Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
233/11.4TBPSR-A.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CUMPRIMENTO
EXEQUENTE
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
NEXO DE CAUSALIDADE
CONTRATO DE MÚTUO
AÇÕES
ILICITUDE
DANOS PATRIMONIAIS
COMPENSAÇÃO
PRESSUPOSTOS
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Se o embargante, por imperativos morais e unilaterais, se substitui a terceiros na obrigação que estes contraíram com o exequente, não tem sobre este um crédito judicialmente exigível, por contra ele incidir excepção peremptória de direito material.

II. A existir um nexo causal entre os investidores lesados angariados pelo recorrente e o Banco, com a celebração do contrato de mútuo celebrado entre o embargante e o Banco esse nexo sempre teria sido interrompido.

III. Inexiste nexo causal entre o alegado dano sofrido pelo recorrente, consubstanciado na dívida exequenda, e a conduta do Banco na sua operação de venda de acções com disponibilização de empréstimos a pequenos investidores para esse efeito.

Decisão Texto Integral:                                                    

I. Relatório


AA, opôs-se por embargos à execução contra si deduzida pelo exequente BCP, S.A., pedindo a sua procedência e a consequente extinção da execução.

Para tanto alegou, em síntese:

1.- O BCP, Exequente nos autos principais, a partir de 1999, deu instruções ao embargante, na qualidade de chefe da sucursal do banco Nova Rede em ..., para que promovesse a concessão de créditos a clientes tendo em vista a aquisição de acções do BCP;

2.- Por força de tais instruções, o embargante promoveu junto de diversos clientes e amigos que os mesmos contraíssem créditos, tendo em vista a compra de acções do BCP;

3.- Tais empréstimos afiguraram-se ruinosos para tais pessoas, o que levou a que o embargante se sentisse moralmente responsável por tais negócios e, nessa medida, contraiu um crédito junto do BCP para pagar as responsabilidades dos seus clientes e amigos que se sentiram enganados com a compra de acções;

4.- Tal empréstimo foi concedido ao embargante pelo BCP, sendo titulado pelo contrato de mútuo oferecido como título executivo;

5.- No ano de 2009, o embargante veio a tomar conhecimento de que a desvalorização da cotação de acções do BCP resultava de um conjunto de operações fraudulentas e manipuladoras do mercado levadas a cabo pela administração do banco;

6.- Caso o embargante soubesse de tais operações fraudulentas não teria promovido os aludidos empréstimos junto de clientes e amigos para aquisição de acções do banco e, por conseguinte, não teria contraído o empréstimo objecto da execução que corre termos nos autos principais;

Concluiu o recorrente que tem direito a ser indemnizado pelo BCP uma vez que apenas contraiu o empréstimo, objecto da execução, devido à conduta fraudulenta do Exequente, devendo tal crédito ser liquidado até ao montante reclamado na presente execução, após o que deverá ser operada a compensação entre os aludidos créditos e extinta a acção executiva.

O embargado, BCP, S.A., contestou, defendendo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução.

Após várias vicissitudes processuais (recurso do saneador-sentença e junção de dois outros apensos dos embargantes BB e CC), realizou-                          se audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida a seguinte decisão:

"Pelo exposto, julgo totalmente improcedente as oposições à execução deduzidas por AA, BB e CC e, em consequência, determino o prosseguimento das execuções a que os presentes autos se encontram apensos."

Não se tendo conformado com tal decisão, o embargante AA, recorreu da mesma, para o Tribunal da Relação de Évora, aí tendo apresentado as suas alegações e respectivas conclusões, sendo que o embargado, por sua vez, apresentou contra-alegações.

Em tal tribunal da 2.ª instância veio a ser proferido acórdão no qual, no seu segmento decisório, foi deliberado:

«Em face do exposto, a ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a sentença recorrida, com a alteração da matéria de facto acima referida.»[[2]]


Inconformado com tal decisão, veio o embargante recorrer, através de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

«A. As instâncias procederam a um adequado apuramento da matéria factual relevante, a qual consta dos factos provados sob os n.ºs 1 a 29 (sentença de 1.ª instância), apenas com a correcção efectuada quanto ao facto n.º 24, nos termos do acórdão da Relação, ora recorrido.

B. Durante os anos de 2000 a 2001, o BCP promoveu uma campanha de compra e venda de acções, no âmbito da qual concedia crédito a pessoas singulares e colectivas para que estas adquirissem acções emitidas pelo Banco, tendo o BCP, nesse contexto, instruído o Embargante, ora Recorrente, como Chefe da Sucursal da Nova Rede, em ..., para que este promovesse a aquisição por clientes do Banco de tais acções, através da promoção da concessão de crédito a esses mesmos clientes, devendo caracterizar tal negócio como seguro e rentável (cfr. factos provados n.ºs 2, 3 e 4).

C. Foi nesse contexto que o ora Recorrente abordou várias pessoas, pedindo- lhes que o ajudassem a cumprir o objectivo lançado pela entidade patronal na aludida campanha de compra e venda de acções, concedendo-lhes financiamentos exclusivamente para esse fim (cfr. factos provados n.ºs 5 e 6).

D. Tal conduta do BCP violou as suas obrigações enquanto intermediário financeiro, designadamente os arts. 7.º, 308.º, n.º 1, 309.º, n.º 3, e 310.º, todos do C.V.M., na redacção então vigente, por violação dos seus deveres em matéria de qualidade da informação, dever de conservadoria, conflito de interesses e intermediação excessiva (cfr. factos provados n.ºs 20 e 21).

E. Quando a cotação das acções do BCP sofreu, a partir de 2003, uma acentuada desvalorização do mercado, e findos os períodos de carência dos empréstimos que havia concedido no âmbito da referida campanha, confrontado com as pessoas que tinham adquirido as acções por seu intermédio – cfr. factos provados n.ºs 7 a 10 –, o ora Recorrente sentiu a obrigação de assumir essa responsabilidade, nos termos do contrato celebrado em 2005 e livranças subsequentes, a que se reportam os factos provados n.ºs 11 a 19.

F. Porém, após 2008, o Recorrente tomou conhecimento dos processos de contra-ordenação a que se reportam os factos provados n.ºs 20 e 25, através dos quais ficou a saber da posição da C.M.V.M.: i) quanto às condutas em que incorrera o BCP na aludida campanha de venda de acções do Banco (apuradas no processo de contra-ordenação n.º 3/2008); ii) quanto às acções de defraudação do mercado praticadas pelo BCP a partir de 1999, nos termos da factualidade descrita no n.º 27 dos factos provados (apuradas no processo de contra-ordenação n.º 41/2008), que revelam práticas ilícitas levadas a cabo pelo BCP, designadamente nas informações prestadas ao mercado acerca da sua real saúde financeira, o que fez com o propósito de dar uma imagem que não correspondia à realidade, violando os princípios do art. 7.º do C.V.M., e bem assim nos créditos ilicitamente concedidos pelo BCP a empresas off-shore, com a finalidade delas próprias adquirirem acções emitidas pelo Banco (cfr. facto provado n.º 28).

