Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1179/09.1TAVFX.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
PENA SUSPENSA
REQUISITOS DA SENTENÇA
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( NULIDADES ) - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequência jurídicas do Crime, 285, 290.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição -1993), 668/669.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, 379º, Nº 1, ALÍNEA A), 472.º, Nº 1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º1, 57.º, N.º1, 77.º, 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 3/2006, DE 06.01.03, PUBLICADO NO DR II, DE 06.02.07.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06.10.2005, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 2107/05-5.ª;
-DE 20.01.2010, DE 10.02.2010 E DE 09.06.2010, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 39/03.4GCLRS-A.L1.S1, 392/02.7PFLRS.L1.S1 E 29/05.2GGVFX.L1.S1, RESPECTIVAMENTE.
Sumário :

I - A jurisprudência do STJ é amplamente maioritária na defesa da orientação tradicional de que nada obsta à realização de cúmulo jurídico de penas que hajam sido suspensas na sua execução.
II - A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, pelo tribunal que procede à efectuação do cúmulo.
III -A sentença referente a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deve ser elaborada, como qualquer outra sentença, de acordo com o disposto no art. 374.º do CPP.
IV - Por isso, sob pena de nulidade, terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial.
V - Aceita-se que essa referência seja sucinta, uma vez que os factos constam desenvolvidamente das sentenças condenatórias, mas tal referência sintética não deixa de ser essencial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas e na conduta global.
Decisão Texto Integral:

                                          *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1179/09.1TAVFX, do 1º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, tendo em vista o conhecimento superveniente de concurso de crimes, foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado na pena conjunta de 12 anos de prisão.

O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]:

1- Ao determinar a medida única da pena em 12 anos de prisão efectiva, não se revela valorizada a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e socio-económicas.

2- Na determinação da medida única da pena, o Tribunal a quo atenta tão somente às necessidades de prevenção geral, omitindo por completo as exigências de prevenção especial, violando assim o disposto nos artigos, 71º e 77º do Código Penal.

3- A aplicação de uma pena, tem como finalidade, a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, tendo na culpa o barómetro para limitar a pena a aplicar. Sendo que se pretende com a aplicação de uma pena, a ressocialização do recorrente, esta pena em concreto, afasta completamente essa possibilidade.

4- O recorrente é um homem ainda jovem, tem filhos menores, beneficia de um enquadramento familiar estrutura do encontrando-se socialmente integrado.

5- Que demonstra consciência crítica da sua situação jurídica e das consequências que daí advieram.

6- Tem um bom comportamento no estabelecimento prisional onde se encontra.

7- A certeza de que terá de cumprir pena privativa da liberdade fizeram-no mudar diametralmente o seu comportamento.

8- Condenar o recorrente em reclusão em 12 anos, significa votá-lo à ostracização da sociedade, impossibilitando a sua reinserção.

9- O tribunal a quo violou, ou pelo menos fez interpretação errónea dos critérios definidos nos arts. 71º, 77º do Código Penal.

10- Entende o Recorrente que a pena aplicada, encontra-se desajustada e exagerada, face a esses mesmos critérios.

Na contra-motivação o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

1ª - A pena de 12 anos de prisão imposta ao arguido, mostra-se equilibrada e justa, tendo sido determinada no respeito pelos critérios fixados nos arts. 40°, 71º, 77° e 78°, todos do C. Penal;

2ª - Tendo sido considerados, no seu conjunto, os factos praticados, a personalidade do arguido e os seus antecedentes criminais;

3ª - Não foi violado qualquer preceito legal.

  

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

Mostram os autos que:

1.

Após a audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por se considerarem preenchidas as normas dos artigos 77.º e 78.º do CP e 471.º do CPP, por acórdão de 3 de Julho de 2014 foi imposta ao condenado a pena única de 12 anos de prisão.

2.

Inconformado, o condenado interpõe recurso, pugnando por uma pena de medida inferior.

3.

O acórdão recorrido revela-se omisso na descrição dos comportamentos do condenado integradores dos crimes em concurso, bem como das respectivas circunstâncias envolventes ¾ indispensáveis para permitir uma avaliação do “ilícito global”, essencial para uma correcta determinação da pena única.

4.

O acórdão recorrido incluiu no presente cúmulo jurídico as penas privativas de liberdade impostas nos processo n.ºs 3878/06.0TAOER, 1255/06.2TASNT, 1046/07.3TDLSB, 1054/06.0TAOER e 109/09.5GAVFX, não constando do acórdão recorrido os elementos necessários que revelem se as penas de substituição impostas se encontram em execução, foram declaradas extintas ao abrigo da norma do artigo 57.º, ou se foram revogadas por força das normas dos artigos 50.º, n.º 1 e 56.º, todos do CP.


II

1.

Como é sabido, a moldura penal do concurso, para além de ter como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concorrentes, terá sempre como limite máximo a «soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes», não podendo ultrapassar 25 anos.

