ao encaixe do dedo mindinho;

«154 – sobre o guarda-fatos, uma pistola de alarme da marca Tanfoglio Giuseppe S.R.L. Gardone GT, modelo GT-28, com carcaça de cor preta, sem sinais de transformação, própria para deflagração de munições de salva, incapaz de disparar munições com bala ou carga de projecção;

«155 – sobre o guarda-fatos, um bastão artesanal, constituído por um cabo eléctrico com cerca de 2,3 centímetros de diâmetro, dobrado numa das extremidades em forma de guarda mão e medindo cerca de 76 centímetros de comprimento.

«156 – Nesse mesmo momento e local encontrava-se pendurada na ponta de uma corda de sisal, no exterior da janela do seu quarto, que dava para o saguão, uma pistola semiautomática da marca Walther, modelo P-38, com o número de série 2131c. de fabrico alemão (ano de fabrico 1941), de calibre 9x19 milímetros (9 milímetros Luger), com cano estriado medindo cerca de 12,5 centímetros de comprimento, com sistema de disparo por acção mista (dupla-simples) por meio de percussão central indirecta por meio de cão exposto e percutor interno, em bom estado de conservação e em condições mecânicas para disparar, com respectivo carregador contendo oito munições do calibre respectivo em condições de serem imediatamente disparadas, objectos que lhe pertenciam.

«157 – À mesma hora, no interior da sua residência, sita na Rua de Baixo, n.º 1, no Porto, DD tinha guardado, na sala, uma munição calibre .32 Smith & Wesson Long (equivalente a 7,65 milímetros no sistema métrico) de marca G.F.L./FIOCCHI, com projéctil cobreado, em condições de ser de imediato disparada por arma de fogo.

«158 – Nesta data, DD, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«159 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., no Porto, na sala, debaixo de uma almofada do sofá, CC tinha guardado um revólver, da marca Amadeo Rossi, de origem brasileira, possível modelo 357, com o número de série eliminado por meio de rasura mecânica, de calibre .32 Harrington & Richardson Magnum (vulgo 32 Magnum, equivalente no sistema métrico a 7,65 milímetros), de percussão central por acção directa do cão, com sistema de disparo por acção mista (simples/dupla), com tambor dotado de seis câmaras, com cano estriado, medindo cerca de 7,5 centímetros de comprimento, medindo a arma cerca de 20x11,5x3,5 centímetros, em bom estado de conservação e funcionamento, carregado com seis munições de calibre.32 Smith & Wesson Long, todas com bala totalmente em chumbo não recoberto, em condições de ser imediatamente disparadas, objectos estes sua pertença.

«160 – Nesta data, CC, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«161 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., no Porto, TT tinha guardado no seu quarto, no interior do roupeiro:

«162 – uma espingarda de cano de alma lisa, da marca FABARM, com o número de série eliminado por meio de rasura mecânica, dotada de um único cano (com o número 327928), de alma lisa, de calibre 12/76 (também conhecido por 12-3”), com cerca de 48,5 centímetros de comprimento; a espingarda tem um comprimento total de 102 centímetros; tem mecanismo de percussão central, funcionando por sistema de repetição manual accionada por fuste/guarda mão (vulgo “action-pump”); tem a alimentação por meio de um depósito tubular sob o cano, com capacidade para 7 cartuchos de calibre 12/70, ou 6 cartuchos de calibre 12/76 e encontra-se municiada com 7 cartuchos da marca “SAGA”de calibre 12/70, todos eles em boas condições, em condições de serem imediatamente disparados; estes cartuchos estavam carregados com chumbo de granulagem 7 ½; a espingarda estava em bom estado de conservação e de funcionamento;

«163 – nove cartuchos de calibre 12/70, da marca “SAGA”, carregados com chumbo de granulagem n.º 7 ½, todos em boas condições e aptos para serem imediatamente disparados;

«164 – um coldre em pele preta, próprio para acondicionar pistola;

«165 – no seu quarto, na primeira gaveta da cómoda: quatro munições de calibre 7.65 milímetros da marca SELLER & BELLOT, em boas condições e aptos para serem imediatamente disparados.

«166 – Nesta data, YY, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«167 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:05 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., Oliveira do Douro – Vila Nova de Gaia, SS estava na posse dos seguintes objectos, sua pertença, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia:

«168 – na lavandaria: - uma faca do tipo “borboleta”: com lâmina de um só gume em metal, com o contra gume serrilhado, medindo cerca de 13,5 centímetros de comprimento total de superfície perfurante e com cerca de 12 centímetros de superfície cortante (gume); tendo a lâmina oculta dentro do cabo, o qual é composto por duas partes que, quando juntas, escondem a lâmina, mas que rapidamente se separam e, fazendo uma volta de 360º sobre o seu eixo, deixam a lâmina exposta;

«169 – sete munições de calibre 6,35 milímetros (também designado por .25 ACP ou .25 Auto), sendo cinco da marca G.F.L./FIOCCHI e duas de marca SELLIER & BELLOT, em boas condições para serem disparadas por arma de fogo;

«170 – na despensa do primeiro piso: - uma embalagem de spray aerossol da marca “Euro-Paralisant”, modelo “Body Guard”de fabrico alemão, contendo 40 ml do gás denominado 2-clorobenzalmalononitrilo, também conhecido como gás CS, que é uma substância lacrimogénea que apresenta propriedades irritantes, particularmente para os olhos, mucosas, pele e vias respiratórias, e, assim, é um gás tóxico;

«171 – na sala, no interior do seu casaco - uma embalagem contendo com 10,361 gramas líquidos de cocaína,

«172 – No interior da bagageira do seu automóvel Volkswagen de matrícula ...-EF-..., estacionado junto à sua referida residência, SS tinha ainda guardado os seguintes objectos, sua pertença, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia:

«173 – um bastão eléctrico, de marca não identificada, com as inscrições “Great Power”, sem elemento identificativo de modelo ou voltagem, com corpo em plástico de cor preta e dotada de duas baterias de 9 Volts em boas condições de carga, com gatilho tipo interruptor e mecanismo de segurança para corte da corrente; encontrava-se em boa estado de funcionamento, apto a realizar descargas de centenas de milhar de volts de modo regular e eficaz;

«174 – uma faca com abertura por meio de mola (actuando sobre um botão que se encontra no punho), com cabo em alumínio e lâmina em aço do tipo corto-perfurante, com um só gume, medindo a sua extensão perfurante cerca de 9,3 centímetros e a superfície cortante cerca de 9 centímetros.

«175 – Nesta data, SS, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo.

«176 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., BB tinha guardado, na primeira gaveta da mesa-de-cabeceira do lado esquerdo do seu quarto, um «speedloader» (acessório destinado ao carregamento rápido de tambores de revólver), de modelo artesanal, totalmente construído em alumínio, contendo duas munições de calibre .32 Smith & Wesson Long, com bala totalmente em chumbo não recoberto, em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo.

«177 – Nesta data, BB, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo, ou respectivas munições.

«178 – No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua ..., em Vilar de Andorinho – Vila Nova de Gaia, ZZ tinha guardado no seu quarto, sobre o guarda-fatos uma faca de mato de marca não identificada apresentando a inscrição “Special Hunter” possuindo uma lâmina do tipo corto-perfurante, com um só gume e contra gume serrilhado, tendo o comprimento total de 33 centímetros, sendo cerca de 21 centímetros de acção perfurante e 19 centímetros de zona de gume (acção cortante), objecto que lhe pertencia, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia:

«179 – na arrecadação do seu apartamento, no interior de um armário de madeira, uma espingarda em condições de disparar com cano de alma lisa da marca “Maverick”, modelo “88”, de calibre 12, com o número de série MV87383F, de repetição manual por acção cobre fuste (vulgo “Pump”), com comprimento total de 74 centímetros, com um só cano medindo cerca de 48 centímetros de comprimento; com depósito sob o cano com capacidade para 5 cartuchos mas municiado com dois cartuchos de calibre 12, da marca “Saga”, carregados com chumbo de granulagem 7 ½, em condições de ser imediatamente disparados; não possuía coronha, tendo esta sido substituída por um punho (acessório de fábrica).

«180 – À mesma hora, no interior do seu automóvel de matrícula 29-34-ZV, estacionado junto à sua referida residência, ZZ tinha ainda guardada uma munição de calibre 6,35 milímetros, de marca CCI.

«181 – Nesse momento, na habitação sita na Escada ... no Porto, residência dos pais do arguido ZZ foi encontrada uma catana, de marca “Ferfort”, com um comprimento total de cerca de 49,5 centímetros, com um punho em madeira e com lâmina dotada de superfície corto-contundente medindo cerca de 35 centímetros de comprimento, objecto que lhe pertencia, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia.

«182 – Nesta data, ZZ, como bem sabia, não era titular de licença de detenção domiciliária ou de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo, ou respectivas munições.

«183 – Ao praticarem os factos descritos, todos os arguidos acima referidos em cada uma das situações dadas como provadas agiram com a sua vontade livremente determinada, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

«Mais se provou: (factos pessoais e percurso de vida dos arguidos):

«184 – O arguido B...P... nasceu numa família inserida na zona ribeirinha do Porto e onde residiam também os seus familiares maternos e paternos.

«185 – Tanto o arguido como a mãe caracterizaram o ambiente familiar pela coesão, pela dinâmica funcional equilibrada e pela transmissão aos descendentes de valores sociais dominantes, relacionados com a família, o respeito pelos outros e o trabalho como meio de realização social.

«186 – O pai, que faleceu há cerca de quatro anos, era uma pessoa respeitada, bem considerada no meio onde residia.

«A economia do agregado era desafogada decorrente dos rendimentos laborais do pai, corno estivador, e da mãe, como vendedora ambulante, ainda activa.

«187 – O arguido concluiu o 2° ciclo da escolaridade e, aos catorze anos, começou a trabalhar como carregador de mercadorias, mas por orientação paterna, mais tarde trabalhou numa ourivesaria, de onde saiu aos dezasseis anos, por acção da entidade fiscalizadora, dado não ter idade para exercer a actividade.

«188 – A seguir encontrou ocupação como aprendiz de encadernação, que exerceu até quase à maioridade, altura em que a oficina encerrou em situação de falência, ficando o arguido inactivo e sendo sustentado pelo apoio familiar. Paralelamente, B...P... dedicou-se à prática desportiva de boxe, de arte marcial e de musculação e participou em actividades da claque de futebol “Os super-dragões”, que abandonou há cerca de quatro anos.

«189 – Tinha dezoito anos quando casou, ficando a subsistência do casal praticamente assegurada pelos pais dele, enquanto aguardavam o nascimento do filho, cujo falecimento no final da gestação, causou um desgosto relevante. O afastamento afectivo do casal evoluiu até à dissolução ao fim de três anos.

«190 – Aos vinte e dois anos começou a viver em união de facto com a actual companheira, T...S..., residindo em Gaia, num apartamento adquirido por ela, com recurso a empréstimo bancário.

«191 – Dois anos após, o casal mudou para a actual residência, por considerar benéfica a proximidade aos familiares do arguido e para melhorar a condição habitacional tendo sido nesta fase que ocorreu o nascimento da filha do casal, actualmente, com sete anos.

«192 – O arguido e a sua família residem no mesmo prédio existindo entre todos os elementos laços de coesão e de apoio, representando o arguido o papel masculino de liderança, que assumiu após o falecimento do pai.

«193 – O arguido desempenhava a actividade de vigilante, como funcionário da empresa “Charon, Soluções de Segurança”, desde 01 de Setembro de 1997, exercendo funções no centro comercial “Arrábida Shopping”, em Gaia, com contrato sem termo.

«194 – É proprietário do estabelecimento de beleza e solário “Corpos Dourados”, sito nas imediações da sua residência, cuja gerente e única funcionária é a companheira.

«195 – Os proventos do agregado totalizam €1750 decorrentes da actividade laboral do arguido, no montante mensal médio de €750, e do lucro da actividade do solário, estimada em €1000 de média mensal, não existindo dificuldades económicas.

«196 – Na comunidade de residência e de vivência do arguido, as pessoas não quiseram emitir qualquer opinião sobre o arguido.

«197 – Os familiares revelam apoio concretizado nas visitas periódicas ao arguido e na disponibilidade para o ajudar no processo de reinserção.

«198 – Na situação privativa de liberdade, iniciada em Dezembro de 2007, regista duas infracções disciplinares por posse de telemóvel encontrado na cela que partilha com outro preso e por atitude verbal incorrecta e agressiva dirigida a guarda prisional tendo sido punido, respectivamente, com 10 e 3 dias de encerramento em cela de habitação.

«199 – Na prisão, a seu pedido, foi colocado a trabalhar na secção de desporto do estabelecimento prisional, ocupando o tempo livre em actividade gímnica de manutenção.

«200 – O arguido tem contacto periódico com os familiares e preocupa-se com que a sua filha não perceba a situação em que se encontra, levando-a a pensar que cumpre uma missão de tipo militar.

«201 – B...P... nasceu e cresceu na zona da Ribeira do Porto, integrado no núcleo familiar de origem, cujos progenitores se destacavam naquele meio social e eram conceituados quer pelas atitudes relacionais adequadas, quer pela capacidade económica que apresentavam.

«202 – O arguido AA é primário.

«203 – No que concerne ao arguido M...S... o seu processo de desenvolvimento, até aos 5 anos de idade, decorreu no contexto da família de origem. Em virtude de o progenitor ser português e a mãe angolana, o agregado dividia-se entre Portugal e Angola, tendo o nascimento do arguido e da irmã mais nova ocorrido em Lisboa, não chegando contudo a ser perfilhados pelo pai. O arguido tinha dois irmãos mais velhos de uma relação marital anterior da progenitora, que foram institucionalizados em Portugal quando ficaram órfãos de pai, para que conseguissem prosseguir os estudos.

«204 – Na sequência do falecimento dos progenitores em Angola, o pai vítima de homicídio e pouco depois a mãe vitima de envenenamento, ocorrido quando M...S... contava 5 anos, o irmão N..., então com 19 anos e internado nas Oficinas de S. José, foi buscá-lo assim como a irmã àquele país. O arguido foi integrado na referida instituição de acolhimento ao passo que a irmã foi encaminhada para adopção. Adaptou-se bem ao regime de internato, revelando capacidade de aprendizagem, tendo concluído o 9º ano de escolaridade aos 15 anos. Desde a sua institucionalização, foi sempre apoiado pela madrinha de baptismo, uma benemérita das Oficinas de S. José.

«205 – Entretanto o irmão autonomizou-se e contraiu matrimónio, mas manteve uma relação próxima com o arguido, que visitava com frequência.

«206 – Aos 11 anos, na sequência do divórcio do irmão, M...S... foi para a companhia do mesmo. Prosseguiu os estudos, mas como este trabalhava como segurança de uma discoteca, nem sempre lhe prestava os cuidados necessários e a atenção devida e assim, aos 13 anos, voltou para as Oficinas de S. José, onde se manteve até aos 16 anos, mantendo-se próximo do irmão e da madrinha, de quem usufruía de todo o apoio e com quem passava os fins-de-semana. Neste período ocupava-se frequentemente como árbitro de jogos de futebol da ‘Indoor Soccer’, uma empresa que organizava festas de aniversário para crianças.

«207 – O falecimento do irmão, vítima de um acidente de viação ocorrido a 11/07/2003, na véspera de o arguido completar 15 anos, interferiu no equilíbrio emocional do mesmo, dado tratar-se da sua única referência familiar, que considerava uma figura paterna. A partir de então a madrinha passou a assumir o papel de tutora do arguido, mantendo o apoio acima descrito.

«208 – Nas Oficinas de S. José, M...S... começou a praticar judo. Como evidenciava um grande valor na prática desta modalidade desportiva, o mestre inscreveu-o no Clube de Judo do Porto. Posteriormente foi convidado para integrar a equipa da Selecção Nacional de Juniores Masculinos, tendo participado em diversos torneios nacionais e internacionais em representação do Clube Infante Sagres.

«209 – No âmbito de um processo tutelar educativo, que teve início na sequência do envolvimento de M...S... em factos susceptíveis de consubstanciar um crime de roubo, por decisão judicial foi sujeito a uma medida tutelar de acompanhamento educativo, cujo Plano Educativo Pessoal incidia sobre a integração no mercado de trabalho e a submissão a tratamento psicológico e a um programa de treino de competências pessoais e sociais.

«210 – O arguido revelou uma adesão satisfatória às estratégias delineadas, revelando capacidade de avaliação crítica dos actos que motivaram a intervenção, tendo a referida medida sido extinta a 09/01/2007.

«211 – De 20/12/2004 a 30/11/2005, M...S... esteve sujeito à medida de coacção de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Electrónica, à ordem do processo n° 3283/04.3JAPRT da 2ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do qual foi condenado a uma pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes.

«212 – Por esta razão, o arguido abandonou as Oficinas de S. José, permanecendo inicialmente em casa da irmã mais velha e depois, por razões de alteração das condições e projectos de vida da mesma, mudou-se para uma casa pertencente à sua madrinha, que lhe prestou todo o apoio necessário.

«213 – Posteriormente, não obstante o suporte que a madrinha lhe ofereceu, M...S... optou por residir em casa de amigos, que constituem o seu principal modelo de identificação e de influência do seu comportamento.

«214 – Até Maio de 2007 residiu com um amigo num apartamento arrendado sito na Rua ..., no Porto. Depois, arrendou uma habitação de tipologia 1 sita na Rua ..., no Porto.

«215 – A 08/07/2007 M...S... foi baleado com 8 tiros à porta de uma discoteca, no Porto, na sequência do seu envolvimento numa desordem. A partir dessa altura deixou de treinar judo e de participar nos torneios daquela modalidade, abandonando assim os projectos que tinha de fazer carreira naquela área, para os quais dispunha do apoio da madrinha.

«216 – Ao nível laboral exercia actividades indiferenciadas em regime de biscates como porteiro/segurança de um estabelecimento de diversão nocturno aos fins-de-semana.

«217 – Apresentava ainda como fonte de subsistência a remuneração auferida pela sua participação em combates de ‘Vale Tudo’, uma modalidade de luta em que os praticantes utilizam ao mesmo tempo técnicas de combate de várias artes marciais, em combates realizados sobretudo em Espanha, e um rendimento proveniente do arrendamento de um imóvel que possui em Angola, herança da mãe, que recebe periodicamente através de uma tia residente naquele país.

«218 – Dedicava grande parte do seu tempo livre a actividades de lazer tais como a frequência de espaços recreativos nocturnos e o convívio com os amigos, que privilegiava, e que continuavam a ser preponderantes no seu quotidiano.

