Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P444
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
DIREITOS DE DEFESA
DIREITO AO RECURSO
PENA DE EXPULSÃO
PRESSUPOSTOS
ESTRANGEIRO RESIDENTE
ESTRANGEIRO NÃO RESIDENTE
PERMANÊNCIA IRREGULAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: SJ2008032904443
Data do Acordão: 03/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - Numa situação em que o recorrente impugna as penas parcelares, respectivamente de 2 anos, 2 anos e 5 anos de prisão, atento o teor dos arts. 432.º, al. d), do CPP, na redacção anterior a 15-09-2007, e 432.º, al. c), após a alteração introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, conclui-se que tal impugnação era admissível face à lei anterior mas que, perante a nova redacção, apenas a pena conjunta (de 6 anos de prisão) será susceptível de apreciação por este STJ, impondo-se, pois, questionar a aplicação temporal da lei processual penal.
II - Tal questão é regulada no art. 5.º do CPP, sem se fazer distinção entre normas processuais materiais e formais, sendo eixo fundamental da decisão desta questão o da posição processual do arguido e, nomeadamente, o seu direito de defesa.
III - Acentua Figueiredo Dias que a regra de que a lei processual penal só dispõe para o futuro será respeitada logo que a lei nova se aplique a actos processuais que tenham lugar já no seu domínio de vigência, mesmo que o processo tivesse sido instaurado (ou a infracção a que se refere tivesse sido cometida) no domínio da lei antiga.
IV - Para alguma doutrina – que, sendo dominante, não merece o inteiro aplauso daquele Autor –, o princípio da legalidade só tem incidência substantiva e não processual, e, dado o carácter instrumental e a natureza publicista das normas processuais, apenas haveria que ressalvar aqui, como em geral, o valor que a lei antiga atribuiu a actos praticados e a situações verificadas no seu domínio de vigência e que agora não deveria ser posto em causa.
V - Diversamente, adianta Figueiredo Dias que, por um lado, a circunstância de o processo ser constituído por uma longa e complexa tramitação, em que os diversos actos se encadeiam uns nos outros de forma por vezes inextricável, pode conduzir a que se deva aplicar uma alteração legislativa processual apenas aos processos iniciados na vigência da lei nova, mesmo que a solução contrária não conduza directamente a pôr em causa o valor de um certo acto ou situação constituídos à sombra da lei antiga.
VI - E, por outro – para além do nulo valor da invocação da «instrumentalidade do processo» –, o princípio jurídico-constitucional da legalidade estende-se, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal. Importa, pois, que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa.
VII - Tem-se, assim, por adquirido que, face ao art. 5.º do CPP, a não aplicação imediata da alteração cominada no processo penal pela Lei 48/2007 apenas se poderá sufragar numa das duas situações previstas no n.º 2 daquele preceito, ou seja: quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo ou agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
VIII - Num caso, como o dos autos, em que o objecto do recurso é ampliado pela aplicação da mesma lei mais antiga e, assim, por alguma forma se pode afirmar que o direito ao recurso, étimo do direito de defesa, assume uma dimensão qualitativamente mais densa, é de aplicar a anterior redacção do art. 432.º do CPP, procedendo-se à sindicância das penas parcelares aplicadas.
IX - Do art. 151.º da Lei 23/2007, de 04-07, decorre que, em relação à aplicação da pena acessória de expulsão, a lei discrimina entre o cidadão estrangeiro residente e o não residente, destacando-se, pela sua exigência, os pressupostos daquela primeira situação: para os residentes, o decretar da expulsão deverá ter subjacente não só uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido como também para aqueles que constituem o seu agregado familiar, devendo igualmente estar presente o avaliar da gravidade dos factos praticados e os seus reflexos em termos de permanência em território nacional.
X - Distinta é a situação daquele em relação ao qual não existe uma relação jurídica que fundamente a legalidade da situação de permanência no país e que se encontra numa situação irregular que, só por si, já é justificante do desencadear do procedimento administrativo com vista à sua saída do solo nacional. Na verdade, o conceito de residente no país não é a mera constatação de uma situação factual imposta pelas circunstâncias, mas sim uma noção jurídica que tem subjacente o incontornável pressuposto de detenção de um título de residência – art. 74.º e ss. do referido diploma.
XI - Não sendo uma mera aplicação automática da pena principal, o certo é que o decretar da expulsão nesta específica envolvente se justifica em função de uma condenação em pena de prisão e tem o pressuposto da ilegalidade da sua permanência no país, como aponta o n.º 1 do art. 151.º da Lei 23/2007.
XII - A razão da diversidade de tratamento encontra-se ligada à circunstância de a fixação de residência ter subjacente a criação de um vínculo social e económico e de todo um processo de socialização e identificação comunitária, necessidades que estão arredadas em relação ao cidadão que não mora no país e em relação ao qual o exercício pelo julgador do poder-dever de verificar e decidir de acordo com os pressupostos legais apenas exige a existência de uma condenação em prisão superior a 6 meses pela prática de crime doloso.
XIII - Numa situação em que o pressuposto relativo à irregularidade da situação do recorrente não consta da acusação, sendo certo que obteve consagração no elenco dos factos considerados provados, não assistiu ao recorrente a possibilidade de exercício do contraditório em relação ao mesmo, configurando-se uma patologia consubstanciada na nulidade referida no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, pois foi proferida uma condenação em pena acessória por factos diversos dos descritos na acusação e fora dos casos previstos nos arts. 358.º e 359.º daquele diploma. Não pode, pois, ser decretada a medida judicial de expulsão.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA veio interpor recurso da decisão que o condenou, pela prática de um crime um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do Decreto Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 5 anos de prisão, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al. a) com referência ao disposto nos artºs 2º, nº 1 al. ax), 3º, nº 2 al. a), todos da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 anos de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al. d) da mesma Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 anos de prisão, em cúmulo na pena única de 6 anos de prisão e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos.
As razões de discordância com a decisão recorrida prendem-se, por um lado, com a medida das penas parcelares de 5 anos de prisão aplicada pela prática do crime p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do Decreto Lei nº 15/93 de 22/01 e de 2 anos de prisão aplicada pela prática do crime p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al. d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e única aplicadas e, por outro, com a injustificada aplicação da pena acessória de expulsão, verificando-se neste particular nulidade do acórdão por excesso de pronuncia e falta de fundamentação.
Refere o recorrente que:
I - Ao arguido foram aplicadas as seguintes penas parcelares:
5 anos de prisão, pela prática do crime do artº 21º, nº 1 DL do 15/93 2 anos de prisão, pela prática do crime do artº 86º, nº 1 al. a) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a qual se conforma, e 2 anos de prisão, pela prática do crime do artº 86º, nº 1 al. d) da mesma Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Refere o recorrente que:
a) Muito embora esteja consciente da forte necessidade de se punir com rigor e uniformidade o tráfico de estupefacientes, numa tentativa de se pôr travão a quem já delinquiu e evitar que novos traficantes apareçam no circuito, entende que as penas parcelares de 5 e 2 anos de prisão que lhe foram aplicadas respectivamente pela prática dos crimes p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do Decreto Lei nº 15/93 de 22/01 e artº 86º, nº 1 al. d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, no caso concreto, se mostram demasiado severas, com a necessária repercussão ao nível da pena única encontrada;
b)Com efeito, a pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização do delinquente, principalmente quando, confesso e primário, como é o caso;
c)Porquanto, o desiderato da ressocialização, que tendo de ser avaliado em concreto, não pode deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma longa separação da delinquente da comunidade natal e em especial do filho de tenra idade, não faz sentido que o arguido cumpra uma longa pena de prisão que em nada contribui para a respectiva reintegração social posterior;
d)Assim, as penas a aplicar, in casu, deveriam aproximar-se ainda mais do limite mínimo da moldura penal abstractamente aplicável, concretamente nos 4 anos e 3 meses de prisão a pena a aplicar pela prática do crime p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/01 e nos 6 meses de prisão a pena a aplicar pela prática do crime p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al. d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro,
e)Por conseguinte, a pena a aplicar, in casu pela pratica do crime p. e p. artº 21º nº 1 do D.L. 15/93, de 22/01, deveria aproximar-se mais dos limites mínimos da moldura penal abstractamente aplicável e fixar-se concretamente nos 4 anos e 3 meses de prisão.
f)E o mesmo se diga em relação à pena parcelar aplicada quanto ao crime p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al. d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, valendo também quanto a este as razões apontadas supra, a propósito do crime de tráfico de estupefacientes simples, devendo em consequência fixar-se nos 6 meses de prisão;
g)Tal, é o que resulta de uma correcta interpretação e aplicação das normas citadas e bem assim do artº. 71º do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez.
II – Consequentemente, considerados os factos e a personalidade do recorrente, em cúmulo, do conjunto destas penas com a pena de 2 anos de prisão não impugnada com que o tribunal a quo decidiu condenar o arguido pela prática do crime p. e p. artº 86º, nº 1 al. a) da Lei 5/2006 de 23/2, mostra-se mais adequado aplicar-lhe uma pena única que não exceda os 5 anos de prisão, pois é o que aconselha a melhor e mais prudente interpretação das normas supra referidas e bem assim do artº 77º do Código Penal, contrariamente ao que foi feito no acórdão recorrido.