G. Se o ora Recorrente tivesse conhecido a factualidade descrita nos processos de contra-ordenação a que se reportam os factos provados n.ºs 20, 25 e 27, não só não teria vendido as acções e concedido crédito às pessoas nos termos enunciados no n.º 6 dos factos provados, como, em 2005, não teria subscrito nem o contrato, nem as livranças a que se reportam os factos provados n.ºs 13 e 14 – cfr. facto provado n.º 29.

--- AS SOLUÇÕES DE DIREITO ---

H. As instâncias não põem em causa a existência de facto voluntário ilícito por parte do BCP, atentas as violações das suas obrigações enquanto intermediário   financeiro, tendo designadamente ocorrido ofensa dos seus deveres jurídicos, tal como se encontram consagrados no C.V.M., e nos termos já atrás referidos.

I. In casu, existe uma presunção legal de culpa, nos termos do art. 314.º, n.º 2, do C.V.M.. Em qualquer caso, como decorre dos processos de contra-ordenação supra referidos, a verdade é que a conduta do BCP foi consciente, voluntária e deliberada, designadamente conhecendo o conteúdo das informações que prestava e da sua desconformidade com a realidade (cfr. item 126 dos factos provados enunciados no facto provado n.º 27 destes autos).

J. Por outro lado – tendo ficado provado que o Recorrente, se tivesse conhecido a prática da factualidade apreciada nos processos de contra-ordenação n.ºs 3/2008 e 41/2008, instaurados pela CMVM, não só não teria concedido, em nome do BCP, crédito às pessoas que a ele recorreram para comprar acções do próprio BCP, como não se teria proposto assumir as responsabilidades constantes da carta de 07/04/2004, nem teria subscrito o acordo de 07/01/2005 (nem as livranças subsequentes) em que se funda a acção executiva –, também não se suscitam dúvidas quanto ao facto do ora recorrente ter sofrido, por causa da conduta do BCP, os danos que se traduziram na assunção de responsabilidades que, não fora essa conduta, nunca teria assumido.

K. O busílis do processo está na questão do nexo de casualidade entre ilicitude e dano, que, embora com fundamentos substancialmente diferentes, as instâncias consideraram não se mostrar preenchido.

L. Na sentença da 1.ª instância entendeu-se que, tendo sido por força de uma obrigação moral que o Recorrente praticou os actos em que se consubstanciou o seu prejuízo, nunca poderia estabelecer-se um nexo de causalidade juridicamente relevante entre a conduta ilícita do BCP e os danos causados;

M. Na apelação já se teve oportunidade de se contradizer tal tese. É que, salvo melhor opinião, é inaceitável que se entenda que a factualidade ilícita não é idónea, de acordo com o curso normal das coisas, para a produção dos danos causados ao Recorrente, apenas porque o Recorrente agiu de acordo com um impulso moral.

N. Pode dizer-se que a maioria das pessoas no lugar do Recorrente não teria assumido as responsabilidades que o Embargante assumiu, mas não se pode sustentar que a conduta ilícita do BCP foi inidónea ou indiferente para a produção dos danos, apenas porque o Embargante se pautou por um critério moral mais exigente que o praticado pelo BCP. Quem actua de acordo com um padrão moral consistente e exigente também está a agir de acordo com o curso normal das coisas, pelo que, se o prejuízo do Oponente decorre da acção ilícita do BCP, não se pode dizer que esta seja inidónea ou indiferente à produção dos danos.

O. A Relação já não se escuda na questão moral para afastar o nexo de casualidade, mas nos seguintes argumentos:

i) Por um lado, porque a conduta do Recorrente também teria sido ilícita ao ter aceitado prosseguir a actividade igualmente ilícita do BCP na concessão do crédito para a compra das acções em apreço, o que faria de si responsável pelos actos que praticou, ainda que a Relação admita que o BCP também pudesse ser solidariamente responsável por esses danos;

ii) Por outro lado, e decisivamente, porque a execução se funda no contrato de mútuo dado à execução, o qual foi celebrado pelo Recorrente de forma livre, e não nos primitivos contratos de mútuo celebrados entre o BCP e os familiares, amigos e clientes do Recorrente, razão pela qual teria sido interrompido o nexo causal entre os actos ilícitos da Recorrida e os danos causados ao Recorrente, o que constituiria uma excepção peremptória de direito material que impediria a compensação.

P. Quanto à questão da conduta do Embargante ter também contribuído para provocar a lesão sofrida no seu acervo patrimonial – o que é verdade e não se discute –, isso não afasta a responsabilidade do BCP, porquanto:

i) O Recorrente actuou no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo BCP (numa relação de comissário/comitente), e mais do que isso, agiu sob as instruções do BCP que, enquanto entidade patronal, o levou – de forma consciente e intencional – a actuar como actuou, o que, numa ponderação de valores, a efectuar nos termos dos arts. 500.º, n.º 3 e 497.º, n.º 2, ambos do C.C., assume um significado relevantíssimo, devendo-lhe ser assacada a integral responsabilidade do que ocorreu;

ii) Por outro lado, se o Recorrente contribuiu com a sua conduta imprudente para a campanha de venda de acções, que lesou amigos, familiares e clientes, a verdade é que o fez na ignorância dos comportamentos ilícitos do BCP que vieram a ser apurados nos processos de contra-ordenação, agindo na convicção de que se tratava de investimentos seguros e rentáveis (como o BCP o instruía a dizer), e foi esse desconhecimento que o levou a promover a concessão de crédito para a compra de acções do BCP, o que, se tivesse então conhecido a realidade subjacente ao comportamento da sua entidade patronal, não teria feito – cfr. facto provado n.º 29.

Q. De qualquer forma, o argumento decisivo da Relação acaba por nem residir na alegada responsabilidade, embora muito mitigada, do Recorrente, mas sim na circunstância de que, tendo sido celebrado o contrato de mútuo em que se funda a execução, ter-se-ia interrompido o nexo causal entre a ilicitude da conduta do BCP e os danos causados; tendo sido esse contrato celebrado de forma livre pelo Recorrente, deveria considerar-se “apagada” – para o efeito de uma causalidade adequada – tal ilicitude.

R. Mas não é assim, porque à luz do facto provado n.º 29, as condutas ilícitas do BCP não foram só determinantes da acção do Recorrente no sentido de conceder crédito nas condições em que ocorreu a campanha de venda de acções do BCP (facto provado n.º 6), mas também o foram para a sua resolução de assumir as responsabilidades dos seus clientes, familiares e amigos, nos termos dos factos provados n.ºs 12, 13 e 14.

S. O pressuposto da tese da Relação só faria sentido se a conduta ilícita do BCP não tivesse sido igualmente determinante da celebração do contrato de mútuo dado à execução, que o Recorrente só subscreveu porque, sem culpa, ignorava as condutas ilícitas da sua entidade patronal.