E será dentro da moldura penal do concurso assim fixada que o Tribunal, num segundo momento, terá de encontrar, em função das exigências da culpa e da prevenção, a medida da pena única.

1.1

Sendo, por um lado, de 6 anos de prisão a medida da pena parcelar mais elevada e, por outro lado, mostrando-se que a soma das penas parcelares ultrapassa 25 anos de prisão, a moldura penal do concurso teria como limite mínimo 6 anos de prisão e como limite máximo 25 anos de prisão.

Assim e desde logo não podemos aceitar o entendimento plasmado no acórdão recorrido segundo o qual a moldura penal do concurso tem como limite máximo «60 anos e 7 meses de prisão».

2.

Como é sabido, na determinação da medida da pena do concurso é essencial a consideração da globalidade dos factos, na sua interligação e tipo de conexão entre si, em ordem ao apuramento da gravidade do ilícito global, e da personalidade “estrutural” do agente naqueles revelada, para se poder concluir pela presença de uma personalidade propensa ao crime ou, inversamente, de pluriocasionalidade não radicada nessa personalidade.

2.1

Ora, sendo o acórdão recorrido omisso na descrição dos comportamentos do condenado integradores dos crimes em concurso, bem como das respectivas circunstâncias envolventes, não permite que se alcance um juízo sobre o “ilícito global”, sendo certo que, e como este Supremo Tribunal vem repetidamente afirmando, a decisão que imponha uma pena única «deve bastar-se a si mesma no que respeite aos elementos de facto relevantes para a integração dos pressupostos de determinação da pena única» [2].

Deste modo, o acórdão recorrido revela‑se nulo, ao abrigo da norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

3.

Como claramente decorre da norma do artigo 56.º, n.º 3 do CP, a revogação da pena de substituição determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

3.1

Ora, não constando que as penas de substituição impostas nos processos que deixámos referidos sob I-4 foram ou não revogadas, as penas de prisão substituídas não deviam ter integrado o cúmulo jurídico efectuado.

3.1.1

Na verdade, o cometimento de um crime antes do trânsito em julgado da decisão que tenha suspendido a execução pena de prisão nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do CP ― o mesmo é dizer, o cometimento de um crime antes do início da execução desta pena não privativa de liberdade ― não pode determinar a execução da pena de prisão substituída por não constituir fundamento de revogação da pena de substituição.

Só o cometimento de crime no decurso da suspensão da execução da pena, ou o incumprimento, nesse período, dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas, podem determinar a execução da pena de prisão substituída por constituírem fundamento de revogação da pena de substituição, mas ainda assim desde que o Tribunal, ao abrigo da norma do artigo 56.º do CP, conclua que as finalidades que estavam na base da imposição da pena de substituição já não possam ser alcançadas através da execução desta.

3.1.2

Ao efectuar-se cúmulo jurídico que integre uma pena de prisão substituída — cuja execução não possa pois ser efectivada por não se mostrar revogada a pena de substituição —, não se tem em consideração, nomeadamente, que:

‑          quando o Tribunal da condenação impõe uma dada pena de prisão, mas a substitui por uma pena não privativa de liberdade, está efectivamente a aplicar e, posteriormente, irá fazer executar, em vez daquela pena de prisão, uma outra pena — uma pena de substituição.

‑          no artigo 77.º do CP não está prevista a possibilidade de cúmulo jurídico de uma pena de prisão com uma pena de substituição, nomeadamente a pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º n.º 1 do mesmo diploma.

Antes, claramente decorre do seu n.º 3 opção no sentido de a diferente natureza da pena não privativa de liberdade dever manter‑se na pena única [3].

‑          só se cumulam penas de prisão cuja execução possa efectivar-se.

Ora, se a execução de uma dada pena de prisão não se pode efectivar, por não revogada a pena de substituição, não é sua integração (indevida, dizemos nós) na realização de um dado cúmulo jurídico que vai criar o pressuposto em falta. Tanto mais que da regulamentação decorrente dos artigos 77.º e 78.º do CP não é possível retirar fundamento algum que imponha a realização de cúmulo jurídico que integre pena de prisão substituída sem que a sua execução se mostre passível de ser efectivada [4], ao que acresce que as apelidadas penas de substituição em sentido próprio — penas cumpridas em liberdade e que pressupõem a prévia determinação da medida da pena de prisão que vão substituir ― constituem dogmaticamente verdadeiras penas e não uma forma de execução de uma pena de prisão.

3.1.3

Se o Tribunal da última condenação integrar em cúmulo jurídico uma pena de substituição não revogada, acaba afinal por “revogar” esta ao arrepio do pretendido pela lei quando, no artigo 56.º, n.º 1 prevê taxativamente os casos em que tal revogação possa ocorrer, criando contra legem um fundamento novo.