III – Por último, inexistem razões que determinem a aplicação ao recorrente da pena acessória de expulsão, sendo, nesse particular, nulo o acórdão recorrido
a)Com efeito, na acusação não se pugnava pela aplicação ao recorrente da pena acessória de expulsão do território nacional;
b)Por isso, o recorrente não se defendeu quanto a uma eventual aplicação dessa medida, alegando e justificando o que entendesse em sua defesa, razão pela qual, e desde logo, se mostra violado o princípio do contraditório;
c)Porquanto é, nesta parte, nulo o acórdão recorrido por excesso de pronuncia, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artº 379º do C.P.P., o que se argui para os devidos e legais efeitos.
d)Sendo inconstitucional por violação dos nº 1 e 5 do artº32º da C.R.P. o arco normativo constituído pelos artigos 34º da Lei 15/93, de 22/1, 99º, 101 e 102º da Lei 244/98, de 8/8 e pelos artigos 134º, nº 1, 140º e 151º da Lei 23/2007 de 4/7 quando individual ou conjuntamente interpretados no sentido de que não é necessário a acusação ou a pronúncia conterem factos que de alguma forma permitam uma apreciação concreta a fazer pelo Tribunal nomeadamente quanto à situação pessoal e familiar do arguido, ao período de permanência do mesmo no país, ao seu grau de inserção na sociedade portuguesa, ainda que não possua autorização de residência, mas também por forma a que, por sua vez, o visado deles se possa defender alegando o que tiver por conveniente para a sua defesa.
e)Inconstitucionalidade que, cautelarmente, aqui se deixa invocada para efeitos de eventual recurso para o Tribunal Constitucional
f)Por outro lado, a aplicação da pena acessória de expulsão não é automática, dependendo de uma apreciação concreta a fazer pelo Tribunal e onde deverão ponderar-se e equacionar-se vários aspectos, tais sejam os atinentes à situação pessoal e familiar do arguido, ao período de permanência do mesmo no país, ao seu grau de inserção na sociedade portuguesa, ainda que não possua autorização de residência;
g)Não obstante, a base factual que no acórdão recorrido serve de suporte à decisão de expulsar o arguido do território nacional pelo período de 8 anos é o que vem descrito em 2.6 sob a epígrafe Sanção Acessória de Expulsão, a fls.13, no entanto sem qualquer correspondência nos factos provados em 2.1, mesmo o que ficou provado sob o nº 8. E só.
h)E é com assento em tal factualidade que o tribunal a quo decide nessa vertente, escrevendo na decisão sob censura: “sem família aqui constituída, sem profissão nem trabalhos certos, pelo que entendemos estarem reunidas as condições para aplicação da sanção acessória de expulsão (...)” ;
i)Não obstante, verdadeiramente não se deu como provado que o arguido não tem família aqui constituída, e nem quanto à ausência de profissão ou trabalhos certos, o que redunda numa clara e insuficiente justificação do facto para a imposição da pena acessória em causa, aliada à omissão das razões que a ditaram;
j)Na verdade, inexiste no acórdão recorrido o quantum factual bastante para se saber qual a situação do arguido perante o país e, em qualquer circunstância, a sua inserção social, personalidade, família cá residente, etc., tudo para que se possa enquadrar devidamente a sua situação nas hipóteses que a lei prevê e levar em linha de conta, se for caso disso, os condicionalismos legalmente estabelecidos para cada uma das situações.
k)Assim, é também por esta via nulo o acórdão recorrido, nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do artº 379º, ex vi artº 374º nº 2 do C.P.P.
l)Impõem-se, por isso, a não aplicação daquela pena acessória ao recorrente, já que se mostram violados por erro de interpretação e aplicação as disposições conjugadas dos artºs . 134º, nº 1, 140º e 151º da Lei 23/2007 de 4/7 e 34º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22/01.
Respondeu o Ministério Público referindo que:
1ªSendo a ilicitude muito elevada (detenção de cocaína em significativa quantidade e uma panóplia de instrumentos aptos à venda), sendo intenso o dolo, e pouco relevando em sede de atenuantes a ausência de antecedentes criminais por parte do Arguido, as penas impostas situadas perto dos mínimos legais, são penas que não devem sofrer alterações.
2ªA pena única de seis anos é equilibrada e ficou aquém da medida da pena achada em função do critério habitual do Tribunal – somar à pena mais alta um terço das restantes penas parcelares.
3ªO Tribunal observou pois as normas dos artigos 70º, 71º e 77º do C.Penal.
4ªPara que possa ser decretada a pena acessória de expulsão não é necessário que do despacho acusatório conste tal proposta, essencial é que os factos satisfaçam os pressupostos daquela medida.
5ªA pena acessória de expulsão deve ter lugar quando o julgador não possa prever como provável que, sem a aplicação daquela medida, os fins da ressocialização sejam alcançáveis.
6ªNo caso concreto estão reunidos os requisitos de natureza objectiva (condenação por tráfico e tratar-se de cidadão estrangeiro), tendo o Tribunal fundamentado a decisão nas circunstâncias de o cidadão cabo-verdiano em causa não ter autorização de residência em Portugal, sem família constituída no nosso país e sem profissão nem trabalho certos, isto é, sem integração social ou familiar no nosso país.
7ªNão violou pois por isso o Tribunal, nem as normas dos artigos 134º nº 1, 140º e 151º toda lei 23/2007 de 4/7 nem a norma do artº 34º nº 1 do DL 15/93 de 22/1.
Nesta instância o ExºMº Sr Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela forma patente de fls 433 e seguintes advogando a parcial procedência do recurso bem como a revogação da medida de expulsão decretada
Os autos tiveram os vistos legais.
*
Cumpre decidir
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. No dia 8 de Março de 2007, pelas 19,30 horas, na Rua Professor Dr. ...., em Massamá, o arguido transportava consigo um saco no interior do qual guardava, entre outros objectos:
- 2 (duas) embalagens com cocaína (cloridrato) com o peso bruto de 681,900 gramas; e
- 2 (dois) pedaços de papel com inscrições de contactos telefónicos e com a sua morada. (Cfr. auto de apreensão de fls. 7, folha de suporte de fls. 10 e relatório do exame de toxicologia de fls. 282-283).
2. Nesse mesmo dia, pelas 10,30 horas, o arguido guardava no interior da sua residência sita na Rua ...., n°00, em S. Marcos, Cacem, o seguinte:
No seu quarto
No interior da primeira gaveta, da mesa de cabeceira:
- 1 (um) revólver de calibre ponto 38 “Smith & Wesson Special” (equivalente a 9 mm no sistema métrico), de marca Taurus, de provável modelo 85, com o número de série rasurado, de origem brasileira. O funcionamento do revólver é de movimento duplo (acção simples e dupla), com sistema de percussão central e indirecta, por placa de transferência, tendo o cano 51 mm de comprimento, com 5 (cinco) estrias de sentido dextrógiro no seu interior. O sistema de segurança é por placa de transferência. Tambor basculante, com 5 (cinco) câmaras. Alça/ranhura e ponto de mira fixo, com rampa serrilhada. A carcaça é de liga metálica e a coronha em madeira. Tem o comprimento aproximado de 165 mm. Encontra-se em bom estado de funcionamento e em regular estado de conservação. 20 (vinte) munições de calibre ponto 38 “Smith & Wesson Special” (equivalente a 9 mm no sistema métrico), sendo 18 (dezoito) de marca PVRI PARTIZAN, de origem na antiga Jugoslávia e 2 (duas) de marca Federal, de origem norte-americana (E.U.A.);
- 11 (onze) munições de calibre 7,65 mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO na designação anglo-americana), de marca Sellier & Bellot, de origem checa. As munições encontram-se em boas condições de utilização. (Cfr. relatório do exame pericial de fls. 275-278).
No interior do guarda-fatos:
- 90 (noventa) caixas com vinte carteiras cada de Redrate, substância utilizada para a adulteração (“corte”) do estupefaciente;
- 3 (três) embalagens com cocaína (cloridrato) com o peso bruto de 123,600 gramas;
- 1 (uma) balança de marca Tanita, modelo 1479V, até Max. 120 gramas, l (uma) balança de marca Tangent, modelo 102, até Max, 100 gramas, l (uma) balança de marca Fagor, modelo Diet Line, até Max. 5 kgs e l (uma) balança de marca Tefal, modelo Ovelys, até Max. 3 kgs., todas com resíduos de cocaína;
- 1 (um) moinho de marca Braun com resíduos de cocaína;
- 3 (três) colheres com resíduos de heroína;
- 2 (dois) X-actos com resíduos de heroína e cocaína;
- 1 (uma) tesoura com resíduos de cocaína;
- 2 (duas) serras juntas, de marca Bolota, 2 (duas) serras juntas sem marca;
- 1 (um) engenho em ferro fundido e um macaco hidráulico para prensar o estupefaciente, todos com resíduos de cocaína.
Na despensa:
- 1 (um) saco em plástico com vários plásticos, jornais e titãs adesivas com resíduos de cocaína.
Todos os objectos eram utilizados pelo arguido no fraccionamento, preparação, adulteração (“corte”) e acondicionamento do estupefaciente. (Cfr. auto de busca e apreensão de fls. 13-14 e relatório do exame de toxicologia de fls. 282-283)
3. O arguido adquiriu aquele estupefaciente a indivíduos não identificados e em circunstâncias não apuradas, destinando-o à venda a terceiros consumidores daquele tipo de produtos.
4. O arguido utilizava a sua residência para guardar o produto estupefaciente e proceder ao corte e divisão do mesmo, tendo para o efeito ali montado os utensílios necessários à preparação, fraccionamento, adulteração e acondicionamento do produto estupefaciente.
5. O arguido sabia que os produtos que transportava consigo e que guardava na sua residência eram cocaína e que os objectos ali encontrados tinham resíduos de heroína e de cocaína, conhecia as características estupefacientes dos mesmos e as quantidades que trazia, sabendo que o respectivo transporte, detenção e venda o fazia incorrer em crime.
6. Mais sabia o arguido que não podia deter a arma e as munições que guardava na sua residência e que a respectiva detenção o fazia incorrer em crime.
7. Sabia pois o arguido que a sua conduta era reprovável e punida por lei e, não obstante, não se coibiu de a praticar, fazendo-o de forma deliberada, livre e consciente.
8. O arguido confessou no essencial os factos de que vinha acusado. Encontrava-se em Portugal havia 9 meses, à data da detenção, em situação irregular; exercia as funções de motorista em Cabo Verde onde vivia com a mulher e um filho; possui a 4ª classe de instrução primária; nunca sofreu qualquer condenação criminal anterior em Portugal (cfr. fls. 360), nem havendo notícia de que tenha sido condenado em Cabo Verde.

