Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3052/20.3T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE DA AÇÃO
DANOS REFLEXOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/30/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

I- O defeito da coisa constitui um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida, inerente aos aspetos materiais do bem.


II- Para considerar a coisa defeituosa é considerado o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada.


III- Quando na causa de pedir está em causa o vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.


IV- Os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.


V- Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação, sendo-lhes aplicável o prazo geral da prescrição.

Decisão Texto Integral:

Processo nº. 3052/20.3T8STR.E1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1-Relatório:


A autora, Sercat, Unipessoal, Lda., intentou ação declarativa sob forma de processo comum contra a ré, Agpronto –Manutenção de Máquinas, Lda., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de € 45.845,69, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.


Para tanto, alegou em síntese, que adquiriu à ré um veio para um seu trator agrícola, o qual depois de instalado rebentou, na medida em que, o mesmo era de menores dimensões do que as devidas, tendo-lhe sido aplicado um acrescento.


A ré não procedeu a qualquer reparação, pelo que, o autor teve de adquirir um novo veio para o trator, teve de reparar as peças destruídas por causa do defeito daquele e esteve privado do seu uso.


Regularmente citada, contestou a Ré invocando a exceção de caducidade do direito de ação, dizendo que a autora teve conhecimento do rebentamento do veio em 9 de agosto de 2019, pelo que, nos termos dos artigos 916.º, n.º 1 e 921.º, n.º 4, do Código Civil, a ação deveria ter dado entrada em juízo até 9 de agosto de 2020 e não em 29 de dezembro de 2020, como sucedeu.


Concluiu pela procedência da exceção, e sem conceder, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.


A autora respondeu à exceção, pugnando pela sua improcedência.


Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, vindo a final a ser proferida sentença que julgou procedente a exceção de caducidade.


Não se conformando com o decidido, apelou a Autora/Sercat, Unipessoal, Lda., tendo a Relação proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou:


«Por todo o exposto, acordamos em julgar a improcedente e, em consequência, mantemos a sentença recorrida».


Uma vez mais inconformada, veio a Autora interpor recurso de revista excecional ao abrigo da alínea c) do n.º 1, do art.º 672º do Código de Processo Civil, concluindo as suas alegações:


1. No sumário do acórdão-fundamento pode ler-se, designadamente, o seguinte:


5. As normas de caducidade do direito de acção constantes no artigo 917º do Código Civil não são aplicáveis às acções em que o comprador de coisas móveis defeituosas pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o correspondente direito de indemnização».


2. Os aspetos de identidade que determinam a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça são os seguintes (672.º, n.º 2, al. c) do CPC):


i) Em ambos os processos, o vendedor vendeu ao comprador uma coisa defeituosa;


ii) Em ambos os processos, a coisa defeituosa causou prejuízos ao comprador;


iii) Em ambos os processos, o comprador peticionou contra o vendedor o ressarcimento desses prejuízos, por via de pedido de indemnização civil;


iv) Em ambos os processos, o vendedor alegou a caducidade do direito do comprador a ser indemnizado, por força do disposto no artigo 917.º do Código Civil.


Porém,


3. Apesar dos aspetos de identidade supramencionados, o Tribunal da Relação de Évora divergiu na decisão proferida:


- No acórdão-fundamento, entendeu-se que as normas de caducidade do direito de ação constantes no artigo 917º do Código Civil não são aplicáveis às ações em que o comprador de coisas móveis defeituosas pretenda exercer, com fundamento nos respetivos defeitos, o correspondente direito de indemnização.


- No acórdão recorrido, contrariamente, entendeu-se que o artigo 917º do Código Civil aplica-se a todas as ações propostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda de coisa defeituosa.


4. No acórdão-fundamento, considerou-se que o curto prazo de caducidade previsto no artigo 917.º do Código Civil, apenas se justifica para a ação de anulação, porque a mesma tem por efeito o desaparecimento retroativo do contrato de compra e venda, com restituição do tudo o que haja sido prestado pelas partes por causa desse contrato - situação que, compreensivelmente, afeta a segurança jurídica dos negócios. Já a indemnização pedida pelo comprador da coisa defeituosa não tem por efeito qualquer desaparecimento retroativo do contrato de compra e venda – que se mantém vigente -, logo, não carece de proteção ao nível da segurança jurídica.