Ao efectuar‑se cúmulo jurídico que integre uma pena de prisão substituída — cuja execução não possa ser efectivada por não se mostrar revogada a pena de substituição — não se tem ainda em consideração, que, atento o disposto no artigo 495.º, n.º 3 do CPP, qualquer Tribunal que venha a condenar um arguido ― pela prática de um crime cometido no decurso da execução da pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP ― deve comunicar essa condenação ao Tribunal que for competente, nos termos do artigo 470.º n.º 1 do CPP, para a execução, pois que é este — e só este, dizemos nós — o competente em razão da matéria para, conhecedor agora do cometimento do novo crime e do teor da respectiva decisão condenatória, decidir da eventual revogação ou alteração das condições da pena de substituição, ao abrigo do disposto nos artigos 55.º e 56.º do CP.

Competente pois para a revogação de uma pena de substituição, com a consequente efectivação da execução da pena de prisão substituída, não é o Tribunal com competência territorial, nos termos do artigo 471.º, n.º 2 do CPP, para a realização de um cúmulo jurídico, mas o Tribunal com competência material para a execução da pena de substituição [5].

4.

Depois da entrada em vigor das alterações introduzidas ao artigo 78.º, n.º 1 do CP, pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, a jurisprudência vem defendendo, e bem, que as penas substituídas já anteriormente declaradas extintas nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CP não podem integrar cúmulo jurídico, pois tal redundaria num manifesto prejuízo para o condenado.

4.1

No seguimento deste entendimento, a jurisprudência vem também afirmando que ― tendo já decorrido o período fixado na decisão que impôs a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP, mas não havendo nos autos conhecimento de despacho a revogar essa pena de substituição, ao abrigo da norma do artigo 56.º, n.º 1 do CP, ou antes a declarar extinta a pena substituída, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CP ― o Tribunal, antes de efectivar o cúmulo jurídico, terá de solicitar a necessária informação, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, uma vez que, caso a pena de substituição já tenha sido revogada ou não tenha ainda havido decisão sobre a matéria, o Tribunal deverá proceder a cúmulo jurídico que englobe a pena substituída; pelo contrário, dele terá de ser excluída caso tenha havido declaração a julgar extinta a pena, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CP.

4.1.1

Assim, segundo esta jurisprudência e em nossa síntese:

a)                 Se, mostrando-se já decorrido o prazo de duração de execução da pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP, a pena substituída for declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º, n.º 1 do CP, não poderá integrar cúmulo jurídico, por tal implicar um prejuízo para o condenado.

b)                 Se não tiver ainda decorrido o prazo de duração de execução da pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP ¾ e apesar de não poder efectivar-se a execução da pena de prisão substituída, por não se mostrar revogada a pena de substituição ¾ nada obsta a que a pena de prisão substituída integre cúmulo jurídico.

c)                  Se, decorrido o prazo de duração de execução da pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP, não constar dos autos que tenha sido declarada extinta a pena de prisão ou revogada a pena de substituição, antes de efectuar o cúmulo jurídico, o Tribunal, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 379.º. n.º 1, al. c) do CPP, tem de o apurar.

4.2

Ora, se por um lado é pressuposto da realização de um cúmulo que possa efectivar-se a execução da pena de prisão que se pretende que o integre, por outro lado a possibilidade de integração, ou não, num cúmulo jurídico de uma dada pena de prisão substituída não pode ficar dependente de circunstâncias completamente aleatórias. E é-o a circunstância de ter, ou não, já decorrido o prazo de duração da pena de substituição quando outro Tribunal se proponha proceder a um cúmulo jurídico.

Efectivamente, constituirá verdadeira álea, por exemplo, a data da ocorrência, num dado processo, do trânsito em julgado [6] da decisão de condenação em pena de prisão efectiva ― pela prática de um crime concorrente com outro pelo qual o mesmo arguido, mas noutro processo, fora previamente julgado e condenado na pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP ― na consideração da sua relação com a data da prolação do despacho previsto no artigo 57.º, n.º 1 do CP, proferido neste último processo, a declarar extinta, por cumprimento, a pena substituída.

A integração, ou não, num cúmulo jurídico de uma pena de prisão, que fora substituída por pena não privativa de liberdade, sem que se pudesse efectivar a execução da pena de prisão substituída, por não revogada a pena de substituição, não pode ficar dependente de circunstâncias totalmente anódinas — face aos critérios inerentes à aplicação da pena não privativa de liberdade, prevista no artigo 50.º, n.º 1 do CP, e ao condicionalismo taxativo da sua revogação, constante do artigo 56.º, n.º 1 do CP — estranhas, pois, às finalidades da punição que estiveram na base da imposição da pena de substituição.

4.3

O que deverá relevar não deve ser a circunstância de se mostrar, ou não, já decorrido o prazo de suspensão ― facto completamente aleatório ― mas antes a circunstância de mostrar‑se, ou não, revogada a pena de substituição ao abrigo das normas do artigo 56.º, n.º 1 do CP.

Assim, o acórdão recorrido, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, deveria dispor da competente informação para poder decidir quais os crimes concorrentes cujas penas podiam integrar o cúmulo jurídico a realizar [7].

5.

Face ao que acima deixámos exposto, as nulidades de que, em nosso entendimento, padece o acórdão recorrido, que invocámos sob II-2.1 e II-4.3, inviabilizam que nos agora pronunciemos quanto à pretensão do recorrente.

