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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Como se noticia no acórdão recorrido, proferido no processo nº 445/12.3YRLSB, da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:
“I – RELATÓRIO
A Exma Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal promoveu o cumprimento do mandado de detenção europeu emitido em 18 de Fevereiro de 2011 pelo Tribunal de Instrução nº 2 de Ibiza (procedimento abreviado 3064/10), do Reino de Espanha, contra o cidadão português AA, nascido no dia 19 de Julho de 1966, residente no ........., nº....., Esqº., Beato, em Lisboa, para procedimento criminal pelo crime de homicídio, previsto pelos artigos. 138º e 139º, do Código Penal, e punido com pena de prisão de 15 a 20 anos.
A pessoa procurada foi detida no dia 16 de Abril de 2012, tendo sido ouvida no dia 18, nos termos do artº 18º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, tendo declarado opor-se à sua entrega e não renunciar ao benefício da regra da especialidade.
Proferido despacho de validação da detenção e imposta a medida de coacção considerada adequada, foi determinado o cumprimento do disposto no artº 21º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.
Depois de ter pedido e de lhe ter sido concedido prazo para o efeito, o requerido apresentou, tempestivamente, oposição ao mandado, alegando em síntese que:
a) O requerido quer esclarecer as suspeitas que pendem sobre si, que por serem completamente falsas - bem como sem qualquer fundamento, atentam contra a sua honra e dignidade.
b) O requerido teme pela sua pessoa, como pelo apuramento verdadeiro dos factos.
c) O mesmo acrescenta ainda, de que face ao exposto, e nos termos em que foi colocado pela entidade requerente - de não acreditar que possa haver uma investigação idónea, e séria sobre os factos de que vem sendo acusado, se bem que ainda como suspeito.
d) E isto porque - refere de forma clara e convincente, de que se tivesse existido uma investigação séria, o resultado teria obrigatoriamente de ser diferente, ou seja de conduzir à sua inocência, visto não ter havido qualquer envolvimento da sua parte nas suspeitas de que vem sendo acusado, nem naquele caso, nem noutro qualquer.
e) O requerido crê, pela forma como o processo está sendo conduzido pelas Autoridades Espanholas, de que fique refém das mesmas, e que a justiça não seja feita, como seria de esperar.
f) O requerido pensa que a Justiça Espanhola quer encontrar um individuo, não esclarecer os factos - os verdadeiros.
g) O requerido teme pela integridade da sua pessoa e liberdade, aliás, a que tem direito, porquanto já viu que as Autoridades Espanholas, não garantem qualquer uma delas.
h) O requerido está convicto que não terá um tratamento justo perante as Autoridades Espanholas, pelo que já lhe foi dado a assistir.
i) O requerido requer que seja ouvido por vídeo-conferência, no seu país de origem (Portugal), sobre os factos de que impedem suspeitas sobre si.
Termina pedindo que:
- Se impeça a sua entrega às Autoridades estrangeiras por ora;
- Se diligencie no sentido de ser ouvido sobre as referidas suspeitas referidas no Mandato de Detenção Europeu em território português por videoconferência, com a supervisão das Autoridades Portuguesas,
- Ou, em território português pela Entidade emissora do Mandato, ou por delegação destas em outrem, com a supervisão das Autoridades Portuguesas.
O Ministério Público respondeu nos seguintes (transcritos) termos:
- O requerido, ao ser ouvido neste Tribunal não aceitou a entrega ao Reino de Espanha e opôs-se à mesma, solicitando que fosse impedida a sua entrega por ora e que fosse ouvido em Portugal sobre as “suspeitas” constantes do M.D.E.
Com o devido respeito pela pretensão manifestada, parece-nos que a mesma não tem qualquer apoio na Lei.
De acordo com a al. c) do art°. 13 ° da Lei n°. 65/2003 de 23 de Agosto, a decisão de entrega do requerido, sendo nacional, pode ficar sujeita à condição de que, após ter sido ouvido, seja devolvido ao Estado membro de execução.
Mas, o requerido sempre terá de ser entregue ao Reino de Espanha a fim de aí ser ouvido sobre os factos que lhe são imputados.
Não podendo, pois, ter acolhimento a pretensão do requerido quanto à sua audição em Portugal.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo certo que o tribunal é o competente (artº 15º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto) e não ocorrem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.”
E, conhecendo, o Tribunal da Relação de Lisboa, veio a proferir a seguinte decisão:
“III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Deferir a execução do mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária espanhola contra o requerido AA, ordenando-se a sua entrega às autoridades espanholas, para efeitos de ser sujeito ao procedimento penal a que se refere o presente mandado, sujeita à condição de o Reino de Espanha aceitar a devolução daquele para cumprimento de pena ou medida de segurança privativa de liberdade em que venha eventualmente a ser condenado, se essa for a sua vontade, não sendo executada a entrega antes de prestada a competente garantia.
A entrega à autoridade de emissão será efectuada tendo em atenção que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade (artº 7º, da Lei nº 65/2003).
Sem tributação (artº 35º, da Lei nº 65/2003).
Notifique e comunique ao GNI, à PGR, bem como à autoridade judiciária de emissão, solicitando a esta última a prestação da garantia a que alude o artº 5º, nº 3, da Decisão Quadro, o que deverá ser efectuado através da Autoridade Central (PGR).”
Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:
"A- O ora Recorrente deve considerar-se isentado de proceder ao pagamento da Taxa de Justiça devida pela apresentação do presente Recurso, por força da concessão que lhe foi feita, do Benefício do Apoio Judiciário, nas modalidade de dispensa do pagamento de taxa de Justiça e dos demais encargos com o processo (Cfr. Doc. 1)
B. O Douto Acórdão da 9 Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, ora posto "em crise', deliberou:
1. "Deferir a execução do mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária espanhola contra o requerido AA, ordenando-se a sua entrega às autoridades espanholas, para efeitos de ser sujeito ao procedimento penal a que se refere o presente mandado, sujeita à condição de o Reino de Espanha aceitar a devolução daquele para cumprimento de pena ou medida de segurança privativa de liberdade em que venha eventualmente a ser condenado, se essa for a sua vontade, não sendo executada a entrega antes de prestada a competente “garantia."
2. "A entrega à autoridade de emissão será efectuada tendo em atenção que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade
(... )" .
Ora,
C. Salvo melhor opinião e sempre com o máximo respeito, o Douto Acórdão recorrido é:
1. Incorrecto quanto ao modo como se pronuncia sobre o que foi o conteúdo da oposição á extradição, efectuada pelo Requerido;
2. Dúbio quanto ao momento em que deve operar-se a entrega do requerido às autoridades portuguesas;
3. Ilegal quanto ao modo como, pelo menos aparentemente, determina que a entrega do requerido às autoridades portuguesas, se efective, apenas depois do Julgamento do Requerido, pelas autoridades judiciárias espanholas;
4. Omisso no que concerne o pronunciamento relativamente ao medo que o requerido sente e manifestou, de vir a sofrer atentado contra a sua vida, caso entre no sistema penitenciário espanhol.
POIS,
D. Na sua Oposição, o Recorrente explicitou o que entende serem as suas razões, concluindo basicamente pelo seguinte:
1. A sua entrada no sistema prisional espanhol, onde se encontram inúmeros colombianos, é susceptível de constituir perigo objectivo para a sua vida pois,
2. Ainda que não se prove o seu envolvimento nos factos em investigação em Espanha (como está certo que não sucederá, por não poder suceder, por nada ter que ver com eles), algum(uns) dos reclusos colombianos, poderá atentar contra a vida daquele que se diz ter morto um seu compatriota.
3. Atenta a sua condição de português, residente no território de Portugal, pretende que o cumprimento do mandado de detenção Internacional seja efectuado a titulo devolutivo ou seja,
4. Ser entregue ao Reino de Espanha para ser ouvido nos autos, retomando a Portugal, tão só preste declarações isto é,
5. De imediato após ser ouvido.
E- O Douto Acórdão recorrido não ponderou, sequer minimamente, o efectivo perigo para a vida do Requerido decorrente do cumprimento (tão só) do mandado de detenção e,
F-Tanto quanto parece de extrair do Acórdão Recorrido, condiciona-se o cumprimento do mandado apenas à garantia a prestar pelo Reino de Espanha, de entrega do requerido ao Estado Português, caso este o pretenda e manifeste, no final do Julgamento_ ORA,
G- A Lei 65/2003 prevê, no seu Artigo 1º (Alínea c)), exactamente tal situação; pois, define a possibilidade de ser sujeita a condição, a decisão de entrega.
H. Sendo que essa condição será, exactamente, a de "que a pessoa procurada, após ter sido ouvida (o sublinhado é nosso), seja devolvida ao Estado membro de execução, para nele cumprir pena ou medida de segurança - privativa da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão".
Isto é,
I -" A Lei reguladora da matéria não só prevê como permite expressamente, que a entrega seja condicionada, exactamente àquilo que o Recorrente pretende que seja,
J. A sua entrega a Portugal, imediatamente depois de ser ouvido pelas autoridades Espanholas_
K- O (aparente) não deferimento da pretensão do Recorrente, nos exactos termos por ele requeridos,
M - Para além de ilegal, na nossa humilde opinião,
N - Despreza em absoluto o real perigo de vida que o Recorrente correrá, caso tenha que aguardar pelo julgamento, no sistema prisional espanhol,
O - Perigo esse real e efectivo e para o qual uma vez mais cumpre alertar, até para que se não possa dizer, á posteriori, que de nada se sabia.
P -Ou que não foram alertadas as entidades competentes para o evitar.
Q- Estamos, pois, em crer que a Decisão recorrida, ao enfermar de tais vícios, nomeadamente a ilegalidade supra-referida,
É, também, Desadequado, Desproporcionado e Injusto
S - Não há pois, razões de facto ou direito que sustentem a decisão vertida no acórdão recorrido, nos exactos termos em que parece ter sido proferida
T - Devendo a condição a impor ao Reino de Espanha, ser a de a mesma garantir que entrega o recorrente ás autoridades Portuguesas, tão só o mesmo seja ouvido nos Autos que ali pendem (sendo novamente entregue para o julgamento, caso o mesmo ocorra),
U -Que, para além de legal, melhor acautela o efectivo perigo que o recorrente sente, de que venham a atentar contra a sua Vida, pelos motivos já enunciados.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Acórdão recorrido, assim se fazendo verdadeira e costumeira Justiça.
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Respondeu o Ministério Público através da Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta a motivação do recurso, dizendo nomeadamente:
“I - Do meio processual utilizado
- Contrariamente ao que o recorrente defende e com o devido respeito, entende-se que não lhe assiste razão, como sumariamente se tentará demonstrar:
- A União Europeia adoptou uma decisão-quadro relativa ao MDE e aos processos de entrega entre os Estados-Membros.
A decisão torna o procedimento mais rápido e simples. Todo o processo político e administrativo é suprimido em proveito de um processo judiciário.
Sendo a Lei 65/03 aplicável aos pedidos de detenção originados em qualquer dos Estados-Membros da União Europeia e aos que transpuseram a DQ.
A decisão-quadro define "mandado de detenção europeu" como uma decisão proferida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro estado-membro duma pessoa procurada para efeitos de acções penais, cumprimento de uma pena, de uma medida de segurança privativa de liberdade.