*
Pronunciando-se sobre a medida da pena refere a decisão recorrida que:
-Impõe-se agora, em conformidade com o disposto no artº 71º do cód. penal, determinar a medida concreta das penas, em função da respectiva culpa do arguido, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham a seu favor ou contra o mesmo.
O crime de tráfico de estupefacientes previsto no artº 21º nº 1 do D.L. 15/93 é abstractamente punido com pena de 4 a 12 anos de prisão.
O crime de detenção de arma proibida (calibre de guerra) p. e p. pelo artº 86º nº 1 al. a) da Lei 5/2006 de 23/02 é punido em abstracto com pena de prisão de 2 a 8 anos e o outro crime de detenção de arma (neste caso munições proibidas), p e. p. pela al. d) da mesma norma é abstractamente punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Como circunstâncias atenuantes temos a referir as condições sócio-económicas modestas e a confissão dos factos dados como provados e a ausência de antecedentes criminais.
Como agravantes temos desde logo a salientar o elevado grau de ilicitude dos factos, a consequência da disseminação dos produtos em causa, a intensidade do dolo, (dolo directo), as quantidades e tipo de droga.
Na determinação da medida da pena, esta tem como primeira referência a culpa e funcionando depois num segundo momento, mas ao mesmo nível, a prevenção. No tocante à culpa, os factos ilícitos são decisivos e devem ser valorados em função do seu efeito externo; a prevenção constitui um fim e deve relevar para a determinação da medida da pena em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo.
“Medir” e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz difícil para o julgador e releva aqui a sua própria intuição assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise, o critério de uniformidade seguido pelo próprio colectivo em situações idênticas e as tendências jurisprudenciais, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; todavia, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Atenta a gravidade dos crimes, “modus operandi” e demais elementos referidos, deverão ser aplicadas penas de prisão efectivas a ambos os arguidos.
Tudo visto e ponderado, considerando que os limites abstractos da pena previstos no artº 21º nº 1 do D.L. 15/93 são de 4 a 12 anos de prisão, temos como adequada uma pena de prisão, ligeiramente acima do limite mínimo, tal pena deverá ser de prisão efectiva.
Quanto aos crimes de detenção de arma proibida, considerando as molduras de um e outro acima referidas, bem distintas entre si, em ambos os casos se justificam penas de prisão um pouco acima do limite mínimo. A arma é considerada calibre de guerra e as munições igualmente, sendo certo que estas se destinavam a armas diferentes da que foi apreendida e eram em quantidade razoável.
Impõe-se ainda efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares nos termos do artº 77º nº 1 do cód. penal, atendendo-se ao conjunto dos factos apurados e personalidade do arguido, sendo de realçar que, na esteira do que tem sido o entendimento deste tribunal, tendencialmente, (o que não implica necessariamente rigor matemático), aplicar-se-á à pena parcelar mais elevada aproximadamente 1/3 da outra pena parcelar, procurando-se deste modo manter uma certa uniformidade e justiça relativa do mesmo colectivo perante situações similares.
– Sanção acessória de expulsão
O arguido é cidadão Cabo Verdiano, sem autorização de residência em Portugal, sem família aqui constituída e sem profissão nem trabalho certos, pelo que, entendemos estarem reunidas as condições para a aplicação da sanção acessória de expulsão, após o cumprimento de pena a que foram condenados, em conformidade com as disposições legais conjugadas dos artº 134º nº 1 al. a) e f), 140º e 151º da Lei 23/07 de 4/7, por um período não inferior a 8 anos.
Embora entendamos que a expulsão não constitui uma consequência automática da condenação, face ao circunstancialismo descrito ela impõe-se.
Conforme referiu o acórdão do S.T.J. de 18-3-1999 (P. 903/98):
- «A aplicação da pena acessória de expulsão não carece de ser requerida (...), bastando a evidência, no âmbito do objecto do processo tal qual se acha definido pela acusação, de factos que satisfaçam os respectivos pressupostos».