T. Aqui chegados, tem de se ter por estabelecido que as condutas ilícitas do BCP – cujo desconhecimento por parte do Recorrente o levou a subscrever o contrato de mútuo dos autos (cfr. facto provado n.º 29) – não foram inidóneas, nem indiferentes para a produção dos danos em que o Recorrente funda o seu crédito, o que determina o preenchimento do requisito atinente ao nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano.

U. Pelo exposto, deve concluir-se que a Relação de Évora aplicou erroneamente à situação dos autos o regime dos arts. 483.º, 487.º e 563.º, todos do C.C., e que, verificados os requisitos da responsabilidade civil do BCP, deve dar-se como provado o crédito invocado pelo Recorrente na sua petição de embargos, declarando em conformidade a compensação entre o crédito exequendo e o crédito indemnizatório de que o Oponente é titular, julgando-se extinta a instância executiva.

V. A revista deve ser admitida como revista normal, uma vez que a fundamentação da Relação de Évora para não julgar preenchido o requisito do nexo de causalidade é substancialmente diferente daquela que foi invocada pela 1.ª instância.

W. Porém, se assim não for entendido, deve admitir-se a revista excepcional, ao abrigo do regime previsto nas als. a) e b) do art. 672.º, n.º 1 do C.P.C.. Quanto à al. a), porque a questão em apreciação – o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do intermediário financeiro e os danos causados ao seu empregado, que, desconhecendo a factualidade ilícita subjacente ao comportamento da entidade patronal, age para tentar reparar junto dos clientes os danos por esta provocados – justifica uma melhor aplicação do direito. Quanto à al. b), porque este tipo de operações, que envolveram o BCP e boa parte do sistema financeiro português, são de uma enorme relevância social.

X. Senhores Juízes Conselheiros: a conduta do Recorrente é rara, mas exemplar.

Merece a tutela do direito, para que não fiquemos com o travo amargo de que não vale a pena ter o sentido de responsabilidade moral de que o Recorrente deu provas, e mais vale agir da forma censurável e altamente lesiva dos seus clientes e da economia nacional que o BCP adoptou.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências.»


O Banco BCP apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

«Em conclusão: Deve em sede de recurso e, face ao definido na jurisprudência supra referenciada do STJ, em termos de direito aplicável, ser declarada a nulidade do douto acórdão recorrido no segmento decisório em que admite que para “declarar a pretensão de proceder à compensação de créditos, o executado, em sede de oposição por embargos, não necessita de obter previamente a declaração judicial de que o crédito é exigível” e, que tal reconhecimento judicial de exigibilidade pode ser efectuado em sede de embargos de executado (verdadeira acção declarativa) “na operação de verificação da existência de todos os requisitos legais”.

 Sob pena de, não o fazendo, ocorrer não só a violação da Lei processual civil, como ainda do aqui já citado princípio da igualdade das partes.

Nulidade que o recorrido, a título subsidiário e, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente na revista, aqui expressamente argui e, requer que seja declarada por esse Venerando Tribunal de Recurso.

Devendo no mais, ser mantido o douto acórdão recorrido, negando-se assim, provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente e, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA, porém e, na hipótese de assim se não entender, deve ser julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido arguida a título subsidiário, pelo ora recorrido, com as legais consequências.»


II. Do objecto de recurso


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, prende-se com o apurar se as condutas ilícitas do BCP – cujo desconhecimento por parte do Recorrente o levou a subscrever o contrato de mútuo dos autos (cfr. facto provado n.º 29) – não foram inidóneas, nem indiferentes para a produção dos danos em que o Recorrente funda o seu crédito, o que determina o preenchimento do requisito atinente ao nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano.  Na eventualidade de tal questão vir a ter vencimento, importará então, apurar se o acórdão recorrido está ferido de nulidade, no segmento decisório em que admite que para “declarar a pretensão de proceder à compensação de créditos, o executado, em sede de oposição por embargos, não necessita de obter previamente a declaração judicial de que o crédito é exigível” e, que tal reconhecimento judicial de exigibilidade pode ser efectuado em sede de embargos de executado (verdadeira acção declarativa) “na operação de verificação da existência de todos os requisitos legais”.


III. Fundamentação


III. 1. Os Factos


As instâncias deram como provados os factos seguintes: 

1.  AA foi chefe da sucursal em ... da Nova Rede, anterior denominação social do Banco Comercial Português, S.A., pelo menos desde o ano de 1992 até data não concretamente apurada do ano de 2004.

2.  Durante os anos de 2000 a 2001, o Banco Comercial Português, S.A. promoveu uma campanha de compra e venda de acções, no âmbito da qual concedia crédito a pessoas singulares e colectivas para que estas adquirissem acções emitidas pelo banco.

3.  A partir dessa data, o Banco Comercial Português, S.A. instruiu AA, no âmbito das suas funções de chefe da sucursal da Nova Rede em ..., para que este promovesse a aquisição por terceiros de acções emitidas pelo banco, através da promoção de concessão de crédito a esses mesmos terceiros.

4.  Para tanto, o Banco Comercial Português, S.A. frequentemente remetia e-mails e cartas a AA em que solicitava que o mesmo promovesse junto dos clientes a venda de acções do Banco através da concessão de crédito, instruindo-o que deveria caracterizar tal negócio como seguro e rentável.

5.  Nesta sequência, AA abordou diversos familiares e amigos, entre os quais, DD, EE, BB, FF, GG, HH, II, CC, JJ, KK e LL e pediu-lhes que o ajudassem a cumprir objectivos junto da sua entidade patronal (Banco Comercial Português, S.A.), em consequência da campanha de compra e venda de acções referida em 2.

6.  Assim, AA, na qualidade de funcionário do Banco Comercial Português, S.A. e em nome deste, concedeu crédito a DD, EE, BB, FF, GG, HH, II, CC, JJ, KK e LL, tendo tais financiamentos sido utilizados exclusivamente para a aquisição de acções emitidas pelo Banco Comercial Português, S.A..

7.  AA não explicou a CC os direitos e obrigações a que esta última se vinculava por força do financiamento prestado em 6.

8.  Sucede que, a partir do ano de 2003, em data não concretamente apurada, a cotação das acções do Banco Comercial Português S.A. sofreram desvalorização no mercado, designadamente na bolsa de valores.

9.  Nessa sequência, as pessoas que tinham adquirido as acções do Banco Comercial Português, S.A. conforme descrito em 6. aperceberam-se que os créditos que tinham contraído junto do Banco eram de valor muito superior ao valor à data correspondente à cotação no mercado das acções.

10. Nessa medida, as pessoas mencionadas em 6. protestaram junto de AA, para tanto comunicando-lhe que se sentiam por si enganadas.

11. Perante tais protestos, AA sentiu-se moralmente responsável pelas consequências negativas advindas para as pessoas a quem, em nome do Banco Comercial Português, S.A. tinha concedido crédito para adquirirem as acções do Banco.

