Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
43/17.5T8CBT.G3.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA IN VIGILANDO
DEVER DE VIGILÂNCIA
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
ÓNUS DA PROVA
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
BEM IMÓVEL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 01/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Tendo ficado provado que a passagem pedonal constituída por um passadiço servia apenas como saída de emergência e de evacuação de um armazém pertencente à ré, ou seja, para a passagem esporádica e repentina de pessoas, recaía sobre a ré, dona e detentora da passagem, a obrigação de zelar para que o passadiço não tivesse outra utilização susceptível de fazer perigar a sua segurança;

II. Assim, Impendendo sobre ela esse dever de vigilância, competia-lhe provar, para afastar a presunção de culpa que sobre ela recaía, que tinha praticado actos idóneos para prevenir quaisquer danos provenientes da indevida utilização do passadiço, que colapsou não apenas devido à sua deficiente construção mas também ao peso excessivo de trabalhadores de outra empresa, incluindo o autor, que, para executar um serviço para a ré, se encontravam em cima do dito passadiço;

III. Não tendo alegado nem provado que impediu a passagem ou que avisou os trabalhadores da sua indevida utilização, isto é, não tendo demonstrado diligência na vigilância, deve responder pelos danos resultantes da queda do autor devido ao desabamento do passadiço.”

Decisão Texto Integral:
Processo: 43/17.5T8CBT.G3.S1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*

AA instaurou acção declarativa, com processo comum, contra “Seasonvalue, Lda” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia total de € 47.860,00.

Alega, em síntese, que no dia 28/02/2014 se encontrava a trabalhar na remodelação do imóvel melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial, tendo sofrido uma queda provocada pelo colapso de um passadiço que pertencia ao referido imóvel.

A estrutura em causa colapsou em virtude da frágil ancoragem desta ao muro de betão, concluindo que as ligações ao muro de betão foram a causa do colapso.

Em consequência do referido colapso, o Autor alega que sofreu diversos danos patrimoniais e não patrimoniais que contabiliza, no total, em € 47.860,00.

E conclui que a Ré deve ser condenada no pagamento da referida quantia em virtude de ser a possuidora e proprietária do imóvel em causa, não tendo assegurado as condições mínimas de segurança da estrutura que colapsou, nem efectuado a devida manutenção.

Devidamente citada, veio a Ré contestar, defendendo que não é a proprietária do imóvel onde a estrutura se encontrava, nem foi a responsável pela colocação da mesma.

Alega que encomendou a referida estrutura à “Irmatim – Serralharia Irmãos Martins, Lda” e que foi esta empresa que efectuou tal trabalho.

Por outro lado, a proprietária do imóvel em causa é a “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, uma vez que a Ré é apenas locatária.

Ademais, defende a Ré que a estrutura colapsou devido ao excesso de peso que tinha em cima, provocado pela empregadora do Autor, a “Hiperfrio – Refrigeração Industrial e Comercial, Lda”, alegando que foi esta entidade quem utilizou o passadiço metálico, preparado apenas para passagem esporádica e repentina de pessoas, usando-o para receber peso duradouro e exagerado, nestes termos, cabendo-lhe a responsabilidade pela produção do sinistro.

Face ao alegado, a Ré requereu a intervenção principal provocada das referidas entidades “Irmatim – Serralharia Irmãos Martins, Lda”, “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, e, “Hiperfrio – Refrigeração Industrial e Comercial, Lda”.

A requerida intervenção principal foi admitida tendo sido citadas as três novas partes para contestarem a acção, tendo a indicada decisão transitado em julgado.

A Interveniente “Irmatim – Serralharia Irmãos Martins, Lda” apresentou contestação negando qualquer responsabilidade no desabamento da estrutura imputando a causa de tal ocorrência a má utilização e o peso em excesso que a estrutura teve de suportar da responsabilidade da entidade “Hiperfrio –Refrigeração Industrial e Comercial, Lda” e/ou outras empresas que laboravam no local.

Requereu, ainda, a intervenção principal provocada da “A... , sucursal em Portugal, seguradora que celebrou contrato de seguro com a Interveniente.