I

A primeira questão suscitada pela apreciação dos presentes autos prende-se com o tema da sucessão de leis processuais penais.
-Efectivamente, na redacção anterior a 15 de Setembro de 2005, dispunha o artigo 432 alínea d) do Código de Processo Penal que era admissível recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.
No dia 15 de Setembro de 2007 entrou em vigor a Lei 48/2007 que introduziu a denominada Reforma de Processo Penal. Na mesma altera-se o teor do referido artigo 432 e estabelece-se uma nova alínea c) do número 1 que vem concretizar a admissibilidade do recurso em relação aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de juri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos visando exclusivamente a matéria de direito.
Aquela alteração entrou em vigor no dia 15 de Setembro (artigo 7 da referida Lei)
É distinta e relevante a projecção dos regimes definidos nas duas redacções dos artigos em causa no tocante á matéria do presente recurso. Na verdade, o complexo de panas que origina a pena aplicada tem na sua génese três penas parcelares de, respectivamente, dois anos; dois anos e cinco anos de prisão.
O recorrente é assertivo em motivação de recurso na impugnação das mesmas penas parcelares e, assim, face á sua dimensão e ao teor daquelas redacções impõe-se a conclusão de que tal impugnação era admissível face á lei anterior mas que, face á nova redacção, apenas a pena conjunta terá a virtualidade para ser analisada por este Supremo Tribunal de Justiça.