12. Nessa sequência, AA remeteu à Direcção de Recuperação de Crédito do Banco Comercial Português, S.A., uma missiva datada de 07.04.2004, com o seguinte teor:

"Assunto: Processos de crédito acções BCP

De harmonia com o meu contacto telefónico no passado dia 2004/04/05 venho por este meio apresentar uma situação que se adivinha complicada, por forma a antecipar uma solução antes do problema se agravar e se tomar insolucionável.

Como é do conhecimento de V. Exas. fui Chefe da Sucursal NovaRede de ... durante 12 anos. Durante esse período desenvolvemos várias companhas de venda de acções BCP, todas acionadas com as operações supra citadas;

-    Constituição de um empréstimo, pelo montante global liquidado nas operações dos clientes, em meu nome e através da minha conta n, ° ...30 domiciliada na Sucursal de ...;

-    Concessão de 1 ano de carência de capital e juros na operação a contratar, passando a mesma no final do prazo de carência a vencer prestações mensais constantes por um prazo possível e que torne o meu esforço financeiro razoável considerando o montante envolvido;

Com enorme sucesso, á excepção da última que, como V. Exas têm conhecimento se tornou e está a confirmar uma catástrofe.

Não procurando neste facto, nem na enorme pressão comercial para a venda das acções e para a garantia do sucesso da campanha, justificação para o sucedido é certo é que me considero responsável moralmente por ter "arrastado" um número considerável de pessoas para a operação e que não têm a menor hipótese de vir a arcar com um encargo fruto do actual diferencial entre o valor dos títulos e o valor em dívida nos empréstimos.

Não tendo, é certo, tomado uma correcta decisão de crédito e tendo exposto clientes e amigos, por excesso de confiança nos títulos e na instituição, a uma situação que no mínimo é embaraçosa tenho, para além de me considerar moralmente responsável pela situação, respondido materialmente pela mesma e arcado pessoalmente, com sacrifício de bens pessoais, com todas as despesas inerentes às operações. No entanto, face a estar a aproximar-se o fim dos períodos de moratória e não se vislumbrar a recuperação dos títulos face a estar já no presente com dificuldade em gerar iliquidez imediata para continuar a suportar sozinho os encargos das operações, venho apresentar a V. Exa uma solução que me permite aliviar o esforço financeiro, libertar os clientes do encargo que não têm a mínima hipótese de honrar e encontrar forma do problema ter uma solução correcta e de que quer a instituição quer eu pessoalmente possamos manter uma posição honrada.

Assim proponho:

-  Liquidação de todos os empréstimos relacionados com a campanha de compra de acções em nome dos clientes descriminados na listagem;

-   Remoção de todos e quaisquer registos de incumprimento averbados nos clientes e relacionados com as operações supra atadas;

-    Constituição de um empréstimo, pelo montante global liquidado nas operações dos clientes, em meu nome e através da minha conta n° ...30 domiciliada Sucursal de ...;

-   Concessão de um ano de carência de capital e juros na operação a contratar, passando a mesma no final do prazo de carência a vencer prestações mensais constantes por um prazo possível e que torne o meu esforço financeiro razoável considerando o montante envolvido;

-   Transferência de todas as acções BCP "compradas" pelos clientes na operação de crédito citada para meu nome e para a minha conta títulos BCP igualmente domiciliada na Sucursal de ...;

-   Penhor de toda as acções BCP para garantia de novo empréstimo;

-    Contrato de crédito subscrito pela minha pessoa;

(...)

Não sendo esta uma solução muito ortodoxa rogo a V. Exa. que a analisem com a melhor atenção e cuidado, sensibilizando-vos para que sejam flexíveis e me ajudem a solucionar de forma honrada este problema, que é dos clientes, é meu mas que também não vos liberta de se verem confrontados com a resolução.

Listagem dos clientes Conta Processo Crédito
envolvidos no problema:

Titular
DD ...04 ...182
MM ...07 ...212
BB ...31 ...492
FF ...94 ...442
GG ...94 ...142
HH ...19 ...382
II ...81 ...732
CC ...88 ...962
JJ 56 ...152
KK ...89 ...792
NN ...68 ...232
AA ...30 ...362


13. Nesta sequência, em 07.01.2005 AA e Banco Comercial Português, S.A. firmaram um acordo escrito, apondo as suas assinaturas, mediante o qual o Banco Comercial Português, S.A. declarou conceder a AA o montante de € 267.839,16, tendo este último declarado reconhecer-se devedor de tal montante, constando de tal acordo as assinaturas, entre outros, de BB e de CC, intitulados na qualidade de avalistas, uma vez que o Banco Comercial Português apenas aceitou firmar tal acordo caso constasse no mesmo a cláusula 10.ª".

14. Nos termos da cláusula 10.ª do acordo referido no ponto anterior, sob a epígrafe "garantias" consta que:

"V. Exa(s) compromete-se desde já, a entregar ao Banco:

10.1 Dez livranças por si subscrita e avalizada conforme abaixo se indica:

(...)

4.ª Livrança com aval de OO -NIF ... e BB - NIF ... (este ultimo avaliza até ao montante de 23.908,16 €)

(...)

7.ª Livrança com aval de OO - NIF ... e de CC – NIF ... (esta ultima avaliza até ao montante de 30.555,15 €); (...) ficando o Banco expressamente autorizado através de qualquer um dos seus funcionários a preenchê-las, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exa(s) perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V, Exa(s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas (...)".

15. No rosto da livrança constante dos autos de execução n.° 45/14...., apresentada pelo Banco Comercial Português, S.A., no campo destinado ao subscritor, consta a indicação de "AA" e a sua assinatura no campo destinado à importância consta o valor de "€ 23.908,16" no campo destinado ao vencimento consta a data "2014-09-12", declarando-se na referida livrança que "no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco Comercial Português ou à sua ordem a quantia de vinte e três mil novecentos e oito euros e dezasseis cêntimos".

16. No verso da livrança referida no ponto anterior consta o dizer "Dou o meu aval ao subscritor" seguida de uma assinatura de BB.

17. No rosto da livrança constante dos autos de execução n.° 46/14...., apresentada pelo Banco Comercial Português, S.A., no campo destinado ao subscritor consta a indicação de "AA" e a sua assinatura, no campo destinado à importância consta o valor de "€ 30.555,15", no campo destinado ao vencimento consta a data "2014-09-12", declarando-se na referida livrança que "no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco Comercial Português ou à sua ordem a quantia de trinta mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos"

18. No verso da livrança referida no ponto anterior consta o dizer "Dou o meu aval ao subscritor", seguida da assinatura de CC.

19. As livranças aludidas nos pontos 15., 16., 17. e 18. foram subscritas e avalizadas no âmbito do acordo mencionado em 13. e 14.