«219 – Visitava a madrinha assiduamente, com a qual mantinha um relacionamento próximo.

«220 – Mantinha desde Julho/Agosto de 2007 um relacionamento afectivo harmonioso com A...F...P...D....

«221 – No Estabelecimento Prisional o arguido tem recebido visitas de amigos, da namorada e da madrinha, mantendo estes últimos elementos total disponibilidade para lhe prestar apoio no seu processo de ressocialização, nomeadamente em termos habitacionais e económicos.

«222 – O comportamento preconizado pelo arguido em contexto prisional foi inicialmente caracterizado pelo desrespeito reiterado pelas regras vigentes, assinalando-se a aplicação de várias medidas disciplinares, nomeadamente por posse de telemóvel e por agressão a companheiro de reclusão. Contudo, nos últimos meses tem-se verificado um maior ajustamento da sua conduta às regras prisionais. O processo de desenvolvimento psicossocial de M...S... ficou marcado pela perda precoce das figuras de vinculação, o que implicou a sua institucionalização ao longo de grande parte da sua vida. Neste contexto, o grupo de pares foi adquirindo especial relevo, constituindo-se como principal modelo de conduta.

«223 – O arguido M...S... já respondeu em Tribunal.

«224 – O arguido F...M... é o mais novo de 4 descendentes de um agregado familiar de modesta condição sócio - económica. Em virtude da situação de doença psiquiátrica da progenitora e das deficientes condições habitacionais do agregado, o arguido foi entregue aos cuidados de um casal amigo da família aos 2 anos de idade.

«225 – Neste agregado, beneficiou de uma dinâmica familiar estruturada e funcional, mantendo um relacionamento estreito com a família de origem, que residia na mesma rua, em meio urbano com problemáticas sociais associadas à pobreza e marginalidade.

«226 – A família de acolhimento, constituída pelo casal e por 6 descendentes, também possuía uma situação económica difícil, que foi atenuada à medida que os filhos iam integrando o mercado de trabalho.

«227 – Embora a família de origem tenha adquirido melhores condições de vida, designadamente com o realojamento de que foram alvo quando o arguido tinha 12 anos, os progenitores não voltaram a acolhê-lo, como era sua expectativa, situação que criou sentimentos de rejeição e de abandono.

«228 – Por outro lado, a divergência dos modelos educativos transmitidos por ambas as famílias terá contribuído para um conflito de valores, designadamente quanto à questão da valorização do trabalho como meio para conseguir uma vida melhor, assumida pela família de acolhimento.

«229 – Iniciou o percurso escolar aos 6 anos, denotando desde logo dificuldades de aprendizagem, desconcentração e nervosismo, pelo que foi encaminhado para apoio psicológico, que manteve até aos 12 anos.

«230 – Abandonou o ensino aos 16 anos, com o 7° ano de escolaridade completo. Frequentou de seguida um curso de formação profissional de mecânico-auto, do qual acabou por desistir. Aos 17 anos iniciou a vida activa como ajudante de topógrafo, actividade que desenvolveu durante cerca de 2 anos e que decidiu abandonar por querer dedicar mais tempo ao convívio com os amigos e a actividades de lazer, nem sempre desenvolvidas em contextos pró-sociais.

«231 – Posteriormente colaborou com um irmão na montagem de andaimes, em regime de biscates.

«232 – Em 2006 F...M... estabeleceu uma união de facto, passando a viver com EEE, numa casa arrendada na zona da Ribeira do Porto.

«233 – Nunca apresentou hábitos de consumo de produtos estupefacientes.

«234 – A nível profissional, F...M... não exercia qualquer actividade estruturada, efectuando trabalhos de segurança em estabelecimentos de diversão nocturnos. Apesar disso, mantinha um estilo de vida confortável ao nível material, dedicando uma parte do seu quotidiano a actividades desportivas como o futebol de salão e o culturismo, sendo frequentador regular de bares e discotecas quer na Ribeira quer na Zona Industrial do Porto.

«235 – A companheira estava laboralmente activa no Bingo do Salgueiros, trabalhando por vezes em horário nocturno.

«236 – O arguido mantinha uma relação de proximidade com as duas famílias, a de origem e a de acolhimento, contactando regularmente com os elementos das mesmas.

«237 – No meio de residência de ambas as famílias, F...M... goza de uma imagem positiva ao passo que na sua área de residência, embora seja conhecido, os moradores escusam-se a prestar informações, dado o mediatismo do processo e porque muitos dos co-arguidos também ali são conhecidos, tendo família e relações de amizade com os mesmos.

«238 – No Estabelecimento Prisional instalado junto à Polícia Judiciária do Porto, o arguido recebe visitas regulares de amigos e de familiares, que lhe prestam suporte afectivo e económico.

«239 – A reclusão não fragilizou a sua vinculação à família, sobretudo à de acolhimento, que se dispõe a apoiar o arguido, quaisquer que sejam as consequências da sua situação jurídico-penal.

«240 – O arguido tem mostrado capacidade para adequar o seu comportamento às regras prisionais. Até ao passado mês de Julho recebeu visitas de EEE, que cessaram na sequência da ruptura do relacionamento.

«241 – O falecimento do ‘pai adoptivo’ em Novembro de 2008 também constituiu uma perda relevante que o fragilizou emocionalmente. F...M... encara com ansiedade e apreensão a sua situação jurídico-penal e as sanções que poderão resultar da mesma, verbalizando consciência crítica face aos crimes pelos quais vem acusado, que considera serem contrários aos valores morais que lhe foram transmitidos no seu processo educativo.

«242 – Já respondeu em Tribunal.

«243 – O arguido A...F... cresceu integrado no agregado de origem, cuja dinâmica foi condicionada pelo alcoolismo paterno e por acentuadas dificuldades económicas, sendo o pai, já falecido, empregado numa vidraria, e a mãe, vendedora ambulante.

«244 – Foi a progenitora quem conduziu o processo educativo, caracterizado pela atitude global desculpabilizante e pela dinâmica relacional conflituosa.

«245 – O seu agregado está inserido no bairro da Ribeira do Porto, zona caracterizada pela implantação de comércio tradicional, de estabelecimentos de lazer e de diversão nocturna e de serviços orientados para o turismo, onde se regista elevada incidência de problemáticas de exclusão social e criminal.

«246 – Esteve na escolaridade até aos treze anos, sem concluir o 1º ciclo do ensino básico, e cedo procurou auferir proventos, quer pelos gratificados que obtinha por encaminhar motoristas para lugares de parqueamento, quer por prestar pequenos serviços a particulares e a estabelecimentos comerciais.

«247 – A nível laboral foi aprendiz num talho, cumpriu seis meses de serviço militar e depois trabalhou numa empresa de montagem de andaimes, quase três anos, orientado por um dos irmãos, funcionário na mesma.

«248 – Foi praticante de futebol em clubes da zona e de actividades gímnicas, e no contexto social do grupo de pares iniciou consumos de haxixe que manteve até a actualidade.

«249 – Aos vinte e dois anos iniciou uma união de facto, passando a estar integrado no agregado de origem da companheira, na constância da qual nasceram três descendentes. Decorridos três anos o relacionamento com a companheira, caracterizado como conflituoso agressivo cessou e A...F... regressou à casa da mãe, quando já estava em inactividade laboral, há quase dois anos.

«250 – Os contactos com o sistema de justiça penal iniciaram-se quando o arguido contava dezasseis anos de idade, registando desde então três condenações em penas não privativas de liberdade, pela prática de crimes de ofensa à integridade física.

«251 – Em finais de 2007, o arguido residia com a mãe, na morada que consta nos autos e não tinha um modo de vida definido em termos de ocupação laboral, subsistindo com os apoios da mãe e do irmão e dos ganhos que obtinha pela prestação de serviços ocasionais, como ajudante de mudanças de móveis, meios que considerava serem suficientes para a manutenção do seu estilo de vida.

«252 – No meio residencial A...F... foi referenciado pelo comportamento caracterizado pela atitude de confronto físico fácil em situações relacionais com pares de outras zonas. Assim, o arguido foi particularizado pela componente agressiva que caracterizou várias das suas atitudes nas relações interpessoais, em contextos que percepcionou como provocatórios ou numa atitude de afirmação/supremacia sobre os outros.

«253 – O apoio do irmão e da companheira deste, no decurso do período de reclusão manteve-se e está perspectivado para facilitar o processo de reinserção do arguido.

«254 – Mantinha um contacto próximo com os filhos e com a ex-companheira, mas contribuía sem regularidade para o seu sustento.

«255 – Tendo-lhe sido notado o baixo nível de escolaridade, factor que dificulta o processo de reinserção e impede a sua candidatura a cursos de formação profissional, aderiu à frequência do 1° ciclo no pretérito ano lectivo, mas cedo desistiu, e ocupou o quotidiano prisional na prática de actividades de manutenção gímnica, no ginásio, na visualização de filmes e em jogos de consola, na cela.

«256 – A ex-companheira deixou de o visitar e o contacto com os filhos tem sido prejudicado.

«257 – Já respondeu em Tribunal.

«(…) (18)

«Dos Pedidos de Indemnização Civil:

«Da assistente M...F...J...de S...:

«339 – A morte de seu filho, nas circunstâncias em que ocorreu, causou, na assistente, sua mãe, profundo abalo, forte comoção e um enorme desgosto, tanto mais que o seu filho não teve morte imediata, ter-se-á apercebido do que se estava a passar, tentou proteger-se, acabando por cair prostrado na via pública onde agonizou alguns minutos só depois vindo a falecer.

«340 – A morte deu-se a poucos metros de sua casa, tendo a assistente acordado sobressaltada com o barulho dos disparos, ouvindo ainda os gritos do seu filho HH. Saiu de casa e dirigiu-se ao local onde viu o seu filho prostrado no chão imagem que não consegue apagar da sua memória, apesar do tempo já decorrido até ao presente.

«341 – Em consequência destes factos a assistente tem, desde então, dificuldades em adormecer, acordando frequentemente com pesadelos e ataques de choro.

«342 – Durante o dia tem dificuldade de concentração, não consegue encarar o futuro com tranquilidade, razão pela qual se encontra a ser seguida na especialidade de psiquiatria.

«Da menor A... A...F...S...C...

«343 – GG nasceu a 23 de Novembro de 1974 em Nossa Senhora da Graça, cidade da Praia, Cabo Verde.

«344 – Veio para Portugal, onde como cidadão estrangeiro, estabeleceu residência, iniciou a sua actividade profissional e permaneceu, até à data da sua morte em 29 de Novembro de 2007.

«345 – Viveu maritalmente com M...de F...S...da R...C..., com quem, em 27 de Março de 2001, teve uma filha,A....

«346 – No dia 29 de Novembro de 2007, cerca das 4:00 horas, na Rua ... o pai da requerente foi alvo de diversos disparos com arma de fogo efectuados na sua direcção, que o atingiram e causaram as lesões, constantes do relatório de autópsia e que foram causa directa e necessária da sua morte.

«347 – O GGG tinha, à data da sua morte 34 anos de idade. Era um homem jovem com alegria de viver e muito estimado pela família e amigos pelo que a sua morte lhes causou tristeza.

«348 – Era uma pessoa responsável e trabalhadora, que prestava grande apoio familiar a sua filha, sendo ele quem suportava as despesas escolares e de saúde, contribuindo, ademais com o pagamento atempado dos alimentos que judicialmente tinham ficado estabelecidos no montante mensal de 75,00 €.

«349 – AA... sofre com a morte do seu pai, sentindo a sua falta e sentindo igualmente alterações nas suas condições de vida

«350 – Na escola diminuiu a sua concentração, estando a ter acompanhamento psicológico.

«De FF:

«351 – Este ofendido vive em Miragaia, sendo aqui o centro familiar na casa de sua mãe, senhora viúva e reformada onde se reúnem, pelo menos aos domingos, os seis irmãos.

«352 – Relativamente aos factos ocorridos no dia 28 de Novembro de 2007 o demandante ficou com a sua viatura automóvel danificada, mercê dos disparos efectuados pelos arguidos AA e F...M..., tendo participado tais danos à companhia de seguros, tendo, contudo, de suportar o valor da franquia no valor de 2.235,06 €.

«353 – Desde a noite de 29 de Novembro de 2007, não mais teve sossego, passando a viver amedrontado, pensando que a sua vida poderia ter acabado ali e inquietado pela imagem do seu irmão prostrado no chão.

«De HH,

«354 – Desde a noite dos factos que ocasionaram a morte a seu irmão o demandante não mais teve sossego, passou a viver com receio. Acorda muitas vezes sobressaltado com a imagem do irmão prostrado no chão. Pensa também muitas vezes que a sua vida poderia ter acabado ali.

«De II,

«355 – Desde a noite em que se deu a morte do GGG o demandante não teve mais sossego, vive aterrorizado com a imagem dos arguidos a dispararem.

«356 – Foi durante muitos anos empregado da J.C.A.- Telecomunicações Ldª, no Arrábida Shopping.

«357 – Depois do sucedido veio a perder o seu emprego, pois deixou de ser assíduo, com medo de se cruzar com o arguido AA que também ali trabalhava, vindo a ser despedido.

«358 – Desde essa noite sente ter a sua cabeça a prémio. Acorda sobressaltado.

«359 – Sente muito medo e passou a viver aterrorizado com a ideia de que podia ter deixado para sempre o seu filho.

De JJ,

«360 – Os factos ocorridos consigo e com os seus amigos, que presenciou, abalaram-no fortemente e fizeram com que tivesse passado a viver com medo.

«361 – Na madrugada do dia 29 de Novembro o veículo automóvel em que seguia de marca “Smart Fortwo” foi atingido pelos disparos, um deles estilhaçando o tejadilho panorâmico do referido veículo.»


***

2. O Objecto dos recursos

2.1. Sobre a motivação do recurso e conclusões, estatui o n.º 1 do artigo 412.º do CPP que «a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».

A motivação compreende, portanto, dois ónus: o de alegar e o de concluir.

O recorrente deve começar por expor todas as razões da impugnação da decisão de que recorre (enunciar especificamente os fundamentos do recurso) e, depois, indicar, de forma sintética, essas mesmas razões (formular conclusões em que resume as razões do pedido).

Como, com plena actualidade, ensinou Alberto dos Reis (19) , a propósito do artigo 600.º do Código de Processo Civil (na redacção do artigo 8.º do Decreto n.º 38387, de 8-8-951):

«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais (...), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação (...).

«(...) No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados, e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.

«É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»

Dispondo o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”, não restam dúvidas de que as conclusões devem constituir um resumo explícito e claro dos fundamentos do recurso, indicando, com precisão, as razões por que se pede o provimento do recurso.

Aliás, tem sido repetidamente afirmado que são as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior. «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.» (20).

2.2. Do recorrente B...P...

Em extensas e prolixas conclusões que, manifestamente, não cumprem a função de resumir os fundamentos do recurso, o recorrente B...P... suscita as questões:

da inexistência jurídica do processo (conclusões 7 a 19);

da violação do princípio da lealdade processual pelo Ministério Público (conclusões 20 a 47);

quanto aos factos de 3 de Maio de 2007 (ofendido EE):

da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia sobre as questões da valia probatória do reconhecimento fotográfico, da valoração probatória da denúncia criminal, da valoração probatória das declarações do ofendido (conclusões 49 a 52);

da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre a questão da insuficiência dos factos provados para a decisão (conclusões 53 a 58);

da contradição insanável da fundamentação, a conformar o vício da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (conclusões 59 a 65):

da qualificação jurídica do crime de ofensa à integridade física (conclusões 66 a 78);

quanto aos factos ocorridos em 28 e 29 de Novembro de 2007:

da omissão de pronúncia sobre ilegalidades probatórias invocadas e da utilização de prova proibida (conclusões 79 a 83 e 96 e 97);

quanto aos factos ocorridos em 28 de Novembro de 2007 (ofendido FF):

da violação do princípio in dubio pro reo, a conformar o vício da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (conclusões 84 a 95);

quanto aos factos ocorridos em 29 de Novembro de 2007 (ofendidos FF, HH, LL, II e JJ):

da nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da insuficiência de prova para a conclusão de direito (conclusões 98 e 99);

da insuficiência da matéria de facto provada para a sua condenação pela prática de cinco crimes de homicídio, na forma tentada (conclusões 100 a 107);

da incompatibilidade entre dolo eventual e tentativa (conclusões 108 a 115);

no âmbito das penas:

do excesso de pronúncia cometido no acórdão recorrido por não ter reconhecido a falta de fundamentação do acórdão da 1.ª instância quanto à não opção por penas de multa, nos crimes punidos em alternativa com prisão ou multa, quanto à não suspensão da execução das penas que a admitiam, quanto à determinação da pena única (conclusões 116 a 126);

da condenação em pena de multa, quanto aos crimes de detenção de arma proibida (conclusões 127 a 146);

da suspensão da execução das penas, quanto aos crimes cuja pena foi fixada em quantum inferior a 5 anos (conclusões 127 a 146);

da redução da pena pelo crime de homicídio na forma tentada de que foi vítima FF e da suspensão da execução da mesma (conclusões 127 a 145 e 147);

da redução da pena pelo crime de homicídio de GG (conclusões 127 a 145 e 147);

da redução da pena única (conclusão 148):

2.3. Dos recorrentes M...S... e F...M...

Nas duas únicas conclusões formuladas – as quais também não cumprem a função de delimitarem, com clareza, as questões que querem ver apreciadas por este Supremo Tribunal – e sem prejuízo da necessidade de as mesmas serem integradas com a análise da própria motivação, como, adiante, se verá, os recorrentes parecem querer centrar-se em duas únicas questões:

da violação do princípio in dubio pro reo (conclusão 1);

da medida da pena (conclusão 2).

2.4. Do recorrente A...F...

Emergem das conclusões que formulou as seguintes questões:

da nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada falta de fundamentação da matéria de facto dada por provada nos pontos 102 e 103 (conclusões c) e d));

da nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a questão que invocou de nunca ter sido visto a disparar qualquer arma (conclusões e) e f));

da nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada violação do princípio da presunção de inocência (conclusão g));

da qualificação jurídica dos crimes de homicídio, consumado e na forma tentada (conclusão h));

das medidas das penas (conclusões i) a n)).


***

3. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação e os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça

3.1. Os recursos para este Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação são admissíveis, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, segundo o qual [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça], “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

Interessa começar por considerar a alínea f) do artigo 400.º

Segundo o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

São, assim, dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos na norma: o acórdão da relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicada na relação não ser superior a 8 anos de prisão.