                            Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

                                                                     *

Única questão colocada no recurso interposto pelo arguido Pedro Tojal é a da medida da pena conjunta, pena que considera desajustada e exagerada, atenta a sua idade, o seu enquadramento familiar e social, a consciência crítica dos comportamentos delituosos por si assumidos, com destaque para a consciência que tem das consequências que daqueles advieram, bem como o seu bom comportamento prisional.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu expressa o entendimento de que o acórdão recorrido é nulo, alegando que incluiu na pena conjunta (12 anos de prisão) penas singulares de substituição, mais concretamente várias penas de suspensão de execução da prisão, sem que previamente tenha averiguado se essas penas já foram ou não declaradas extintas, ex vi n.º 1 do artigo 57º do Código Penal, ou se a suspensão da sua execução foi revogada nos termos do n.º 1 do artigo 56º daquele diploma legal. Mais alega que a inclusão na pena conjunta de penas de suspensão de execução da prisão implica a revogação da suspensão, sendo que a competência para tal não cabe ao tribunal da efectuação do cúmulo jurídico, antes ao tribunal da condenação, razão pela qual o acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia, nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal. Finalmente entende que o acórdão impugnado é omisso relativamente à descrição dos comportamentos do condenado consubstanciadores dos crimes integrantes do concurso, bem como das respectivas circunstâncias envolventes, o que se torna indispensável para a avaliação do ilícito global, essencial para uma correcta determinação da pena única, omissão que cai na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

É do seguinte teor a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido:

FACTOS PROVADOS:

Ao arguido foram impostas as seguintes condenações:

1. O arguido foi condenado por sentença proferida em 4-07-2008, transitada em julgado em 10-09-2008, no proc. n.º 821/07.3TAOER, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, pela prática em 25-01-2007, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 454/91, de 28/12, na redação dada pelo DL n.º 316/97 de 19/11 na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 12,00, no valor total de € 2.400,00. Esta pena extinguiu-se em 10-09-2012.

2. O arguido foi condenado por sentença proferida em 17-02-2009, transitada em julgado em 25-03-2009, no proc. n.º 1047/07.1TDLSB, que correu termos no 5.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Lisboa, pela prática em 8-11-2006, de um crime de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, do DL n.º 454/91, de 28/12, na redação dada pelo DL n.º 316/97 de 19/11 na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, no valor total de € 270,00 e em 60 dias de prisão subsidiária; pena esta que foi declarada extinta em 02.12.2009. Esta pena extinguiu-se em 02-12-2009.

3. O arguido foi condenado por sentença proferida em 15- 07-2009, transitada em julgado em 18-09-2009, no proc. n.º 3078/06.0TAOER, que correu termos no 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, pela prática em 25-08-2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, do DL n.º 454/91, de 28/12, na redação dada pelo DL n.º 316/97 de 19/11 na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.

4. O arguido foi condenado por sentença proferida em 27-10-2009, transitada em julgado em 4-01-2010, no proc. n.º 1255/06.2TASNT, que correu termos pela comarca da Grande Lisboa Noroeste – secção de recuperação de pendências, pela prática no ano de 2005, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelos artigos 205.º, nºs 1 e 4, al. a) com referência ao art. 202.º, al. a) do C. Penal, um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, p. e p. pelos arts. 256.º, nº 1, al. a) e 3 com referência ao art. 255.º, al. a) do C. Penal e um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.s 217º, nº 1, 218.º, nº 1, com referência ao artº 202º, al. a), todos do C. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão para cada um desses crimes; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período sujeito à condição de pagar, no prazo de um ano, as indemnizações aos demandantes cíveis.

5. O arguido foi condenado por sentença proferida em 30-06-2010, transitada em julgado em 16-09-2010, no proc. n.º 1046/07.3TDLSB, que correu termos pelo 1.º Juízo Criminal da comarca de Lisboa, pela prática em 13.11.2006 de 6 crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, do DL n.º 454/91, de 28/12, na redação dada pelo DL n.º 316/97 de 19/11, nas penas de seis meses de prisão para cada um desses crimes; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 24 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com sujeição a regime de prova.

6. O arguido foi condenado por acórdão proferido em 1-06-2010, transitado em julgado em 2-02-2011, no processo comum coletivo n.º 1054/06.1TAOER, que correu termos pelo 2.º Juízo Criminal da comarca de Oeiras, pela prática em 20.12.2005 de um crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, nº 1, al. a), do C. Penal, dois crimes de crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 454/91, de 28/12, na redação dada pelo DL n.º 316/97 de 19/11 e um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art. 205.º, nºs 1 e 4, al. a), do C. Penal nas penas de, respetivamente, dez meses de prisão, sete meses de prisão, dez meses de prisão e dois anos de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.