5. O juízo do acórdão-fundamento – desnecessidade de proteção ao nível da segurança jurídica, quando o pedido do comprador é para ser indemnizado - pode e deve ser feito sobre a (mesmíssima) situação dos presentes autos.


6. Depois, tenha-se em consideração que os prejuízos suportados pela A. e Recorrente com a reparação do trator e com a privação do uso, são danos indiretos, pois não decorrem diretamente da coisa defeituosa, tendo, antes, sido por esta provocados. Assim, o fundamento do pedido de indemnização não é a coisa defeituosa em si mesma considerada, como acontece com a ação de anulação. Daí justificar-se a aplicação de diferentes prazos de caducidade.


7. A ação intentada pelo comprador, destinada a exigir o pagamento de uma indemnização pelo vendedor, corresponde ao exercício de um direito de crédito (indemnização pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso), que, na falta de disposição especial, deve estar sujeita ao prazo geral constante do artigo 309º do Código Civil. Não lhe é aplicável o regime dos artigos 916.º e 917.º do mesmo diploma, tanto quanto é certo que ela não tem por base um dos meios de reação próprio da venda de coisas defeituosas (anulação da venda, com a consequente obrigação de indemnizar - artigos 909.º, 913.º e 915.º). Antes se fundamenta no cumprimento defeituoso da prestação.


8. O credor (comprador) tem o direito de optar, face ao incumprimento do devedor (vendedor), pela indemnização nos termos gerais, reclamando os danos emergentes e lucros cessantes (artigo 564.º do Código Civil), não se anulando o contrato. Foi o que sucedeu no caso vertente em que a A. e Recorrente reclamou os prejuízos suportados com a reparação do trator e os lucros cessantes pela privação do uso. Este pedido de indemnização não está, portanto, sujeito ao prazo de caducidade de 6 meses que tem em vista a indemnização correspondente à venda de coisa defeituosa, não a indemnização correspondente ao incumprimento do contrato, rectius, ao incumprimento da prestação a que a R. e Recorrida estava adstrita.


9. São diversos os acórdãos a sustentar o mesmo entendimento vertido no acórdão-fundamento: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/05/2003, proferido no proc. 03B1433, pelo Relator Araújo Barros; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/02/2014, proferido no proc. 1115/05.4TCGMR.G1.S1, pelo Relator Salazar Casanova; acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/12/2018, proferido no âmbito do proc. 2142/15.9T8CTB.C, pela Relatora Sílvia Pires.


10. Este último acórdão (Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/12/2018, proferido no âmbito do proc. 2142/15.9T8CTB.C, pela Relatora Sílvia Pires) dá como seguro que ao direito de indemnização por danos colaterais resultantes de defeito em coisa objeto de prestação em contrato de compra e venda não são aplicáveis os prazos curtos de caducidade previstos nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil. Antes, é de aplicar o prazo previsto para a responsabilidade civil contratual (20 anos), ou o prazo previsto para a responsabilidade civil extracontratual (3 anos).


11. Assim, é a ação de anulação que está sujeita ao prazo de 6 meses e não a


ação destinada a exigir do vendedor a indemnização pelo prejuízo causado pela coisa defeituosa.


12. Como se alegou em sede de recurso de apelação, ao não considerar-se assim, teria a A. e Recorrente que ter dado entrada da ação em momento anterior à conclusão da própria reparação do trator, e quando ainda nem sequer sabia em quanto lhe ia ficar o custo da reparação do trator!!


13. É precisamente para se evitar este tipo de situação, que um prazo tão curto como o do artigo 917.º do Código Civil não se pode aplicar, por interpretação extensiva, ao direito do comprador a ser indemnizado pelo vendedor, pelos danos indiretamente causados pela coisa defeituosa. Normalmente, só muito tardiamente se conhecem os danos emergentes e dignos de indemnização. E ainda mais tardiamente são conhecidos os lucros cessantes.


14. Pelo que, é por demais evidente que o legislador quis estipular um prazo de caducidade de 6 meses apenas para a ação de anulação por simples erro -conforme expressamente resulta do artigo 917.º do Código Civil -, não sendo admissível uma interpretação extensiva que faça incorrer no mesmo prazo o direito do comprador em ser indemnizado, nos termos da responsabilidade civil contratual, pelos danos colaterais/indiretos/reflexos que a coisa defeituosa lhe tenha causado, neles cabendo os danos emergentes e os lucros cessantes.