20. O conselho directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante CMVM) instaurou processo de contra-ordenação contra o Banco Comercial Português, S.A. que correu termos sob o n.° 3/2008, imputando-lhe a prática de infracções, p. e p. pelos artigos 310.° (intermediação excessiva), 309.°, n.° 3 (conflito de interesses), 308.°, n.° 1 (dever de conservadoria), 7.° (qualidade da informação) todos do Código dos Valores Mobiliários, pela prática de factos ocorridos entre 2000 a 2007 relacionados com a campanha de compra e venda de acções do Banco Comercial Português, S.A. realizada entre 2000 a 2001.

21. Por deliberação do Conselho Directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito do processo n.° 3/2008, foi decidido aplicar ao Banco Comercial Português, S.A. coimas no valor de:

a) 1.000.000 (um milhão de euros), pela violação, a título doloso, do dever de não praticar intermediação financeira excessiva, nos termos conjugados dos artigos 310.°,  397.°, n.° 2, alínea c) e 388.°, n.° 1, alínea a) todos do Código dos Valores Mobiliários, em   relação à venda de acções do próprio emitente a clientes;

b) €2.460.000 (dois milhões e quatrocentos sessenta mil euros), correspondentes ao somatório de 41 coimas de € 60.000 (sessenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de evitar conflitos de interesses, por cada uma das 41 infracções, nos termos conjugados dos artigos 309.°, n.°3, 397.°, n.° 2, alínea b) e 388.°, n.° 1, alínea a), todos do Código dos Valores Mobiliários;

c) € 1.995.000 (um milhão e novecentos e noventa e cinco mil euros), correspondentes ao somatório de 57 coimas de € 35.000 (trinta e cinco mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de conservadoria (obrigação de manter a documentação de operações por um prazo mínimo de X anos), por cada uma das 57 infracções, nos termos conjugados dos artigos 308.°, n.° 1, alínea b) todos do Código dos Valores Mobiliários;

d) € 200.000 (duzentos mil euros), pela violação, a título negligente, do dever de prestar informação de qualidade à entidade de supervisão, nos termos conjugados dos artigos 7.°, n.° 1, 389.°, n.° 3, alínea b) e 388.°, n.° 1, alínea b), 402.°, n.° 1, todos do Código de Valores Mobiliários e do artigo 17.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro;

2. Em cúmulo jurídico, pela prática das 100 sanções, condenar o Banco Comercial Português, S.A., numa coima única no montante de € 3.000.000 (três milhões de euros).

22. Após a decisão tomada pelo Conselho Directivo da Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 3/2008, a CMVM recomendou ao Banco Comercial Português, S.A. que o mesmo publicitasse a existência de um processo de mediação em que o Banco propusesse a todos os clientes /investidores a resolução de forma definitiva e global de qualquer litígio emergente da subscrição dos aumentos de capital em dinheiro, realizado no âmbito da campanha de compra e venda de acções levada a cabo nos anos de 2000 e 2001, para tanto divulgando os respectivos termos e condições, de modo a permitir a desão por parte dos clientes à mediação.

23. Nessa sequência, o Banco Comercial Português emitiu um comunicado, no dia 26.06.2008, com o seguinte teor:

"BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS informa sobre Procedimento de Mediação O Conselho de Administração Executivo informou, no deairso da última Assembleia Geral, que iria propor aos pequenos investidores a resolução de eventuais litígios.

Assim, em conformidade com o referido, o Banco Comercial Português, SA, informa ter decidido propor aos investidores a resolução de litígios emergentes da subscrição dos aumentos de capital em dinheiro, realizados pelo BCP, nos anos de 2000 e 2001, através de procedimento de mediação organizado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

A proposta é dirigida aos investidores que tenham apresentado reclamação ao BCP, ao Provedor do Cliente do BCP, ao Banco de Portugal ou à CMVM ou que tenham proposto acção judicial contra o BCP ou reconvindo em acção judicial proposta pelo BCP, desde que, cumulativamente:

· No conjunto dos dois aumentos de capital, tenham subscrito até 25.000 acções do BCP, com recurso à concessão de crédito pelo BCP;

· Nos três anos anteriores ao início da subscrição, tivessem, directa ou indirectamente, menos de (indicativamente) 20% do seu património aplicado em acções emitidas por quaisquer sociedades anónimas;

· Em consequência da subscrição de acções nos aumentos de capital em dinheiro realizados pelo BCP, nos anos de 2000 e 2001, tenham passado a deter mais de (indicativamente) 25% do seu património em acções do BCP.

Para aceitar este procedimento, cada investidor que se considere incluído no âmbito das condições expressas no parágrafo anterior deve, até ao dia 28 de Julho, assinar uma proposta de Convenção de Mediação, a qual será igualmente assinada pelo BCP e depois entregue na CMVM. A Convenção de Mediação contém as Regras do Procedimento de Mediação,

A proposta da Convenção de Mediação encontra-se disponível nos balcões do BCP e ainda no site com o endereço www.milleniumbcp.pf

24. O Banco Comercial Português S.A. interpôs recurso de impugnação judicial da decisão da CMVM n.° 3/2008, o qual veio a ser julgado parcialmente procedente por decisão judicial, já transitada em julgado, e, em consequência, foi o Banco Comercial Português, S.A. absolvido da prática da contra-ordenação relativa à intermediação financeira excessiva, por prescrição da infracção de que vinha condenado.[[3]]

25. O Conselho directivo da CMVM instaurou processo de contra-ordenação contra o Banco Comercial Português, S.A. que correu termos sob o n.° 41/2008, imputando-lhe a prática de infracções, p.p. pelo artigo 7.° (dever de divulgar informação verdadeira) do Cód. de Valores Mobiliários, tendo deliberado aplicar ao aludido banco:

a) uma coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros, nos termos dos artigos 389.°/1/a e 388.°/1/a do Códigos dos Valores Mobiliários, pela divulgação de informação não verdadeira a 31.03.2004 (documentos de prestação de contas consolidadas relativos a 2003);

b) uma coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389.°/l/a e 388.°/1/a do Código dos Valores Mobiliários pela divulgação de informação não verdadeira a 11.04.2005 (documentos de prestação de contas consolidadas relativos a 2004);

c) uma coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389.°/1/a e 388.°/1/a do Código dos Valores Mobiliários pela divulgação de informação não verdadeira a 20.04.2006 (documentos de prestação de contas consolidados relativos a 2005);

d) uma coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389.°/1/a e 388.°/1/a do Código dos Valores Mobiliários pela divulgação de informação não verdadeira a 28/06/2007 (documentos de prestação de contas consolidados relativos a 2006);

e) uma coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389.°/1/a e 388.°/1/a do Código dos Valores Mobiliários pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007 (informação referente à actividade, resultados e situação económica e financeira no 3.° trimestre de 2007);

f)  uma coima de € 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros), nos termos dos artigos 389.°/1/a e 388.°/1/a do Código dos Valores Mobiliários pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007 (comunicado do BCP divulgado a 23/12/2017).