7. O arguido foi condenado por acórdão proferido em 14-03-2011, transitado em julgado em 26-01-2012, no processo comum coletivo n.º 1092/09.2TAVFX que correu termos pelo 1.º Juízo Criminal da comarca de Vila Franca de Xira, pela prática em 28.12.2008, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217º, nº1, e 218.º, nº 2 al. a) do C. Penal, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a)e 256º, nº 1, al. e) e nº 3, do C. Penal, um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217º, nº1, e 218.º, nº 2 al. c) do C. Penal, um crime de burla, p. e p. pelo artº 217º, nº 1 do C. Penal, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. b) e nº 3, do C. Penal, nas penas de, respetivamente, cinco anos de prisão, três anos de prisão, quatro anos de prisão, dois anos de prisão e dois anos e seis meses de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de sete anos e seis meses de prisão efetiva.

8. O arguido foi condenado por acórdão proferido em 28-06-2011, transitado em julgado em 6-12-2011, no processo comum coletivo n.º 191/08.2TAVFX que correu termos pelo 2.º Juízo Criminal da comarca de Vila Franca de Xira, pela prática em Julho de 2007 de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. a) e nº 3, do C. Penal e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. a), do C. Penal, nas penas de, respetivamente, 2 anos de prisão e um ano de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.

9. O arguido foi condenado por decisão proferida em 11-11-2011, transitada em julgado em 12-01-2012, no processo comum singular n.º 9384/06.6TDLSB que correu termos pela 1.ª secção de média instância criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste - Sintra, pela prática em 16.06.2006 de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 e 218.º, nº 1 com referência ao art. 202.º, al. a) do C. Penal na pena de um ano de prisão efetiva.

10. O arguido foi condenado por decisão proferida em 6-06-2012, transitada em julgado em 12-07-2012, no processo comum singular n.º 107/10.6GAVFX que correu termos pelo 1.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, pela prática em 10.02.2010 de um crime de burla simples, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 do C. Penal na pena de 1 ano de prisão efetiva.

11. O arguido foi condenado por decisão proferida em 07-11-2012, transitada em julgado em 07-12-2012, no processo comum singular n.º 116/10.5GAVFX que correu termos pelo 2.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, pela prática, entre julho de 2009 e janeiro de 2010, de 2 crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205.º, nº1 do C. Penal, e 1 crime de falsificação, p. e p. pelo artº 256.º, nº 1, al. e) do C. Penal, na pena de um ano de prisão para cada um dos crimes; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 2 ano de prisão efetiva.

12. O arguido foi condenado por decisão proferida em 29-01-2013, transitada em julgado em 22-02-2013, no processo comum coletivo n.º 109/09.5GAVFX que correu termos pelo 2.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, pela prática, entre janeiro de 2009 e março de 2009, de 1 crime de falsificação, na forma continuada, p. e p. pelo artº 256.º, nº 1, als. b) e d) e nº 3 do C. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sob a condição de pagamento da indemnização cível nos termos da transação efetuada com o ofendido.

13. O arguido foi condenado por decisão proferida em 04-07-2012, transitada em julgado em 29-11-2012, no processo comum coletivo n.º 812/04.6TAVFX que correu termos pelo 2.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, pela prática, durante o ano de 2000 e até março de 2001, de um crime de burla, p. e p. pelos art.ºs 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a) do C. Penal, 1 crime de falsificação, p. e p. pelos artºs 255º, al. a), 256.º, nºs 1, al. e) e 3 do C. Penal, e 1 crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelo artº 205.º, nºs 1 e 2, al. b), e 5, do C. Penal, nas penas, respetivamente, três anos de prisão, um ano e seis meses de prisão e de três ano e seis meses de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos e três meses de prisão efetiva.

14. Neste processo o arguido foi condenado por decisão proferida em 24-06-2013, transitada em julgado em 20-09-2013, pela prática, entre maio e setembro de 2008, dos crimes a seguir indicados, condenação preferida nos seguintes termos:

“a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. nos artigos 255º al. a) e 256.º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 16 meses (dezasseis) meses de prisão;

b) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217º nº 1, artigo 218º nº 1, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217º nº 1, artigo 218º nº 2 al. a), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

d) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 7 (sete) anos de prisão) ”.

15. O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, por acórdão proferido em 28-10-2011, transitado em julgado em 17-11-2011, no processo comum coletivo n.º 257/11.1TCLSB que correu termos pela 1ª Vara Criminal da comarca de Lisboa, pelas penas aplicadas nos processos nºs 1255/06.2TASNT, 3078/06.6TAOER, 1054/06.1TAOER e 1046/07.3TDLSB, que correram termos, respetivamente, pelo Tribunal da grande Lisboa-Noroeste, Tribunal Judicial de Oeiras, Tribunal Judicial de Oeiras e 1.º Juízo Criminal de Lisboa na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Mais se provou

16. O processo de socialização do arguido desenvolveu-se no seio do seu agregado familiar de origem, constituído pelos progenitores e uma irmã, sendo que a avó faleceu no período da sua infância e a irmã mais velha se autonomizou do agregado era o arguido muito jovem.