15. Por isso, pelo menos a parte da indemnização reclamada nestes autos pela A. e Recorrente de € 19.750,22, respeitantes à reparação do trator, e de € 25.124,40, respeitantes à privação do uso do mesmo, deve considerar-se não caducada, por lhe ser aplicável o prazo de 20 anos, ou, no limite, o prazo de 3 anos. Nunca o prazo de 6 meses!


16. Se há identidade de aspetos entre as causas que deram origem ao proferimento do acórdão-fundamento e do acórdão recorrido, deve a elas ser aplicado o mesmo direito e proferida a mesma decisão. E, no entendimento da A. e Recorrente, o entendimento correto - e que deve ser adotado para o caso dos presentes autos - é o do acórdão-fundamento.


17. Conclui-se que andou mal o Tribunal da Relação de Évora ao confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a exceção perentória da caducidade do direito da A. e Recorrente nos termos e com os mesmos fundamentos do acórdão-fundamento, por existir manifesta identidade entre ambas as causas, nada justificando que hajam sido proferidas duas decisões totalmente opostas.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Remetidos os autos à formação veio a mesma a admitir a revista excecional, ao abrigo do disposto na al. c) do nº. 1 do art. 672º do CPC.


Foram colhidos os vistos.


2- Cumpre apreciar e decidir:


As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil.


A matéria de facto delineada nas instâncias foi a seguinte:


1. A autora é uma sociedade que se dedica à criação e comercialização de ovinos e caprinos, turismo rural e aluguer de máquinas agrícolas.


2. A ré é uma sociedade que se dedica à manutenção de máquinas e peças agrícolas.


3. Entre 08.01.2014 e 20.07.2020 o direito de propriedade sobre o trator agrícola de matrícula ..-OE-.. encontrava-se registado a favor da autora.


4. Em 29.07.2019, a autora contactou a ré pedindo orçamento para o fornecimento de um veio para o trator de matrícula ..-OE-.., marca DEUTZ-FAHR, modelo 7722.


5. Em 30.07.2019, a ré apresentou à autora um orçamento de € 971,07, que esta aceitou.


6. Em 30.07.2019, AA, legal representante da autora, e BB, funcionário da ré, trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“BB


AA


Envio o comprimento total do veio


AA:


Só o veio 1.37m e espessura 8cm


BB


Total será 1.43m?


AA:


Total com luva e cardan?


BB


Sim


[imagem]


Assim


AA:


É isso


BB


7900 Euros + iva + transporte


Completo


Temos de mandar vir


AA:


Está cá quando é qual o valor do transporte?


BB, novidades?”.


7. Em 31.07.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“BB


Ola AA. Deve demorar 3 ou 4 dias


Queres que mande vir??


AA:


Podes mandar vir


BB


AA


A luva que esta na ponta do veio não precisas certo????


[imagem]


Esta luva na ponta


[imagem]


So precisas mesmo disto certo??


Ve isto


Para mandarmos vir


Aguardo a tua resposta


AA:


Exactamente


É usado ou novo?


BB


Usado


Como ficamos??


É só isto da ultima foto


[imagem]


Certo?


Aguardo a confirmacao pois tenho o fornecedor preparar


encomenda.


[imagem]


[imagem]


[imagem]


AA preciso saber se queres o veio. Pois mandei


preparar….


Diz alguma coisa


AA:


Em caso de ter empeno como fazemos?


BB


O fornecedor diz que esta bom


AA:


Preço mínimo?


BB


750


Min8mo


Minimo


+ iva


Feito?”


8. Em 05.08.2019, o funcionário da autora CC, deslocou-se ao estabelecimento comercial da ré para proceder ao levantamento do veio encomendado.


9. No mesmo dia, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB, o veio é 20 cm mais pequeno


BB


Medida??


AA:


O do trator 1,37 e o que veio tem menos 20 cm


BB


Não da mesmo?


AA:


Não, é muito curto


BB


So enviandos os 2 para nos para te preparmos isso


Ou se tiveres alguém qye te prepare isso abatemos o valor


É como quiseres


Preparar isso para a medida correta


AA:


Preparar como?


BB


Colocar tubo desse à medida que queres


AA:


Para isso mandava fazer um veio novo.