4. Em cúmulo jurídico aplicar ao Banco Comercial Português, S.A. a coima única de €5.000.000 (cinco milhões de euros), decidindo suspender parcialmente a execução de €2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil euros), pelo prazo de 2 anos.

26. O Banco Comercial Português S.A. deduziu impugnação judicial da decisão da CMVM proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 41/2008, o que deu origem ao processo n.° 1.724/09.... que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal ..., no âmbito do qual foi proferida sentença, já transitada em julgado, de cujo trecho decisório ficou a constar:

"Em face de todo o exposto, julgo parcialmente procedente o recurso interposto por Banco Comercial Português, SA., da decisão proferida pelo Conselho Directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e, em consequência:

1   — Pela prática, a 31.03.2004, de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 388.°, n.° 1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-                    -a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);

2- Pela prática, a 11.04.2005, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388.°, n.º1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-          -a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);

3- Pela prática, a 20.04.2006, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388.°, n.° 1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-                   -a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);

4- Pela prática, a 28.06.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388.°, n.° 1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);

5- Pela prática, a 06.11.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388.°, n.° 1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.500.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);

6- Pela prática, a 23.12.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388.°, n.° 1, alínea a), e 389.°, n.° 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-                 -a na coima de € 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros);

7- Em cúmulo jurídico de tais coimas parcelares, condeno a arguida/recorrente na coima única de €5.000.000 (cinco milhões de euros);

8- Determino a suspensão, pelo período de dois anos, nos termos do disposto nos artigos 415.°, n.°s 1 e 3, do Código dos Valores Mobiliários, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença, da execução de metade do valor de tal coima única (€2.500.000 - dois milhões e quinhentos mil euros).”

27. Na sentença proferida no âmbito do processo n.° 1.724/09.... que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal ... foram dados como provados os seguintes factos:

"1. A arguida, constituída em 1985, é, desde 1987, emitente de acções admitidas à negociação na Bolsa de Valores de Lisboa;

2.  Nos anos de 2001 e 2002 verificou-se uma acentuada descida das cotações das acções da arguida;

3.  A data dos factos objecto dos presentes autos, infra elencados, a arguida é emitente de acções admitidas à negociação no Mercado de Cotações Oficiais gerido pela E... SA.;

4. Entre 14.09.1999 e 30.03.2000 foram incorporadas em Cayman I... as seguintes sociedades, doravante designadas offshore Cayman:

-H... Limited, constituída a 17.02.2000;

-W... Investments, constituída a 30.03.2000;

-N... Limited, constituída a 25.02.2000;

-B... Limited, constituída a30.03.2000;

-G... Ltd., constituída a 17.02.2000;

-I... Limited, constituída a 25.02.2000;

-C... Ltd., constituída a 17.02.2000;

-S... Ltd., constituída a 24.02.2000;

-F... Investements, constituída a 14.09.1999;

-C... Ltd., constituída a 14.09.1999;

-P... Ltd., constituída a 14.09.1999;

-I... Ltd., constituída a 24.02.2000;

-A..., Ltd., constituída a 17.02.2000;

-B... Limited, constituída a 25.02.2000;

-F... Ltd., constituída a 14.09.1999;

-M... Limited, constituída a 14.09.1999;

-C... Cônsul..., constituída a 17.02.2000;

5.  Todas as referidas offshore Cayman emitiram procuração, à arguida, no dia 28.11.2002, conferindo-lhe poderes para administrar e dispor de todo o seu património, presente e futuro, adquirir e alienar valores mobiliários e instrumentos financeiros e abrir contas bancárias e contratar créditos ou empréstimos;

6.  Todas as referidas offshore Cayman contraíram créditos junto da arguida e transaccionaram, exclusivamente, acções desta;

7.  Pelos financiamentos concedidos, a arguida cobrou juros e comissões que nunca lhe foram pagos pelas offshore Cayman;

8.  Até 07.03.2001, as offshore W... Investments, N... Limited, B... Limited, I... Limited e B... Limited, eram detidas pela sociedade C... Hol... Ltd., e, desde essa data, pela sociedade G... Hol...,SA.;

9.  As offshore H... Limited, G... Ltd., C.. .Ltd., S.. .Ltd., I... Ltd., A... Ltd. e C. Consultants eram detidas, até 07.03.2001, pela sociedade D... Hol... Ltd., e desde essa data, pela sociedade D... Incorp...;

10. As offshore F... Ltd. e F... Investements eram detidas, desde 16.09.1999, pela sociedade M... Limited;

11. As offshore C... Ltd., P... Ltd. e M... Limited eram detidas, desde 16.09.1999, pela sociedade O... Limited;

12. A 20.12.2002 a arguida celebra acordos de prestação de serviços fiduciários com J... G...; F... J...; A... R...; e I... M...;

13. Na sequência desses acordos, J... G... é indicado como beneficiário económico para a administração da sociedade G..., SA.;

14. Por declaração não datada, J... G... autoriza a transferência de 100% das acções da G..., SA. para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;

15. A 30.12.2003, tal transferência para a arguida concretiza-se pelo valor de €50.205.000;

16. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T... Corp., o valor de €50.436.900,93;

17. Na sequência dos acordos de prestação de serviços fiduciários supra referidos, F... J..., A... R.., é indicado como beneficiário económico das sociedades D... Incorporated e M... Limited;

18. Por declaração não datada, F... J..., A... R... autoriza a transferência de 100% das acções da D.. Incorporated e da M... Limited para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;

19 A 30.12.2003, tal transferência para a arguida concretiza-se pelo valor €23.365.000, quanto à sociedade D... Incorporated;

20. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T... Corp., o valor de €23.471.888,84;

21. A 30.12.2003 concretiza-se a transferência autorizada por M... R...,para a arguida, pelo valor €10.291.000, quanto à sociedade M... Limited;

22. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T... Corp., o valor de €10.338.884,88;

23. Na sequência dos acordos de prestação de serviços fiduciários supra referidos, I... M... é indicado como beneficiário económico da sociedade O... Limited;

24. Por declaração não datada, I... M... autoriza a transferência de 100% das acções da O... Limited para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;

25. A 30.12.2003 concretiza-se a transferência autorizada por I... M..., para a arguida, pelo valor €15.779.000;

26. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T... Corp., o valor de € 15.852.406,15;

27. J... G..., F... R... e I... M... foram designados beneficiários económicos das sociedades supra mencionadas sem nunca terem prestado qualquer contrapartida à arguida, nem qualquer contribuição financeira às próprias sociedades;

28. Os mencionados beneficiários económicos nunca assumiram risco de perdas pelos investimentos realizados pelas sociedades em causa e nunca tomaram qualquer decisão de investimento;

29. Os únicos recursos usados pelas offshore Cayman foram os financiamentos concedidos pela arguida;

30. Em 02.12.2003, J... G..., F... R... e I... M... assumiram a título pessoal as dívidas das sociedades em que constavam como beneficiários económicos, podendo satisfazer integralmente as dívidas mediante dação em pagamento dos activos das sociedades;