A Interveniente “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” contestou, alegando que desconhece os factos expostos na petição inicial, uma vez que o imóvel onde ocorreu o alegado sinistro foi locado à Ré desde 2009.

A Interveniente “Hiperfrio – Refrigeração Industrial e Comercial, Lda.” também contestou a acção, negando qualquer responsabilidade na queda da estrutura em causa, imputando a causa do sinistro a deficiente construção da estrutura, em específico à frágil ancoragem da mesma ao muro de suporte e mais invocando que foi o dono da obra que autorizou a utilização daquela estrutura à Ré Hiperfrio.

Depois de ter sido admitida a sua intervenção a título principal, a Interveniente “A... ”, sucursal em Portugal apresentou contestação, começando por invocar a prescrição do direito exercido pelo Autor, em virtude de o sinistro ter ocorrido a 28/02/2014 e a Interveniente apenas ter sido citada para a acção a 17/11/2017.

Subsidiariamente, a Interveniente entende que o Autor baseia a sua acção na responsabilidade civil por danos causados por edifícios ou obras, o que implica a posse ou propriedade do imóvel causador do sinistro. Assim, nunca a Interveniente “Irmatim – Serralharia Irmãos Martins, Lda.” poderia ser responsabilizada pelo pagamento dos valores peticionados.

Concluiu que o acidente dos autos ocorreu em consequência da imprudência da Hiperfrio e do próprio Autor que sabiam ser incorrecta a utilização da estrutura metálica para a colocação de materiais pesados e da Ré “Seasonvalue” que na qualidade de dona da obra permitiu tal utilização.

Foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:

“Nestes termos, de acordo com o exposto e segundo os preceitos legais supra citados, julga-se a acção parcialmente procedente, por provada, e decide-se:

A) Condenar a Ré “Seasonvalue, Lda.” no pagamento ao Autor AA do valor de 31.380,00 € (trinta e um mil, trezentos e oitenta euros), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4,00 %, desde a data da citação da Ré (27/02/2017) até efectivo e integral pagamento;

B) Absolver as Intervenientes “Irmatim – Serralharia Irmãos Martins, Lda.”, “Hiperfrio – Refrigeração Industrial e Comercial, Lda.”, “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” e “A... , sucursal em Portugal, de todo o peticionado;

Inconformadas vieram recorrer a Ré “Seasonvalue, Lda” e a Interveniente “A... ”, ambas interpondo recurso de apelação.

Conhecendo dos recursos, a Relação decidiu nos seguintes termos:

“Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar prejudicado o recurso de apelação interposto pela Ré “A... , e, em julgar improcedente o recurso de apelação da Ré “Seasonvalue, Lda”, confirmando-se a sentença recorrida, embora por não coincidentes fundamentos.

Custas pela Ré apelante “Seasonvalue, Lda.”

Não se conformou de novo a Ré Seasonvalue, Lda” que interpôs recurso de revista, formulando, a final, as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo não acolheu a motivação do recurso de apelação interposto e manteve a decisão recorrida, pese embora, tenha levado a cabo uma alteração, concretamente, no facto provado 18.

2. Em sede de apelação a recorrente suscitou a desconsideração, pelo Tribunal de 1ª instância, das normas regulatórias da atividade de construção civil, desconsiderando o Direito aplicável ao caso, concretamente a disciplina dos DL. 55/999 (RJUE), do Decreto 41821/58, de 11 de agosto e do 41820/58 de 11 de agosto.

3. O Tribunal a quo entendeu que o suscitado constituía “questão nova”, não suscitada nos articulados, excluída do objeto da apreciação do recurso e que se baseia em factos que se não provaram, não constando do elenco factual da ação.

4. Não se concede com este entendimento, pois que, trata-se da aplicação do Direito aos factos provados, razão pela qual o Tribunal a quo tinha que ter conhecido da questão suscitada (n.º 2 do art.608º e n.º 3 do art. 5º do CPC).