As relações de cooperação clássicas -. extradição - deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciárias em matéria penal.
O MDE substituiu, pois, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, "Acórd. STJ - 3a Secção - 325/09TRPRT.A.S1 de 28-10-2009.
- O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre Estados-Membros e à substituição desta por, sistema de entrega entre autoridades judiciárias
Acresce que, a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitos, para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerente aos actuais procedimentos de extradição".
Desde que uma decisão seja tomada por uma autoridade judiciária competente à luz do direito interno do Estado-Membro de onde procede - Reino de Espanha - essa decisão deve ter um efeito pleno sobre os países que compõem a UE, o que significa que as autoridades do Estado Português ¬ onde a decisão deve ser executada - devem aceitá-la.
O douto acórdão pronunciou-se quanto ao receio pela integridade física e quanto à pretendida audição em Portugal.
Ii - Da entrega sujeita a condição:
O douto acórdão sob recurso decidiu bem quanto a nós pela inexistência das causas de recusa facultativa e obrigatória.
O douto acórdão decidiu também bem ao deferir a execução do mandado "ordenando a entrega do requerido às autoridades espanholas, "sujeito à condição de o Reino de Espanha aceitar a devolução para cumprimento da pena ou medida de segurança privativa de liberdade em que venha eventualmente a ser condenado, se essa for a sua vontade, não sendo executada a entrega antes de prestada a competente garantia".
Ou seja, no douto acórdão encontra o requerido resposta sobre as questões que coloca:
- a sua entrega só será efectuada depois do Reino de Espanha prestar a garantia de que será devolvido a Portugal para cumprimento da pena em que eventualmente venha a ser condenado.
Condições que se defendem.
Mantendo, pois, o douto acórdão sob recurso
Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA
Admitido o recurso, subiram os autos ao Supremo Tribunal.
Cumprida a legalidade dos vistos, cumpre apreciar e decidir:
Foi em cumprimento da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho, que a Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto, publicada no Diário da República I Série. A, nº 194 de 23 de Agosto de 2003, veio aprovar o regime jurídico do mandado de detenção europeu, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados membros que tenham optado pela aplicação imediata da Decisão Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados membros publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 18 de Julho de 2002.- artº 40º.
O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias.
A instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros deviam dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça. (ponto 5) e, as decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu deviam ser objecto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado-Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.(ponto 8)
Ponto de honra e pedra basilar do novo instituto do mandando de detenção europeu, está em que, o mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, de tal forma que a execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos princípios enunciados no n. 1 do artigo 6. do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n. 1 do artigo 7. do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n. 2 do mesmo artigo.(ponto 10)
O mandado de detenção europeu destinou-se a substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen.(ponto 11)
O objectivo de um espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça, traduz-se na execução do mandado de detenção europeu, uma das formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal:
- No princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais;
- Num sistema de entrega entre autoridades judiciárias;
- No controlo adequado na decisão de execução que é efectuada pela autoridade judiciária do Estado de execução;
- No elevado grau de confiança entre os Estados-Membros;
- Na consagração do princípio da proporcionalidade;
- No respeito pelos direitos fundamentais;
- No não impedimento de aplicação pelo Estado-membro das suas normas constitucionais em termos de direito a um processo equitativo, à liberdade de associação, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social.
Acresce que, um dos limites à cooperação é que ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.
Nesta ordem de ideias, veio dispor o artº 1º da Lei 65/2003 que -
1.- O mandato de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade.
2 - O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto nas supra referidas Lei e Decisão quadro.
Nos termos do art° 21.° da lei nº 65/2003 de 23 de Agosto
1 - Se a pessoa procurada não consentir na sua entrega ao Estado membro de emissão é concedida a palavra ao seu defensor para que deduza oposição.
2 - A oposição pode ter por fundamentos o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
3 - Deduzida a oposição, nos termos dos números anteriores, é concedida a palavra ao Ministério Público para que se pronuncie sobre as questões suscitadas na mesma e sobre a verificação dos requisitos de que depende a execução do mandado de detenção europeu.
4 - A oposição e os meios de prova devem ser apresentados no decurso da diligência de audição do arguido, sem prejuízo de, a requerimento do defensor, o tribunal fixar, por despacho irrecorrível, prazo para o efeito, sempre que tal prazo seja necessário para a preparação da defesa ou para a apresentação dos meios de prova, tendo em conta a necessidade de se cumprirem os prazos estabelecidos no artigo 26.
5 - Finda a produção da prova será concedida a palavra ao Ministério Público e ao defensor da pessoa procurada para alegações orais.
Por outro lado, de harmonia com o artigo 24º da mesma Lei:
1 - Só é admissível recurso:
a) Da decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção;
b) Da decisão final sobre a execução do mandado de detenção europeu.
Dos autos verifica-se que:
a) As autoridades judiciárias do Reino de Espanha pretendem a entrega, para efeito de procedimento criminal, do cidadão português AA, em virtude do mesmo estar indiciado da prática dos seguintes factos:
AA, supostamente, junto com BB foi autor material da morte de CC, conhecido como “C.....”, súbdito colombiano cujo cadáver foi encontrado enterrado em 17-09-2010 no caminho de Benimussa no terminal municipal de San Antonio, apresentando uma incisão por objecto pontiagudo de uns 18 centímetros, á altura do coração, assim mesmo se exteriorizava claros sintomas de morte violenta. Dos efeitos e documentação encontrados no domicílio do outro suposto autor, da declaração prestada por DD, conversações telefónicas interceptadas e demais provas induz a participação directa de AA em referida morte.
b) Tais factos, segundo as autoridades judiciárias do Reino de Espanha consubstanciam a prática de um crime de homicídio, previsto pelos arts. 138º e 139º, do Código Penal.
c) O referido crime é punível com pena de prisão de 15 a 20 anos.”