Questão de aplicação da lei no tempo sobre a qual regula o artigo 5 do Código de Processo Penal que proclama a imediata aplicação da lei processual penal, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
Á regra geral sucedem duas excepções consignadas no número 2 do normativo em causa e que se referem:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
b)Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
Pela forma citada consagra-se o principio “tempus regit actum” o qual se conjuga com o princípio do respeito pelo anterior processado.
Sobre tal conjugação se pronunciou Castanheira Neves referindo que o problema da aplicação das leis no tempo só surge, portanto, porque certas circunstâncias podem, porventura, justificar o pretender-se que esta distribuição natural de tempos e domínios de vigência não coincida com o campo de aplicação das normas a que esses domínios de vigência se referem.
Por outras palavras, acrescenta, pode em certos casos pretender-se que a "solução natural" sofra excepções: ou aplicando-se a lei a factos que decorreram num período anterior ao da sua vigência (i. é, retroactivamente), ou dei­xando de aplicar-se a factos que se verificam nesse período (não sendo assim, ou nesses casos, a lei de aplicação ime­diata). E porque a primeira pretensão vai geralmente refe­rida ao direito material - pretende-se submeter a uma nova e diferente apreciação um facto anterior ou os seus efei­tos -, e a segunda tem sobretudo a ver com o direito pro­cessual - pretende-se ou põe-se a questão de saber se um acto ou situação processual embora actual, mas integrada na unidade de um processo que teve o seu início num perí­odo anterior de vigência, não deverá continuar a regular-se pela lei anterior -; porque é assim, porque essa pretensão excepcional relativamente ao direito material é o da retro­actividade, e a pretensão excepcional relativamente ao di­reito processual é a de não aplicação imediata, é que se enunciam os princípios que se lhes opõem (i. é, que visam negar, em gerai, a validade e as excepções - para o princípio da não-retroactividade, para aqui o princípio da vem algo mais do que a solução natural - aquela que sem eles se imporia pela própria natureza temporal das leis _ na medida em que visam repelir em geral aquelas excepções.
Nestes termos, adianta o mesmo Mestre, o problema em direito processual (criminal) põe-se assim: "a lei só dispõe para o futuro", mas no "futuro", i. é, depois do início do seu domínio de vigência, é naturalmente só ela que dispõe - por outras palavras, é de aplicação imediata.
As excepções decorrem em primeiro lugar, do próprio princípio de que resulta que os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "pro­cesso" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pres­suposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unita­riamente com o sentido e valor dos actos seus pressupos­tos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e de justiça, porque esteja dominada a nova lei, seja intolerável a persistência da lei anterior.
Em segundo lugar, não fica excluído que se justifi­quem excepções à aplicabilidade imediata da nova lei por aquelas mesmas razões que levam a excluí-la também em direito criminal - para dar plena eficácia aos princípios nullum crimen ... , nulla poena ... (recorde-se que a nova lei criminal já será de aplicação imediata se daí resultar bene­fício para o autor do delito). É assim que se deverá excluir a aplicação da nova lei processual sempre que essa aplica­ção a um processo pendente pudesse traduzir-se indirecta­mente numa incriminação ou numa agravação, insusceptí­veis de se verificarem pela aplicação da lei processual anterior - pense-se, p. ex., na atribuição do processo agora a um tribunal especial cujo estatuto fizesse prever aquelas consequências.
O sentido desta justificação dar-nos-á também, em terceiro lugar, o critério por que se deverá, no problema em causa, decidir a qualificação (como material ou processual) de alguns institutos mistos de efeitos materiais e processuais. Assim 1) a prescrição (fundamento de exclusão de pena e pressuposto processual) 2) a denúncia e a acusação particular (condição de punibilidade e condições de procedibilidade); 3) o caso julgado (extinção do jus puniendi e excepção processual); 4) a exterritorialidde (fundamento de exclusão de punibilidade e impedimento de procedibilidade)(1).
Pronunciando-se sobre o tema em apreço Taipa de Carvalho (2) acentua a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais materiais formais tornado tal distinção o eixo da resolução da questão de aplicação da lei processual penal no tempo.
Insurgindo-se contra a aceitação superficial do principio da aplicação imediata das leis processuais penais na sua globabilidade o mesmo Autor chama á colação os cultores de visão imediatista, segundo a qual toda a norma que directamente condicionasse (p. e., queixa e prescrição), orientasse (p. e., espécies de prova) ou pressupusesse (p. e., prisão pre­ventiva) o processo era uma norma exclusivamente processual, partiam para a afirmação indiscutível do princípio da aplicação imediata.
Tal aplicação imediata, no seu entender, menospreza as rationes juridico-política e politico-criminal da aplicação da lei penal favorável e des­cura a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais penais formais. Esquecem-se, adianta Taipa de carvalho, que as primeiras (de que são exemplos, como já referimos, a queixa, a prescrição, as espécies de prova, os graus de recurso, a prisão preventiva, a liberdade condicional) condicionam a efectivação da responsabilidade penal ou contendem directamente com os direitos do arguido ou do recluso, enquanto que as segundas (de que são exemplos as formas de citação ou convocação, a redacção dos mandados, as formas de audição e registo dos intervenientes processuais: estenografia, video, etc., prazos de notificação do arguido, forma­lidades e prazos dos exames periciais, formalidades e horários das buscas), regulamentando o desenvolvimento do processo, não produzem os efeitos juridico-materiais derivados das primeiras.
De tal pressuposto arranca o mesmo Autor para afirmar a sujeição das normas processuais penais materiais ao princípio constitucional da aplicação da lei penal favorável: proibição da retroactividade desfavorável e imposição da retroactividade favorável (CRP, Arts. 18.0, nº 2 e 3, 29.nº 4 - 2.a Parte, 282. nº3 2ª. Parte; CP, ART. 2º, nº4)
Argumenta com a circunstância de a ratio de garantia política do cidadão face a possíveis decisões legislativas ou judiciais arbitrárias ou mesmo persecutórias, ao mesmo tempo que determinou a consagração constitucional da proibição da retroactividade da lei penal posterior desfavorável, determina a sua aplicabilidade às referidas normas processuais penais materiais - ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio. Também nestas, os direitos do arguido e do recluso estão em causa, não deixando, portanto, de estar sempre presente a possibilidade de o poder punitivo tentar servir-se de alterações legislativas posteriores ao tempus delicti para agravar retroactivamente a situação jurídica dos referidos arguido ou recluso.
A ratio político criminal constitucionalmente consagrada na lei fundamental portuguesa conduz, por sua vez, á aplicação retroactiva das normas processuais penais materiais favoráveis. Favoráveis, quer quando da sua aplicação resulta a impossibilidade ou redução das possibilidades de aplicar a pena (caso do encurtamento dos prazos de prescrição ou da exigência de queixa) em consequência da nova concepção politico criminal que a lei nova incarna quer quando da sua aplicação aumentam direitos de defesa do arguido (p. e., aumento dos graus de recurso ou elimi­nação da suficiência probatória de determinado meio de prova) ou as possibilidades de o recluso ver, efectivamente, reduzida a pena (p. e., aumento do período de liberdade condicional).
Ainda segundo o mesmo Autor o principio da irretroactividade desfavorável e da retroactividade favorável da lei penal- em que se incluem as normas processuais penais materiais - afirmado no citado art. 29º da Constituição não será mais do que a concretização, no campo jurídico-penal, das razões de garantia politica e da máxima restrição possível das intervenções estaduais nos direitos, liberdades e garantias, proclamadas pelo artigo 18 do mesmo diploma fundamental.
Deste modo, tem de concluir-se que a sucessão de leis pro­cessuais materiais rege-se pelos princípios constitucionais de proibição de retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável. Estes princípios que foram, pelo art. 29.0 da CRP elevados à dignidade penal, estão consagrados no art. 2º nº4 do Código Penal.
No desenvolvimento do seu argumentário conclui que o artigo 5 do Código de Processo Penal tem um campo de aplicação limitado ás normas processuais formais o que aliás é expresso na sua afirmação (3) de que “apesar de o inovador art. 5º do novo Código de Processo Penal de 1988 (421) referir, no n. ° 2-a), a aplicabilidade da lei processual vigente no inicio do processo penal, quando da aplicação imediata. da lei nova resultar um «agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa», há que afirmar claramente que todo este artigo só é aplicável às leis (normas) processuais penais formais. Nestas, sim, o princípio geral é o da aplicação imediata - tempus regit actum (CPP, 5.°, 1 -, sendo a excepção a aplicação da L.N. só aos processos iniciados depois da sua entrada em vigor, o que significa a ultraactívidade da LA (CPP, 5.°, 2, b))”.
Tese sem dúvida sugestiva, e acentuando uma destrinça fundamental, tem contra si a circunstância de efectuar uma interpretação restritiva do artigo 5 do Código de Processo Penal que não tem fundamento na letra ou no espírito da lei e que, ao invés do adequado método dedutivo de interpretar a lei e concluir, antes elabora, em primeiro lugar, a conclusão para em seguida induzir a interpretação adequada a tal conclusão.
Na verdade, a questão de aplicação de aplicação da lei processual penal é regulada no citado artigo 5 em qualquer uma das facetas policromáticas que apresenta e quer estejam em causa normas processuais materiais quer formais. Como já bem acentuava Figueiredo Dias (4). o eixo fundamental de decisão da mesma questão é a posição processual do arguido e, nomeadamente, o seu direito de defesa.
Na verdade, para este Mestre a aplicação temporal da lei processual penal acentua-se em regra que ela "só dispõe para o futuro", mas que esta regra será respeitada logo que a lei nova se aplique a actos processuais que tenham lugar já no seu domínio de vigência, mesmo que o processo tivesse sido instaurado (ou a infracção a que se refere tivesse sido cometida) no domínio da lei antiga.
Para alguns, adianta, o princípio da legalidade só tem incidência substantiva e não processual, a que acresceria o carácter instrumental e a natureza publicística das nor­mas processuais. Quando muito haveria que ressalvar aqui, como em geral, o valor que a lei antiga atribuiu a actos praticados e a situações verificadas no seu domí­nio de vigência e que agora não deveria ser posto em causa
Esta doutrina não merece o inteiro aplauso de Figueiredo Dias que, pronunciando-se sobre a mesma, refere que é a dominante; mas não parece que seja a melhor.
Assim, adianta, logo que a circunstância de o processo ser constituído por uma longa e complexa tramitação, em que os diversos actos se encadeiam uns nos outros de forma por vezes inextricável, pode conduzir a que se deva aplicar uma alteração legislativa processual apenas aos processos ini­ciados na vigência da lei nova - mesmo que a solução contrária não conduza directamente a pôr em causa o valor de um certo acto ou situação constituído à sombra da lei antiga
Em segundo lugar, e sobretudo, sabemos já que - para além do nulo valor da invocação da <<instrumentalidade» do processo - o princípio jurídico-constitucional da lega­lidade se estende, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito proces­sual penal. Aqui deparamos com o essencial: tal como vimos suceder no problema da analogia, importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infrac­ção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo prin­cípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa.