A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na actual redacção, na medida em que limita a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional (21)..

Aliás, nesta matéria, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme segundo a qual o legislador ordinário goza da máxima liberdade de conformação concreta do direito ao recurso, desde que salvaguarde o direito a um grau de recurso.

Havendo recurso para a relação e confirmação da decisão de 1.ª instância (a chamada dupla conforme), só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão.

Por isso, no caso de concurso de crimes e verificada a “dupla conforme”, sendo aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes em concurso, penas que, seguidamente, por força do disposto no artigo 77.º do CP, são unificadas numa pena única, haverá que verificar quais as penas superiores a 8 anos e só quanto aos crimes punidos com tais penas e/ou quanto à pena única superior a 8 anos é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Na verdade, a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º não comporta o entendimento de que a circunstância de o recorrente ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão assegura a recorribilidade de toda a decisão, compreendendo-se, portanto, todas as condenações ainda que inferiores a 8 anos de prisão (22).

E, a propósito da transcrição efectuada pelo recorrente B...P..., na resposta ao parecer do Ministério Público, para sustentar a recorribilidade de “toda a decisão”, será de lhe lembrar que omitiu a parte final do texto que transcreveu. Certamente por mera distracção pois, se nessa parte tivesse atentado, seguramente não seria tão afoito na defesa do entendimento que sustenta.

Escreve, com efeito, Paulo Pinto de Albuquerque (23):

«…)

«Portanto, é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al.ª f) que vede o recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem a cada um dos crimes em concurso penas concretas inferiores a oito anos de prisão, mesmo que a pena conjunta seja superior a oito anos de prisão. Mas já é admissível a interpretação que restrinja a competência do STJ à questão do cúmulo jurídico e da fixação da respectiva pena.»

Assim, no caso, na medida em que os recorrentes foram condenados em pena parcelar superior a 8 anos e pena única superior a essa medida, mostra-se assegurada, no estrito âmbito das condenações por que sofreram essas penas, a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da relação.

3.2. Pronunciou-se o Ministério Público pela irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas quanto às questões da inexistência jurídica do processo e da violação do princípio da lealdade processual, suscitadas pelo recorrente B...P..., pela sua natureza de questões interlocutórias.

Trata-se, com efeito, nos dois casos, de questões interlocutórias, intermédias.

E a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP estatui que [não é admissível recurso] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.

No entanto, as decisões sobre essas questões, embora proferidas “no recurso” não foram proferidas “em recurso”.

Essas questões foram suscitadas, pelo recorrente B...P..., pela primeira vez, no recurso que interpôs para a relação, pelo que a relação conheceu delas ex novo. Entendemos, por isso, que o recurso para o Supremo, quanto a essas questões, deve ser admitido, sob pena de supressão de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso (24), quanto a elas.

3.3. Nos termos do artigo 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Não sendo, portanto, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com a finalidade de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento (de facto) ou mesmo em razão de vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

Pois, como se escreveu no acórdão, deste Tribunal, de 21/02/2008 (processo n.º 4805/06-5.ª secção) e, aqui, entendemos dever reproduzir, «a revista alargada ínsita no art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do CPP de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»). Esta revista alargada (do STJ) deixou, porém, de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (arts. 427.º e 428.º, n.º 1). Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º, al. c)) dirige o recurso directamente ao STJ e, se o não visar, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º, al. b)). Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa».

“Não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação.

“O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP).” (25)


***

4. Por razões de precedência lógica há que começar por referir as questões introduzidas nos recursos cuja inviabilidade é manifesta e esclarecer as razões da rejeição dos recursos, quanto a esses aspectos, no quadro da fundamentação legalmente requerida que é a de uma sumária especificação dos fundamentos da decisão, nessa parte (n.º 2 do artigo 420.º do CPP).

4.1. No caso, verifica-se que o acórdão da relação, só não confirmou a decisão da 1.ª instância quanto:

– a um crime de detenção de arma proibida por que B...P... tinha sido condenado;

– às penas únicas aplicadas a B...P... e F...M....

Em tudo o mais, o acórdão da relação confirmou o acórdão da 1.ª instância.

Na perspectiva das penas aplicadas, há a considerar:

– quanto ao recorrente B...P..., pelos crimes de detenção de arma proibida, de detenção ilegal de arma, de ofensas à integridade física qualificadas, de coacção e de homicídio qualificado, na forma tentada, foi condenado em penas de prisão, cada uma delas inferior a 8 anos de prisão;

– quanto ao recorrente M...S..., pelos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, e de detenção ilegal de arma e de munição foi condenado em penas de prisão, cada uma delas inferior a 8 anos de prisão;

– quanto ao recorrente F...M..., pelos crimes de homicídio, na forma tentada, de detenção de arma proibida, de coacção, de detenção ilegal de arma, foi condenado em penas de prisão, cada uma delas inferior a 8 anos de prisão; e

– quanto ao recorrente A...F..., pelos crimes de homicídio, na forma tentada, de detenção ilegal de arma e de munição, foi condenado em penas de prisão, cada uma delas inferior a 8 anos de prisão.

Pelo crime de homicídio qualificado (consumado) todos os recorrentes foram condenados em penas superiores a 8 anos de prisão e, necessariamente, todos os recorrentes foram condenados em penas únicas superiores a 8 anos de prisão.

Como tal, apenas relativamente aos crimes de homicídio em que foram condenados e às penas únicas em que também foram condenados é que os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da relação são admissíveis.

Sendo-o, também, o recurso do recorrente B...P... quanto às duas questões processuais, pelas razões antes referidas, em 3.2.

4.2. O recorrente B...P... incluiu, no objecto do seu recurso, várias questões que se referem ao crime de ofensas à integridade física qualificada (nulidades do acórdão, por omissão de pronúncia, contradição insanável da fundamentação, impugnação da qualificação jurídica dos factos, proibição de prova), ao crime de coacção (violação do princípio in dubio pro reo), aos crimes de homicídio na forma tentada (nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, proibição de prova, impugnação da qualificação jurídica dos factos, incompatibilidade entre a tentativa e o dolo eventual) e, ainda, quanto a estes crimes e aos crimes de detenção de arma proibida e de detenção ilegal de arma, questões respeitantes a excessos de pronúncia, à não opção pela pena de multa, às medidas das penas e à aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena, conforme mais pormenorizadamente se referiu quando foram definidas as questões objecto dos recursos (cfr. supra, ponto 2.2.).

Tendo havido, quanto a esses crimes, confirmação total, em recurso, pela relação, do acórdão condenatório da 1.ª instância, e tendo o recorrente B...P... sido condenado, por cada um desses crimes, em penas de prisão inferiores a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto a todas as questões que lhes respeitem, conforme supra, ponto 3.1., se deixou esclarecido.

Assim, o recurso do recorrente B...P..., na parte em que convoca a apreciação de questões com exclusiva conexão aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, de coacção, de homicídio na forma tentada, de detenção de arma proibida e de detenção ilegal de arma é rejeitado, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

4.3. O recorrente A...F... também incluiu no seu recurso questões que se referem aos crimes por que foi condenado em penas de prisão inferiores a 8 anos (as nulidades do acórdão, antes especificadas, quando foi definido o objecto do seu recurso, a questão da qualificação jurídica dos crimes de homicídio, na forma tentada, as relativas às medidas das penas).

Na estrita medida em que essas questões se refiram aos crimes de homicídio, na forma tentada, e de detenção ilegal de arma e de munição, em que foi condenado, em penas de prisão, cada uma delas inferior a 8 anos de prisão, e tendo havido, quanto a esses crimes, confirmação total, em recurso, pela relação, do acórdão condenatório da 1.ª instância, o recurso não é admissível.

Assim, o recurso do recorrente A...F..., na parte em que convoca a apreciação de questões com exclusiva conexão aos crimes de homicídio, na forma tentada, e de detenção ilegal de arma e de munição, é rejeitado, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

4.4. Os recorrentes M...S... e F...M... formularam uma conclusão invocando a violação do princípio in dubio pro reo e, de forma vaga e genérica, justificam essa alegação “porquanto toda a prova pericial, bem assim (com) o depoimento das testemunhas e a versão dos arguidos concluiria por uma hipotética possibilidade dos factos terem ocorrido tal como relatado por estes arguidos e corroborado pelas testemunhas de acusação e peritos”.

Se, imediatamente, dela parecia resultar uma estrita impugnação da decisão sobre matéria de facto, a análise da motivação, na parte susceptível de conformar a respectiva fundamentação, não deixa dúvidas de que os recorrentes visam impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto e tanto no que respeita aos factos relativos ao crime de homicídio, como aos factos que respeitam aos crimes de homicídio na forma tentada e aos crimes de detenção de arma e o recorrente F...M..., ainda, aos factos relativos ao crime de coacção.

Na verdade, os recorrentes dedicam-se a referir a versão dos factos que forneceram em audiência, depoimentos prestados em audiência, transcrevendo partes de depoimentos e fazendo referências aos suportes técnicos da gravação da prova, e a prova pericial para, da análise que dela fazem, concluírem que o tribunal não poderia ter adquirido uma convicção de certeza quanto a terem eles comparticipado na prática dos factos ocorridos na madrugada de 29 de Novembro de 2007 (homicídio de GG e homicídios tentados de FF, HH, LL, II e JJ) e quanto a ter o recorrente F...M... comparticipado, ainda, nos factos ocorridos na madrugada de 28 de Novembro de 2007 (crime de coacção).

E é, também, no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que os mesmos recorrentes invocam os vícios das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, uma vez que, sem qualquer referência ao texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que continuam a salientar é que a prova produzida (cartucho localizado em Miragaia e depoimento da testemunha FF) não permitia ao tribunal ter adquirido uma convicção de certeza quanto a terem comparticipado nos factos ocorridos em 29 de Novembro de 2007.

Por conseguinte, os recorrentes centram-se na impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto pretendendo que não foi produzida prova que permitisse dar por assentes os factos que os constituem co-autores dos crimes por que foram condenados. E é nessa dimensão que invocam o princípio in dubio pro reo o qual, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Opera, exclusivamente, sobre o regime do ónus da prova – a dúvida resolve-se a favor do arguido.

O exercício a que os recorrentes se dedicaram mostra-se absolutamente inconsequente no contexto de um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo âmbito é restrito ao reexame da matéria de direito, não sendo, portanto, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com a finalidade de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento (de facto).

Ou seja, para além de desconsiderarem a limitação à admissibilidade do recurso da relação para o Supremo Tribunal de Justiça que decorre da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP (cfr. supra, ponto 3.1.) os recorrentes ignoraram, em absoluto, que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

O recurso da relação para o Supremo Tribunal de Justiça – puramente, de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», como já dissemos (cfr. supra, ponto 3.2.).

“Tendo o recorrente podido dispor do seu recurso de apelação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhe ficou pedir depois ao Supremo Tribunal, em revista, a reapreciação da decisão de facto tomada pela relação.

“E isso porque a competência das relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a relação, bem como as que poderiam ter sido.” (26)

Assim, o recurso dos recorrentes M...S... e F...M..., na parte em que convocam a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, é rejeitado, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 434.º e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.


***

5. Passaremos, agora, a conhecer das restantes questões postas nos recursos.

Por razões de lógica precedência, entre elas, e em função da ordem dos recursos em que são colocadas, serão abordadas segundo a seguinte ordenação:

a questão da inexistência jurídica do processo, suscitada pelo recorrente B...P...;

– a questão da violação do princípio da lealdade processual pelo Ministério Público, suscitada pelo recorrente B...P...;

– a questão da omissão de pronúncia sobre ilegalidades probatórias invocadas e a questão da utilização de prova proibida, colocadas pelo recorrente B...P... mas, em razão da restrição à admissibilidade do recurso, no estrito âmbito do crime de homicídio (consumado);


– a questão do excesso de pronúncia cometido no acórdão recorrido por não ter reconhecido a falta de fundamentação do acórdão da 1.ª instância quanto à determinação da pena única, colocada pelo recorrente B...P...;

– as questões da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, colocadas pelo recorrente A...F... (nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada falta de fundamentação da matéria de facto dada por provada nos pontos 102 e 103, nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a questão que invocou de nunca ter sido visto a disparar qualquer arma, nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada violação do princípio da presunção de inocência) mas, em razão da restrição à admissibilidade do recurso, no estrito âmbito do crime de homicídio (consumado);

– a questão da qualificação jurídica do crime de homicídio, suscitada pelo recorrente A...F...;

– as questões relativas à(s) medida(s) da(s) pena(s), colocadas por todos os recorrentes.


***

5.1. A questão da inexistência jurídica do processo, suscitada pelo recorrente B...P...

Vem o recorrente sustentar, em síntese, «que o n.º 5 do artigo 264.º do CPP, interpretado no sentido de que, no inquérito, o Ministério Público tem competência para operar a separação de processos, ainda que o processo já tenha sido presente ao juiz de instrução, muitas vezes para praticar, ordenar e autorizar a quase totalidade dos actos a que se referem os artigos 268.º e 269.º e múltiplas disposições dispersas pelo Código de Processo Penal e por outras tantas leis, viola o due process of law e o disposto nos artigos 32.º, n.os 1, 4, 7 e 9, 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 9.º do Código Civil, 17.º, 30.º e 268.º, n.º 1, alínea f), daquele Código», pretendendo, por via disso, que o despacho do Ministério Público que ordenou a “separação” padece do vício de inexistência jurídica, sendo, como tal, ineficaz.

5.1.1. Refere-se o recorrente a um despacho proferido pelo Ministério Público, a fls. 5837 e ss., dos autos, antes da dedução da acusação – pela qual foi definido o objecto do presente processo – ordeN... a separação do inquérito relativo ao homicídio consumado de MM e ao homicídio tentado de NN.

Pretende o recorrente que, com a prolação desse despacho, o Ministério Público invadiu a esfera de competência do juiz de instrução, tratando-se, pois, de um acto que traduz usurpação da função jurisdicional, vício que deverá ser tido como de inexistência jurídica, a acarretar a sua inexequibilidade.

Para a reposição da legalidade violada, sugere o recorrente a baixa do processo à fase de inquérito, «impossibilitando em qualquer caso o testemunho em julgamento de arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo cujo processo haja sido “separado” pelo Ministério Público».

5.1.2. Esta questão foi suscitada pelo recorrente, pela primeira vez, no recurso interposto, para a relação, do acórdão da 1.ª instância.

Tratando-se de um vício de tamanha gravidade, que, na sua perspectiva, fulminaria o processo de inexistência jurídica, e tendo ele sido cometido antes da dedução da acusação, não deixa de surpreender o facto de o recorrente só o ter invocado no recurso interposto para a relação, “desconhecendo-o”, antes disso, nomeadamente, na contestação, na qual se limitou a oferecer o mérito das suas declarações prestadas em audiência e alegar o que de mais favorável resultasse da audiência de discussão em julgamento

No acórdão da relação, a questão foi decidida como segue:

«Da inexistência jurídica do despacho que ordenou a separação dos processos

«O arguido B...P... questiona a admissibilidade e legalidade da separação de processos efectuada pelo M. Público antes de proferir a acusação pública nestes autos.

«Efectivamente a fls. 5837 e seguintes o M. Público determinou a separação dos processos relativamente aos homicídios consumado de MM e tentado de NN, atenta a premência de prolongar as investigações relativamente à identificação dos agentes envolvidos nestes factos e a necessidade de deduzir acusação nos presentes autos face à circunstância de os arguidos B...P..., M...S..., F...M..., e A...F... se encontrarem em prisão preventiva.

«Entende o recorrente que só o juiz de instrução é competente para determinar a separação de processos quando os autos já lhe tenham sido presentes e por isso a separação em causa ordenada pelo M. Público padece do vício de inexistência jurídica que cumpre a este tribunal superior declarar.

«Ora, nos termos do disposto no art. 264 do CPP é competente para a realização do inquérito e para a prática dos actos de inquérito, o Ministério Público, sendo correspondentemente aplicável durante esta fase processual o disposto nos artigos 24 a 30 do CPP. – nº 5 do preceito legal citado.

«A prática dos actos de inquérito pelo M. Público em nada ofende a Constituição, antes consubstancia uma consequência da estrutura acusatória do processo penal português. (-)

«Ora, a separação de processos, ora posta em causa, surge na sequência da determinação de apensação do inquérito relativo à morte de GG e outros, conforme despacho do M. Público a fls. 727 dos autos.

«Na verdade, e face ao disposto no art. 264 nº 5 do CPP resulta para nós evidente que a competência para ordenar a apensação ou separação de processos durante a fase de inquérito pertence ao M. Público, não estando reservada ao juiz de instrução, como resulta da interpretação conjugada do preceito legal citado, com o disposto nos artigos 268 e 269, ambos do CPP, que estabelecem quais os actos a praticar ou autorizar pelo juiz de instrução.

«Assim sendo, não se vislumbra qualquer invasão do M. Público nas competências do juiz de instrução, pelo que, nunca se poderia configurar o alegado vício de inexistência jurídica, o qual embora não se encontre expressamente previsto na lei, consiste na manifestação mais grave de invalidade, já que pressupõe a falta de elementos essenciais à substância do acto, que o impedem de produzir efeitos.

«Na verdade, no caso concreto, não se vislumbra qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, no despacho que ordenou a separação de processos improcedendo, pelo exposto, os argumentos do recorrente.»

5.1.3. A apensação de inquéritos, para investigação conjunta de uma pluralidade de crimes, foi determinada pelo Ministério Público, por despacho proferido em 06/12/2007 (fls.727 dos autos).

Por despacho de 17/12/2008 (fls. 5837 e ss.), o Ministério Público determinou a “separação de processos” no que respeita aos disparos de arma de fogo realizados no dia 27/08/2007, sobre MM e NN, que atingiram o primeiro e lhe provocaram a morte, com fundamento na necessidade de prosseguirem as investigações, quanto a estes factos, nomeadamente, para ser esclarecida a identidade dos indivíduos que os praticaram e isto porque estava quase esgotado o prazo de duração máxima da prisão preventiva, sem ter sido deduzida acusação, quanto aos arguidos B...P..., M...S..., F...M... e A...F....

Assim, a separação do inquérito relativo aos factos ocorridos em 27/08/2007 e a dedução da acusação contra aqueles arguidos, apenas pelos crimes a que se reportavam os restantes inquéritos, permitia, por um lado, o prosseguimento das investigações quanto a esses factos, no inquérito separado, sem que, por outro lado, viesse a ocorrer a libertação dos arguidos, por se ter esgotado o prazo de duração máxima da prisão preventiva, sem ter sido deduzida a acusação.