5. O presente recurso visa, assim, como supra melhor se procurou explicitar, a melhor aplicação do direito (art. 672 n.º 1 al. a) e 674º n.º 1 al. a) do CPC), razão pela qual deve ser admitida a presente revista excecional.

Assim,

6. Entende a recorrente que a matéria de facto provada impunha decisão diversa da proferida, concretamente, a absolvição da recorrente.

7. Em face da apelação, o Tribunal decidiu alterar o facto provado 18, o que passou a ter a seguinte redação: o colapso da estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 8), 9), e 10) e 17).

8. Ou seja, aditou-lhe o “17”, passando a resultar que o colapso, além dos defeitos de construção do passadiço, ocorreu em virtude de 17) pelas 14h00 (…) o Autor e mais seis pessoas estavam, em cima da saída de emergência quando esta estrutura desabou, provocando a sua queda”, ou seja, em decorrência o mau uso ou uso indevido (ex vi motivação do acórdão).

9. Esta inclusão - apenas do 17 no facto provado 18 -, configura manifesto lapso do Tribunal a quo, pois que, o que resulta dos provados e da motivação é que o colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 7), 8), 9) e 10) 15), 16) e 17).

10. Assim, porque se trata de manifesto lapso, de facto conclusivo, deve o facto provado 18 ser alterado nos seguintes termos: o colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 7), 8), 9) e 10) 15), 16) e 17).

Por outro lado,

11. Em face dos provados, verteu-se no acórdão recorrido (pág. 32) que: “(…) os factos para uma dupla causalidade, cedendo o passadiço que se encontrava enfraquecido em virtude (…) em decorrência do mau uso ou uso indevido, (…)

12. Ora, sempre a decisão tinha que ser diversa quando ao direito aplicado.

13. Atenta a factualidade provada, a recorrente não podia ter sido condenada.

14. O Tribunal incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente na interpretação e aplicação que dele fez, porquanto desconsiderou diversos normativos regulatórios da construção civil e os deveres que impediam sobre o A. e a entidade patronal.

15. Em apelação, a recorrente invocou esse erro de julgamento de direito, porém o Tribunal considerou que se tratava de questão nova e que se baseava em factos que não se provaram – com o que não se concede, e daí a presente revista.

16. O apuramento dos normativos aplicáveis ao caso é matéria de direito -configura o enquadramento jurídico possível do objeto da ação pelo que, o recurso reporta-se a erro na determinação da norma aplicável.

17. Assim, impõe-se a admissão da presente revista excecional, necessária à melhor aplicação do direito.

18. Porquanto, dos provados resulta que o sinistro se deveu à negligência grosseira e consequente violação das regras técnicas de segurança pelo A. e sua entidade patronal, ao mau uso ou uso indevido da plataforma.

19. Ademais, tendo resultado não provado que a recorrente autorizou a Hiperfrio a utilizar a estrutura metálica, e provado que essa estrutura servia apenas como saída de emergência da zona do armazém, ou seja para passagem esporádica e repentina de pessoas, o acidente e as suas consequências são de imputar ao próprio A. e sua entidade patronal.

20. Resulta, assim, manifesto não ser de assacar à recorrente a responsabilidade atribuída na decisão recorrida.

21. Como resulta destas alegações, foi violado o conjunto de regras técnicas regulatórias da atividade de construção civil, designadamente o art. 100-A do D.L. 555/99, os arts. 135º e 137 RJUE, o D.L. 41820/58 de 11 de agosto e os arts. 1º, 5º, 6º e 29º do Decreto 41821/58 de 11 de agosto, violações objetivas que foram a causa imediata do sinistro e que, faz incorrer o A. e a sua entidade patronal na responsabilidade pela sua produção, o que sempre determinaria a absolvição da recorrente.”

Cumpre decidir.