BB


Manda então isso que nos preparamos


Tens de mandar os 2


Para afinarmos isso medida


AA:


Para isso mandava arranjar o que lá está!


Prefiro que venha um veio desta medida


BB


Não é fácil AA


Nos temos pessoa que prepara isso


Que já nos faz isso há alguns anos


AA:


Então se eu mandar o que lá está conseguem arranjá-lo?


BB


Sim


AA:


É que já tentaram e não conseguiram


BB


Tem que ser nas pessoas certas


AA:


Foi a B... a uns gajos especializados


BB


Entao envio os 2


Que nos preparamos o que te enviamos pela medida do


teu


Envia isso ou tras isso


Queres enviar ou depois deixas ca?


AA:


Já te ligo


BB


Ok”


10. Em 06.08.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB, tens novidades?


BB


Ola AA


Estamos a resolver


Logo que esteja informo


AA:


Previsão?


BB


O mais rapido possível


Logo que esteja informo”.


11. Em 07.08.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB, novidades?


BB


O CC vem aí agora


Buscar


AA:


O que fizeram?”.


12. No mesmo dia, CC procedeu ao levantamento do veio no estabelecimento comercial da ré.


13. A ré havia procedido ao aumento do veio, tendo para tanto cortado e soldado uma secção de modo a ficar com mais 20 cm de comprimento.


14. Em 09.08.2019, o mecânico da autora instalou o veio fornecido no trator.


15. Após a instalação do veio, o trator percorreu cerca de 300 metros, tendo o veio partido logo de seguida.


16. Ao partir, o veio caiu e perfurou o solo, tendo aí ficado preso e recuado, provocando estragos em vários componentes da transmissão do trator, tal como na caixa de velocidades, transmissão traseira, transmissão dianteira e toda a tubagem envolvente.


17. Em 09.08.2019, AA enviou a BB as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB, o veio foi montado hoje o trator andou 300m e


partiu onde foi soldado;


Como resolvemos esta situação agora


[imagem]


[imagem]”.


18. Em 10.08.2019, BB enviou a AA a seguinte mensagem através da aplicação Whatsapp:


“BB


Ola AA. Espero que estejas bem. Estou de ferias logo


que possa falarei com a casa que fez o serviço para ver


soluções. Abraço.”.


19. Em 12.08.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“BB


Ola AA. Já falamos com a casa que fez o serviço. Tens


então de trazer o veio transmissão assim completo como


esta na foto para levar 1 tubo completo ao meio sem


soldaduras e colocar-se as 2 pontas dd 1 lado e de outro


AA:


Quando puder ligar diz


BB


Estarei la na empresa dia 20


Mas tens de trazer o veio


AA:


BB o veio quando partiu bateu no chão e partiu o veio


que vai à caixa, como vamos resolver isto? Eu preciso


disso resolvido antes de dia 20


BB


AA para essas datas nao conseguimos


Talvez ate ao fim mes


Esta muito pessoal de ferias


Mês complicado


AA:


Vê lá isso que tenho o trator vendido


BB


Tens de trazer o material


Para podermos trabalhar


E vermos medidas


AA:


Posso levar já hoje


BB


Dia 19


Leva isso ok?


AA:


Ok”.


20. Em 20.08.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB a que horas abres?


BB


09:00”.


21. Em 21.08.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


Alguma novidade do veio?


BB


Okz AA


Ola AA


Tou a ver se arranjo”.


22. Em 09.09.2019, AA e BB trocaram as seguintes mensagens através da aplicação Whatsapp:


“AA:


BB, bom dia. Já veio o veio?


BB


Ola AA


Estamos a aguardar


De e estar esta semana


AA:


Vê lá isso BB, tenho o trator vendido e o homem está


farto de estar á espera


BB


Compreendo


Estamos a tratar o mais rapido possível”.


23. Em 27.09.2019, AA enviou a BB a seguinte mensagem através da aplicação Whatsapp:


“AA:


[imagem]


[imagem]


[imagem]


BB, aqui está o orçamento da reparação do trator.


Como resolvemos isto?”.