5.1.4. O enunciado que antecede leva a uma imediata primeira constatação.

O inquérito que foi «separado» respeita a factos que não são os que constituem o objecto deste processo, ou seja, os factos por que o recorrente (e outros) foram acusados, julgados e condenados, neste processo.

Na tese do recorrente B...P..., pretendendo-se que o despacho que ordenou a separação desse inquérito está ferido de inexistência jurídica, esse vício respeitará, então, ao inquérito separado e as consequências que desse vício adviriam repercutir-se-iam no processo a que esse inquérito viesse a dar origem.

Se o Ministério Público não podia ordenar a separação do inquérito relativo aos factos ocorridos no dia 27/08/2007, seria a investigação, em inquérito autónomo desses factos, seria a acusação, que viesse a ser deduzida no inquérito autónomo, desses factos, seria o julgamento, em processo autónomo, desses factos, seria a decisão proferida na sequência desse julgamento, em processo autónomo, que seriam afectadas pelo vício original e prévio da “separação do inquérito”, quanto a eles.

Quer dizer, a sustentada inexistência do despacho de separação de processos, a ter viabilidade, só poderia relevar no âmbito em que se verificaria – o inquérito separado – não atingindo o processo em que ela não tem repercussão. A não poder “separar” os factos de 27/08/2007, para que a sua investigação prosseguisse em inquérito autónomo, teria o Ministério Público uma de duas opções: ou prosseguia com as investigações no inquérito primitivo, o que poderia retardar excessivamente o julgamento do recorrente (e outros) pelos factos objecto deste processo, ou encerrava o inquérito, produzindo um despacho de arquivamento, quanto aos factos de 27/08/2007, com grave risco para a pretensão punitiva do Estado, e deduzia acusação, quanto aos restantes factos, precisamente aqueles que compreendeu na acusação objecto do processo.

Ou seja, dito de outro modo. Se o Ministério Público não tinha competência para determinar que prosseguisse, em inquérito autónomo, a investigação relativa aos factos ocorridos em 27/08/2007, a “inexistência” respeitaria ao inquérito autónomo e à eventual acusação que, no âmbito dele, viesse a ser deduzida, bem como à fase de julgamento que viesse a originar, não atingindo, por qualquer modo, o inquérito no qual se determinou que, uma parte dele, seria “separada” para passar a ser objecto de inquérito autónomo e termos subsequentes.

O problema relativo à insusceptibilidade de o despacho do Ministério Público produzir efeitos jurídicos está, portanto, mal colocado porque, a ser como o recorrente sustenta que é, os efeitos jurídicos desse despacho só se produzem no inquérito separado, a que deu origem, e não no inquérito amputado dos factos que passaram a constituir o objecto do inquérito separado. Pela simples razão de a investigação autónoma dos factos ocorridos em 27/08/2007 não interferir, de nenhum modo, no julgamento do recorrente (e outros) pelos restantes factos. Julgamento a que sempre seria(m) submetido(s), quer houvesse quer não houvesse separação de inquéritos, na medida em que o inquérito primitivo tinha permitido (e já tinha permitido, à data em que foi determinada a separação) deduzir acusação pelos factos pelos quais o recorrente (e outros) foram submetidos a julgamento, neste processo.

Razões por que, se mais não houvesse, o recurso, nesta parte, nunca poderia proceder.

5.1.5. O artigo 30.º, n.º 1, do CPP dispondo que, «oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns dos processos» sempre que se verificar uma das situações que elenca, não comporta uma reserva de competência do tribunal para a separação de processos.

A separação de processos cabe à autoridade judiciária com competência para dirigir o processo consoante a fase em que o mesmo se encontre.

Assim, na fase de instrução, é competente para determinar a separação de processos o juiz de instrução e, na fase de julgamento, a competência, para esse efeito, cabe ao tribunal (ao juiz de julgamento, se o processo houver de ser julgado perante tribunal singular, ao juiz presidente, se o processo houver de ser julgado perante tribunal colectivo).

Na fase de inquérito, a competência para a separação de inquéritos é da autoridade judiciária com competência para a direcção do inquérito – o Ministério Público (artigo 263.º, n.º 1, do CPP).

A competência do Ministério Público para determinar a conexão de inquéritos e para determinar a separação de inquéritos decorre também do n.º 5 do artigo 264.º do CPP, na medida em que, nesse número, se afirma expressamente que à determinação da competência para a realização do inquérito é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 24.º a 30.º do CPP.

Ora, contendo o artigo 30.º, n.º 1, do CPP a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos e decorrendo do n.º 5 do artigo 264.º a aplicação dessa norma ao inquérito, não parece que outro possa ser o alcance da “aplicação correspondente” do artigo 30.º que não o de atribuir ao Ministério Público, competente para o inquérito, o poder (poder-dever) de fazer cessar a conexão de inquéritos e determinar a separação dos inquéritos nos casos exemplificados nesse artigo 30.º, n.º 1, do CPP.

Por outro lado, as determinações relativas à conexão ou separação de processos não integram o elenco dos actos a praticar, ordenar ou autorizar pelo juiz de instrução (artigos 268.º e 269.º do CPP) e não se divisa qualquer norma que expressamente as reserve ao juiz de instrução.

Temos, assim, que, na fase de inquérito, a competência para ordenar a separação de inquéritos é da competência do Ministério Público.

Irrestritivamente, para uns. Paradigmático, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/02/2002 (processo n.º 140/2001) (27), com uma fundamentação essencialmente concordante com a que vimos de explanar.

Com ressalvas, para outros.

Paulo Pinto de Albuquerque (28) toma posição, na polémica, e dá conta da jurisprudência divergente na matéria.

Reconhece que, na fase de inquérito, a separação de inquéritos pode ser ordenada pelo Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido, do assistente ou do lesado, afirmando, até, que esta competência do Ministério Público está expressamente prevista no artigo 264.º, n.º 5, ao remeter para o artigo 30.º, n.º 1. Por ser assim, sustenta, ainda, que a decisão do Ministério Público de separação de inquéritos deve ser notificada aos arguidos e aos assistentes, salvo se a notificação puder prejudicar o fim da investigação, sendo dessa decisão admissível reclamação hierárquica.

No entanto, exclui a competência do Ministério Público para ordenar a separação de inquéritos quando o inquérito já foi presente ao juiz de instrução.

Assim, só reconhece a competência do Ministério Público para ordenar a separação de inquérito, na fase de inquérito, enquanto o inquérito não for presente ao juiz de instrução. «Mas se o inquérito já tiver sido presente ao juiz de instrução, a causa não pode ser subtraída ao tribunal por despacho do Ministério Público e, portanto, a partir desse momento, a separação de inquéritos só pode ser ordenada pelo referido juiz. É o que resulta do artigo 36.º, n.º 9, da CRP (29)

Entendimento a que não aderimos, pelas razões que sucintamente referiremos.

Desde logo, porque a prática de actos pelo juiz de instrução, num inquérito, não determina qualquer alteração da competência para dirigir inquérito de modo a que a prática de actos pelo Ministério Público, nesse mesmo inquérito, possa ser entendida como subtracção da causa ao juiz competente.

Ainda, porque a separação de um inquérito, ou melhor, a extracção de certidão de um inquérito para, em inquérito autónomo, se prosseguir a investigação de certos factos compreendidos no inquérito inicial, não inutiliza ou invalida os actos que já foram praticados pelo juiz de instrução no primitivo inquérito e que, por isso mesmo, se for caso de relevarem no âmbito do inquérito separado, aí mantêm a sua plena eficácia. Por aqui, também não se verifica subtracção da causa ao juiz de instrução competente.

Mas como esse entendimento parece estar subjacente à tese do recorrente, convirá esclarecer em que contexto é excluída a competência do Ministério Público para a separação de inquéritos.

Todos os casos referidos pelo Autor, objecto das decisões judiciais que refere, que estarão na base dessa afirmação, feita, embora, com carácter geral, de incompetência do Ministério Público para a separação de inquéritos quando o inquérito já foi presente ao juiz de instrução, pressupõem a possibilidade de a separação de inquéritos afectar os direitos e as garantias do arguido.

Dá um especial destaque, com efeito, à hipótese de o arguido ter sido sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem do primitivo inquérito e dever, em virtude da separação de inquéritos, ficar preventivamente preso à ordem do inquérito separado para sustentar que, nessa hipótese, o «Ministério Público deve requerer ao juiz de instrução que ordene a separação de processos e emita mandados de desligamento do arguido de um processo e ligamento ao outro» (30) .

Em mais recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa(31), reconhecendo-se que a conexão de inquéritos não representa, por si só, um acto de natureza jurisdicional ou uma violação dos direitos e interesses legalmente protegidos do arguido, pelo que, em princípio, nada obstará a que o Ministério Pública tenha competência para a determinar, vem a decidir-se que, em certos casos concretos, em que estejam em causa tais direitos ou interesses, caiba ao juiz de instrução a competência para decidir da conexão. Objecto do recurso, interposto pelo arguido, era um despacho de juiz de instrução que se declarara incompetente para decidir requerimento de arguido, preso preventivamente, no sentido da separação de inquérito, por a conexão determinada pelo Ministério Público representar o prolongamento da sua prisão preventiva. E foi na consideração de que, no caso, «estando em causa a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos e as garantias do processo criminal (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), para cuja actuação o recorrente entende existirem razões para se proceder à separação de processos, com a subsequente diminuição do prazo de prisão preventiva» que a relação concluiu ser a apreciação de tal pedido da competência do juiz de instrução.

Parece, assim, estar subjacente ao entendimento que retira ao Ministério Público a competência para decidir da separação de inquérito, atribuindo-a ao juiz de instrução, a ideia da afectação dos direitos e interesses legalmente protegidos do arguido que da separação possa decorrer.

Na verdade, nas situações invocadas, logo sugerindo uma apreciação casuística da problemática, a separação de inquérito repercute-se na esfera pessoal dos arguidos presos preventivamente. Ou porque foi determinada a sua prisão preventiva à ordem de um inquérito e, por causa da separação, devem ficar em prisão preventiva à ordem de outro, ou porque, estando em prisão preventiva à ordem de um inquérito, há um risco de prolongamento dessa situação, em virtude de a esse se “juntarem” outros inquéritos.

Ora, no caso deste processo, o prosseguimento da investigação, em inquérito autónomo, dos factos ocorridos em 27/08/2007, em nada contende com os direitos e garantias do recorrente. Preso preventivamente, à ordem do inquérito, nessa situação permaneceu, sem “transferência” para o inquérito separado. Bem pelo contrário, até os salvaguardou. Se os factos de 27/08/2007 não viessem a ser investigados em inquérito autónomo, o recorrente veria necessariamente retardado o seu julgamento pelos factos objecto do processo, com prejuízo do seu direito a um julgamento no mais curto prazo.

5.1.6. Assim, e em resumo, sem prejuízo de não ser esta a sede própria para levantar a questão da insusceptibilidade de o despacho do Ministério Público de “separação” de inquérito produzir efeitos jurídicos, como antes ficou demonstrado, temos que esse despacho foi proferido no exercício da competência legal do Ministério Público, para o efeito (artigos 263.º, n.º 1, 264.º, n.º 5, e 30.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPP), sem ofensa da interpretação da lei (artigo 9.º do Código Civil) e sem invasão da esfera de competência exclusiva do juiz de instrução (artigos 17.º, 268.º e 269.º, a contrario, do CPP), e ademais sem que desse despacho decorra qualquer prejuízo para os direitos e garantias de defesa do recorrente (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição).

Com esse despacho, ao invés, o recorrente viu garantido o seu direito a ser julgado no mais curto prazo (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e artigo 6.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais).

Como tal, não se mostra fundado assacar o vício de inconstitucionalidade à interpretação do n.º 5 do artigo 264.º do CPP pressuposta na “separação” de inquérito.

Razões por que improcede o recurso do recorrente B...P... quanto à invocada questão da inexistência jurídica do processo.


***

5.2. A questão da violação do princípio da lealdade processual, pelo Ministério Público, suscitada pelo recorrente B...P...

O recorrente suscitou, pela primeira vez, no recurso para a relação, a questão de o Ministério Público ter violado o princípio da lealdade processual.

Traduzida, em suma, no seguinte:

O Ministério Público, tendo deduzido acusação no inquérito n.º 61/08.4JAPRT em 14/09/2009 – a qual contém factos que interferem, directamente, com factos constantes destes autos, e, se conhecidos, contribuiriam para aquilatar da idoneidade, credibilidade e neutralidade psíquica dos ofendidos – “escondeu-a” durante três meses, de modo a só ordenar a notificação dessa acusação em 21/12/2009, dia em que findou a produção de prova, neste processo.

Porque o conhecimento dessa acusação «era importantíssimo para a defesa e para o julgador», o comportamento do Ministério Público evidencia a postergação do princípio da lealdade processual.

O recorrente suscita a questão em duas vertentes.

A omissão de pronúncia, sobre ela, no acórdão recorrido.

Conformar a violação desse princípio questão de direito que este Tribunal deve conhecer por as suas consequências impelirem à consideração de alguns vícios maiores, como sejam a proibição de valoração da prova constituída pelos depoimentos prestados pelos ofendidos e demais prova conexa, ser o julgador levado a adoptar uma decisão sem total e cabal conhecimento dos factos e ser coarctado ao arguido o exercício de uma defesa ampla e abrangente.

Visa, a final, a reabertura da audiência de julgamento para que «seja apreciada e contraditada tal prova documental» [a acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT].

5.2.1. O recorrente suscitou a questão de o Ministério Público ter violado o princípio da lealdade processual, no recurso interposto para a relação, em termos essencialmente coincidentes com os que, a propósito, usou no recurso para este Tribunal.

Na oportunidade, apresentou cópia da acusação, em causa, para que fosse admitida a sua junção aos autos.

Sendo certo que a mesma acabou por se manter incorporada nos autos.

A questão posta à relação foi decidida, como segue:

«Da violação do princípio da lealdade processual

«O recorrente considera ter sido violado este princípio processual em síntese por o M. Público apenas ter ordenado a notificação da acusação por si deduzida nos autos de inquérito nº 61/08.4JAPRT, contra os ofendidos deste processo, na data em que findou a produção de prova nos presentes autos, o que seria de suma importância para a defesa neste processo ter conhecido em data anterior.

«Requer a junção aos autos da acusação deduzida no processo nº 61/08.4JAPRT.

«Ora, nos presentes autos resultou provado o clima de conflitualidade latente existente entre os arguidos e, pelo menos, o ofendido FF como claramente resulta dos factos provados sob os nºs 19 e 27 a 32 dos autos.

«O princípio da lealdade processual é uma noção de ordem essencialmente moral que diz respeito à postura a adoptar pelos vários intervenientes processuais. Trata-se de impor uma atitude de respeito pela dignidade das pessoas e de rejeição de abusos por parte das autoridades.

«Porém, tendo em vista que o objecto do processo contemplou, como vimos, as relações tensas vivenciadas por arguidos e ofendidos, não vislumbramos que a postura do M. Público em relação a um outro processo autónomo viole o invocado princípio processual.

«Também não se vislumbra em que é que poderia ter sido afectado o valor dos depoimentos dos ofendidos que são livremente apreciados pelo tribunal, e também assim seria, se a acusação de ambos os processos fosse conjunta e fossem todos co-arguidos.

«Na verdade, as declarações de um co-arguido desde que submetidas ao contraditório exercido em julgamento, são um meio de prova legalmente admissível, mesmo contra co-arguido que tenha exercido direito ao silêncio, e a sua credibilidade é livremente apreciada pelo tribunal de julgamento nos termos do disposto no art. 127 do CPP. (-)

«Assim, não vislumbramos qualquer violação por parte do M. Público ao princípio da lealdade processual e ainda que se verificasse tal violação, não se vê prevista no nosso Código de Processo Penal, qualquer sanção como consequência legal da sua ocorrência.»

5.2.2. A transcrição da decisão que mereceu a questão da violação do princípio da lealdade processual, posta pelo recorrente, à relação, é, em si mesma, bastante para demonstrar que a relação não omitiu pronúncia, sobre ela.

Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar.

Outra coisa é o tribunal apreciar mal uma questão.

No primeiro caso, verifica-se uma nulidade. No segundo caso, comete-se um erro de julgamento.

Ora, a primeira crítica do recorrente à decisão da relação é a de ter reduzido a violação de um princípio estrutural do processo penal «a um mero exercício de respeito pela Ordem Moral e a cuja violação se não acha estatuída nenhuma consequência».

Portanto, neste ponto, a censura dirige-se, inequivocamente, não a uma omissão de pronúncia, mas a um erro dos fundamentos da decisão.

Não deixando de ser curioso que o recorrente critique a relação por reduzir a violação do princípio da lealdade processual a um exercício de respeito pela Ordem Moral quando, mais adiante, na definição do princípio, convoca as palavras do Prof. Germano Marques da Silva e cita: «… a lealdade não é uma noção jurídica autónoma, é sobretudo de natureza essencialmente moral …» (destaque nosso).

Pretende, ainda, o recorrente que o tribunal não decidiu de acordo com os dados objectivos de que dispunha, parecendo que se quer referir aos dados que resultavam da acusação, cuja cópia juntou, em confronto com os que resultavam do processo. E, aqui, radicaria a omissão de pronúncia.

Neste ponto, e servindo-nos da alegação do recorrente, terá em mente os factos relativos à personalidade dos ofendidos, no processo – pessoas que se caracterizavam «pela atemorização de todos aqueles que estivessem contra (esses) [os seus] interesses, utilizando com facilidade, e por vezes gratuitamente, violência física com terceiros» – os quais contribuiriam, na sua perspectiva, «para aquilatar da idoneidade, credibilidade e neutralidade psíquica dos ofendidos», muito especialmente do ofendido FF.

Mas, o que é certo é que a decisão da relação aborda, justamente, «o clima de conflitualidade latente existente entre os arguidos e, pelo menos, o ofendido FF, como claramente resulta dos factos provados sob os n.os 19 e 27 a 32 dos autos», destaca que «as relações tensas vivenciadas entre arguidos e ofendidos» estão contempladas no objecto do processo, realça que os depoimentos dos ofendidos são livremente apreciados pelo tribunal «e também assim seria se a acusação de ambos os processos fosse conjunta e fossem todos co-arguidos», o que tudo demonstra que a relação não decidiu a questão que lhe foi posta de modo puramente abstracto, alheando-se dos dados de facto objectivos que o recorrente queria que fossem atendidos. Com efeito, tais aspectos da fundamentação da decisão só se compreendem tendo a relação bem presentes as razões da invocada violação do princípio da lealdade processual.