Vem dada como provada a seguinte matéria de facto:

“1) Encontra-se registada a aquisição a favor da “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” o prédio urbano composto por edifício de dois pisos com logradouro, com 1.930,27 m2 de superfície coberta e 3.374,73 de área descoberta, destinado a comércio e serviços, sito na Zona Industrial de ..., na Rua ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana de tal freguesia sob o artigo ...94 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com a descrição ...56/...;

2) A 30/12/2009 a Ré e a Interveniente “Caixa Leasing” celebraram contrato de locação financeira imobiliária que teve como objecto o prédio descrito no ponto 1) e duração de 180 meses;

3) Tal encontra-se registado através da Ap. ...84 de 05/01/2010;

4) O ponto 3 da cláusula 5.ª das “Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira n.º ...06” prevê que “as obras de conservação e as reparações urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas por autoridade publica, deverão ser realizadas pelo locatário e por sua conta, dando imediato conhecimento por escrito ao locador”;

5) No início de 2013 a Ré encomendou à “Irmatim” a instalação de uma passagem pedonal que servisse de saída de emergência caso fosse necessário evacuar quem se encontrasse na zona do armazém localizado no imóvel referido no ponto 1);

6) A “Irmatim” executou tal trabalho;

7) A referida passagem pedonal (constituída por um passadiço metálico) servia apenas como saída de emergência e de evacuação da zona do armazém, ou seja, para a passagem esporádica e repentina de pessoas;

8) A plataforma/passagem em causa foi instalada em muro de betão ciclópico;

9) O número e tipo de buchas utilizadas para realizar a ancoragem da plataforma ao muro foi insuficiente e inadequado;

10) O tipo de ligações que foi adoptado não é o adequado para muros de betão ciclópico, mas sim para muros de betão armado;

11) A implementação da estrutura referida no ponto 5) não foi comunicada à Interveniente “Caixa Leasing”;

12) No início de 2014 iniciou-se a remodelação do imóvel referido no ponto 1) com vista à instalação de um supermercado P..., tendo para tal sido contratadas várias entidades para executar e ainda fiscalizar a obra;

13) A Interveniente “Hiperfrio” estava encarregue da instalação do sistema de refrigeração necessário para a conclusão da obra referida no ponto anterior;

14) O Autor é trabalhador da Interveniente “Hiperfrio” e, no dia 28/02/2014, encontrava-se a prestar o seu trabalho para essa entidade no imóvel referido no ponto 1);

15) Os trabalhadores da referida entidade estavam, entre outras funções, a proceder à transfega de glicol dos bidões para a casa das máquinas (situada no piso superior), utilizando para tanto uma bomba e ocupando a plataforma referida no ponto 5);

16) Nesse mesmo dia estavam colocados em cima da referida saída de emergência, pelo menos, os seguintes objectos:

a. Dois bidões de glicol (cerca de 200 kg total), um deles a ser utilizado e outro cheio;

b. Cinco botijas de gás com peso não concretamente apurado;

c. Uma bomba para realizar a trasfega de glicol, com peso aproximado de 1,5 kg.

17) Pelas 14h00 do referido dia 28/02/2014, o Autor e mais seis pessoas estavam em cima da saída de emergência quando esta estrutura desabou, provocando a sua queda;

“18- O colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 8), 9) e 10) e 17)” ( alterado pela Relação )

19) A roupa que o Autor tinha vestida na altura da queda (casaco, t-shirt, calças e calçado) ficou destruída;

20) Na altura da queda o Autor tinha consigo uma carteira e dois telemóveis que ficaram também danificados em virtude da queda;

21) No dia da queda, o Autor deu entrada no “Centro Hospitalar do ..., E.P.E.”, em ..., ficando internado desde tal data até ao dia 17/03/2014;

22) Foi sujeito a uma intervenção cirúrgica ao úmero direito, o qual apresentava fractura exposta;

23) Fracturou a bacia e a coluna (L1 e L2);

24) Depois desse episódio de urgência, o Autor foi transferido e internado no “Centro Hospitalar do ..., E.P.E.”, na cidade de ..., no período compreendido entre 18 e 25 de Março de 2014;

25) Finalizou a sua recuperação no “Hospital de ...”, ..., onde esteve internado durante um período de dez dias, ou seja, até 05/04/2014;