24. Em 24.09.2019, a A..., Lda. apresentou à autora um orçamento para reparação do trator no montante de € 16.523,40.


25. Em 28.09.2019, a autora entregou o trator na A..., Lda. a fim de ser reparado.


26. O trator ficou reparado em 06.03.2020.


27. Em 30.03.2020, a A..., Lda. elaborou o seguinte relatório:


“Vimos por este meio informar-vos que recebemos nas nossas instalações o tractor Deutz k610 com a matrícula ..-OE-.. do Exmo. Sr. AA.


Após um minucioso diagnóstico verificámos que a causa técnica da avaria do Deutz k610 com a matrícula ..-OE-.., foi derivado ao veio de transmissão dianteiro ter sido montado inadequadamente ou não ter uma calibração de fabricada para que possa funcionar corretamente, levando este mesmo a ceder ao embater no chão fez recuar o veio de transmissão partindo assim a caixa de velocidades e transmissão.”.


28. A reparação do trator cifrou-se no montante global de € 19.750,22.


29. No âmbito da sua atividade económica, a autora cedia a utilização do mencionado trator a terceiros, para o desempenho de diversas tarefas agrícolas, designadamente, sementeiras, gradagens, adubações, desmatações, rolagens, ripagens, serviços de transporte e serviços de cisterna, recebendo em contrapartida, uma prestação monetária.


30. Pelos serviços mencionados em 29., a autora fatura € 40/hora.


31. A autora liquidou à A..., Lda. o montante referido em 28. através de transferência bancária no montante de € 12.597,97 e, no remanescente, da entrega de um Multicarregador Merlo Panoramic p34.7.


32. O veio mencionado em 4. mede 1.48 m de centro de cruzeta a centro de cruzeta e 1.37 m entre soldaduras.


33. O veio fornecido pela ré à autora em 8. media 1,43 m de falange a falange.


34. O veio fornecido pela ré à autora em 8. era mais curto cerca de 20 cm do que as medidas mencionadas em 32.


35. No circunstancialismo referido em 14. a 16., o veio partiu no local da soldadura.


36. No circunstancialismo referido em 14., a autora não procedeu à colocação da proteção do veio após a sua montagem.


37. A presente ação deu entrada em juízo em 29.12.2020.


Factos dados como não provados:


a) BB exerce funções de gerência na ré.


b) No circunstancialismo referido em 7., o funcionário da autora CC constatou, em conjunto com BB, que o atendeu, que o novo veio era substancialmente mais pequeno do que o veio original (avariado) que existia no trator.


c) De seguida, BB pediu para lhe ser entregue o veio original (avariado), para tirar as suas medidas e transmitiu ao funcionário da autora que iria proceder a nova encomenda de um veio com dimensões iguais para aplicação no trator da autora e que, assim que o recebesse no estabelecimento comercial, entraria em novamente em contacto.


d) No circunstancialismo referido em 11., 12. e 13., CC questionou BB se era seguro aplicar no trator uma peça remendada, ao que este respondeu que o veio poderia ser aplicado, sendo já prática habitual da ré vender peças remendadas a outros clientes.


e) BB respondeu que o veio podia ser aplicado sem receio e que já era prática habitual da ré vender peças remendadas a outros clientes, sem que nunca tivesse ocorrido qualquer problema.


f) Em 12.08.2019, a autora, através do seu gerente, Sr. AA, contactou a ré para lhe relatar o sucedido, tendo o gerente desta, BB, assumido que o veio fornecido não devia ter sido instalado no trator da autora.


g) BB prontificou-se a encomendar as peças danificadas no trator, por forma a serem substituídas, sem qualquer custo para a autora.


h) A ré pediu à autora que lhe entregasse as peças danificadas do trator para ela própria obter um orçamento para a sua reparação.


i) Em 01.10.2019, o funcionário da autora, CC, levou as peças da A..., Lda., em ..., para a sede da ré, na ....


j) Em 04.10.2019, a ré informou a autora de que o custo da reparação seria muito elevado e que teria de ser suportado pela autora, porque a ré não tinha capacidade económica para o assumir.


k) Em data anterior a 29.07.2019, o trator identificado em 4. havia sofrido outra avaria idêntica.


Vejamos:


As questões a dirimir consistem em aquilatar:


- Da aplicabilidade do prazo de caducidade da ação do art. 917º do Código Civil, apenas à ação em que se pede a anulação por simples erro pela venda de coisa defeituosa.


- Da não aplicabilidade daquele prazo de caducidade, no concernente à responsabilidade civil contratual, pelos danos colaterais/indiretos/reflexos que a coisa defeituosa tenha causado.