O requerido foi ouvido no Tribunal da Relação de Lisboa em 18 de Abril de 2012,, resultando do AUTO DE AUDIÊNCIA (artº 18º da Lei 65/2003 de 23/8), sendo o arguido assistido por uma Senhora Defensora Oficiosa, designada pela Ordem dos Advogados
(…)“pelo Exmo Sr. Desembargador foi dado conhecimento ao detido de todo o conteúdo do presente mandado de detenção europeu e das razões da sua detenção e apresentação a este Tribunal, nomeadamente, que com esta audiência não se procurava averiguar a veracidade dos factos mas apenas da legalidade do pedido formulado pelas autoridades Espanholas.
O detido foi, também, informado do direito que lhe assiste de se opor à entrega ou consentir nela, e dos termos em que o pode fazer, bem como sobre a faculdade de renunciar ao benefício da regra da especialidade.
Assim esclarecido declarou opôr-se à execução mandado de detenção europeu e não renunciar ao princípio da regra da especialidade.”
E opôs-se, nos termos já supra aludidos.
O Tribunal da Relação conheceu pormenorizadamente dos fundamentos alegados da oposição.
Após referir que:
“3. No caso em apreço, não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do mandado que contem todos os elementos identificativos, descritivos e decisórios previstos no artº 3º, da citada Lei nº 65/2003, foi recepcionado em boa e devida forma e está devidamente traduzido para português (arts. 39º e 3º nº 2).” analisou os:
“4. Fundamentos de oposição.
Em relação aos fundamentos de oposição a que alude o artº 21º, nº 2, da citada Lei nº 65/2003, não se suscitam dúvidas quanto à identidade do oponente.
No que diz respeito à existência de causas de recusa do mandado de detenção europeu, não se verifica nenhum dos fundamentos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos artigos 11º e 12º daquela Lei, os quais, de resto, nem sequer foram invocados.”
5. A alegação de não ter praticado os factos que lhe são imputados.
Na sua oposição, o requerido refere que as “suspeitas que pendem sobre si, que por serem completamente falsas - bem como sem qualquer fundamento, atentam contra a sua honra e dignidade” e que não houve “qualquer envolvimento da sua parte nas suspeitas de que vem sendo acusado, nem naquele caso, nem noutro qualquer”.
Esta alegação não tem qualquer fundamento. Com efeito, trata-se de matéria que não deve ser apreciada pela entidade de execução, sendo como é matéria de defesa, que é mais adequado exercitar no âmbito do próprio processo existente no país da emissão. Neste sentido:
- “A circunstância da pessoa procurada entender que não praticou factos que determinam responsabilidade criminal é irrelevante para o Estado português, que só tem de conhecer da conformidade legal do próprio mandado no sentido de o poder executar, pois a decisão judiciária é do Estado que o emitiu e é perante ele que aquela tem de exercer os direitos de defesa relativos ao procedimento criminal em curso”- Ac. do STJ de 25-01-2007, Proc. nº 07P271;
- “Os direitos de defesa relativos ao processo que deu origem à emissão do mandado (como os relativos à existência ou não da infracção) são exercidos neste processo e não no âmbito do mandado de detenção europeu” - Ac. do STJ de 6-06-2007, Proc. nº 07P2182;
- “VI - Por isso, face ao espírito de cooperação desejável entre os Estados da União Europeia, não pode o recorrente opor-se ao mandado demonstrando que não praticou os factos.
VII - A não ser assim, a breve trecho transformar-se-ia o MDE num processo de investigação dos factos, retardando a entrega, e, a ser permitido o elenco de provas arrolado, lançar-se-ia sobre o STJ o ónus de apreciar a matéria de facto produzida na Relação, desvirtuando a sua função de tribunal de revista.
VIII - Essa defesa - que não configura fundamento de oposição ao mandado - há-de o procurado apresentá-la às autoridades judiciárias espanholas, perante a ordem jurídica de que é nacional, com pleno contraditório” - Ac. do STJ de 17-01-2007, Proc. nº 06P4828;
“(…) face ao espírito de cooperação desejável entre os Estados da União Europeia, não pode o recorrente opor-se ao mandado demonstrando que não praticou os factos. A não ser assim, a breve trecho transformar-se-ia o MDE num processo de investigação dos factos, retardando a entrega, e, a ser permitido o elenco de provas arrolado, lançar-se-ia sobre o STJ o ónus de apreciar a matéria de facto produzida pela relação, desvirtuando a sua função de tribunal de revista. Esta defesa - que não configura fundamento de oposição ao mandado - há-de o procurado apresentá-la às autoridades judiciárias espanholas”- Ac. do STJ de 17-01-2007, Proc. nº 4228/06, apud Ac. do STJ de 18-04-2007, Proc. nº 07P1432;
- “III - Afastada a existência de motivo de recusa de execução, o MDE adquire plena exequibilidade, não sendo admissível que se recoloquem os fundamentos de facto que o informam. Tal como na transmissão de determinação judicial na ordem jurídica interna também aqui o pedido formulado é cumprido nos seus termos, adquirida que está a sua regularidade formal. IV - A invocação do princípio da presunção de inocência não tem aqui qualquer virtualidade para inquinar factos que foram adquiridos em processo com decisão transitada em julgado, ou suficientemente indiciados para permitir o julgamento na ordem jurídica emitente. O funcionamento do mesmo princípio tem o seu lugar adequado quando nos tribunais franceses se discutiam, ou se vão discutir, factos susceptíveis de tipificar a incriminação tipificada.”- Ac. do STJ de 28-10-2009, Proc. nº 325/09.0TRPRT-A.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
- “A execução de um mandado de detenção europeu não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor, restando neste âmbito, ao Estado da execução, indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no princípio do reconhecimento mútuo em conformidade, nomeadamente com o disposto na Lei n.º 65/2003 e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho - artº 1º, nº 1, da Lei citada”- Ac do STJ de 16-02-2006, Proc. nº 569/06-5ª, in CJ (Acs. do STJ), Ano XIV, Tomo I, págs. 193/194;
Em face da jurisprudência acabada de citar, conclui-se pela improcedência da oposição do requerido, por a sua defesa não configurar fundamento de oposição ao mandado.