Temos, assim, por adquirido que, face ao artigo 5 do Código de Processo Penal, a não aplicação imediata da alteração cominada no processo penal pela Lei 48/87 apenas se poderá sufragar numa das duas situações previstas no número 2 ou seja:
Quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo
Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido nomeadamente um limitação do seu direito de defesa.

A alteração da competência do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal da Relação no que concerne á decisão absolutória proferida pelo Tribunal Colectivo implica uma desarmonia processual?
-Pensamos que a resposta necessariamente tem de ser negativa e que a articulação da sequência de actos processuais não é minimamente beliscada pela aplicabilidade da lei nova. É evidente que o facto de o recurso ter sido admitido com uma determinada conformação formal, e dirigido a este Supremo Tribunal, não tem qualquer relevância para afirmação de uma desadequação dessa índole.
A aplicação da lei nova não tem qualquer consequência em termos de passado, ou em termos de futuro, em relação á harmonia e regularidade dos actos processuais que consubstanciam o processo penal.
Subsiste assim uma segunda ordem de reserva que se situa na posição processual, maxime no direito de defesa do arguido
Com já tivemos ocasião de referir o direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. Para Figueiredo Dias a concessão daqueles autónomos direitos processuais, legalmente definidos, corresponde ao reconhecimento do arguido como sujeito, e não como objecto de processo. Os actos processuais do arguido deverão ser, assim, expressão da sua livre personalidade e da cidadania.
Como sujeito processual penal assistem ao arguido relevantes direitos entre os quais o direito de audiência; o direito de presença; direito de assistência do defensor e direito à interposição de recursos. Aspecto importante da sua defesa material é exactamente o seu direito de, em qualquer momento e em qualquer fase do processo, apresentar requerimentos exposições ou memoriais que tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, desde que se contenham dentro dos limites do processo, e tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
Pronunciando-se sobre tal exercício refere Manuel de Andrade que, no processo civil, o direito a ser ouvido exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de apresentarem as suas razões, oferecerem provas e controlarem as oferecidas pelas outras partes e pronunciarem-se sobre umas e outras.
Porém, é no processo criminal que o princípio do contraditório assume a dignidade constitucional que o artigo 32° n° 5 da Constituição lhe atribui.
Conforme tem vindo a ser uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional (confrontar Acórdão 278/99) a preservação das garantias de defesa do arguido passa, nos parâmetros do Estado de Direito democrático além do mais, pela observação do contraditório de modo a que possa sempre ser dado conhecimento ao arguido do teor da acusação que lhe é feita e se lhe dê oportunidade para dela se defender. A intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente para plasticizar o contraditório sem prejuízo de a ele subordinar estritamente a audiência: aqui tem o principio a sua máxima expressão (como decorre do n° 5 do artigo 32° citado) nessa fase podendo expor o seu ponto de vista quanto ás acusações que lhe são feitas pela acusação, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas e pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito.
Porém, à excepção desse núcleo - que impede a prolação de decisão sem ter sido dada ao arguido a possibilidade de "discutir, contestar e valorar" (Parecer n° 18/81 da Comissão Constitucional 16° Volume pág. 154) não existe um espartilho constitucional formal que não tolere uma certa maleabilização do exercício do contraditório.