26) Dos ferimentos sofridos pelo Autor resultaram as seguintes sequelas permanentes:

a. Ráquis: queixas dolorosas da região lombo-sagrada pós fractura das apófises transversas direitas de L1 e L2 e ainda da asa direita da primeira peça do sacro. Rigidez da coluna lombo-sagrada na flexão e rotações;

b. Abdómen: queixas dolorosas da região sacro-ilíaca esquerda e região trocantérica esquerda, não apresentando alterações da mobilidade da coxa-femoral;

c. Membro superior direito: cicatriz de tipo operatório localizada longitudinalmente à face posterior do cotovelo medindo 15 cm; rigidez do cotovelo na extensão que não faz nos últimos 20.º. Flexão completa. Tem comando neuro-motor da mão direita embora com queixas de parestesias nos 4.º e 5.º dedos, nos quais apresenta menor força muscular;

d. Membro inferior direito: cicatriz hipercrómica da face anterior do terço inferior da coxa em forma de semi-lua, medindo 3x12 cm. Apresenta ainda duas cicatrizes de localização maleolar externa medindo a maior 3x2cm;

27) Uma vez regressado a casa, o Autor teve de efectuar diversas deslocações à cidade do ... para consultas e exames, nomeadamente na especialidade de Ortopedia;

28) O Autor teve de efectuar fisioterapia durante diversos meses, num total de pelo menos oitenta sessões de fisioterapia;

29) O Autor teve de se deslocar por várias vezes às diversas unidades hospitalares onde esteve internado, gastando para tanto gasolina e pagando portagens e parques de estacionamento;

30) De modo a poder acompanhar a evolução do estado de saúde do Autor e a respectiva recuperação, a esposa deste, BB, esteve sem trabalhar durante cerca de dois meses;

31) As lesões referidas determinaram para o Autor um período de incapacidade temporária absoluta profissional de 225 dias, desde 28/02/2014 até à data da alta definitiva, em 10/10/2014;

32) O Autor ficou a padecer de dores ao nível da bacia, região lombar e braço direito;

33) O quantum doloris é fixável no grau cinco;

34) O Autor necessita de tomar ocasionalmente medicação analgésica / anti- inflamatória;

35) Ademais, o Autor necessita de ter duas sessões por ano de tratamentos de fisioterapia, cada sessão com quinze tratamentos;

36) Como consequência de tais sequelas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Profissional (IPP) de pelo menos 20,6938%;

37) Ainda hoje o Autor tem dificuldade em andar em veículos automóveis, seja como condutor, seja como passageiro, uma vez que não consegue suportar as dores que tem pelo facto de estar sentado durante períodos mais ou menos longos;

38) Estas deslocações automóveis são fundamentais para o exercício da sua actividade;

39) Assim, o Autor apenas consegue fazer deslocações em condições confortáveis quando os percursos são muito pequenos;

40) As sequelas do Autor são compatíveis com o exercício da sua actividade laboral mas implicam esforços suplementares;

41) O Autor tem dificuldade em carregar qualquer objecto, nomeadamente aqueles de peso considerável;

42) Ainda na sequência do sinistro e dos problemas que teve na bacia e na coluna vertebral, o Autor deixou de poder praticar qualquer tipo de actividade física e desportiva, nomeadamente jogar futebol, correr e andar de bicicleta, o que fazia constantemente com os seus familiares e amigos.

43) A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau três;

44) O Autor sente-se inibido de mostrar a zona em que se localiza a cicatriz referida na al. c) do ponto 25), o que o inibe de usar roupa sem mangas e o faz evitar ir à praia (uma das actividades predilectas de toda a sua família);

45) O dano estético permanente é fixável no grau três;

46) O Autor recorda de forma frequente o acidente, o que afecta a sua sensibilidade, irritando-o facilmente;

47) Tal perturba ainda o seu sono, sendo longos os períodos em que não consegue adormecer ou em que acorda com pesadelos sobre o sucedido;

48) As tarefas diárias que impliquem a utilização do membro superior direito do Autor constituem para este um esforço acrescido;

49) Assim, como consequência de tudo o que foi referido, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 21,1250 %;

50) O Autor nasceu a .../05/1982 e reside em ... (...);

51) A Interveniente “Irmatim” e a Interveniente “A... ” celebraram contrato de seguro titulado pela Apólice n.º PA...14 mediante o qual a segunda garantiu a responsabilidade civil geral extracontratual da primeira emergente da sua actividade comercial e/ou industrial.”