6. A alegação do receio pela integridade física.
Refere o requerido que “teme pela integridade da sua pessoa e liberdade” e que “está convicto que não terá um tratamento justo perante as autoridades espanholas”.
Vejamos:
«A confiança mútua que constitui o cerne do mandado de detenção europeu fundamenta-se, também, na convicção de que todos os membros da União comungam dos mesmos valores nucleares, tributários dos direitos do Homem, e estão sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores.
Os estados membro da EU estão sujeitos a mecanismos de supervisão e de garantia dos direitos humanos que se situam num plano superior, de uma maior intensidade e reforço, em relação á maioria dos restantes países. Invocando-se desde logo o Conselho Europeu dos Direitos do Homem é inquestionável a afirmação da sua natureza jurisdicional, bem como a jurisdição obrigatória do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que, conjugado com a acessibilidade para qualquer cidadão, tipifica um mecanismo único e de superior qualidade entre os mecanismos internacionais de garantia.
No que toca ao Tribunal de Justiça das Comunidades e, como refere Francisco Legido, a intervenção em matéria do terceiro pilar tem-se revelado de uma maior descrição pois que, por muito que os princípios fundamentais sejam vinculativos para os Estados membro, o certo é que os mecanismos procedimentais dificultam o controle jurisdicional em matérias do mesmo pilar. Importa aqui salientar que a reforma inscrita no Tratado Constitucional, ao determinar a supressão da distinção ente pilares e a quase plena aplicação das competências do tribunal de Justiça da união nas matérias de cooperação Policial e Judicial Penal vem dar uma conformação ainda mais garantística dos mecanismos que perfilam tal cooperação no espaço comunitário.
Essencialmente o que avulta aqui, e agora, é uma confiança mútua, e recíproca, que emerge da solidariedade e do sentir que a pertença a esta comunidade de Estados, que é União, coloca todos os seus cidadãos num mesmo patamar de credor das garantias de um Estado de Direito Democrático. Nada fundamenta a afirmação de que, num desses países, que assumiu o compromisso de respeito dos direitos do homem, no caso falamos do Estado Espanhol, seja instituída uma prática que o desmereça.» (Ac. do STJ de 25-03-2010, Proc. nº 76/10.2YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Também nesta parte se conclui pela improcedência da oposição do requerido, por a sua defesa não configurar fundamento de oposição ao mandado.
7. Audição em Portugal.
Por fim, pretende o requerido ser ouvido em Portugal, por vídeo-conferência, no âmbito do processo pendente em Espanha ou, em alternativa, ser ouvido em Portugal pela entidade emissora do mandado.
Também aqui a razão não está com o requerido.
Convém ter presente que a cooperação judiciária penal internacional assenta, em geral, na confiança que se estabelece entre os Estados, e no interesse mútuo da realização da justiça no seio desses Estados.
Essa confiança, especialmente acrescida em relação a um núcleo restrito de países europeus, permitiu que a cooperação se estabelecesse directamente entre as próprias autoridades judiciárias através do MDE. Condição primeira para que, a esse nível (e outros), se realize a cooperação, é que comece por haver um pedido, aqui da autoridade judiciária espanhola.
A autoridade judiciária portuguesa solicitada pode satisfazer ou não o pedido. Não pode é escolher ela o tipo de cooperação que as autoridades espanholas não solicitaram.
E porque Portugal é um país membro da União Europeia, pertence ao chamado Espaço Schengen e está obrigado a dar cumprimento à Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, aprovou, como já referido, para tal efeito, a Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. O que significa que a recusa do pedido de execução do MDE só pode ter lugar à luz do disposto nos arts. 11º ou 12º dessa Lei.
Não tem pois qualquer sentido a pretensão do recorrente de ser ouvido em Portugal em vez de ser entregue ao Estado de emissão.
Também nesta parte se conclui pela improcedência da oposição do requerido, por a sua defesa não configurar fundamento de oposição ao mandado.
8. Das garantias.
O requerido, notificado da resposta do Ministério Publico, veio requerer que “a sua entrega ao Reino de Espanha para ser ouvido nos autos que ali pendem, seja efectuada sujeita á condição de, após ser ouvido, ser devolvido ao Estado Português” (cfr. fls. 79).
Vejamos:
O artº 13º, da Lei nº 65/2003, trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE “só terá lugar” se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas.
De acordo com este preceito legal, «a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:
a) (…)
b) (…)
c) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.».
Após alguma indefinição jurisprudencial sobre a natureza das garantias, isto é sobre o seu carácter facultativo ou obrigatório, o STJ teve oportunidade de dissecar o preceito em questão, esclarecendo que nas garantias a que se referem as suas alíneas “retratam-se procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última”.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 4-12-2008, Proc. n.º 08P3861, acessível em www.dgsi.pt:
«6 – No que se refere às alíneas a) e b) não só a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes.
7 – Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução.
8 – Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida.