Insurge-se a recorrente relativamente ao decidido pelo Tribunal de 1ª. Instância e pelo Tribunal da Relação, quando entenderam que o artigo 917º do Código Civil se aplica a todas as ações propostas pelo credor vítima de cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda defeituosa e julgaram caducado o direito de ação pelo decurso do respetivo prazo.


Defende a recorrente, seguindo a orientação do acórdão tido por fundamento, que o legislador quis estipular um prazo de caducidade de seis meses, apenas para a ação de anulação por simples erro, como resulta do art. 917º do Código Civil, não sendo admissível uma interpretação extensiva que faça incorrer no mesmo prazo o direito do comprador em ser indemnizado, nos termos da responsabilidade contratual, pelos danos colaterais/indiretos/reflexos, que a coisa defeituosa lhe tenha causado.


Ora, o pedido formulado pela autora na sua instância processual, foi a condenação da ré, no pagamento total dos valores respeitantes ao preço pago pela aquisição do veio defeituoso, pelo valor da reparação das demais peças destruídas por causa do veio defeituoso e pela privação do uso do trator.


Para tanto, sustentou que adquiriu à ré um veio para o seu trator, tendo pago o respetivo preço.


A ré apresentou-lhe um veio mais curto do que existia originariamente no trator, o qual remendou para ficar com as dimensões adequadas e que acabou por rebentar depois de instalado, provocando estragos na caixa de velocidades, transmissão traseira e dianteira e toda a tubagem envolvente daquele.


O gerente da ré prontificou-se a substituir as peças danificadas do trator, o que veio posteriormente a declinar.


A qualificação feita pelas instâncias quanto à natureza do contrato celebrado, como de compra e venda, a que é aplicável o regime geral do art. 874º do Código Civil, não sofreu qualquer desaprovação pela autora, assim como, a aquisição de que o veio fornecido pela ré era inapto para o fim a que se destinava, sendo defeituoso por aplicação do art. 913º do Código Civil.


De acordo com tal normativo, há venda de coisa defeituosa quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.


O defeito da coisa constitui um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida, inerente aos aspetos materiais do bem (cfr. Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e na Empreitada, pág. 198).


E como sustentou o Professor Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, pág. 46, «A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim específico e ou normal a que é destinado».


No caso concreto, a ré devia ter entregue à autora um veio com a dimensão adequada para ser colocado no trator, mas apurou-se que o mesmo não tinha o comprimento devido, tendo menos 20 cm, que foi soldado e que após a instalação, não aguentou o esforço do trator, rebentando-se, ou seja, o veio era inapto para o fim a que se destinava.


Para considerar a coisa defeituosa é diretamente considerado o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada.


Tal como se encontra estruturado o litígio, nesta parte pela recorrente, não poderemos deixar de entender que estamos perante a venda de uma coisa defeituosa, que não satisfez o fim a que se propunha, o qual resultou de um cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda e daí que lhe seja aplicável o regime previsto nos arts. 913º a 922º do Código Civil.


Como consta do Ac. do STJ. de 7-5-2009, in http://www.dgsi «O contrato de compra e venda é um contrato instantâneo, ou se cumpre bem ou se cumpre mal. O cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso do contrato. E o cumprimento é defeituoso porque é a venda de uma coisa defeituosa».


Com efeito, no caso sub judice, é de enquadrar a venda do veio, como se tratando da venda de uma coisa defeituosa, com o seu regime específico, pois, estamos perante um vício intrínseco da própria coisa vendida.


Neste circunstancialismo, assiste ao comprador poder pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, a redução do preço, de acordo com os defeitos da coisa, a indemnização que à situação couber, bem como, nos termos do art. 914º do Código Civil, a reparação da coisa ou, a sua substituição se esta tiver uma natureza fungível.


E tal como foi decidido pelas instâncias e tem vindo a ser entendido pela jurisprudência mais recente do STJ., quando a causa de pedir se traduz no vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.


O prazo de caducidade previsto no art. 917º do Código Civil, aplicar-se-á extensivamente, a todas as ações interpostas pelo credor alvo de cumprimento defeituoso de um contrato de compra em venda.