Factos não provados:

“A) Durante a remodelação do edifício referido no ponto 1) a plataforma referida no ponto 5) estava isolada para evitar que fosse usada;

B) A Ré autorizou a Interveniente “Hiperfrio” a utilizar aquela estrutura metálica na execução dos seus trabalhos;

C) A bomba referida no ponto 16), al. c), pesava pelo menos 100 kg;

D) A Ré indicou à Interveniente “Irmatim” que o muro onde a estrutura referida no ponto 5) devia ser amarrada era de betão de excelente qualidade e com elevada durabilidade;

E) A Interveniente “Hiperfrio” e as restantes entidades que laboravam na remodelação do edifício referido no ponto 1) colocaram em cima da estrutura referida no ponto 5) peso permanente não inferior a 1.000 kg;

F) Esta foi a causa do colapso referido no ponto 17);

G) A Ré não procedeu à manutenção necessária da plataforma referida no ponto 5);

H) O número de apoios utilizado para instalar a plataforma referida no ponto 5) foi insuficiente;

I) A esposa do Autor recebia nessa altura a retribuição mensal de 750,00 €;

J) O Autor perdeu a sua aliança de casamento, no valor de 200,00 €;

K) O vestuário que o Autor estava a utilizar na altura da queda tinha os seguintes valores:

a. Camisola: 30,00 €;

b. Calças: 30,00 €;

c. Sapatilhas: 30,00 €.

L) A carteira (50,00 €) e telemóveis (500,00 €) referidos nos pontos 20) têm o valor global de 550,00 €;”

Admissibilidade do recurso.

O ora relator proferiu o seguinte despacho:

“A sentença condenou a Ré “Seasonvalue, Lda.” no pagamento ao A. AA do valor de € 31.380,00, fazendo apelo ao disposto no art. 492º, nº 1 do CC, concluindo que a Ré não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si incidia, designadamente não provou que a estrutura, onde o A. se encontrava, tivesse colapsado em virtude de ter peso excessivo, já que a R. nem sequer alegou ou provou qual o peso que a estrutura aguentaria.

No recurso de apelação interposto pela R. a Relação alterou o facto 18, por meio de presunção judicial, dando como provado que o colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito não apenas nos pontos 8), 9) e 10) (relacionados com a má construção da passagem) mas no ponto 17) (ou seja, devido, ainda, ao facto de no momento se encontrar o A. e mais seis pessoas em cima da referida estrutura, que servia de saída de emergência do imóvel, cfr. ponto 7).

E já de direito ponderou: “Atento o factualismo provado mostra-se verificada a previsibilidade dos artº 483º, 486º e 493º do Código Civil, apontando os factos para uma dupla causalidade, cedendo o passadiço, que se encontrava enfraquecido em virtude dos vícios de construção apontados, em decorrência do mau uso ou uso indevido, a par destas circunstâncias, à Ré, em exclusivo, incumbindo impedir o uso da passagem de emergência para os fins que se encontrava a ser utilizado, não tendo, porém, provado tal actuação e dever de cuidado.” Acrescentando, ainda, mais adiante, o seguinte: “Ainda, se concluindo estar verificada a responsabilidade civil da Ré nos termos do artº 493º, nº1 do Código Civil, pois que incumbindo à Ré locatária o dever de vigiar o edifício, tendo vindo a ocorrer a queda do passadiço, indevidamente utilizado, e o qual se encontrava fragilizado na sua construção, a Ré não provou não ter culpa na utilização indevida, e, ainda, não provou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, por omissão, apontando os factos provados para uma dupla causalidade, afastando a relevância negativa de uma só das causas, directa ou virtual.”