17. O seu agregado familiar de origem apresentava uma situação económica estável, sustentada na exploração de uma papelaria e na atividade de mediação de seguros pelo progenitor.

18. Na perspetiva do arguido, esse agregado apresentava uma dinâmica coesa, sendo os progenitores figuras presentes e estruturantes no seu processo educativo promotores de responsabilidade e autonomia, tendo os diversos elementos do agregado mantido contacto próximo e uma atitude de interajuda.

19. Há alguns anos ocorreram divergências entre a irmã mais velha e o progenitor, tendo aquela suspendido os contactos com o progenitor e com o arguido, único elemento segundo o próprio que teria alguma capacidade para a confrontar com algumas atitudes desadequadas, nomeadamente ao nível da interação familiar.

20. O percurso escolar do arguido caracterizou-se pela regularidade até ao 12° ano de escolaridade, após o que ingressou no ensino superior, nomeadamente no Curso de Gestão de Empresas, primeiro na Universidade Moderna e depois na Universidade Autónoma, como trabalhador estudante.

21. Na sua adolescência e juventude, o arguido teve as primeiras experiências de trabalho no estabelecimento comercial dos progenitores, nos períodos de férias escolares, atividade que lhe era gratificante e nos tempos livres, praticou ténis de mesa - até aos 16 anos na Arruda dos Vinhos, depois em Lisboa, em diferentes clubes, tendo também integrado a equipa da seleção.

22. Contraiu matrimónio aos 28 anos de idade, relacionamento do qual teve dois filhos tendo o agregado residido inicialmente numa habitação adquirida aos progenitores do arguido, vindo a mudar duas vezes de residência, imóveis adquiridos sempre com recurso a crédito bancário.

23. Ao nível laboral, o arguido teve um percurso ligado ao sector bancário, tendo exercido atividade em diferentes Bancos, alterações que estiveram associadas à sua progressão na carreira e correspondente aumento salarial.

24. Na sequência de problemas ocorridos nessa atividade, em 2001, viria a ser demitido do Banco onde laborava.

25. Após um período em que ainda trabalhou num Banco, em Ponta Delgada, onde permaneceu cerca de um ano e meio, ao retornar ao continente optou por se dedicar à atividade imobiliária, através de um franchising da "Remax" com 50% da sociedade.

26. Em 2004 adquiriu a BB - Sociedade Mediação Imobiliária, Lda", com escritório em Lisboa, e paralelamente ajudava o progenitor na atividade de mediação seguros.

27. Durante algum tempo teve dificuldades em fazer face aos seus encargos, contexto que atribuiu aos seus processos judiciais.

28. Como atividades extraprofissionais, refere ter sido elemento da mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos e da lista de um partido político dessa localidade.

29. À data da sua prisão, o arguido mantinha a atividade no ramo imobiliário bem como o apoio ao progenitor, no ramo de seguros, e encontrava-se também a treinar a equipa de futebol de iniciados em Arruda dos Vinhos.

30. Vivia com o seu agregado familiar, constituído pela esposa e dois filhos, atualmente com 15 e 14 anos de idade, residindo numa vivenda que apresenta muito boas condições de habitabilidade, integrada numa zona de construção recente de Arruda dos Vinhos.

31. O agregado apresentava uma situação económica estável, sendo que o arguido assumia parte das despesas domésticas, desconhecendo a esposa os rendimentos do mesmo.

32. A companheira do arguido exerce a atividade profissional como professora de inglês na Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos.

33. O arguido não é muito conhecido na sua atual zona de residência, mas algumas pessoas atribuem-lhe uma imagem associada a problemas profissionais, de carácter económico, embora seja educado no trato e socialmente integrado.

34. O arguido tem perspetivas futuras de regressar ao seu agregado familiar, contando com o seu apoio e, profissionalmente, reiniciar a empresa do ramo imobiliário de que é proprietário.

35. O arguido, já em meio prisional, divorciou-se mas mantém a relação afetiva com a ex-esposa.

36. O pai do arguido faleceu em junho de 2013, vítima de um problema de saúde.

37. O arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa a cumprir uma pena de 5 anos e 6 meses.

38. Mantém um comportamento normativo-institucional adaptado, tendo vindo a desenvolver várias atividades laborais, nomeadamente faxina e trabalho no bar na ala onde esteve integrado e, atualmente, trabalha na tipografia e na biblioteca.

39. A privação da liberdade provocou um profundo impacto na família de origem, a qual passou a disponibilizar incondicionalmente ao arguido todo o apoio afetivo e material, beneficiando de visitas regulares da companheira, filhos e irmã.

40. Demonstra consciência da sua situação jurídica e as consequências que daí possam advir ainda que face ao bem jurídico em causa, o arguido adota uma atitude que revela ambivalência no reconhecimento do dano, relativizando o prejuízo para as hipotéticas vítimas.

41. Com um processo de socialização regular, o arguido beneficia de um enquadramento familiar estruturado encontrando-se socialmente integrado.