Não há, portanto, fundamento sério para validamente sustentar a omissão de pronúncia, quanto à questão de o Ministério Público ter violado o princípio da lealdade processual.

5.2.3. De forma temerária, o recorrente acusa o Ministério Público de ter sonegado o conhecimento da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT enquanto decorreu a audiência de discussão e julgamento, no processo.

E é nesse facto que o recorrente quer ver uma violação do princípio da lealdade processual.

Tal acusação foi junta pelo recorrente no recurso, para a relação, logo requerendo a sua admissão e, até, reagindo, no recurso para a relação, por antecipação, a um eventual despacho de não admissão do documento, por comportar interpretação inconstitucional dos artigos 165.º, n.º 2, e 430.º do CPP.

Mas a verdade é que, não chegando a ser proferido despacho sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade da junção de tal documento, com o recurso, o mesmo permanece nos autos.

Pois bem. Perante o “facto consumado” não resistimos a uma análise, necessariamente perfunctória, da tal acusação.

Da qual resulta que:

– nenhum dos arguidos, no presente processo, é ofendido pelos crimes que constam da acusação proferida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT (o recorrente B...P... é indicado na qualidade de testemunha de um dos crimes);

– os ofendidos, neste processo, FF, HH e II são arguidos, naquela acusação, sendo-lhes imputados, ao primeiro, crimes de extorsão, ofensa à integridade física, ameaça, coacção e exercício ilícito da actividade de segurança privada, ao segundo, crimes de extorsão, ofensa à integridade física e exercício ilícito da actividade de segurança privada, ao terceiro, um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada;

– os factos que constam naquela acusação sob os n.os 15 a 25 (crime de ofensa à integridade física em que é ofendido AAA), imputados a HH e FF, não são desconhecidos, neste processo, sendo aludidos nos factos provados n.os 20 a 23;

– os factos que constam naquela acusação sob os n.os 30 a 36 (crime de extorsão, na forma tentada, em que é ofendido OO), imputado a FF (e também praticado pela vítima do homicídio, neste processo, GG) não são igualmente desconhecidos, neste processo, estando referenciados nos factos provados n.os 95 e 96;

– se, quanto aos factos supra referidos ainda se pode afirmar que se interligam com os factos objecto deste processo, todos os restantes factos imputados, naquela acusação, são totalmente alheios a eles, sendo de notar que todos eles foram praticados posteriormente aos factos objecto deste processo.

Isto visto, é forçoso reconhecer que o recorrente B...P... sustenta numa ficção a ofensa ao princípio da lealdade processual.

5.2.4. Mas são outras as razões decisivas da manifesta improcedência da questão da violação do princípio da lealdade processual.

Ainda que se verificasse – que não se verifica – conexão objectiva entre este processo e aquele que terá tido origem no inquérito n.º 61/08.4JAPRT, a conexão nunca poderia operar mesmo que não tivesse havido o tal escondimento da acusação nele deduzida, porque a isso obstaria o n.º 2 do artigo 24.º do CPP. É óbvio que os processos não se encontravam, quando se iniciou o julgamento, neste processo, na mesma fase. Aquele estava na fase de inquérito, este encontrava-se na fase de julgamento.

Sem a conexão dos processos, o julgamento deste processo nunca poderia abranger os factos objecto de acusação no inquérito n.º 61/08.4JAPRT.

Daí, a irrelevância, para o julgamento neste processo, do conhecimento da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT.

Sem julgamento, não há factos provados. Os factos que constam de uma acusação têm de ser provados em julgamento.

Daí, a irrelevância, para o julgamento neste processo, do conhecimento da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT.

O tribunal não pode decidir na base de factos não provados. O tribunal não pode servir-se, para «um total e cabal conhecimento dos factos» de meros indícios, embora fortes, categoria a que pertencem os factos objecto de uma acusação.

Daí, a irrelevância, para o julgamento neste processo, do conhecimento da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT.

Também os factos objecto de uma acusação não servem ao exercício de uma defesa consistente. Porque, mais uma vez se diz, os únicos que podem ser atendidos são os factos provados em julgamento. E sempre o recorrente poderia ter exercido o seu direito defesa, «de forma mais ampla e abrangente», alegando, na contestação, os factos que lhe servissem e oferecendo prova deles, para ser produzida em audiência, em vez de se remeter a uma contestação tabelar.

Daí, a irrelevância, para o julgamento neste processo, do conhecimento da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT.

Demonstrada a falta de razoabilidade da sustentação da violação do princípio da lealdade processual de que é máxima expressão a extraordinária pretensão de que o processo retrocedesse à fase de julgamento para serem apreciados e contraditados os factos objecto da acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT e, portanto, não compreendidos no objecto do processo, não pode deixar de notar-se que toda a argumentação do recorrente é uma falácia.

E isto porque, vista aquela acusação, como vimos, no confronto com os factos provados, neste processo, impõe-se a evidência de que os factos susceptíveis de se interligarem com aqueles por que o recorrente foi condenado não estavam ausentes da acusação objecto deste processo. Pelo contrário, foram discutidos em julgamento e foram levados ao elenco dos factos provados na justa medida em que relevavam para compreender o desenrolar dos acontecimentos.

E nessa medida, também, no que podia interessar à apreensão do comportamento social e características de personalidade daqueles que, neste processo, têm a posição processual de ofendidos.

Aliás, a fundamentação de facto, neste processo, é fértil em factos caracterizadores do antagonismo entre os “grupos” – o dos, aqui, arguidos, e o dos, aqui, ofendidos – em função do que não estava subtraído ao tribunal o conhecimento de que as rivalidades entre uns e outros poderiam interferir no modo como, em julgamento, os ofendidos se comportaram enquanto transmissores de prova.

Finalmente, uma última nota, especialmente a propósito da importância que o recorrente quer dar aos factos vertidos nos n.os 1, 2, 3, 4 e 5 da dita acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT. Recordar-lhe que o nosso direito penal é um direito penal do facto, não direito penal do agente. Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e às características da sua personalidade e também as sanções aplicadas não são formas de reacção contra uma certa personalidade ou tipo de personalidade. A construção dogmática do conceito de crime é, afinal, em última análise, a construção do facto punível (32). .

Razões por que é manifesta a improcedência da questão de o Ministério Público ter violado o princípio da lealdade processual (e o chorrilho de normas invocadas) suscitada pelo recorrente B...P....


***

5.3. As questões da omissão de pronúncia sobre ilegalidades probatórias invocadas e da utilização de prova proibida, colocadas pelo recorrente B...P... mas, em razão da limitação da admissibilidade do recurso, no estrito âmbito do crime de homicídio qualificado consumado

5.3.1. Diz o recorrente que invocou, em sede de recurso para a relação e como questão prévia à motivação referente aos factos tidos por provados ocorridos em 28 e 29 de Novembro de 2007, ilegalidade probatória que aproveitava a ambas as situações, sendo-lhe transversal.

Por um lado, a proibição de valoração das intercepções das comunicações telefónicas por não haver reconhecimento da sua indispensabilidade para os factos objecto do processo por despacho judicial.

Na medida em que, tendo sido autorizadas para a investigação de crimes que não se compreendem no objecto do processo (homicídio consumado de MM e homicídio tentado de NN), terão sido fonte dos chamados “conhecimentos fortuitos”, ficando a sua utilização, no processo, dependente da verificação dos requisitos enunciados no n.º 7 do artigo 187.º e despacho do juiz, nos termos do n.º 8 do mesmo artigo.

Por outro lado, o incumprimento do disposto no artigo 133.º do CPP, uma vez que os ofendidos FF, HH e II, sendo arguidos em processo conexo – o inquérito n.º 61/08.4JAPRT, que foi “escondido” até terminar a audiência deste – foram ouvidos como testemunhas no processo e não consentiram expressamente na sua inquirição nessa qualidade.

Sustentando que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre estas questões, termina a pedir que se reconheça a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, com as legais consequências ou, a assim não se entender, que este Tribunal reexamine a matéria relativa às proibições de prova, reconhecendo as ilegalidades invocadas.

5.3.2. Desde já se afirma, a propósito do pedido subsidiário, nesta questão formulado, que Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a fiscalização sobre o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que, em última análise, se reporte à matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, desde que seja recorrível a decisão final do processo onde se verificou a situação (33).

5.3.3. Verifica-se que, no recurso interposto para a relação, o recorrente B...P... suscitou, efectivamente, quanto aos factos ocorridos em 29/11/2007 (neles compreendidos o homicídio de GG), a questão da proibição da valoração das escutas telefónicas, neste processo.

E isto porque, inexistindo “a declaração de indispensabilidade de tal meio de obtenção de prova quanto aos conhecimentos fortuitos (…), será de ter por prova de valoração proibida as aludidas intercepções telefónicas quanto aos factos ocorridos em 28/11/2007 e 29/11/2007 (34)., em cumprimento do disposto nos artigos 118.º, n.º 3, 126.º, n.º 3, 187.º, 190.º do CPP e 32.º, n.º 8, da CRP”.

Deve reconhecer-se, por outro lado, que o acórdão da relação não especificou esta questão posta no recurso do recorrente B...P..., conferindo-lhe tratamento autónomo, de modo a que se possa afirmar que ela mereceu específica e expressa decisão.

Todavia, esta constatação não significa que deva reconhecer-se que o acórdão sofre da nulidade de omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP), neste particular aspecto.

Em suma, porque o acórdão reconhece e esclarece que as escutas telefónicas não foram meio de prova valorado em julgamento que tivesse servido para fundamentar a convicção adquirida quanto aos factos que constituem o recorrente co-autor do crime de homicídio (o único que, no âmbito deste recurso, pode ser considerado).

Ora, não sendo as escutas telefónicas meio de prova de que o tribunal de 1.ª instância se tivesse servido para formar a sua convicção, a questão da valoração desse meio de prova constituir uma prova proibida resultava necessariamente prejudicada. E, tendo a relação conhecido de facto, em termos amplos, nomeadamente por o recorrente B...P... ter impugnado a decisão proferida sobre matéria de facto, concretamente quanto aos factos relativos ao crime de homicídio consumado, reafirmou, na reapreciação da prova a que procedeu, a irrelevância das escutas telefónicas para a prova desses factos.

Analisada a motivação da decisão de facto da 1.ª instância, vê-se que, a dado passo, se escreveu:

«No que concerne à violência ocorrida na noite de 29 de Novembro de 2007, aqui a prova rainha foi ainda a prova testemunhal.»

Concretizando-se mais adiante:

«Assim, começando pelos depoimentos dos cinco ofendidos, FF, HH, JJ André, II e até o depoimento de LL (este manifestamente não tão espontâneo e muito comprometido), colocaram, sem qualquer dúvida, os arguidos B...P..., M...S..., F...M... e A...F... no local dos factos, disparando da Rua ... para a Rua ..., onde se encontravam todos os ofendidos.

«Os seus depoimentos, prestados em audiência e, graças ao sistema de gravação das audiências registados para que melhor se possa voltar a atentar, querendo, na emoção, presente ainda, quando revivem o sucedido, disseram o modo como se viram de repente «emboscados», os disparos em rajada, o medo que sentiram. Foram depoimentos credíveis, a que a comoção não turvou o rigor e em que cada um contou, a partir do lugar em que se encontrava, o que viu e quem viu.

«O tribunal deslocou-se ao local onde ocorreram os factos, já de noite, para se aperceber “in loco” da largura da Rua ..., da iluminação do local, da altura do muro que a separa da Rua ... e para arredar uma questão colocada pela defesa dos arguidos, a saber: naquele local, à noite, não seria possível identificar ninguém.

«Pôde-se assim constatar, num final de tarde (noite já) bastante escura por sinal, com o céu carregado de nuvens e chovendo, que o local é bastante bem iluminado bem como a perspectiva e distância da Rua de ... vista do varandim da Rua .... Foi evidente, assim observadas ambas as ruas, quão vulneráveis estavam as pessoas que se encontravam na Rua de Miragaia, quão próximas de braços que se estendessem de cima e das armas por estes empunhadas. Daí aparecer com nitidez a circunstância de os arguidos terem efectivamente “visado” matar dois dos ofendidos – o GGG e o FF – e terem-se apenas conformado com a possibilidade da morte dos demais, pelo modo como foram encontrados os vestígios dos disparos efectuados.

«No que se refere à possibilidade de as pessoas que se encontravam na parte de cima disparando, serem vistas e reconhecidas por quem se encontrava na parte de baixo sendo noite, ficou evidenciada essa possibilidade, quer porque, como se disse já, o local é bastante bem iluminado, quer também porque a altura que separa uma rua da outra não é tão significativa que o não permita com certeza. Acresce que não se pode olvidar um pormenor que, no caso, assume importância primordial; arguidos e ofendidos conheciam-se bem. Não se trata assim de reter um rosto de alguém que se está a ver pela primeira vez, mas de reconhecer pessoas que se conheciam já.

«Os depoimentos prestados pelos ofendidos mereceram credibilidade, relatando de modo fiel e fidedigno o que por cada um foi visto. Prova de que nenhum dos ofendidos teve e tentação de ir para além do que viu, é o facto de todos se referirem à presença de uma quinta pessoa no local, mas que, dado o local em que se posicionou, ninguém conseguiu identificar.

«A circunstância de nem todos os ofendidos conseguirem identificar todos os arguidos da mesma forma – uns fizeram-no de modo mais assertivo, mais concludente que outros – uns só identificam três dos cinco indivíduos que estavam a disparar, outro identifica quatro, só aumenta a credibilidade dos seus depoimentos.»

Do que resulta, sem margem para dúvidas, que as escutas telefónicas não foram meio de prova que tivesse servido para dar por provados os factos respeitantes ao crime de homicídio, imputados ao recorrente B...P....

Verificando-se que elas serviram, pelo contrário, para dar como não provada a comparticipação do arguido QQ («As intercepções telefónicas foram também essenciais para se concluir que o arguido QQ que acompanhou durante bastante tempo os demais arguidos e que com eles estava também “empenhado”, pelo menos numa acção de desforra ou retaliação com FF e GGG, não se encontrava de facto com eles quando despoletou o tiroteio»).

Assim, da motivação da decisão proferida sobre matéria de facto na 1.ª instância decorre que as intercepções das comunicações telefónicas não foram meio de prova em que se tivesse fundado a convicção de certeza quanto a ter o recorrente B...P... comparticipado na prática dos factos por que veio a ser condenado como co-autor de um crime de homicídio qualificado.

E tanto assim é que, quando o recorrente B...P... impugna, no recurso para a relação, a decisão proferida sobre matéria de facto, no âmbito dos factos ocorridos em 29/1172007, destaca preliminarmente o seguinte:

«Uma nota prévia de suma importância: nenhuma prova técnica (aqui se incluindo relatórios periciais), intercepção telefónica, localização celular, ou outra, identifica o arguido na data, hora e locus deliti. Tudo se passa, portanto, e de acordo com aquilo a que o tribunal a quo designou por prova rainha, os depoimentos das testemunhas.»

O que significa que mesmo o recorrente B...P..., tendo, embora, suscitado a questão da proibição da valoração das intercepções telefónicas, reconhece que elas não foram meio de prova de que o tribunal se tivesse servido para a prova dos factos que o constituem co-autor do crime de homicídio.

Sendo certo, ainda, que a relação não reconhece qualquer valor probatório às escutas telefónicas no contexto desses factos, quando aprecia o recurso do recorrente no âmbito da impugnação decisão sobre matéria de facto, quanto a eles proferida.

Destacando-se, nesse plano, a seguinte fundamentação do acórdão da relação:

«No caso concreto o tribunal colectivo alicerçou a sua convicção essencialmente no depoimento dos ofendidos que presenciaram os factos e efectuaram depoimentos que se lhes afiguraram isentos e credíveis, já que foram corroborados por outros elementos, nada obstando à respectiva valoração. (-)

«Resultou claro dos depoimentos de FF, HH, II e S...R...P..., a qual da janela de sua casa tinha visibilidade sobre a Rua ..., que o arguido B...P... foi um dos autores dos disparos que provocaram a morte de GG. O arguido B...P... foi avistado por todas estas testemunhas, com, pelo menos, uma arma na mão a disparar, estava vestido de escuro e tinha um gorro na cabeça.

«Além, disso o arguido B...P..., que segundo o ofendido II, terá uma voz característica foi ouvido por FF e HH a proferir, após os disparos, uma expressão do género: Então, pretos, agora não fazem nada…

«Relativamente aos factos dados como provados quanto ao arguido B...P... nesta situação de 29 de Novembro de 2007, não surge qualquer dúvida ao tribunal e eles ressaltam à evidência do depoimento das testemunhas indicadas, não havendo qualquer prova que imponha decisão diversa, muito menos as imprecisões e ligeiras incongruências, salientadas pelo recorrente, que apenas são próprias de quem não ensaiou depoimentos.»

Devendo, concluir-se, de tudo o exposto, que as escutas telefónicas não foram meio de prova que tivesse servido para a formação da convicção do tribunal quanto a ter o recorrente B...P... praticado os factos que o constituem co-autor do crime de homicídio, a falta de apreciação autónoma, expressa e explicita da questão de tais escutas serem nulas, não podendo ser utilizadas, não conforma a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

Na verdade, a apreciação dessa questão, no quadro dado, não teria qualquer relevância prática, porque não se repercutiria na decisão a proferir no processo na medida em que resultava prejudicada pela decisão de que as escutas não foram meio de prova valorado.

Assim sendo, a questão só poderia revestir-se de interesse puramente teórico ou meramente académico, não cabendo, na função dos recursos, o tratamento de questões dessa natureza.

Como só se verifica a nulidade de omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, e não é esse o caso, não se reconhece a invocada nulidade do acórdão, neste ponto.

E, pelas mesmas razões de as escutas telefónicas não terem sido meio de prova dos factos relativos ao crime de homicídio consumado (único relativamente ao qual é admissível o recurso para este Tribunal), também este Tribunal não deve tomar conhecimento da questão posta da invocada utilização de prova proibida.

5.3.4. Os ofendidos, neste processo, FF, HH e II foram ouvidos como testemunhas, em audiência.

Sendo, relativamente a eles, que o recorrente B...P... suscita a questão de estarem impedidos de depor como testemunhas, uma vez que não consentiram expressamente nisso. Na violação do artigo 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPP, assenta o recorrente a proibição de valoração dos depoimentos por eles prestados.