9 – Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ele vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida.
10 – Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-6-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do mandado de detenção europeu e que permite no seu art. 5.º que cada Estado-Membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado-Membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado-Membro de emissão.».
Neste mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 18-6-2009, Proc. nº 428/09.0YFLSB, acessível em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, o requerido não só é cidadão nacional como reside em território nacional.
Entende-se, por conseguinte, que a condição de devolução não deve deixar de ser estabelecida, na medida em que será mais favorável à reinserção social do requerido que a pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que poderá ser condenado no Reino de Espanha seja cumprida em Portugal, onde poderá beneficiar do apoio de amigos e familiares, se for essa a sua vontade (cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 21-12-2010, Proc. nº 11/10.8YRGMR, acessível em www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto).”
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A fundamentação aduzida pela Relação mostra-se legalmente correcta e de harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Na verdade:
Todo o sistema de emissão e execução do MDE está estruturado com o objectivo único de obter a detenção de uma pessoa que se encontre num Estado membro para ser entregue ao Estado membro emissor.
Assim, quando a Lei 65/03, de 23-08, utiliza a expressão «pessoa procurada» não se quer referir a pessoa que devesse ter sido contactada para outros fins, designadamente para ser notificada de qualquer acto processual, e sim à pessoa que deve ser encontrada para ser detida e entregue ao Estado emissor.
Cabe à autoridade judiciária emitente (que dirige o processo) escolher os meios legais adequados à prossecução dos fins do mesmo, estando vedado ao Estado da execução sindicar as opções daquela autoridade, desde que conformes aos instrumentos internacionais aplicáveis
Sendo que a execução de um mandado de detenção europeu não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor, restando neste âmbito, ao Estado da execução, indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no princípio do reconhecimento mútuo (Lei 65/03, de 23-08, e Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06).-v. Acórdãos. do STJ de16-02-2006 e de 27-07-2006,www.dgsi.pt.
Note-se, por outro lado, que conforme Artº 2º (Âmbito de aplicação).
1. O mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.
2. Será concedida a extradição com origem num mandado de detenção europeu, sem controlo da dupla incriminação do facto, sempre que os factos, de acordo com a legislação do Estado membro de emissão, constituam as seguintes infracções, puníveis no Estado membro da emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 3 anos:
[…];
o) Homicídio voluntário e ofensas corporais graves;
3. No que respeita às infracções não previstas no número anterior só é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação.
O MDE rege-se, para além do respeito pelos princípios da confiança, cooperação mútua e celeridade, por um critério de suficiência, ou seja, o Estado da execução não deve precisar de mais informações do que aquelas que figuram no formulário pré-estabelecido, e também por uma eficiência de teor quase automático, na medida em que só em casos taxativamente limitados se possam erguer barreiras de inexecução.
A sindicância judicial a exercer no Estado receptor é muito limitada, sem abandono, contudo, do respeito por direitos fundamentais, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional (cf. Ricardo Jorge Bragança de Matos, in RPCC, Ano XIV, n.º 3, págs. 327-328, e Anabela Miranda Rodrigues, in O Mandado de Detenção Europeu, RPCC, ano 13.º, n.º 1, págs. 32-33).
Desde que uma decisão seja tomada por uma autoridade judiciária competente à luz do direito interno do Estado membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, o que significa que as autoridades do Estado onde a decisão deve ser executada devem causar-lhe o mínimo de embaraço.
Como refere Anabela Miranda Rodrigues (O Mandado de Detenção Europeu – na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?, in RPCC, Ano 13, n.º 1, pág. 23 e ss.), a decisão quadro «substitui as convenções aplicáveis em matéria de extradição nas relações entre os Estados-Membros, sem prejuízo da sua aplicação nas relações entre Estados-Membros e Estados terceiros (art. 31.º, n.º 1)…».
Nas relações entre os Estados da Comunidade, por força do MDE, o elemento chave do processo de “entrega” passou a ser o próprio “mandado” de detenção emitido pela autoridade judiciária competente, diversamente do que ocorre nas relações com o exterior do «território único», em que o elemento chave continua a ser o “pedido”, o que se justificará por nesses casos não se estar perante os pressupostos (a confiança recíproca entre os Estados membros, o reconhecimento mútuo e o postulado do respeito efectivo pelos direitos fundamentais em toda a União Europeia) que justificam a judiciarização do processo de detenção e entrega.)- Acórdãos do STJ de 04-03-2009, Proc. n.º 685/09 e de 25-06-2009 Proc. n.º 1087/09.6YRLSB.S1, desta 3ª Secção:
O legislador português não contemplou a norma do nº 3, no artº 1º, da Decisão-Quadro do seguinte teor:
“3. A presente Decisão-Quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6 do Tratado da União Europeia.”
Mas essa não consagração expressa é de algum modo redundante, face à Constituição da República Portuguesa, uma vez que: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático(…) no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais”- (artº 2º); As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.” (nº 1 do artº 8º); as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático. (nº 4 do artº 8º); “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras aplicáveis de direito internacional” – nº 1 do artº 16º)
A harmonia e unidade do sistema jurídico – nacional e internacional -, está ainda patente, numa dimensão universalista dos direitos fundamentais, no nº 2 do referido artº 16º da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,”
É pois irrelevante a alegação do não envolvimento do arguido nos factos.