42. Em termos pessoais, apresenta um discurso maduro e demonstra consciência crítica da sua situação jurídica e as consequências que daí possam advir, ainda que justifique os seus comportamentos com as dificuldades financeiras, o que revela alguma ambivalência.

Questões Prévias Suscitadas

Há que apreciar em primeiro lugar as questões prévias suscitadas pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta de acordo com as regras da precedência lógica, como impõem as leis adjectivas penal e civil – artigos 368º, do Código de Processo Penal, e 608º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, tanto mais que a proceder alguma delas fica precludido o conhecimento do recurso.

Começando por averiguar se a circunstância de várias das penas integrantes do concurso serem penas de suspensão de execução da prisão constitui motivo impeditivo da efectuação de cúmulo jurídico ou, no mínimo, implica julgamento prévio (pelo tribunal da condenação) sobre a revogação da suspensão relativamente a cada uma dessas penas, dir-se-á que a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça é amplamente maioritária na defesa da orientação tradicional segundo a qual nada obsta à realização de cúmulo jurídico de penas que hajam sido suspensas na sua execução[8].

Tomando uma vez mais posição sobre a questão suscitada, começar-se-á por assinalar que a lei substantiva penal, aquando da verificação de um concurso de crimes, independentemente do momento do conhecimento do concurso, não faz depender a aplicação de uma só pena, ou seja, da pena única ou conjunta, da constatação de qualquer circunstância, designadamente das eventuais vantagens ou desvantagens que daí possam advir para o condenado, pelo que ocorrendo um concurso de crimes, tal qual a lei o define e delimita, há que efectuar, necessariamente, o cúmulo jurídico de todas as penas dos crimes que formam o concurso, quer estejamos perante um só processo, quer estejamos perante dois ou mais processos.

É pois obrigatória a realização de cúmulo jurídico verificada que seja a existência de concurso de crimes, salvas as referidas excepções.

Com efeito, a letra do n.º 1 do artigo 77º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78º do Código Penal, não deixa dúvidas sobre essa obrigatoriedade:

Artigo 77º

«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena…».

Artigo 78º

«1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado».

Por isso, perante concurso de crimes, o tribunal ao determinar a pena aplicável a cada uma das infracções, só após a efectuação do cúmulo jurídico, deve e pode aferir da conveniência da aplicação de uma pena de substituição, designadamente de pena de suspensão da execução da prisão. Como refere Figueiredo Dias[9]:

«Em princípio, dir-se-ia nada opor a que o tribunal considerasse que qualquer das penas parcelares de prisão deveria ser substituída, se legalmente fosse possível, por uma pena não detentiva… . Não pode, no entanto, recusar-se neste momento a valoração, pelo tribunal, da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências da prevenção, nomeadamente da prevenção especial. Por outro lado, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da substituição»[10].

Por outro lado, pese embora a pena de suspensão de execução da prisão seja uma pena de natureza distinta da pena de prisão, a verdade é que a mesma mais não é, como a própria denominação indica, que uma pena de substituição da pena de prisão e, como refere Figueiredo Dias a propósito da determinação da pena unitária aquando da ocorrência de penas parcelares de substituição[11], para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída, sendo que só após a determinação da pena conjunta, o tribunal decidirá se ela deve ser substituída por pena não detentiva[12].

Com efeito, dependendo a aplicação de penas não detentivas da medida da pena de prisão concretamente determinada (v. g. a suspensão da execução da pena de prisão só é admissível relativamente a penas não superiores a cinco anos – artigo 50º, n.º 1, do Código Penal), bem se vê que só após a efectuação do cúmulo jurídico se poderá decidir da eventual substituição de pena detentiva por pena não detentiva.

Deste modo se conclui no sentido da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, segundo a qual a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos artigos 77º e 78º, do Código Penal, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, obviamente pelo tribunal que procede à efectuação do cúmulo, orientação esta que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional[13], sendo absolutamente irrelevante a circunstância de alguma ou algumas das penas terem sido suspensas com regime de prova.

                                         *

Relativamente à questão suscitada atinente à circunstância de se terem incluído na pena única ou conjunta várias penas de suspensão de execução da prisão, sem que que previamente se tenha averiguado se essas penas já foram declaras extintas, ex vi n.º 1 do artigo 57º do Código Penal, dir-se-á que só as penas de substituição impostas ao recorrente nos Processos n.ºs 3078/06.OTAER, 1255/06.2TASNT, 1046/07. 3TDLSB e 1054/06.TAOER poderiam ter sido declaradas extintas, atentas as datas das respectivas condenações, do respectivo trânsito em julgado e do período de suspensão a que ficaram sujeitas, visto que a pena de suspensão de execução da prisão imposta ao recorrente no Processo n.º 109/09.5GAVFX, foi suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, tendo a respectiva sentença transitado em julgado no dia 22 de Fevereiro de 2013, ou seja, no que concerne a esta pena ainda não decorreu o período da sua suspensão. Sucede que relativamente às penas de suspensão de execução da prisão aplicadas ao recorrente nos supra referidos processos, certo é que as mesmas, como expressamente consta do acórdão recorrido (n.º 15 dos factos provados), já foram objecto de cúmulo jurídico no Processo n.º 257/11.1TCLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, na sequência do que foi imposta ao recorrente a pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão, sendo que o respectivo acórdão condenatório transitou em julgado em 17 de Novembro de 2011. Ora, tendo transitado em julgado a decisão que procedeu ao cúmulo jurídico daquelas penas, é evidente que se encontra ultrapassada a questão da eventual declaração de extinção de tais penas, visto que a força do caso julgado impede ora se suscite a mesma[14].