Esta questão prende-se, intimamente, com aquela outra da violação do princípio da lealdade processual e os fundamentos da sua decisão relevam na apreciação desta, pelo que, para eles, neste ponto, remetemos.

Na base desta questão está, afinal, o errado pressuposto de que há conexão entre este processo e o processo que terá sido originado pela acusação deduzida no inquérito n.º 61/08.4JAPRT e a irreal suposição de que, por os factos que foram objecto dessa acusação integrarem acusação autónoma, se revela uma separação de processos.

Ora, para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º, deve entender-se por “processo conexo” os casos determinantes de conexão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, e, para efeitos do n.º 2 do mesmo artigo, deve entender-se “caso de separação de processos” qualquer dos casos determinantes de separação de processos, nos termos do artigo 30.º

Nesta compreensão, que é a que decorre da lei, não se verifica qualquer limitação ou condicionamento legal à inquirição de FF, HH e II como testemunhas, neste processo, porque, pura e simplesmente, não são arguidos em processo conexo.

E é o próprio recorrente quem se encarrega, involuntariamente quiçá, de destacar a falta de conexão (de facto) uma vez que, para a sustentar, convoca os artigos 1.º a 5.º da acusação, deduzida naquele inquérito n.º 61/08.4JAPRT, transcrevendo-os aplicadamente, quando essa matéria mais não é do que o intróito aos factos que se lhe seguem, esses sim consubstanciadores dos crimes imputados aos arguidos, entre eles, as referidas testemunhas deste processo.

Portanto, mais uma vez se justifica, como antes fizemos, relembrar ao recorrente que o nosso direito penal é um direito penal do facto.

Temos, assim, que a falso pretexto de conexão e separação de processos, o recorrente continua a querer pôr em causa, não verdadeiramente a capacidade legal de os ofendidos FF, HH e II deporem como testemunhas, no processo, mas a capacidade de o fazerem com isenção e objectividade, em função das suas personalidades, comportamentos e rivalidades com os arguidos, neste processo.

E foi assim que a questão foi entendida pela relação, como o demonstra a transcrição que já efectuámos, a propósito da decisão da questão da violação do princípio da lealdade processual.

Não pretendemos escamotear o facto de a relação não ter analisado, específica e concretamente, o aspecto suscitado pelo recorrente de os depoimentos prestados em audiência por FF, HH e II constituírem prova proibida, por apelo ao artigo 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPP.

Mas, devendo reconhecer-se que essa questão assenta numa realidade inverificada e que, por isso, a relação era chamada a um exercício sem qualquer interesse prático, não conferimos à omissão a relevância que o recorrente lhe aponta, tanto mais quanto sempre sobrelevaria o vício mais grave de valoração de prova proibida.

E este, como ficou dito, não se verifica.

5.3.5. Pelas razões expostas, improcede o recurso do recorrente B...P... em todos as vertentes que subordinou à questão dos meios proibidos de prova.


***5.4. A questão do excesso de pronúncia cometido no acórdão recorrido por não ter reconhecido a falta de fundamentação do acórdão da 1.ª instância quanto à determinação da pena única, colocada pelo recorrente B...P...

O recorrente B...P..., se bem compreendemos a sua argumentação, neste ponto, censura a relação por, ao invés de ter reconhecido as deficiências de fundamentação do acórdão da 1.ª instância quanto à determinação da pena única, ter querido «caucionar» essa ilegalidade, excedendo «a pronúncia da matéria que havia de sindicar».

Tinha o recorrente B...P..., no recurso interposto do acórdão da 1.ª instância, suscitado a questão da nulidade do acórdão, por, no aspecto que, agora, nos ocupa, não ter sido efectuada «por meio de escorreita fundamentação, a justa demonstração da justiça punitiva entre a proporcionalidade das penas parcelares, os factos e a personalidade do arguido».

A relação, reconhecendo a necessidade de reformular o cúmulo jurídico, desde logo em consequência da absolvição do recorrente da prática de um crime de detenção de arma proibida (factos de 16/12/2007), não deixou de ponderar essa questão.

Constando do acórdão da relação, neste ponto, o seguinte:

«Mas antes consigna-se que, ainda que de forma sucinta, na elaboração e fundamentação do cúmulo jurídico o tribunal recorrido levou em conta na ponderação efectuada, o conjunto dos factos «de enorme gravidade» que foram praticados pelo recorrente e a sua personalidade emergente da conduta adoptada, a qual foi referenciada a fls. 244 e seguintes do Acórdão recorrido:

«”No caso concreto deste arguido, e pese embora ser primário, o certo é que revelou ser portador de uma personalidade agressiva e conflituosa, que lida muito mal com a frustração – a razão próxima apurada de toda esta violência e do conflito que estabelece com os irmãos C... está no facto de ter sido mandado sair de um estabelecimento de diversão nocturno!! - e que procura impor-se socialmente pela agressividade e pela força física.

«Revelou ainda não ter consciência crítica sobre os factos, que se limitou a negar”.»

«Não ocorre, pois, quanto à pena unitária qualquer nulidade por falta de fundamentação como pretende o recorrente.»

Ou seja, a relação não reconheceu – e bem – a invocada omissão de pronúncia, quanto à fundamentação da pena única, porque, embora elaborada de forma sucinta, apelava e remetia para o conjunto dos factos (“factos de enorme gravidade”) e para a personalidade do recorrente neles manifestada, aspectos que já tinham sido concreta e rigorosamente analisados no acórdão da 1.ª instância, a propósito da determinação das penas pelos crimes e que seria, por isso, desnecessário repetir no momento da fundamentação da pena única.

O que significa que a relação, ao não reconhecer a omissão de pronúncia quanto à fundamentação da pena única, não preencheu quaisquer lacunas dessa fundamentação; limitou-se a reproduzir o que já constava do acórdão da 1.ª instância sobre a apreciação global dos factos e da personalidade do recorrente neles manifestada.

Nestas circunstâncias, os termos em que a questão é colocada não podem deixar de ser tidos por artificiosos.

Uma coisa seria sustentar que a relação decidiu mal ao negar provimento ao recurso, na parte em que era arguida a nulidade do acórdão da 1.ª instância por deficiente fundamentação da medida da pena única. Mas não é isso o que o recorrente faz, provavelmente por ter consciência do insucesso a que estaria votada essa pretensão.

O que vem censurar à relação é – no conhecimento de questão de que devia conhecer, por lhe ter sido posta no recurso – ter excedido o que devia conhecer por se ter servido da fundamentação que constava do acórdão da 1.ª instância, e para a qual a fundamentação, a propósito da determinação da pena única, expressamente remetia, para fundar a decisão da questão que lhe tinha sido posta.

Enfim, uma critiquice.

Em razão do que, nesta parte, o recurso do recorrente B...P... deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).


***

5.5. As questões da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, colocadas pelo recorrente A...F... (nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada falta de fundamentação da matéria de facto dada por provada nos pontos 102 e 103, nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a questão que invocou de nunca ter sido visto a disparar qualquer arma, nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a invocada violação do princípio da presunção de inocência), apreciadas no estrito âmbito do crime de homicídio consumado, em razão da apontada limitação do recurso

O recorrente A...F..., no recurso que interpôs para a relação, impugnou a decisão proferida sobre matéria de facto, que a si respeitava, sustentando, em síntese, que não tinha sido produzida prova que permitisse ao tribunal de 1.ª instância adquirir uma convicção de certeza quanto aos factos que o constituem co-autor dos crimes por que foi condenado. Invocou não só não ter sido produzida prova suficiente de que tivesse estado presente no momento em que os factos ocorreram como também, mesmo que outra fosse a decisão, nesse ponto, não haver prova que permitisse concluir que ele tivesse sido um dos «atiradores». E, por tudo isto, invocou a violação do princípio da presunção de inocência, na dimensão de princípio de valoração da prova.

A relação conheceu de facto e, na apreciação da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto a que o recorrente A...F... procedeu, fundamentou-a, como segue:

«O recorrente DD considera que o Acórdão recorrido julgou erradamente ao considerar provada a matéria constante dos números 102, 103, 108, 116, 117, 121, 122, 123, 128, 134, 145 e 146 do factos assentes, já que apenas a testemunha II o viu no local e não refere tê-lo visto a disparar ou na posse de arma.

«Porém, e como afirma o Acórdão recorrido, o facto de o arguido DD apenas ter sido visto pelo ofendido II não retira qualquer credibilidade ao respectivo depoimento, pois, esta testemunha foi a que ficou mais tempo no local onde ocorreu a morte de GG, permanecendo em pé a olhar para os arguidos, mesmo depois de o GGG ter sido abatido e ter caído, quando todos os outros ofendidos fugiram do local e se abrigaram… e no seu depoimento refere: …mais atrás, vinha o DD de fato de treino… Ora, salienta-se que logo após os factos, esta testemunha relata à testemunha S...P..., que entretanto ocorre ao local, que tinha avistado o arguido DD. A sua isenção é notória quando afirma que viu um quinto elemento, mas que não o pode identificar porque estava encadeado

«O referido II também não teve qualquer hesitação em reconhecer o arguido A...F..., como aquele a quem chama "T...", no momento do reconhecimento pessoal constante do auto de fls.1469-1470, não fazendo qualquer sentido a afirmação do arguido de que a testemunha o teria confundido com outra pessoa.

«Por outro lado, todos os ofendidos afirmam que num espaço curto de tempo ouviram muitos tiros, tudo indicando que eram muitas armas a disparar em simultâneo, o que é corroborado pelo depoimento de LL que também se encontrava no local, e na residência do arguido DD, foi encontrada uma munição de calibre .32 Smith & Wesson Long, equivalente a 7,65 milímetros no sistema métrico, -(idêntico a um dos projécteis disparados e recolhidos, por ocasião da morte de GG, conforme fls. 2837 dos autos)-, o que demonstra não ser o arguido alheio ao uso e manuseamento de armas e munições.- veja-se o facto provado nº 157 que não foi impugnado.

«A perícia efectuada nos autos conclui que as discordâncias no número e qualidade dos vestígios encontrados no local sugerem que os projécteis foram disparados por diversas armas e no seu depoimento o Inspector P...P...C... afirmou que, com grau de segurança, pode afirmar-se que nesta situação dispararam quatro armas, afirmação que é confirmada pelo depoimento de N...A...V...P..., perito de balística do LPC.

«Assim, a conclusão a que o tribunal chegou de que todos os indivíduos identificados que se encontravam na Rua ... estavam armados e a disparar é permitida pelas perícias e corroborada pelos depoimentos das testemunhas, não surgindo qualquer dúvida de que também o recorrente A...F... aí se encontrava armado e a disparar, como foi dado como provado; e para a obtenção desta certeza nem sequer releva a transcrição telefónica da conversa tida entre QQ e M..., já que nenhuma destas pessoas estava no local e o arguido não foi, comprovadamente, o único autor dos factos, pelo que, tal conversação se terá baseado no que se ouviu dizer a outrem, e por isso, sem qualquer valor probatório.

«Em face do exposto, nada temos a censurar ao Acórdão recorrido quanto aos factos assentes e supra indicados, respeitantes ao recorrente A...F....»

Esta transcrição da decisão da relação, na parte em que conheceu do erro de julgamento em matéria de facto imputado pelo recorrente ao acórdão da 1.ª instância, é, por si mesma, demonstração bastante de que a relação não omitiu pronúncia sobre essa questão.

A relação apreciou os elementos de prova em que se fundou a convicção do tribunal da 1.ª instância e concluiu, com cabal explicitação das razões em que se baseava, pela inexistência de erro na apreciação da prova. Sustentando a prova um juízo de certeza quanto à comparticipação do recorrente nos factos (e para prova de que foi um dos que disparou outros elementos havia que não a testemunhal directa) excluída ficava qualquer violação dos princípios que regem a apreciação da prova, designadamente, o princípio in dubio pro reo. Por outro lado, os factos provados n.os 102 e 103, enquanto cronologicamente antecedentes daqueles que efectivamente relevaram para a condenação do recorrente (factos n.º 116 e ss.), tendo uma função meramente “explicativa”, eram anódinos, mesmo na perspectiva da impugnação a que o recorrente procedeu. O que interessava era a prova da sua presença, junto dos outros, no momento das acções criminosas. E, neste âmbito, é cabal o conhecimento do recurso pela relação.

Pelo exposto, quanto às questões da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, o recurso do recorrente A...F... deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).


***

5.6. A questão da qualificação jurídica do crime de homicídio, suscitada pelo recorrente A...F...

Em decorrência da limitação da admissibilidade do recurso, há que apreciar a questão da qualificação jurídica dos factos relativos ao crime de homicídio de GG.

Pretende o recorrente A...F... que, relativamente a si, não se verifica qualquer “das circunstâncias agravantes”, devendo, por isso, ser condenado pelo tipo base.

Na motivação destaca a circunstância de não ter sido possível determinar o momento em que se juntou ao grupo e, daí, conclui que não se pode dizer, em termos racionais, «que se determinou, da mesma forma que os restantes, para a prática dos actos em causa, nomeadamente, no que diz respeito às circunstâncias agravantes».

5.6.1. A questão da qualificação jurídica do crime de homicídio foi colocada à relação que confirmou a decisão da 1.ª instância de considerar que os factos provados integravam um homicídio qualificado, p. e p. nos termos do artigo 132.º, n.os 1 e 2, alíneas h), i) e j), do CP.

Interessará, por isso, conhecer, ao menos parcialmente, a fundamentação, a respeito.

Escreveu-se no acórdão recorrido:

«O tribunal recorrido qualificou o homicídio qualificado e os homicídios tentados pelas alíneas h), i) e j) do art. 132 nº2 do C.Penal.

«Ora, entende a defesa de M...S..., F...M... e A...F..., que no caso concreto não se verificam as circunstâncias qualificativas das referidas alíneas.

«O Acórdão fundamenta da seguinte forma a opção pelas qualificativas:

«Fazendo então a integração dos factos por eles praticados, nos termos que os mesmos resultaram provados, temos que, depois de uma série de confrontos que vinham ocorrendo e que opunham essencialmente B...P..., F...M... e M...S..., aos irmãos FF e GG, aqueles decidiram, na noite de 28 para 29 de Novembro, percorrerem diversas artérias desta cidade tentando encontrar os irmãos a fim de lhes tirar a vida.

«A estes juntaram-se ainda outros indivíduos sendo, um deles, o arguido A...F... que, na época, se relacionava sentimentalmente com uma irmã de B...P... (a arguida XX) e outro o arguido QQ que, na época, vivia com uma irmã do F...M... (este porém separou-se do grupo antes da realização dos factos).

«Pese embora não se ter conseguido apurar o momento ou local preciso em que todos se encontraram e formularam, em conjunto, o propósito de tirar a vida àqueles ofendidos, o certo é que todos se prepararam para que isso acontecesse, quer munindo-se de armas de fogo, quer procurando encontrar os ofendidos e esperando o momento que julgaram mais propício para actuarem

«Assim, sabendo já que FF e GGG se faziam transportar em duas viaturas, todos os arguidos previram que com eles estivessem outras pessoas, circunstância que não os inibiu de actuar.

«Deste modo, aguardaram o preciso momento em que os carros em que faziam transportar os irmãos C... pararam, para surgirem, de modo inopinado, na Rua ..., que se situa relativamente à Rua ... num plano superior, e em conjunto, todos efectuaram disparos na direcção de FF e de GGG com intenção de lhes tirar a vida. Ao verem as demais pessoas que estavam com eles, os arguidos admitiram que ao efectuarem os disparos pela forma como o fizeram, pudessem também atingir os corpos de HH, HH, II e LL e matá-los, conformando-se e aceitando a possibilidade das suas mortes se verificarem

«GGG veio a ser atingido na cabeça por um disparo, vindo a falecer no local, e só não tiraram a vida a FF como pretendiam, por este ter conseguido fugir, atirando-se para dentro do carro conduzido pelo JJ que, mal os disparos começaram, arrancou do local. Os demais também não foram atingidos porque fugiram e/ou acabaram por se esconder, como o fez o ofendido II, após o momento inicial em que, surpreendido pelos disparos, foi incapaz de se mover do local onde se encontrava.

«Ora, sob a epígrafe «homicídio», dispõe lapidarmente o artigo 131.º do Código Penal que, «Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos». Tal pena será de 12 a 25 anos de prisão, nos termos do preceituado no artigo 132.º do mesmo corpo de normas, «se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade» (n.º 1), que podem ser reveladas, designadamente, pela circunstância de o agente: «h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso ou j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”(n.º 2).

«(…)

«Assim sendo, importa agora decidir se os crimes (quer o consumado quer os tentados) foram praticados em circunstâncias que revelem especial perversidade ou censurabilidade. O cometimento do crime de homicídio porque atenta contra o bem fundamental e maior que é a vida humana revela sempre censurabilidade e perversidade do(s) agente(s) que o comete(m). Por isso, para se cair na previsão do artigo 132º é preciso que o crime seja cometido em circunstâncias que revelem “especial censurabilidade e perversidade”- é assim uma diferença de grau – que se revelará numa culpa mais acentuada por parte dos agentes que o pratiquem, mas também um maior desvalor da conduta praticada que implica um maior grau de ilicitude

«Por isso: “especial perversidade» e «especial censurabilidade”não são conceitos equivalentes, já que o primeiro se reporta às qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do agente, enquanto o segundo se refere à forma especialmente desvaliosa como o acto criminoso foi cometido”.

«Tendo o nosso legislador utilizado, como já se referiu, a técnica dos exemplos padrão, não é pela verificação da existência de qualquer uma das circunstâncias elencadas no número 2 do citado preceito que se pode concluir pela verificação do crime agravado, nem tão pouco ele se excluiu caso nenhuma dessas circunstâncias se verifique. Assim, há-de ser pela consideração do concreto modo como os factos ocorreram que chegaremos a essa conclusão.

«Ora, no caso vertente, o modo como, em conjunto, todos os arguidos (e quando nos referimos a todos os arguidos são todos aqueles que provadamente participaram no cometimento destes crimes) se puseram de acordo para alcançar o fim pretendido, como se muniram de armas de fogo, como prepararam a abordagem aos ofendidos, surgindo-lhes de modo abrupto e inopinado, montando-lhes uma autêntica emboscada, numa situação de superioridade tão manifesta, patente e desproporcionada em relação às vítimas, desde logo pelo local que escolheram para se posicionarem a fim de efectuarem os disparos, que apenas o acaso não consentiu um desfecho ainda mais dramático, leva a que se conclua que os homicídios (quer o consumado quer os tentados) foram perpetrados em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e perversidade por parte dos arguidos.