Neste sentido se pronunciaram, nomeadamente, os Acs. do STJ. de 9-3-2006, 12-10-2006, 5-2-2009, 7-5-2009, 4-5-2010, 12-1-2010, 13-11-2011, 8-5-2018, 11-7-2023, 14-9-2023, 15-9-2022, 1-7-2021, 6-10-2016, 8-10-2015, todos in, https:// www.dgsi.pt.


De igual modo, se pronunciou Pedro Romano Martinez, na obra já referenciada, pág. 367, «Apesar do art. 917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no art. 1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso. De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos à prescrição geral de vinte anos (art. 309ª); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as ações derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses, não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas ações prescreveriam no prazo de vinte anos. (…) E se o art. 917º. não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos».


Ora, a indemnização pelo custo do veio constitui o sucedâneo com o qual se pretende satisfazer a prestação que o defeito da coisa impediu de ser cumprido.


Como se escreveu no Ac. do STJ. de 7-5-2009, na Revista nº. 57-09 «A indemnização não deixa de ser em caso algum o sucedâneo com o qual se pretende assegurar a prestação pontual que o defeito não deixou cumprir.


E é por isso que a ação respetiva não pode deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a ação definida para o essencial remédio do defeito: ou a anulação, ou a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa, ou a resolução. Quer a indemnização tenha a natureza de reparação – complementar – dos danos que ficaram para além de qualquer um dos caminhos, quer seja em si mesma, ela própria, o único caminho efetivamente reparador».


Nos casos em que o cumprimento defeituoso se refira a um contrato de compra e venda, perante um concurso entre um regime decorrente de normas e princípios gerais e outro consubstanciado em normas especiais, há que fazer aplicar o regime no âmbito que lhe é próprio, apenas sendo de recorrer ao regime geral fora daquele (cfr. Meneses Cordeiro, in Violação Positiva do Contrato, Revista da Ordem dos Advogados, ano 41, pág. 145 e segs).


Com efeito, na esteira do supra explanado, considerando-se o veio adquirido por contrato de compra e venda, defeituoso, por não possuir as qualidades asseguradas necessárias para a fim a que se destinava, tratando-se efetivamente de um vício intrínseco da coisa, ser-lhe-á aplicável o regime do art. 913º do Código Civil, com a aplicabilidade do prazo de caducidade do art. 917º do mesmo normativo, com a sua interpretação extensiva.


Assim, tendo a recorrente denunciado o defeito do veio em 9-8-2019, o direito da mesma a intentar a ação para recebimento do preço do mesmo tinha o seu términus em 9-2-2020.


Porém, tendo a ação sido intentada em 29-12-2020, é demais evidente que a mesma é extemporânea, sendo de manter o decidido nesta parte.


A recorrente pretende, para além do valor do veio, ser também ressarcida dos prejuízos que sofreu com a reparação do trator e pela sua privação, enquanto se encontrava a ser reparado.


Sustenta a mesma que não será aplicável a tais danos, o regime da compra e venda de coisas defeituosas, mas sim, o direito do comprador a ser indemnizado nos termos da responsabilidade civil contratual, reputando-os de danos indiretos.


Como refere Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 9ª. ed., pág. 542-547 «Na perspectiva da responsabilidade civil, cabe dizer-se, liminarmente, que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.


(…) Dizem-se danos directos os que resultam imediatamente do acto ilícito e danos indirectos os restantes».


Com efeito, o objeto da ação é determinado pelo pedido do autor, consubstanciado na causa de pedir, ou seja, o facto jurídico que está na base da pretensão.


Como se constata, a recorrente entende que a ré cumpriu defeituosamente a sua prestação, quando lhe entregou um veio defeituoso, pretendendo que a mesma seja responsabilizada pelos inerentes prejuízos que lhe causou.


Trata-se, efetivamente, do exercício de um direito de crédito (indemnização pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso), que, na falta de disposição especial, deve estar sujeita ao prazo geral constante do art. 309º do C. Civil (de prescrição que não de caducidade).


Nos casos em que há falta de cumprimento, ou cumprimento defeituoso da obrigação, padeça ou não padeça de defeito a coisa entregue, assiste ao contraente lesado o direito ao cumprimento coercivo nos termos do artigo 817.º do Código Civil e o direito de indemnização nos termos gerais.


O comprador, no caso de falta de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação, pode exigir judicialmente o cumprimento e pode reclamar, nos termos gerais, o prejuízo que lhe adveio do incumprimento (artigos 798.º, 799.º e 817.º do Código Civil).