A fundamentação é, assim, essencialmente diferente: a 1ª instância atribuiu o acidente apenas aos vícios de construção, convocando o art. 492º, nº 1 do CC; a 2ª instância atribuiu o acidente ainda ao facto de estarem o autor e mais seis pessoas em cima da saída de emergência, tendo feito apelo não ao art. 492º, nº 1 do CC mas ao disposto no art. 493º, nº1 do mesmo diploma, considerando que a ré não vigiou o edifício como devia, impedindo o uso da passagem de emergência para os fins que se encontrava a ser utilizado, não provando não ter culpa na sua utilização indevida (culpa que, no recurso, a recorrente atribui não à ré mas ao autor).

Pelo exposto, não se admite o recurso de revista excepcional ( que não se encontraria aliás justificado, ao abrigo do art. 672º, nº 1, al. a) do CC) mas o normal.”

Sufraga-se o decidido pelo relator, que não mereceu, aliás, objecção da recorrente.

Matéria de facto:

Alega a recorrente que a mera inclusão da referência ao facto 17 no facto provado 18 ( “ O colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 8), 9) e 10) e 17”) - tendo ficado a constar que o colapso, além dos defeitos de construção do passadiço, ocorreu também pelo facto de o Autor e mais seis pessoas estarem, “em cima da saída de emergência quando esta estrutura desabou, provocando a sua queda” (17)- configura manifesto lapso do Tribunal a quo, pois o que resulta dos facto provados e da motivação é que o colapso da referida estrutura não ocorreu apenas em virtude do virtude do descrito nos pontos 8), 9) e 10) e 17 mas também do descrito nos pontos 7), 15) e 16), razão por que o facto 18 deve ficar com a seguinte redacção: “o colapso da referida estrutura ocorreu em virtude do descrito nos pontos 7), 8), 9) e 10) 15), 16) e 17)”

Porém, não existe qualquer lapso resultante do mero aditamento no facto 18 da referência ao facto 17 e, decorrentemente, da omissão da referência aos factos 7, 15 e 16.

Assim, o colapso não pode ter ocorrido devido ao facto 7, que tem apenas o seguinte teor: “A referida passagem pedonal (constituída por um passadiço metálico) servia apenas como saída de emergência e de evacuação da zona do armazém, ou seja, para a passagem esporádica e repentina de pessoas”. O facto 7 só se refere ao destino dado ao passadiço e não à causa do seu colapso.

Quanto aos factos 15 e 16, é verdade que o facto 18 incluiu como causa do colapso o facto de o Autor e mais seis pessoas estarem em cima da saída de emergência quando esta estrutura desabou, (facto 17), atribuindo, assim, ao peso dessas pessoas um relevo causal.

Todavia, daqui não se pode daqui inferir que o Tribunal da Relação também atribuiu relevância (como causa do colapso) ao facto de os trabalhadores da Hiperfrio estarem, em cima do passadiço, a proceder à transfega do glicol dos bidões e de estarem, para o efeito, a utilizar uma bomba (5) ou ao facto de os bidões (dois de 200 Kg no total, a bomba de 1,5 Kg e ainda, as cinco botijas de gás de peso não apurado) lá se encontrarem (16) pois pode ter-se dado o caso de o tribunal não ter ficado convencido de que o peso deste equipamento era, por si só, suficiente para provocar o colapso.

O facto de a Relação ter referido na decisão de direito que o passadiço se encontrava enfraquecido, “em virtude dos vícios de construção, em decorrência do mau ou so uso indevido” não significa que tenha tido em vista, na decisão de facto, como causa do colapso, o uso do passadiço para aí colocar o equipamento (facto 16) ou fazer a transfega (facto 15) e não apenas o peso das sete pessoas que lá se encontravam.

Como assim, mantém-se a redacção do facto 18.

Responsabilidade da Ré:

Dispõe o art. 493º do Código Civil:

“1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que as coisas ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzidos ainda que não houvesse culpa sua.

2. (…).”

Como é sabido, esta responsabilidade civil, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa (para o que agora importa), com o dever de a vigiar.

Para tanto, não é necessário um dever específico de vigilância, sendo suficiente que a coisa possa ocasionar danos (Rodrigues Bastos, Das Obrigações em Geral, II, 1972, pág. 103).