«O sem sentido da génese de toda esta violência, a reacção grupal a um problema que, tanto quanto se apurou, começou apenas entre o arguido B...P... e o ofendido FF e, quando muito, se estendeu depois ao arguido BB e ao GG, e que os demais arguidos “assumem”como seu, anuindo a uma acção de tamanha gravidade, revelam o elevado grau de culpa de todos os arguidos envolvidos.

«Ademais, verificam-se, no caso, as circunstâncias constantes das alíneas h), já que eram cinco as pessoas que se juntaram para cometer este crime (os quatro arguidos a que nos temos vindo a referir e mais um quinto, cuja identidade não se logrou apurar); i) porque praticam os crimes de forma insidiosa e porque actuaram revelando, igualmente, frieza de ânimo, no modo como prepararam e executaram os crimes, assim se verificando a circunstância constante da alínea j) , todos do artigo 132º do CP.

«Estes factos foram praticados em co-autoria. Cada comparticipante é punido de acordo com as circunstâncias que se verifiquem em relação a si.»

«Afigura-se-nos exemplarmente explicitada a fundamentação do Acórdão no que respeita a esta matéria e que aliás está em sintonia com que por nós foi dito a propósito da qualificação do crime de ofensa à integridade física praticado pelo arguido B...P..., dado que as disposições legais aplicáveis para efeitos de qualificação são idênticas.

«No caso concreto os arguidos agiram em conjunto, conjugando esforços de cinco pessoas, munidos de uma pistola semi-automática de calibre 7,65 milímetros, uma pistola de calibre .45, equivalente a 11,43 milímetros no sistema métrico, uma espingarda caçadeira de calibre 12 e um revolver de calibre .32. – veja-se o ponto 108 da matéria de facto provada.

«Para além disso, os arguidos surgiram de madrugada quando os ofendidos regressavam a casa, surpreendendo-os, e posicionaram-se num plano superior a quatro metros de altura, não deixando às vítimas quase nenhuma possibilidade de defesa e actuando sem que tivesse havido qualquer troca de palavras, o que é elucidativo da firme resolução criminosa que os movia.

«Em face do que ficou dito, não temos dúvidas em considerar preenchidas as qualificativas das alíneas h), i) e j) do art. 132 nº2 do C.Penal, nem em afirmar que o comportamento dos arguidos revela especial censurabilidade, dado denotar um especial desprezo pela vida dos ofendidos, sem qualquer razão ponderosa que de algum modo pudesse explicar a decisão de lhes tirar a vida.

«Assim, entendemos que o tribunal recorrido qualificou correctamente os crimes de homicídio perpetrados pelos arguidos, nada havendo a censurar a esta decisão.»

5.6.2. Na medida em que o recorrente A...F... se refere a «circunstâncias agravantes», de que não tinha «qualquer conhecimento ou controlo», e que, por isso, a si não seriam aplicáveis, surge, imediatamente, a dúvida quanto a ele ter uma correcta compreensão da técnica legislativa seguida na construção do tipo qualificado de homicídio, parecendo que o concebe como um caso de qualificação por circunstâncias relativas à ilicitude.

Mas não é assim.

O homicídio qualificado do artigo 132.º do CP é um caso especial de homicídio doloso, punido com uma moldura penal agravada, construído de acordo com o método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.

O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade (artigo 132.º, n.º 1 – tipo de culpa, constituído por uma cláusula geral), fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias, cuja verificação nem sempre se revela qualificadora (artigo 132.º, n.º 2 – enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade). O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo (35).

Se todas as circunstâncias contidas no artigo 132.º, n.º 2, não são mais do que casos exemplares que podem conduzir à integração do tipo de culpa agravado do n.º 1, e se, como é indispensável à afirmação do dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se das representações do agente, fica, então, próxima a afirmação de que a contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada autonomamente, enquanto fundamentadora, ou não, de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente respectivo (36) .

O que vale por dizer que todos os elementos dos exemplos-padrão e das situações substancialmente análogas, relevando pela via da culpa e não pela da ilicitude, sujeitam-se, em definitivo, ao regime constante do artigo 29.º do CP (“Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes”), e não ao do artigo 28.º do CP.

5.6.3. Por outro lado, parece, ainda, que o recorrente A...F... desconsidera, de todo, as circunstâncias que conferem ao homicídio de GG uma imagem global agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa reclamado pelo artigo 132.º

Com efeito, nessa perspectiva, nem sequer se alcança o relevo que o recorrente quer que se confira ao facto de não estar esclarecido «o momento» em que se juntou ao grupo, do qual quer extrair não se poder afirmar que «se determinou, da mesma forma que os restantes» para a prática do facto. Tanto mais quanto, a qualificação do homicídio não decorre de circunstâncias relativas aos motivos.

Os exemplos-padrão de qualificação do homicídio que foram considerados no acórdão decorrem de o recorrente: ter praticado o facto juntamente com mais quatro pessoas [alínea h)]; ter utilizado um meio insidioso [(alínea i)]; ter agido com frieza de ânimo [alínea j)].

Na alínea i) juntam-se três constelações (o agente praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas, ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum) que se deixam reduzir à mesma estrutura valorativa através, nomeadamente, da ideia da maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima.

Praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas é uma circunstância qualificadora se e quando a comparticipação de três agentes determinar uma particular perigosidade do meio (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender. «Afinal, exactamente a mesma estrutura valorativa que preside à especial punibilidade (e à própria definição do bem jurídico) da associação criminosa.» (37) .

A alínea i) subordina-se também a uma ideia condutora de uma execução do facto especialmente censurável porque reduz as possibilidades de defesa da vítima.

Para efeitos da alínea i), meio insidioso será todo aquele que assuma um carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto. Em suma, meios traiçoeiros que eliminam uma possibilidade razoável de defesa por parte da vítima.

Ora, os factos provados são expressão de que na morte da vítima se revela a especial censurabilidade dos agentes na medida em que, independentemente do “meio usado”, ocorreu numa “situação” traiçoeira de especial perigosidade criada pelos agentes com a consequente particular dificuldade da vítima de deles se defender.

Os co-autores (cinco, um de identidade desconhecida), já munidos de armas, apercebendo-se do local onde a vítima se encontrava, sabendo que a iam apanhar desprevenida e incapaz de reagir e que, colocados num plano superior, teriam uma posição favorável para disparar, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, sem serem vistos ou ouvidos, aproximaram-se, de surpresa, do gradeamento que separa a Rua .... da Rua ... e, em conjugação de esforços e intenções, empunhando as armas de fogo que cada um deles detinha, efectuaram disparos, de forma intensa e sequencial, designadamente na direcção da vítima GG que, relativamente ao local onde eles se tinham posicionado, se encontrava a cerca de 6,70 metros (matéria provada dos pontos 116, 117, 121 e 122).

Na alínea j) reúnem-se alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos jurídicos conferem ao conceito de premeditação.

Para além da premeditação, propriamente dita (desígnio de matar formado pelo menos vinte e quatro horas antes), a frieza de ânimo, a traduzir um processo frio, lento, cauteloso na preparação do crime, e a reflexão sobre os meios empregados, na manifestação da escolha, por parte do agente, dos meios de actuação que facilitem a execução do crime (que tenham mais probabilidade de êxito).

Na estrutura valorativa do exemplo padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do CP encontra-se uma linha condutora que engloba, afinal, diversas manifestações de uma especial intensidade da vontade criminosa.

Qualquer das aludidas manifestações – agir com frieza de ânimo, agir com reflexão sobre os meios empregados, persistir na intenção de matar por mais de 24 horas – e outras estruturalmente análogas, v.g., num exemplo de escola, em certos casos, a persistência da intenção de matar por 23 horas, é, por si mesma, susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado (38) .

Nos factos provados manifesta-se, também, a reflexão que precedeu a execução.

Demonstram, com efeito, que, já na tarde do dia 28/11/2007, B...P..., F...M..., M...S... e QQ, pelo menos, passaram a andar à procura dos irmãos Correia, busca que prosseguiu na madrugada do dia 29, já com a participação do recorrente (enquanto QQ abandonou esse propósito, o recorrente e outro juntaram-se a B...P..., F...M... e M...S...), e, no veículo conduzido por B...P..., munidos de, pelo menos, quatro armas de fogo – uma pistola semi-automática, de calibre 7,65 mm, uma outra pistola semi-automática, de calibre .45, uma espingarda caçadeira de calibre 12 e um revólver de calibre .32 – continuaram a procurar o encontro com os irmãos C..., de acordo com um plano conjunto de lhes causar a morte, até que, apercebendo-se do local onde eles, e outros, se encontravam, actuaram, então, como antes se deixou referenciado (pontos 99, 101, 102, 107, 108 e 145 da matéria de facto provada).

No contexto dos factos provados, decorre que o recorrente acompanhou os outros, na procura dos irmãos C..., com o referido propósito, por período sempre superior a uma hora (o que se pode inferir da conjugação dos factos 101,102, 103, 104, 105 e 109).

Neste circunstancialismo, o exemplo-padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do CP mostra-se completamente preenchido, quanto ao recorrente A...F..., na medida em que as circunstâncias do cometimento do crime são reveladoras de que o recorrente agiu, também ele, com reflexão sobre os meios empregados e frieza de ânimo, por aí se manifestando uma particular intensidade da vontade criminosa, capaz de revelar a especial censurabilidade da conduta do recorrente.

5.6.4. A presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade, que fundamenta a moldura agravada, e só circunstâncias especiais, que atenuem especialmente a culpa, são susceptíveis de anular o efeito de indício do exemplo-padrão (39) .

No caso, não ocorrem circunstâncias que possam contra-provar o efeito de indício dos exemplos-padrão e que imponham a sua revogação, quanto ao recorrente A...F... (nem quanto a nenhum dos outros recorrentes).

Como tal, na conduta do recorrente (e dos outros) revela-se um aumento essencial da culpa que justifica a moldura penal agravada.

Razões por que improcede o recurso do recorrente A...F... quanto à pretendida alteração da qualificação jurídica do crime de homicídio.


***

5.7. As questões relativas à(s) medida(s) da(s) pena(s), colocadas por todos os recorrentes.

5.7.1. Os recorrentes M...S... e F...M... formularam uma única conclusão dizendo «a pena cominada é exagerada, tendo-se violado os artigos 70 e seguintes do CP.»

Ter-se-á de convir que, para a definição da questão ou questões que, no âmbito da medida da pena, os recorrentes reclamam a apreciação deste Tribunal, é pouco como, para satisfação do requisito da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, a indicação de que foram violados os artigos 70.º e seguintes do CP, é claramente insuficiente.

Procurámos, portanto, na motivação do recurso o esclarecimento dos fundamentos da questão, ou questões, que, com tão desastrada redacção, foram sintetizados naquela conclusão.

Porém, não o lográmos.

Sob o título «A Determinação legal da pena», produzem os recorrentes algumas considerações sobre a todo o crime corresponder uma reacção penal, destacando que, no caso, a pena varia entre os 4 e os 12 anos de prisão, mas que é do senso comum que «estas pessoas são também utilizadas» pelos verdadeiros donos do negócio.

Depois, aludem a dúvidas, que não concretizam, para referir que as alimentam o relato efectuado em sede de reconhecimento de cadáver.

Enfim, tudo a demonstrar que os recorrentes, por um lado, não têm em mente nenhum dos crimes por que foram condenados e que, por outro lado, no âmbito da determinação da pena, quererão convocar dúvidas respeitantes à matéria de facto, subtraída ao conhecimento deste Tribunal.

Depois, sob o título «A Determinação judicial da pena», prosseguem os recorrentes, a propósito da função de prevenção geral, na referência aos casos de tráfico de estupefacientes, e, na consideração das circunstâncias desfavoráveis, ao grau de ilicitude «que é bastante elevado, atendendo à quantidade de estupefaciente, ainda que a sua qualidade possa ser tida como sendo uma droga leve», afirmando que, «pelo exposto, afigura-se-nos justo e equilibrado aplicar ao arguido uma pena próxima do limite mínimo e que possa ser condicente com a sua culpa».

Até, aqui, pois, uma absoluta omissão de matéria adequada a satisfazer a impugnação das penas, pelo homicídio consumado e/ou pena única em que os recorrentes foram condenados, aquelas de que, em função da limitação à admissibilidade do recurso, este Tribunal poderia conhecer.

Os recorrentes passam, em seguida, a um ensaio teorético sobre as penas, de índole histórica – cuja valia nos abstemos de comentar –, mas de nenhuma serventia na perspectiva da questão de direito da medida daquelas penas.

Começando por uma referência à lição de Figueiredo Dias sobre a culpa e sobre os fins das penas, procedem a uma longa análise crítica da evolução do pensamento e das concepções legalmente concretizadas sobre as penas, concretamente sobre a pena de prisão. Detêm-se nas concepções dos séculos dezoito e dezanove, com citações de Basílio Alberto de Sousa Pinto (Lições, na edição de 1861), avançam para os inícios do século vinte, fazendo apelo à obra de Luís Osório, recuam ao Código Penal que sucedeu às Ordenações do Reino, agora com ampla resenha da obra de José Caetano Pereira de Sousa (“Classes de Crimes”, edição de 1816), vão, em seguida, ao Código Penal Português, ratificado nas Cortes, em 1 de Junho de 1953.

Perplexos, perguntámo-nos nós: e a que vem tudo isso?

Terminado esse excurso, os recorrentes regressam à actualidade, para, equivocadamente, afirmarem que os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados no artigo 70.º do CP (40), enunciarem algumas generalidades sobre a determinação da medida concreta da pena e, a final, criticarem «os critérios que estiveram na base da dosimetria penal cominada pelo tribunal a quo» porque «foram muito acentuados e excederam em alguma medida a culpa efectiva» [dos recorrrentes] «até porque estamos perante jovens ainda imaturos na sua personalidade».

Pois bem. Todo o arrazoado constante da motivação não serve a uma impugnação séria no âmbito da questão de direito que a transcrita conclusão parecia sugerir, omitindo, embora, as exigências legais em matéria de impugnação em matéria de direito.

Fica-se sem saber a que pena ou penas quererão reagir os recorrentes, sendo pertinente a dúvida sobre se os recorrentes consideraram os crimes porque tinham sido condenados ou se se reportaram a um crime que não foi objecto do processo (o de tráfico de estupefacientes); ignorado o âmbito da impugnação em matéria de direito, pois nada nos permite inferir que os recorrentes visem impugnar ou a medida da pena pelo homicídio consumado ou a medida da pena única, não são produzidas razões que esclareçam uma discussão jurídica, com um mínimo de consistência.

E na medida em que a motivação não permitiria formular conclusões que satisfizessem as indicações previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 412.º do CPP, também não se justificaria proceder ao convite a que se refere o n.º 3 do artigo 417.º, do mesmo diploma, uma vez que a deficiência não está apenas nas conclusões (no caso, na conclusão) mas na própria motivação. A motivação do recurso é, em si mesma, inapta para a formulação de conclusões que cumpram os requisitos legais. Quer dizer, a motivação dos recorrentes pode considerar-se, nesta parte, uma “não-motivação”, a significar um recurso desprovido de motivação.

Razões por que, não se mostrando viável a apreciação da questão da “medida da pena”, colocada pelos recorrentes M...S... e F...M... o recurso é, nessa parte, rejeitado (artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP).


***

5.7.2. Os recorrentes B...P... e A...F... colocam as questões da medida das penas parcelares, que se apreciará, pelas razões antes indicadas, no estrito âmbito da medida da pena pelo homicídio consumado

Cada um dos recorrentes foi condenado, pelo homicídio qualificado consumado, na pena de 17 anos de prisão.

Ambos visam a redução das penas, para próximo do limite legal.

O recorrente B...P... invoca as suas condições de vida, pretéritas e actuais, e a ausência de antecedentes criminais, por um lado, não ter merecido a devida ponderação, «a provocação sucessiva e reiterada dos ofendidos, havendo sido sovado selvaticamente pelo ofendido FF», por outro.

O recorrente A...F..., embora dirija a sua crítica essencialmente à pena única cominada, não deixa de enunciar uma pretensão de beneficiar de penas parcelares mais benevolentes, segundo ele, reclamadas pelos critérios de prevenção geral e especial, nomeadamente, de prevenção especial de ressocialização, e de destacar – embora só o faça na motivação – que o seu grau de participação «é marcada e visivelmente diferente do dos restantes arguidos».

5.7.2.1. As finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o artigo 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Com este texto, introduzido na revisão de 95 do CP (41), o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades das penas (42)..

Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. «Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.» (43).

Com a finalidade da prevenção geral positiva ou de integração do que se trata é de alcançar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. No sentido da tutela da confiança das expectativas de todos os cidadãos na validade das normas jurídicas e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência – e, na verdade, não só factores do “ambiente”, mas também factores directamente atinentesntes ao facto e ao agente concreto – podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos» (44).. Do que se trata – e uma tal tarefa só pode competir ao juiz - «é de determinar as referidas exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.» (45)..

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem actuar as exigências de prevenção especial. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo do ponto de vista da prevenção especial.

Se a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do CP), a culpa tem a função de estabelecer «uma proibição de excesso» (46)., constituindo o limite inultrapassável de todas as considerações preventivas.

A aplicação da pena não pode ter lugar numa medida superior à suposta pela culpa, fundada num juízo autónomo de censura ético-jurídica. E o que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam (47).

Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

5.7.2.2. Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro – a vida – é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Mas quando o homicídio, como acontece no caso, está associado a disputas e rivalidades entre grupos e afirmações de supremacia, numa expressão extrema de violência, desencadeia fortes “sentimentos” de insegurança e intranquilidade na comunidade adequados a elevar as exigências de prevenção geral.

No caso, ainda, particularmente acentuadas pelas circunstâncias que rodearam a “motivação” para o crime e o modo como foi executado, trazendo para a “realidade da noite do Porto” o que, até então, era dos domínios da ficção, particularmente cinematográfica, e, ainda que esta se baseasse em factos verdadeiros, sempre eles pertenciam a vivências culturais alheias.

Neste quadro, releva considerar, também, as exigências de prevenção geral negativa ou de intimidação, como efeito lateral (desejável) da necessidade de tutela do bem jurídico e de estabilização das expectativas comunitárias (48).

Temos, assim, que os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamam uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela do bem jurídico assegurando a manutenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.

Se, no plano das exigências de prevenção geral não se encontra razão para diferenciar as penas de um e de outro dos recorrentes, também no plano da culpa dos recorrentes pelo crime não há distinções que sensivelmente possam interferir na sua graduação.