31. A 30.12.2003, cada um dos referidos beneficiários económicos contraiu, junto da arguida, empréstimos no valor total de € 589.992.107,4, com a finalidade de assumirem as dívidas das sociedades respectivas, dando como garantia os activos dessas mesmas sociedades;

32. A 29.11.2002 as 17 sociedades offshore Cayman, a arguida (actuando na qualidade de agente destas) e a sociedade A... celebram um contrato nos termos do qual as offshore Cayman alienam ao A..., a 06.12.2002, 116.000.000 de acções da arguida contra a entrega de 156.020 Notes do A... e o pagamento de € 154.538.390;

33. O valor das A... Notes variava em função das cotações das acções da arguida;

34. E, 14.03.2003 a arguida pagou ao A... um dividendo no valor de € 9.280.000, tendo o A... pago às offshore Cayman, em 27.03.2003, o valor de € 7.878.430.03;

35. Em 18.03.2003 foi celebrado novo contrato entre as 17 offshore Cayman, a S... (detida pela arguida) e o A...;

36. Foram emitidas 85.991 novas Notes, cujo preço a pagar pelo A... à S... variava em função das cotações das acções da arguida;

37. No referido contrato não se consagrou uma cláusula que permitisse às off-shore Cayman determinar o sentido de voto das acções detidas pelo A...;

38. No referido contrato foi consagrada uma cláusula que protegia o A... do risco de mercado das acções da arguida;

39. A 13.04.2004 a arguida pagou ao A... um dividendo de €5.916.000, tendo oABN pago ás offshore Cayman, a 21.04.2004, o valor de €5.064.702,73;

40. A 06.05.2004 as off-shore Cayman transferiram €4.914.356para a S... Limited;

41. Em 08.11.2004 a arguida pagou ao ABN um dividendo no valor de €2.958.000, tendo o A... pago às offshore Cayman, a 15.11.2004, €2.532.184,50;

42. A arguida utilizou ainda, como veículos próprios, as seguintes entidades (doravante designadas Offshore G... F...a), incorporadas em jurisdições offshore:

- Duas sociedades designadas por S... Limited, uma sedeada na Ilha ... e a outra nas ...;

-H... Limited; -S... Limited; -S... Limited; -T... Corp.

43. Com efeito, a arguida concedeu a tais sociedades financiamentos que, a 31.12.2003, atingiram um total de €260.880.794;

44. A arguida identificava tais sociedades como entidades relacionadas com G… F...;

45. A arguida beneficiava de amplos poderes discricionários para a tomada de decisões de investimentos em valores mobiliários nas referidas sociedades;

46. As sociedades H... Limited, S... Limited apresentavam G... F... e B... M... como beneficiários económicos;

47. As offshore G... F..., com financiamento obtido junto da arguida, adquiriram quase exclusivamente acções desta;

48. G... F... e B... M... nunca tomaram qualquer decisão de investimento, não contribuíram com recursos próprios para o património de tais sociedades e não formalizaram qualquer garantia a favor da arguida;

49. As referidas sociedades apresentavam como garantia os financiamentos concedidos pela arguida, tendo o seu património sido adquirido, exclusivamente, através de financiamentos concedidos pela arguida;

50. Pelos financiamentos concedidos às offshore G... F..., a arguida cobrou juros e comissões que nunca lhe foram pagos;

51. A 24.03.2004 a T... Corp. assumiu uma dívida perante a arguida no valor de € 593.697.585,63, tendo apenas como activo um depósito bancário no valor de € 100.100.041;

52. A 25.03.2004 a arguida concedeu à E..., SA., um empréstimo no valor de € 600.181.334,67, com a finalidade de permitir a esta a aquisição de imóveis à arguida e realizar suprimentos à T... Corp. susceptíveis de liquidar as responsabilidades por esta assumida perante a arguida;

53. A 26.03.2004 a E..., SA., adquire a T... Corp. e esta liquida a dívida que contraíra perante a arguida;

54. A 29.03.2004 a T..., Corp. adquire a C..., SA., (designada Cl) à arguida, por € 26.136.371,60;

55. A 30.06.2004 a C...I, SA., emite dívida, sob a forma de papel comercial, adquirido pela arguida pelo valor de € 210.000.000, permitindo à E..., SA., amortizar a sua dívida perante a arguida pelo valor de €204.602.500;

56. A 29.06.2005 a arguida procede à dotação da globalidade do papel comercial, pelo montante de € 200.000.000, ao Fundo de Pensões do Grupo B..., SA., que, em 2006 e 2007, reconhece nas suas contas uma perda de € 115.600.000, que a arguida difere em 20 anos;

57. A 22.06.2006 a T... Corp. vende a A..., SA., à C..., SA., por €300.000.000, com recurso a suprimentos da arguida, que a T... Corp. entrega à E..., SA., para esta amortizar a dívida contraída junto da arguida;

58. A 23.08.2006 a A..., S.A., passa a deter uma participação na B..., SA.;

59. A 29.06.2007 a arguida readquire a maioria do capital da C..., S.A., exonerando do restante valorem dívida resultante do empréstimo concedido a 25.03.2004;

60. Com esta operação, a arguida regista nas suas contas a participação que passa deter na A, SA., pelo valor de €312.300.000;

61. Até esta data, a A, SA., detinha uma participação de 64,5% na B, SA.;

62. A arguida não registou, nas suas contas, a participação que adquiriu na B, SA;

63. A arguida avaliou o projecto imobiliário denominado "B, SA" por valor superior ao custo efectivamente suportado;

64. Em 30.01.2004 a arguida aceita, em dação em pagamento de uma dívida da Sociedade D... Limited, no montante de € 72.700.000, uma sociedade offshore, denominada J, SA., que apenas detinha um terreno rústico, situado em ..., ..., cujo valor efectivo era de € 10.000.000;

65. Segundo avaliação encomendada pela arguida à “B... A...”, ao terreno em causa foi atribuído o valor de €64.287.100;

66. A arguida, nas contas de 2004, reconheceu uma perda de € 8.412.900, resultante da diferença entre o crédito de €72.700.000 e o valor de avaliação do terreno;

67. Porém, a 30.05.2006, a Sociedade D... Limited readquiriu a J..., SA., à arguida, pelo valor de €10.000,000;

68. A arguida não reconheceu nas suas contas de 2004 uma perda de € 62.700.000, resultante da diferença entre o valor do crédito de € 72.700.000 e o valor do terreno (€ 10.000.000).