Diz o recorrente que atenta a sua condição de português, residente no território de Portugal, pretende que o cumprimento do mandado de detenção Internacional seja efectuado a titulo devolutivo ou seja, ser entregue ao Reino de Espanha para ser ouvido nos autos, retomando a Portugal, tão só preste declarações isto é, de imediato após ser ouvido
De harmonia com o artigo 6.° da Lei nº 65/2003 que se refere à Transferência temporária e audição da pessoa procurada na pendência do processo de execução do mandado de detenção europeu :
1 - Sempre que o mandado de detenção europeu tenha sido emitido para efeitos de procedimento penal, a autoridade judiciária de emissão pode solicitar à autoridade judiciária de execução que:
a) Se proceda à audição da pessoa procurada;
b) Autorize a transferência temporária da pessoa procurada.
2 - As condições em que se realiza a audição da pessoa procurada e as condições e duração da transferência temporária são fixadas por acordo entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução.
3 - A pessoa procurada é ouvida pela autoridade judiciária de emissão, coadjuvada pela pessoa designada em conformidade com o direito do Estado membro de emissão.
4 - A pessoa procurada é ouvida nos termos previstos na legislação no Estado membro de execução e as condições são fixadas por acordo entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução.
5 - A autoridade judiciária de execução competente pode designar uma outra autoridade judiciária de emissão para tomar parte na audição da pessoa procurada, no sentido de assegurar a correcta aplicação da disciplina jurídica estabelecida pelos n.ºs 3 e 4 e das condições acordadas com a autoridade judiciária de emissão.
6 - Em caso de transferência temporária, a pessoa procurada deve poder regressar ao Estado membro de execução para assistir às audiências que tenham lugar no âmbito do processo de execução do mandado de detenção europeu.
Mas, estas situações são específicas, surgidas na pendência do processo de execução, que sem prejuízo do rumo executivo deste, atenta a finalidade do mandado, resumem-se a providências vinculadas pontualmente a determinada finalidade e, que se exigem o cumprimento do solicitado, antes de ser cumprido – executado – o mandado, encontrando-se tais providências (audição da pessoa procurada, ou transferência temporária) delimitadas por critérios objectivos de actuação, sem prejuízo da pendência do mandado e oportuna posterior decisão sobre a sua execução.
O conteúdo da norma, parece ser mais expressivo na estrutura redactorial da Decisão-Quadro, que, a propósito, se transcreve:
Artigo 18º
Situação enquanto se aguarda uma decisão
1. Sempre que o mandado de detenção europeu tenha sido emitido para efeitos de procedimento penal, a autoridade judiciária de execução pode:
a) Ou aceitar que se proceda à audição da pessoa procurada, em conformidade com o artigo 19.;
b) Ou aceitar a transferência temporária da pessoa procurada.
2. As condições e a duração da transferência temporária são fixadas por acordo mútuo entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução.
3. Em caso de transferência temporária, a pessoa deve poder regressar ao Estado-Membro de execução para assistir às audiências que lhe digam respeito, no quadro do processo de entrega.
Artigo 19.
Audição da pessoa enquanto se aguarda uma decisão
1. A pessoa procurada é ouvida por uma autoridade judiciária, coadjuvada por outra pessoa designada em conformidade com o direito do Estado-Membro do tribunal requerente.
2. A pessoa procurada é ouvida em conformidade com o direito do Estado-Membro de execução e as condições são fixadas por acordo mútuo entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução.
3. A autoridade judiciária de execução competente pode designar uma outra autoridade judiciária do seu Estado-Membro para tomar parte na audição da pessoa procurada, no sentido de assegurar a correcta aplicação do presente artigo e das condições que tiverem sido fixadas.”
O presente mandado de detenção europeu não se fundamenta no artº 6º referido.
O presente mandado foi emitido para efeitos de procedimento penal, pois como se diz nas respectivas informações: - “Foi emitido um Mandado de Detenção Europeu (…) para fins de condução de uma prossecução criminal.”
E, o mandado de detenção europeu tem por finalidade a detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada ou para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade.- artº 1º da Lei nº 65/2003
O arguido alega recear pela sua integridade física se entrar no sistema prisional de Espanha, e acolhe-se ao artº 13º (alínea c) da Lei 65/2003, discordando dos termos em que foi explicitada a garantia constante da decisão recorrida.
Não constam elementos concretos de perigosidade do sistema prisional espanhol, mormente dos potenciais efeitos alegados pelo recorrente para a sua vida, o que significa a inocuidade dessa alegação, antes, pelo contrário, é de presumir que as instituições jurídicas do Reino de Espanha - integrado na União Europeia, e subordinado aos seus princípios democráticos e de justiça -, mormente o seu sistema prisional se pautem pelo respeito e aplicação dos direitos fundamentais e cumprimento da legalidade, à luz da Convenção europeia dos Direitos do Homem e da Carta dos Direitos Fundamentais da união Europeia,
O artigo 33º nº 3 da Constituição da República Portuguesa estipula que: -A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.
Mas o nº 5 também do mesmo preceito, refere que: - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.
A nível do mandado de detenção europeu, a dimensão constitucional das garantias encontra-se plasmada no artº 13º da Lei nº 65/2003,
Em termos de proibição absoluta de extradição ou de entrega de pessoas procuradas, estabelece o nº 6 do artº 33º da Constituição Política da República Portuguesa que:- “Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.”
Mas como já anotava Gomes Canotilho, a propósito da extradição - Revista de Legislação e Jurisprudência nº 3857, p. 249 e segs -, só em casos de proibição absoluta de extraditar “a ordem jurídico-constitucional portuguesa se autoconstitui em reduto inexpugnável de protecção dos bens da vida e da liberdade. Nos outros casos devem ser tomadas em conta as exigências do direito internacional (...) Só em casos de violação da ordem pública jurídico-constitucional e da inexistência de standards mínimos de justiça procedimental na ordem jurídica do Estado requisitante se exige um comportamento mais vigilantemente amigo dos direitos fundamentais”.