No caso vertente a aplicação da lei nova terá como resultado directo a redução do substrato de sindicabilidade da decisão recorrida que ficará reduzido á pena conjunta aplicada. Na verdade, por aplicação do artigo 432 do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, recorre-se para o Supremo Tribunal das decisões do tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos o que, no caso vertente circunscreve o campo de aplicação á pena conjunta aplicada. Em contrapartida, por aplicação da redacção anterior daquele normativo, é manifesta uma maior abrangência resultante da inexistência de limitação inerente ao quantitativo da pena, incidindo, assim, sobre a globalidade das penas parcelares aplicadas.
O objecto de recurso é ampliado pela aplicação da mesma lei mais antiga e, assim, por alguma forma se pode afirmar que o direito ao recurso, étimo do direito de defesa, assume uma dimensão qualitativamente mais densa.
Nesta conformidade, e aplicando-se a redacção anterior do artigo 432 do Código de Processo Penal proceder-se-á á sindicância das penas parcelares aplicadas.

II
A linha argumentativa do requerente em sede de discordância da medida da pena situa-se numa invocação abstracta e dogmática da teoria dos fins das penas para culminar com uma breve referência ao filho menor e á comunidade natal.
Impõe-se a conclusão de que os factores de medida da pena invocados pela recorrente foram elencados na fundamentação da decisão recorrida. Assim, a questão é a de saber se os mesmos factores foram devidamente ponderados na medida da pena.
No que concerne importa precisar que é uniforme o entendimento de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição, defendida por Figueiredo Dias igualmente é aquela que tem sido sustentada em diversas decisões deste Supremo Tribunal.
Só não será assim, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (5)
Sindicando agora a decisão recorrida verifica-se que a mesma equaciona devidamente a determinação do fim das penas no caso vertente e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa; de contribuição para a reinserção social da arguida em sede de prevenção especial, e neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção geral.
Elencados estão, ainda, os elementos fácticos relevantes para individualização penal.
Patente na mesma decisão está, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas.
Note-se que a quantidade de droga apreendida assumia já uma dimensão considerável ultrapassando em termos qualitativos a que está inscrita na definição do mero distribuidor ou dealer de rua. Pelo contrário, tal quantidade por alguma forma imprime a ideia que nos encontramos perante um patamar superior na estrutura que, normalmente, anda aliada a este tipo de crime.
Sintomático deste patamar em que se situava o recorrente existe, ainda, o facto de o mesmo ser portador de arma de fogo em situação ilícita o que sinaliza uma forma de vida orientada para actividades marginais com os respectivos custos em termos de perigo potencial.
Porém, como bem aponta o ExºMºSr. Procurador Geral Adjunto, no que concerne ás penas parcelares relativas, respectivamente, á detenção de arma e munições proibidas (artigo 86 alíneas a) e d) da Lei 5/2006) é manifesto que a não coincidência de molduras legais, aliás de contornos bem distintos (com os limites máximos de oito e três anos de prisão) se deverá reflectir na pena aplicada no que respeita á ultima infracção apontada (detenção de munições proibidas) relativamente á qual se entende por adequada a pena parcelar de um ano de prisão
Assim sendo, E encontrando-se definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta das penas parcelares e da pena conjunta entende-se por adequada a pena conjunta de cinco anos e dez meses de prisão.

III
O último segmento a analisar no presente recurso relaciona-se com a decisão de expulsão de território nacional. No que concerne o argumentário produzido centra-se em dois eixos fundamentais. Assim,
a) Na acusação não se pugnava pela aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional pelo que o recorrente não se defendeu quanto a uma eventual aplicação dessa medida, alegando e justificando o que entendesse em sua defesa, razão pela qual, e desde logo, se mostra violado o princípio do contraditório;
b)Por outro lado, a aplicação da pena acessória de expulsão não é automática, dependendo de uma apreciação concreta a fazer pelo Tribunal e onde deverão ponderar-se e equacionar-se vários aspectos, tais sejam os atinentes à situação pessoal e familiar do arguido, ao período de permanência do mesmo no país, ao seu grau de inserção na sociedade portuguesa, ainda que não possua autorização de residência;
Não obstante, a base factual que no acórdão recorrido serve de suporte à decisão de expulsar o arguido do território nacional pelo período de 8 anos é o que vem descrito em 2.6 sob a epígrafe Sanção Acessória de Expulsão, a fls.13, no entanto sem qualquer correspondência nos factos provados em 2.1, mesmo o que ficou provado sob o nº 8.
Na verdade, inexiste no acórdão recorrido o quantum factual bastante para se saber qual a situação do arguido perante o país e, em qualquer circunstância, a sua inserção social, personalidade, família cá residente, etc., tudo para que se possa enquadrar devidamente a sua situação nas hipóteses que a lei prevê e levar em linha de conta, se for caso disso, os condicionalismos legalmente estabelecidos para cada uma das situações.

Dispõe o artigo 151 da Lei 23/2007 que:
1—A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2—A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3—Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

Decorre do exposto que em relação á aplicação da pena acessória de expulsão a lei descrimina entre o cidadão estrangeiro residente e o não residente sendo certo que os pressupostos exigidos naquela primeira situação destacam-se pela sua exigência. Na verdade, para os residentes o decretar da expulsão deverá ter subjacente não só uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido como também para aqueles que constituem o seu agregado familiar.
Igualmente presente deverá estar o avaliar da gravidade dos factos praticados e os seus reflexos em termos de permanência em território nacional.
Distinta é a situação daquele em relação ao qual não existe uma relação jurídica que fundamente a legalidade da situação de permanência no País e que se encontra num situação irregular que, só por si, já é justificante do desencadear de procedimento administrativo com vista á sua saída do solo nacional. Na verdade, o conceito de residente no País não é a mera constatação de uma situação factual imposta pelas circunstâncias, mas sim uma noção jurídica que tem subjacente o incontornável pressuposto de detenção de um título de residência que o recorrente efectivamente não tem-confrontar artigo 74 e seguintes do diploma citado.
Não sendo uma mera aplicação automática da pena principal o certo é que o decretar da expulsão nesta especifica envolvente se justifica em função de uma condenação em pena de prisão e tem o pressuposto da ilegalidade da sua permanência no País como aponta o nº1 do artigo 151 da Lei 23/2007
A razão da diversidade de tratamento encontra-se ligada á circunstância de a fixação de residência ter subjacente a criação de um vínculo social e económico e de todo um processo de socialização e identificação comunitária. Tais necessidades estão arredadas em relação ao cidadão que não mora no Pais e em relação ao qual o exercício pelo julgador do poder-dever de verificar, e decidir, de acordo com os pressupostos legais apenas exige a existência de uma condenação em prisão superior a seis meses pela prática de crime doloso.
*
No caso vertente verifica-se que o pressuposto relativo á irregularidade da situação do recorrente não consta da acusação deduzida sendo certo que obteve consagração no elenco dos factos considerados provados.
Sendo assim sempre se poderá afirmar que em relação a tal pressuposto não assistiu ao requerente a possibilidade de exercício do contraditório. Tal principio, inquestionável na sua dignidade constitucional-artigo 20 da Constituição da República- tem subjacente uma concepção inerente ao principio de audiência, consubstanciando a oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo. (6)
O requerente não teve a possibilidade de contraditar facto em relação ao qual nem sequer foi confrontado em termos de libelo acusatório.
Configura-se, assim, uma situação análoga áquelas em relação á qual este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou plurimas vezes, (7) considerando que existe uma patologia consubstanciada na nulidade referida no artigo 379 nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal pois foi proferida uma condenação em pena acessória por factos diversos dos descritos na acusação e fora dos casos previstos nos artigos 358 e 359 do diploma citado. Consequentemente, não pode nem deve ser decretada a medida judicial de expulsão.