Como assim, impendia sobre a ré o dever de vigiar a coisa como detentora de facto do passadiço, o que, aliás, não se mostra questionado.

O dever de vigilância tem um conteúdo indeterminado, dependente das circunstâncias do caso, e integra-se num dever geral de prevenção do perigo ou nos deveres de segurança do tráfego, deveres que implicam para o sujeito obrigado a necessidade de evitar uma situação de perigo ou de actuar sobre uma fonte de risco para impedir a lesão de posições jurídicas alheias (cfr. Ac. STJ de 30.9.2014, proc. 368/04.0TCSNT.L1.S1). O dever de vigilância tem, assim, a ver com a precaução necessária para evitar o dano, com a tomada das medidas necessárias cautelares idóneas à não produção do dano (cfr. Ac. STJ de 22.9.2021, 19707/18.0T8LSB.L1.S1; e Ac. STJ de 11.7.2013, proc. nº 95/98.9TBAMM.P1.S1).

Ora, tendo ficado provado que “a referida passagem pedonal (constituída por um passadiço metálico) servia apenas como saída de emergência e de evacuação da zona do armazém, ou seja, para a passagem esporádica e repentina de pessoas “ (7) recaía sobre a Ré a obrigação de zelar para que o passadiço não tivesse outra utilização susceptível de fazer perigar a sua segurança.

Impendendo sobre a ré o dever de vigilância e recaindo sobre ela a presunção de culpa, competia-lhe, por isso, provar que não tinha havido qualquer culpa da sua parte (art. 344º, nº 1 do CC).

Alega a recorrente que o colapso se deveu à interveniente Imartin que construiu o passadiço, invocando até a violação de várias regras técnicas da construção civil.

É verdade que a Imartin executou esse trabalho de instalação de uma passagem pedonal, constituída pelo passadiço metálico ( factos 5,6, e 7) e que, pelos vistos, o executou mal, tendo em conta que ficou provado que a plataforma/passagem em causa foi instalada em muro de betão ciclópico (8), que o número e tipo de buchas utilizadas para realizar a ancoragem da plataforma ao muro foi insuficiente e inadequado (9) e que o tipo de ligações que foi adoptado não era o adequado para muros de betão ciclópico, mas sim para muros de betão armado (10), não havendo agora qualquer interesse determinar que precisas regras técnicas de construção, é que foram concretamente violadas com a prática desses factos.

É facto, também, que esse trabalho defeituoso esteve na origem do colapso (facto 18).

Porém, não se pode afirmar que não houve nenhuma culpa da parte da ré e que, por isso, deve ser ilidida a sua responsabilidade.

Na verdade, e como se disse, a referida passagem pedonal servia apenas como saída de emergência e de evacuação da zona do armazém, ou seja, para a passagem esporádica e repentina de pessoas (facto 7), sendo que, no momento do acidente, se encontravam o autor e mais seis pessoas em cima da saída de emergência, facto que esteve na origem do colapso (factos 17 e 18).

Ora, se assim era, competia à ré, para afastar a sua culpa presumida, provar que tinha praticados actos idóneos para prevenir quaisquer danos resultantes da indevida utilização do passadiço, como por exemplo, que tinha impedido a sua utilização (para fim diferente daquele a que se destinava) ou que tinha avisado ou advertido o autor de que não devia fazer aquele uso indevido.

Nada logrou provar nesse sentido, não tendo, dessa forma, demonstrado qualquer diligência na vigilância.

Argumenta a ré /recorrente que a culpa é da interveniente Hiperfrio, porque não ficou provado que a ré tenha autorizado esta interveniente a utilizar aquela estrutura metálica ( facto não provado A).

No entanto, existe aqui um equívoco da recorrente: o facto de não ter ficado provado que a ré autorizou a interveniente a utilizar aquela estrutura metálica (passadiço), não significa que a ré não tenha dado essa autorização. Para se eximir de qualquer responsabilidade, tinha a ré de alegar e provar que não tinha autorizado o uso do passadiço.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 14 de Janeiro de 2025

António Magalhães (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Leal