O vendedor está adstrito ao cumprimento contratual, ou seja, tem a obrigação de cumprir o contrato em conformidade com o negociado, sob pena de incorrer em incumprimento, o qual conduzirá ao direito à indemnização.


E quando a violação culposa dos deveres do vendedor não se refira ao vício intrínseco da coisa, a responsabilidade contratual não se encontra abrangida pelo art. 913º do C. Civil.


No mesmo sentido se pronunciaram o Prof. Calvão da Silva e Prof. Pedro Romano Martinez, nas obras respetivamente de Compra e Venda de Coisas Defeituosas e Cumprimento Defeituoso e em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, já supra citadas, defendendo que no direito português, relativamente a factos estranhos à coisa, justifica-se o recurso ao prazo da prescrição do art. 309º do C. Civil.


Com efeito, estamos perante a existência dos chamados danos colaterais ou reflexos, provocados pela existência do defeito, danos que não se circunscrevem ao defeito, mas que lhe acrescem, ou seja, não estamos nestes casos perante a reparação do defeito, mas perante danos sofridos além da existência do defeito.


Estes danos estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.


Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação.


Como se escreveu no Ac. do STJ. de 15-9-2022, in http://www.dgsi, estes danos terão lugar relativamente aos prejuízos que não obtiveram reparação através do exercício do direito à reparação e à qual se aplicariam os prazos curtos de caducidade estabelecidos no art. 917º do C. Civil.


Estes danos não são inerentes ao defeito mas sequenciais a este e provocados pelo defeito, sendo indemnizáveis pelas regras gerais da responsabilidade contratual, apenas sujeitos à prescrição geral.


Compreende-se que estes danos não possam estar sujeitos aos prazos curtos plasmados no art. 917º do C. Civil, desde logo, porque a sua ocorrência poderá não coincidir necessariamente com os eventos que determinaram a contagem daqueles prazos, podendo vir a ter lugar posteriormente, como sucedeu no caso concreto.


Como referiu a este propósito, João Calvão da Silva, na identificada obra de Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 75 «Além do direito de indemnização conexo com o de anulação, por dolo ou erro, do contrato de compra e venda de coisa defeituosa, existe um outro direito de indemnização decorrente das regras gerais do direito da responsabilidade civil e, designadamente, do art. 798º. do Código Civil, baseado no cumprimento defeituoso, e no qual encontra guarida, por exemplo, a reparação do prejuízo resultante da paralisação da coisa vendida durante o tempo da reparação».


Ora, nestas situações, em que está em causa a reparação de outros danos que não os inerentes aos defeitos da coisa em si, ser-lhes-ão aplicáveis as regras gerais do direito de indemnização, ou seja, o prazo de prescrição geral.


Implica tal, que o montante peticionado de € 19.750,22, a título de reparação do trator e o montante de € 25.124,40, a título de privação do uso do mesmo, enquanto se encontrava a ser reparado, ainda estão em prazo para serem reclamados, não lhes sendo aplicável os prazos de caducidade do art. 917º do CPC., mas sim os da prescrição (neste sentido, Acs. R.G. de 23-1-2020 e de 7-3-2024, Ac. R.C. de 20-6-2012, in http://www.dgsi.pt).


Destarte, assiste razão à recorrente, pelo que, se revoga o acórdão nesta parte, determinando-se, nos termos do disposto no art. 679º do CPC., a remessa dos autos à Relação para conhecimento destes pedidos.


Sumário:


- O defeito da coisa constitui um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida, inerente aos aspetos materiais do bem.


- Para considerar a coisa defeituosa é considerado o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada.


- Quando na causa de pedir está em causa o vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.


- Os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.


- Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação, sendo-lhes aplicável o prazo geral da prescrição.


3- Decisão:


Nos termos expostos acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e, em consequência:


a) Revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção de caducidade, quanto aos montantes de € 19.750,22 e € 25.124,40, determinando-se a remessa dos autos à Relação para a devida apreciação.


b) No mais se mantendo o acórdão proferido.


Custas a cargo da recorrente e da recorrida na proporção do respetivo decaimento.


Lisboa, 30-04-2024


Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)


Leonel Serôdio


Amélia Alves Ribeiro