O artigo 11º da citada Lei 65/2003 prevê causas de recusa obrigatória, e o artº 12º, causas de recusa facultativa, de execução do mandado de detenção europeu, sendo certo que nem umas nem outras se perfilam na aplicação ao caso concreto.
Porém, o artigo 13º da mesma Lei, sobre as Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais, determina que: - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:
a) Quando o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tiver sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor recurso ou de requerer novo julgamento no Estado membro de emissão e de estar presente no julgamento;
b) Quando a infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;
c) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.
O artº 13º trata das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais, os indicados na norma.
Tais garantias assumem-se como uma dimensão da dignidade da pessoa arguida e respectivos direitos fundamentais, entre os quais avulta o acesso ao direito e a julgamento justo, explicitados juridicamente em termos processuais penais no exercício do princípio do contraditório e no princípio da presunção de inocência.
Têm desde logo por fundamento os valores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo artº 10º dispõe que “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em processo penal que contra ele seja deduzida.” , dispondo por sua vez o artº 11º nº 1 que “toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas,
Tal desiderato encontra-se consagrado no artº 20º da Constituição da República Portuguesa quando assinala no nº 4 que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.” E, ainda no artº 32º nº 1: “ O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.” e, nº 2: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível cm as garantias de defesa.”
A alínea c) é ainda um modo de cooperação internacional, ao conceder potestas ao Estado nacional, o Estado membro da execução, na protecção dos seus nacionais ou residentes, para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade a que foi condenada a pessoa procurada no estado membro de emissão.
Esta garantia, porém, não se identifica com as situações específicas aludidas no artº 6º a que supra se aludiu.
Por outro lado, a pessoa procurada é cidadão nacional do Estado de execução, onde reside.
Ora, nos termos do artº 13º al. c), da Le nº 65/2003 de 23 de Agosto, repete-se:
Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão. (negrito nosso)
Essa condição constitui assim, uma das garantias a prestar pelo Estado membro de emissão.
Como já se pronunciou este Supremo no seu Acórdão de 04-12-2008 in Proc. n.º 3861/08 - 5.ª Secção, www.dgsi.pt. interpretar um preceito consiste em estabelecer o sentido das expressões legais para decidir a previsão legal e, logo, a sua aplicabilidade ao pressuposto de facto que se coloca perante o intérprete, cientes de que a interpretação da lei «não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (art. 9.º, n.º 1, do CC), além de que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas» (art. 9.º, n.º 3).
O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última.
No que se refere às als. a) e b) não só a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes.
Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução.
Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida.
Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ele vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida – após ter sido ouvida - ao Estado membro de execução, para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida.
Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do MDE e que permite no seu art. 5.º que cada Estado membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado membro de emissão.
Sendo a pessoa procurada ouvida no Estado de emissão, quando deva ser ouvida de harmonia com o respectivo ordenamento processual penal, o certo é que logo que ouvida, deverá ser devolvida ao Estado nacional onde reside porque em caso de eventual condenação, poderá cumprir a pena no Estado de execução.
È insuficiente, e pode induzir em erro, dizer-se que “a sua entrega só será efectuada depois do Reino de Espanha prestar a garantia de que será devolvido a Portugal para cumprimento da pena em que eventualmente venha a ser condenado.”, porque implicitamente admite que a devolução possa ocorrer após a pessoa procurada ter sido ouvida, mesmo após o trânsito em julgado da decisão condenatória, olvidando a determinação normativa: após ter sido ouvido.
Só assim se conjugam os princípios da elevada confiança e do reconhecimento mútuo entre os Estados-membros na cooperação judiciária penal, concretizada pelo objecto do mandado de detenção europeu, sujeito às mesmas regras de cooperação aprovadas pelos Estados-membros.
In casu, essa garantia, se prestada, ajusta-se à emissão de mandado de detenção europeu para fins de procedimento penal contra um nacional ou residente no Estado de emissão
O objecto do presente mandado não reside na pena mas no procedimento penal.
A entrega da pessoa procurada ao Estado de emissão, tem natureza temporária, é apenas para efeitos de procedimento penal, como aliás é objecto do presente mandado e, apenas ocorrerá se o Estado de emissão prestar a garantia de que após ser ouvida, será devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que seja eventualmente condenada no Estado membro de emissão.
Assim, deve ser deferida a execução do MDE emitido para efeitos de procedimento penal – como foi - e determinada a entrega do requerido ao Estado membro de emissão sujeita à condição de o mesmo (Estado membro) prestar garantia de que a pessoa procurada, após ser ouvida, será devolvida a Portugal (Estado membro de execução), para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade a que venha eventualmente a ser condenada no Estado membro de emissão. - v Acórdão do STJ de 18-06-2009, Proc. n.º 428/09.0YFLSB - 3.ª Secção
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Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -, em dar parcial provimento ao recurso e, em consequência, deferem a execução do mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária espanhola para efeitos de procedimento penal contra o arguido AA, e determinam a sua entrega ao Reino de Espanha, mas, de harmonia com o artº 13º alínea c) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, fica sujeita à condição de o Reino de Espanha – Estado membro de emissão – prestar, antes dessa entrega, a garantia de que a pessoa procurada após ter sido ouvida, será devolvida a Portugal – Estado-membro de execução, para em Portugal, cumprir, se for essa a sua vontade, a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade a que venha eventualmente a ser condenada no Reino de Espanha.
A entrega não será executada antes de prestada a mencionada garantia.
Informe-se o Estado de emissão de que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade (artº 7º, da Lei nº 65/2003).
Não é devida tributação (artº 35º, da Lei nº 65/2003).
Notifique
Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Junho de 2012
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça (Relator)
Raul Borges