                                         *

Apreciando a questão relativa à falta de enumeração dos factos provados atinentes a cada um dos crimes em concurso, dir-se-á que, examinando a decisão de facto proferida, constata-se que ela é totalmente omissa quanto à descrição dos factos dados por provados nos processos relativos aos crimes em concurso.

De acordo a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, a sentença referente a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deverá ser elaborada, como qualquer outra sentença, tendo em atenção o disposto no artigo 374º do Código de Processo Penal, pois a lei não prevê nenhum desvio a esse regime geral[15]. Para além disso, certo é que a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (artigo 472º, nº 1 do Código de Processo Penal), destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o artigo 77º, nº 1 do Código Penal.  

Assim, o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, pois agora se aprecia a globalidade da conduta do agente e a sua personalidade referenciada a essa globalidade. Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito quer em termos de factualidade. Por isso, a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial. Aceita-se que essa referência seja sucinta, uma vez que os factos já constam desenvolvidamente das respectivas sentenças condenatórias, mas tal referência sintética não deixa de ser essencial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas e na conduta global.

A sentença do concurso constitui uma decisão autónoma, e por isso ela tem de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes ou qualquer outro leitor, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir. E que não cumpre se, como acontece no caso dos autos, se omite completamente a referência aos factos concretamente perpetrados.

Em conclusão, a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido não cumpre o imposto pelo nº 2 do artigo 374º, sendo por isso nula, por força do artigo 379º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal.

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Termos em que se acorda anular o acórdão recorrido, ordenando se profira nova decisão, suprindo a deficiência determinante da anulação.

Sem custas.

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Oliveira Mendes (Relator)

Maia Costa

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[1] - O texto que a seguir transcrevemos, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[2]             Cf., nomeadamente, o acórdão de 31/10/2012, processo n.º 207/12.8TCLSB.
[3]             É o seguinte o texto do art. 77.º, n.º 3:
       3.  Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém‑se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos no número anterior.
[4]          E, como é evidente, não estamos aqui a tratar de situações de inclusão em cúmulo jurídico de pena «cumprida, prescrita ou extinta».
[5]             Cf. artigos 470.º e 492.º e ss.
[6]             Pressuposto para realização de cúmulo superveniente, nos termos do artigo 78.º, n.º 1 do CP.
[7]             Se da informação prestada pelo Tribunal da condenação resultasse que não fora, nos termos do artigo 56.º do CP, revogada a pena de substituição, a pena de prisão substituída não deveria integrar o pretendido cúmulo jurídico. Se, posteriormente, viesse, ao abrigo da norma do artigo 56.º, n.º 1 do CP, a ocorrer a revogação da pena de substituição, então, verificados os pressupostos previstos nos artigos 77.º e 78.º do CP, a pena de prisão substituída deveria integrar um outro cúmulo jurídico.
[8] - Cf. por todos o acórdão de 05.10.06, proferido no Processo n.º 2107/05-5ª, no qual se avançam valiosos argumentos, com os quais estamos inteiramente de acordo, argumentos que aqui damos por reproduzidos e, por isso, nos absteremos de repetir mais adiante, quando assumirmos a defesa desta orientação.
[9] - Direito Penal Português – As Consequência jurídicas do Crime, 285.
[10] - No mesmo sentido, obviamente face ao Direito Penal alemão, pronuncia-se Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição -1993), 668/669.
[11] - Ibidem, 290.
[12] - É o que sucede, também, no Direito Penal alemão, como nos dá conta Jescheck, Ibidem, 669, ao referir que: «La concesión de la suspensión condicional de la pena impuesta anteriormente (§ 56) no impide la formación ulterior de uma pena global. La suspensión condicional da la pena queda sin objeto al incluirse ésta en la nueva sentencia, y el nuevo juez habrá de pronunciar-se también, en la formación de una pena global, sobre su revisión (BGH 7, 180)».
[13] - Cf. o acórdão n.º 3/2006, de 06.01.03, publicado no DR II, de 06.02.07.

[14] - Obviamente do caso julgado material, dimensão objectiva do princípio constitucional non bis in idem, dimensão em que se protegem a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido.
[15] - Cf. entre outros, os acórdãos de 10.01.20, de 10.02.10 e de 10.06.09, proferidos nos Processos n.ºs 39/03.4GCLRS-A.L1.S1, 392/02.7PFLRS.L1.S1 e 29/05.2GGVFX.L1.S1.