Termos em que decidem os juízes que constituem a 3ªSecção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido André Pereira Moreira e, em consequência:
a)-Pela prática de um crime previsto e punido nos artigos 2º e 86 nº1 alinea d)
da Lei 5/2006 condenar o arguido na pena de um ano de prisão.
b)-Mantendo-se as restante penas parcelares condenar o recorrente, nos termos dos artigos 77 e 78 do Código Penal na pena conjunta de cinco anos e dez meses de prisão.
c)-Considerar nula a decisão recorrida no que concerne ao decretar da pena acessória de expulsão.

Custas pelo recorrente.
Taxa de justiça 6 UC
Comunique ao SEF considerando a situação de irregularidade apontada na decisão recorrida e com vista á instauração do respectivo procedimento administrativo.

Lisboa, 26 de Março de 2008

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes


__________________________________

(1) Sumários de Processo Criminal pag 68 e seg
(2) Sucessão de Lei Penais pag 226 e seg.
(3) Sucessão de leis penais pag 227 e seg
(4) Direito Processual Penal pag 110 e seg
(5) Também Jeschek (Tratado de Derecho Penal pag 789) refere que “É possível o pleno controle da individualização da pena mediante o tribunal de apelação, assim como mediante o tribunal de cassação com um alcance limitado que, sem embargo, vai sendo ampliado progressivamente pela jurisprudência……Dado que o recurso de cassação só permite a reconsideração da sentença impugnada no que respeita a erro de direito a individualização penal apenas pode ser passível de crítica desde que se trate de uma defeituosa aplicação de Direito enquanto que fica subtraído ao controle do recurso de cassação a componente de individualização penal referida á valoração pessoal tanto na questão da justiça da pena como na sua utilidade.Daí que a individualização da pena só posa ser censurada pelo tribunal de cassação se a fundamentação é, nesses ponto, contraditória, ou tão incompleta que o referido tribunal não consiga determinar um juízo sobre a existência ou inexistência de erros de direito ou se o juiz de instância ignorou os princípios básicos da individualização penal ou os aplicou indevidamente”.
(6) Na busca de uma resposta cabal à pergunta pelo fundamento e sentido do princípio ou direito de audiência, na esteira de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal pag156 e seg) teremos que arrancar do principio de que só apreenderemos verdadeiramente o fundamento e sentido que buscamos quando tomarmos por base a ideia de que, nem relativamente à sentença, nem relativamente a qualquer outra decisão que tenha de tomar no decurso do processo, encontra o juiz o sentido dela previamente inscrito e fixado na lei. Mais ainda: não se trata, na obtenção de qualquer daquelas decisões, de uma concretização lógica de normas jurídicas abstractas aplicáveis, mas, verdadeiramente, de um desenvolvimento normativo de tais normas e de uma comprovação autónoma da sua aplicabilidade ao caso concreto; nisto se traduz exactamente a declaração do direito do caso penal concreto e o processo criador através do qual se efectiva.
Por outro lado a finalidade do Estado-de-direito social reside na criação e manutenção, pela comunidade, de uma situação jurídica permissiva da realização livre da personalidade ética de cada membro, Por isso mesmo o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto - comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas uma tarefa do juiz ou do tribunal (concepção carismática do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (concepção democrática do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.
Agora se compreenderá por que não basta apelar para a função processual da máxima audiatur et altera pars (princípio do contraditório), para a exigência de descoberta da verdade material, ou mesmo para a indispensabilidade de um íntegro direito de defesa, para que do mesmo passo se alcance o fundamento e sentido do princípio da audiência. O que, mesmo no fundo deste, está em causa é nada menos que a relação entre a Pessoa e o Direito, mais particularmente, a relação entre a pessoa e o < <seu>> direito. O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como <<comparticipação>> de todos os interessados na criação da decisão.
Do exposto, conforme refere Figueiredo Dias, derivarão duas consequências que haveremos de ter em mente sempre que se trate de analisar as concretas manifestações do direito de audiência em todo o decurso do processo:
Uma respeita á dupla natureza que o princípio da audiência encerra. Ele comporta as notas de um direito subjectivo para o seu titular: de um direito subjectivo público, contra o Estado, a ser ouvido perante um tribunal. Não só estas notas, todavia, mas também as constitutivas de uma norma objectiva, para a condução do processo perante o tribunal. Norma que há-de assegurar ao titular do direito uma eficaz e, efectiva possibilidade de expor as suas próprias razões e de, por este modo, influir na declaração do direito do seu caso.
Respeita a outra consequência ao âmbito dos titulares do direito de audiência. Legitimado ao seu exercício, na verdade, não deverá estar só o arguido, mas todo aquele participante no processo (seja qual for a veste em que intervenha) relativamente ao qual deva o juiz tomar qualquer decisão que o afecte. Só quando o direito de audiência couber a todos os participantes processuais que possam ser juridicamente afectados na esfera dos seus direitos- de qualquer um dos seus direitos, com compreensível e especial relevo para os direitos de personalidade- por uma decisão a tomar em juízo estará assegurada ás pessoas a sua participação constitutiva na declaração do direito do caso e, através dela, na conformação da sua situação jurídica futura.
No que concerne ao âmbito da incidência do princípio o mesmo terá uma maior ou menor amplitude de acordo com a própria fase processual em que se insere. Em toda a sua latitude compreenderá ele a possibilidade de o interessado na decisão a tomar se pronunciar sobre a respectiva base fáctica da decisão, a apresentação de provas, o pedido de novas diligências, as provas recolhidas e, enfim, a questão de direito.
(7) Confrontar por todos o Acórdão de 22 de arco de 2006 Relator Juiz Conselheiro Oliveira Mendes