A culpa dos recorrentes pelo crime é muito elevada, como decorre das circunstâncias em que o facto foi praticado, conformadoras de três dos exemplos-padrão do n.º 2 do artigo 132.º do CP, como tivemos ocasião de esclarecer, quando analisámos a questão da qualificação jurídica do homicídio posta pelo recorrente A...F....

Previna-se que, com isto, não estamos a proceder a uma dupla valoração daquelas circunstâncias (para efeitos de qualificação do crime e para efeitos da medida da pena). Antes, sem violação dessa proibição, a relevar o conjunto dessas circunstâncias.

Como, no caso, concorrem os elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, todos com relevo para a qualificação da atitude especialmente censurável dos recorrentes, esse conjunto deverá ter efeito na determinação da medida da pena (49).

Se o recorrente B...P... quer ver na alegada «provocação sucessiva e reiterada dos ofendidos» e na sova que recebeu de FF circunstâncias anteriores ao facto susceptíveis de diminuírem a sua culpa, sempre se lhe dirá que não tem razão.

Há, efectivamente, factos anteriores, praticados pelos irmãos Correia, que contribuíram para o desenrolar dos acontecimentos, no sentido que permitem estabelecer um nexo com os que se sucederam. Mas, na reacção do recorrente B...P..., não se detecta qualquer estado de afectação por esses acontecimentos anteriores, adequado a diminuir a sua culpa. Na realização do crime o que se revela é uma personalidade violenta, com dificuldade em gerir a frustração (pelo menos, a que lhe adveio de ter sido sovado por FF, na altura em que o confrontou, de “mãos limpas”, por exigência deste, conforme factos provados n.os 25 a 32) e incapaz de controlar a sua ânsia de dominação, a qualquer custo.

Ao salientar que o seu grau de participação «é marcada e visivelmente diferente do dos restantes arguidos», admite-se que o recorrente A...F... queira ver nisso uma razão de descriminação positiva relativamente aos restantes co-arguidos.

É certo que os factos provados revelam que o recorrente A...F... não integrava o “grupo” dos restantes arguidos e não estava, por isso, envolvido nas disputas e rivalidades com o outro grupo. Não tinha, pois, uma motivação pessoal detectável para a prática do crime. Mas, não obstante, aderiu ao plano e executou-o, da forma dada por provada, juntamente com os outros, o que, ao contrário do que pretende, releva para acentuar a sua culpa pelo crime. Na verdade, «só uma espúria solidariedade com os “motivos” que eram dos outros e não seus o terá levado a participar naquela noite no cometimento de crimes tão graves», como se escreveu no acórdão da 1.ª instância e foi adquirido na fundamentação do acórdão recorrido.

E por aí se manifesta uma personalidade agressiva, vulnerável às piores influências do meio, capaz de acolher e fazer suas decisões, sem motivos próprios, e o que é mais, capaz de as executar, na base de solidariedades de ocasião, sem escrúpulos ou recuos no uso de desmedida violência.

Em face das exigências de prevenção especial de socialização que intensamente decorrem das qualidades desvaliosas da personalidade do recorrente B...P..., manifestadas nos factos, a circunstância de ser primário e as suas condições pessoais de satisfatória integração familiar e profissional apresentam-se de pouca valia, nesse âmbito.

No caso do recorrente A...F..., também as exigências de prevenção especial de socialização são muito elevadas, não só em decorrência da sua personalidade, revelada na prática dos factos, como, em geral, na condução da sua vida, levando a que já tivesse sofrido três condenações por crimes contra a integridade física (factos provados n.os 251 e 252).

Na ponderação das exigências de prevenção geral e especial e da elevada culpa dos recorrentes não merece qualquer crítica, por ser excessiva, a pena aplicada a cada um dos recorrentes B...P... e A...F..., pelo crime de homicídio qualificado consumado.

A pena de 17 anos de prisão, para cada um deles, observa adequadamente a medida da necessidade de tutela do bem jurídico, satisfaz as exigências de prevenção especial de socialização e é consentida pela culpa dos recorrentes.

Não se nos afigurando que haja razões que validamente suportem a sugestão, contida no parecer do Ministério Público, nesta instância, de ligeira redução da pena aplicada ao recorrente A...F..., pelo crime de homicídio.

Termos em que, se nega provimento aos recursos dos recorrentes B...P... e A...F..., na parte em que impugnam a medida da pena, pelo crime de homicídio qualificado consumado.


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5.7.3. Os recorrentes B...P... e A...F... suscitam, ainda, a questão de a medida da pena pelo concurso ser excessiva.

Genericamente, pretende o recorrente B...P... uma pena única que se situe próximo do mínimo, «assim se adequando as exigências de prevenção geral, especial e culpabilidade» do recorrente, no caso concreto.

O recorrente A...F... destaca, especialmente, os riscos de desintegração social implicados numa pena «exagerada» e a inadequação da pena à sua culpa, por a ultrapassar.

5.7.3.1. Estabelece o n.º 2 do artigo 77.º do CP, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, correspondendo o limite mínimo à pena mais elevada das penas concretamente aplicadas e o limite máximo à soma de todas as penas concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar, porém, 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa).

A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do CP, para o qual o artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma, remete – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.

No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

Como destaca Cristina Líbano Monteiro (50):

«(...) quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que está na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Adverte que o todo não equivale à mera soma das partes e repara, além disso, que os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continua a ser culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP.»

O que significa que o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.

E obriga a uma especial fundamentação, «só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da “arte” do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário» (51).

Por conseguinte, no sistema da pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo – e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente (52) ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade – o tribunal deverá atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos (53).

5.7.3.2. No caso do recorrente B...P... há a considerar as seguintes penas parcelares: 17 anos de prisão, pelo crime de homicídio qualificado tentado, 6 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 1 ano de prisão, por um crime de ofensas à integridade física qualificadas, 2 anos de prisão, por um crime de coacção, 1 ano de prisão, por um crime de detenção ilegal de arma, 9 meses de prisão, por um crime de detenção de arma proibida, 6 meses de prisão por um crime de detenção ilegal de arma.

Assim, a moldura penal abstracta do concurso tem como limite mínimo 17 anos de prisão e limite máximo 25 anos de prisão (na medida em que a soma material das penas em concurso atinge 48 anos e 3 meses).

Da apreciação global dos factos praticados por este recorrente emerge, como nota dominante, a sua extrema gravidade, independentemente de, quanto aos crimes cometidos na madrugada de 28 de Novembro de 2007, o desvalor das acções sobrelevar o desvalor dos resultados, com o que se quer significar que a não verificação de mais mortes é alheia à conduta do recorrente.

A prática do ilícito global é expressão de qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente. Praticou todos os crimes para tirar desforço de opositores e ganhar supremacia no “meio”, através do uso de violência incontrolada, com o respaldo do uso de armas de fogo. Como antes se disse, na apreciação da relação da personalidade do recorrente com o conjunto de factos sobressai uma personalidade violenta, com dificuldade em gerir a frustração e incapaz de controlar a sua ânsia de dominação, a qualquer custo.

Manifesta-se, por isso, na prática dos crimes (do ilícito global) uma verdadeira tendência criminosa do recorrente B...P... que não suporta, numa ponderação global dos factos e da personalidade do recorrente, neles manifestada, a redução da pena conjunta de 24 anos de prisão, em que foi condenado.

5.7.3.3. No caso do recorrente A...F... há a considerar as seguintes penas parcelares: 17 anos de prisão, pelo crime de homicídio qualificado, consumado, 6 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 5 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, tentado, 1 ano de prisão, por um crime de detenção ilegal de arma, 2 meses de prisão, por um crime de detenção ilegal de munição.

Assim, a moldura penal abstracta do concurso tem como limite mínimo 17 anos de prisão e limite máximo 25 anos de prisão (na medida em que a soma material das penas em concurso atinge 44 anos e 2 meses de prisão).

A actividade criminosa do recorrente A...F..., não obstante circunscrita, no que se refere à violação de bens jurídicos pessoais, aos factos ocorridos na madrugada de 28 de Novembro de 2007, apresenta-se, globalmente, de extrema gravidade, pela violência desmedida posta na acção, a qual, como referimos quando nos debruçamos sobre a actividade do recorrente B...P..., só por razões independentes da vontade de todos os co-arguidos, não se traduziu numa verdadeira chacina.

Numa ponderação global da personalidade do recorrente A...F... manifestada nos factos destaca-se a violência e a agressividade incontroladas, a que não põe freio mesmo quando, na sua expressão, não é guiado por motivos próprios. Como destacámos, quando analisámos a questão da medida da pena, pelo homicídio consumado, posta por este recorrente, nas qualidades desvaliosas da sua personalidade incluímos a permeabilidade às piores influências do meio, capaz de acolher e fazer suas decisões, sem motivos próprios, e o que é mais, capaz de as executar, na base de solidariedades de ocasião, sem escrúpulos ou recuos no uso de desmedida violência.

Por isso, também no caso do recorrente A...F..., a prática dos crimes (do ilícito global) é expressão de uma verdadeira tendência criminosa.

A ponderação global dos factos e da personalidade do recorrente A...F..., neles manifestada, leva-nos a concluir que a pena conjunta de 21 anos de prisão se peca é por benevolência, com o que se quer dizer que não há razões que validamente justifiquem a sua redução.

5.7.3.3. Em função do exposto, negamos provimento aos recursos dos recorrentes B...P... e A...F... na parte em que suscitam a questão da medida das penas pelo concurso.


***

III


Termos em que, acorda-se, em conferência, na 5.ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relativamente ao recurso do recorrente AA

Na parte em que convoca a apreciação de questões com exclusiva conexão aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, de coacção, de homicídio na forma tentada, de detenção de arma proibida e de detenção ilegal de arma, em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Na parte em que suscita a questão de o Ministério Público ter violado o princípio da lealdade processual, em rejeitar o recurso por manifesta improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

Na parte em que suscita a questão do excesso de pronúncia, quanto à fundamentação da pena pelo concurso, em rejeitar o recurso por manifesta improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

Em negar provimento ao recurso, quanto às questões da inexistência jurídica do processo, em todos as vertentes que subordinou à questão dos meios proibidos de prova, na parte em que impugna a medida da pena, pelo crime de homicídio qualificado consumado, na parte em que suscita a questão da medida da pena pelo concurso.

2. Relativamente aos recursos dos recorrentes BB e CC

Na parte em que convocam a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 434.º e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Na parte em que convocam a apreciação da questão da “medida da pena”, em rejeitar o recurso, por inviabilidade (artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP).

3. Relativamente ao recurso do recorrente DD

Na parte em que convoca a apreciação de questões com exclusiva conexão aos crimes de homicídio, na forma tentada, e de detenção ilegal de arma e de munição, em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Na parte em que coloca as questões da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, em rejeitar o recurso, por ser manifesta a sua improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

Negar provimento ao recurso quanto às questões da qualificação jurídica do crime de homicídio qualificado consumado, na parte em que impugna a medida da pena, por esse crime, e quanto à questão da medida da pena pelo concurso.


***

Por terem decaído, nos termos dos artigos 513.º e 514.º, do CPP, 87.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, 89.º e 95.º, n.os 1 e 3, do CCJ, são condenados: o recorrente B...P... em 15 UC de taxa de justiça, o recorrente A...F... em 10 UC de taxa de justiça, o recorrente M...S... em 8 UC de taxa de justiça, o recorrente F...M... em 8 UC de taxa de justiça e todos nas custas solidárias.

Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, condena-se cada um dos recorrentes M...S... e F...M... no pagamento de 5 UC.


***

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Junho de 2011

Isabel Pais Martins (Relatora)

Manuel Braz

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(1) Doravante abreviadamente designado pelas iniciais CP.
(2) « Ob.cit., pags. 47 e 48.»
(3) « No mesmo sentido, entre outros, Ac. do TRP de 17/12/2008, sendo relatora a Sra. Juíza Desembargadora Isabel Pais Martins, Ac. do TRP de 20/06/2007, sendo relator o Sr° Juiz Desembargador André da Silva, pesquisados em www.dgsi.pt.»

(4) « Note-se que o arguido não tem intercepções telefónicas, ou localização celular, relevante em nenhuma das situações descritas nos factos provados e que demandaram a sua condenação. É de supina importância atentar nesta evidencia!»

(5) « A nulidade inserta no artg. 189°. do C.P.P. levanta algumas questões de natureza doutrinal no que tange ao seu enquadramento como nulidade sanável, insanável, ou, e seguindo o Prof. Costa Andrade, e, Germano Marques da Silva, prova proibida. Afigurasse-nos (sic), e salvo o devido respeito, que a nulidade assinalada seguirá os termos próprios da proibição de prova, sob pena se esvaziar nesta matéria o conteúdo do artg. 126º. ns. 1 e 3 do C.P.P.»
(6) « É irrelevante para o caso a sua qualidade concomitante de demandante, pois, esta atém-se ao pedido cível e não à materia crtiminal.»

(7) « Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, obra cit, pags. 357 a 360.»

(8) « Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de Inimputáveis e (9 «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, pag. 11.»
(9) « Obra cit. pag. 215.»
(10) « "A violação, v. g., do principio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova...". Ac. do ST.I de 07/07/1999, proc. 348/99, sumariado por Leal Henriques e Simas Santos, obra cit. pag. 781.»

(11) « Prof. José Faria Costa, in Jornadas de Direito Criminal, Formas do Crime, pag. 160.»

(12) « Prof. José faria Costa, in Tentativa e Dolo Eventual (ou da relevância da negação em direito penal), Coimbra, 1995, pag. 100 e 101.»

(13) «"O dever de fundamentação da sentença exige:...d) a fundamentação especifica da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos (ac. do TC n° 61/2006}}... e) a fundamentação especifica da decisão que efectue cúmulo jurídico com base na demonstração da relação de proporcionalidade entre a pena conjunta e os factos e personalidade do arguido (ac. do STJ, de 21/11/2006, in CJ, Acs. do STJ, XIV, 3, 228)", anotação de Paulo Pinto de Albuquerque, obra cit., pag. 929.»

(14) « Ac. do STJ de 18/1 1/98, proc. n° 112/98, citado pos Simas Santos e Leal Henriques in CPP Anotado, tomo II, 2000, Rei dos Livros, pag. 56°.»
(15) « Obra citada, pag.928 e 929.»
(16) Doravante designado pelas iniciais CPP.
(17) Neste ponto, como referimos, a relação alterou a decisão proferida sobre matéria de facto. No acórdão da 1.ª instância, este ponto da matéria de facto tinha a seguinte redacção: «No dia 16 de Dezembro de 2007, pelas 08:30 horas, no interior da sua residência, sita na Rua do Almada, n.º 30, 4.º, traseiras, no Porto, Bruno Alexandre Cardoso Pinto estava na posse dos seguintes objectos, sua pertença, cujas características bem conhecia e para cuja detenção não estava legalmente autorizado nem tinha qualquer justificação, como bem sabia.»
Na sequência dessa alteração, a relação acrescentou aos factos não provados o n.º 56 do seguinte teor: «Não se provou que os objectos descritos nos factos assentes sob os nºs 149 e 150, fossem pertença do recorrente Bruno Pinto, o qual bem conhecia as suas características e sabia não estar legalmente autorizado à sua detenção.»

(18) Não se procede à transcrição dos factos relativos às condições pessoais dos arguidos não recorrentes.
(19) Cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1981, p. 359.
(20) Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
(21) Cfr., acórdão de 15/12/2009 (processo n.º 846/09).
(22) Neste sentido, v. g., dentre os mais recentes, o acórdão deste Tribunal, de 12/05/2011, no processo n.º 7761/05.9TDPRT.P1.S1 (5.º secção)
(23) Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 11 ao artigo 400.º, p. 1046.
(24) No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotação 5 ao artigo 400.º, p. 1044, afirmando a inconstitucionalidade da norma do artigo 400º, n.º 1, al.ª c), do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão da relação que se pronuncie pela primeira vez sobre uma questão processual.
(25) Assim se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal, de 07/04/2010 (processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª secção).
(26) Como se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal de 13/02/2008 (processo n.º 2696/07 – 5.ª secção).
(27) Publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2002, Tomo I, p. 235 e ss.,
(28) Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, anotações 6 e 16 ao artigo 30.º, pp. 111 e 112.
(29) Trata-se de lapso manifesto, só podendo querer referir-se ao n.º 9 do artigo 32.º da Constituição («Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.»)
(30) Também foi esta a hipótese objecto do referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/02/2002, no qual, relativamente à separação de inquérito quanto ao arguido preso preventivamente, prosseguindo o inquérito primitivo quanto aos restantes arguidos e já não quanto ao arguido preso, se decidiu que não havia que falar em desligamento porque o arguido preso ficou, sem necessidade de qualquer decisão, preso à ordem do inquérito separado.
(31) Acórdão de 15/09/2010 (processo n.º 137/08), publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2010, Tomo IV, p. 131 e ss.
(32) Neste ponto, cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 235.
(33) Neste sentido, v.g., o acórdão de 06/05/2010, no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª secção.
(34) Por mero lapso o recorrente indicou o ano de 2009.
(35) Cfr. Acta da 2.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Março de 1966, Acta n.º 20, de 13 de Dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, p. 25 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 58 e ss.
(36) Assim, Figueiredo Dias, Comentário cit., p. 44, Teresa Serra, ob. cit., p. 101.
(37) Figueiredo Dias, Comentário cit., p. 36.
(38) Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 40.
(39) Teresa Serra, ob. cit., p. 66 e ss.
(40) O artigo 70.º do CP enuncia o critério preferencial de escolha da pena quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade.
(41) Inexistente na versão primitiva do CP, foi introduzido com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
(42) Sobre a evolução, em Portugal, do problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 88 e ss.
(43) Ibidem, p. 105.
(44) Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 228.
(45) Ibidem, p. 241.
(46) Figueiredo Dias, Temas, cit., p. 109.
(47) Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
(48) Neste ponto, cfr. Figueiredo Dias, As Consequências cit., p. 242.
(49) Assim, Figueiredo Dias, Comentário cit., p. 45 (§42], Teresa Serra, ob. cit., p. 101 e ss.
(50) «A pena “unitária” do concurso de crimes», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16.º, n.º 1, Janeiro-Março 2006, Coimbra Editora, p. 151 e ss.
(51) Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291.
(52) E só neste caso será adequado atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal.
(53) Neste sentido, cfr. autores e ob. cit, respectivamente, p. 164 (Revista cit.) e p. 291 (Consequências ... cit.).