69. No dia 31.03.2004, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2003;

70. Respeitantes ao ano de 2003, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:

-A..., Lda.;

-A... U..., Lda.;

-A...F...M..., SA.;

-A...L.., SA.;

-B.... Invest.... Intern..., SA.;

-A... Invest..., Limited;

-B... Invest. B.,.C..,P..„SA.;

-B...- S...,SA.;

-F..., S..., Lta.;

-C...-B...,SA.;

-C..., Lta.;

-I...,SA.;

-L…, SA.;

-Un...,SA.;

-B...,SA.;

-B..., Lta.;

-B... Limited;

-Inter..., SA.;

-Pol...,SA.;

-Pol... Holding, Ltd.;

-M..., Corp. Ltd.;

-B...,SA.;

-B..., Bank,SA.;

-B... C... Macau, SA.;

-B... - B.... Moçambique, SARL;

-B..., SARL;

-B..., SARL;

-Bank M...,SA.;

-T...M,..,SA.;

-M....,SA.;

-B..., Sp.z.0.0.;

-B..., BV;

-B..., Sp.z.0.0.;

-B...., SA.;

-T.... z-0.0.;

-B..., S.A.S.;

-Banque B... (Luxembourg), SA.;

-Banque Privée B... (Suisse), SA.;

-B... Bank Canada;

-B... Bank National Association;

-N... Bank,SA.;

-Bank E...,A.S.;

-B... Internacional II, ... Unipessoal, Lta.;

-B... - Partici... Financ..., Sociedade Unipessoal, Lta.;

-B..., B.V.;

-B... Invest..., B.V.;

-B... I... Unipessoal, Lta.;

-B... (USA), Inc.;

-B..., Holding B.V.;

-B...B...&T..., Limited;

-B...C...F....Ltd;

-B...Ltd;

-B...,Ltd;

-B Limited;

-M..., Ltd;

-B..., Ltda.;

-B..., SA.;

-C..., Limited;

-C…, SA;

-P... - S... Agrícola...., Lda.;

-S... - E..., A.C.E.;

-S…, SA;

-M…, SA;

-S..., SA.;

-P..., Limited;

71. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2003, não constavam as offshore Cayman nem as offshore G... F...;

72. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2003 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de €28.653.602;

73. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, acções próprias cujo montante de aquisição ascendia a €614.805.165;

74. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de €850.872.901;

75. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de €99.640.000;

76. Não foram reflectidas no Relatório e Contas Consolidado perdas no montante de € 97.578.459;

77. Face ao valor de juros indevidamente cobrados e às provisões/ perdas não registadas, o Resultado Líquido do exercício encontravase sobreavaliado em € 126.232.062;

78. Não foram reflectidas, no Capital Próprio, perdas no valor de €593.605.594;

79. Não estavam divulgadas, no Relatório de Gestão, as transacções que culminaram na detenção directa e indirecta de 154.147.985 acções próprias;

80. Ora, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2003, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:

-   Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;

-   Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;

-   A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em €593.605.594;

-   As offshore Cayman e G... F... não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não apresentava informação sobre as acções detidas indirectamente pela arguida;

81. No dia 11.04.2005, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2004;

82. Respeitantes ao ano de 2004, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:

-A..., Sociedade Unipessoal, Lda.

-M... - Gestão de Fundos de Investimento, SA.;

-B... International, SA.

-A… Investments, Limited;

-B... Investimento, SA.;

-B... S... Capital de Risco, SA.;

-S... Titul...de Créditos, SA.;

-C..., Lda.;

-I... Automóveis, SA.;

-L... Viaturas, SA.;

-U..., Aluguer de Longa Duração, SA.;

-B..., Imobiliário, SA.;

-B..., Lda.;

-B..., Limited;

-Inter..., SA.;

- Poly...,SA.;

- Poly…, Ltd.;

-Mult., Corp., Ltd.;

-B…, Bank (Portugal), SA.;

-B..., de Macau, SA.;

-B..., de Moçambique, SA.R.L;

-B..., SARL;

-B..., Leasing, SA.R.L;

-Bank M...,SA.;

-T... M...,SA.;

-M..., SA.;

-B..., Sp.z.o.o.;

-Pr..., SA.;

-F..., Z.o.o.;

-B..., BV;

-B..., SA.;

-T..., z.o.o.;

-B..., SA.S.;

-B..., (Luxembourg), SA.;

-B..., (Suisse), SA.;

-B..., B..., Canada;

-B..., B..., Association;

-N...,SA.;

-B..., A.S.;

-B..., Sociedade Unipessoal, Lda.;

-B..., Sociedade Unipessoal,Lda.;

-B..., B.V.;

-B..., B.V.;

-B..., Holdings (USA), Inc.;

-B..., Holding B.V.;

-B..., & T... (Cayman) Limited;

-B..., Limited;

-B..., Bank Ltd.;

-B..., Ltd.;

-B…, Bank Limited;

-M..., Ltd.;

-B... - Esc..., S/C Ltda.;

-M... C… Electrónico, S.A.;

-C..., Limited;

-P..., Sociedade Agrícola ..., Lda.;

-S..., Prestação de Serviços, A.C.E.;

-S... - Trust..., SA.;

-M..., SA.;

-P..., Limited;

83. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2004, não constavam as offshore G... F... e a Cl;

84. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2004 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de €27.788.103;

85. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de €29.738.169, referentes à T... e €5.814.605, referentes às offshore G... F...;

86. Não estavam registados, quanto ao ano de 2004, os activos e os passivos da Cl;

87. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de €114.001.044;

88. Na Demonstração de Resultados Consolidada não foram reflectidas as perdas nas off-shore Cayman, G... F... e Terreno de ..., no montante de €58.928.617;

89. Face às perdas registadas, aos ganhos obtidos com as alienações das acções pertencentes às offshore G... F... e Cayman, o resultado líquido do exercido estava sobreavaliado em €52.782.683;

90. No ano de 2004, a arguida constituiu provisões no valor de €94.900.000, amortecendo perdas por registar de anos anteriores;

91. No ano de 2004 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de €551.488.277;

92. Assim, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2004, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:

-   Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;

-   Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;

-   A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em €551.488.277;

-   As offshore G... F... e a Cl não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;

93. No dia 20.04.2006, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2005;

94. Respeitantes ao ano de 2005, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:

-A…, Sociedade Unipessoal, Lda.;

-M..., Investimento, SA.;

-B..., International, SA.;

-A..., Limited;

-B..., Investimento, SA.;

-B..., Risco, SA.;

-S..., Créditos, SA.;

-C..., Aluguer, Lda.;

-I..., Automóveis, SA.;

-L..., Viaturas, SA.;

-B..., Imobiliário, SA.;

-B..., Lda.;

-B..., Limited;

-l.., SA.;

-Poly..., SA.;

-Poly... H..., Ltd.;

-M..., Corp., Ltd.;

-B..., Bank (Portugal), SA.;

-B..., Moçambique, SA.RL;

-B...M..., SA.;

-T..., SA.;

-M..., SA.;

-B..., Sp. z.o.o.;

-F..., Sp. Z.o.o.;

-B..., BV;

-T...Sp. z.o.o.;

-B... B..., SA.S.;

-B... B... (Luxembourg), SA.;

-B..., Privée B... (Suisse), SA.;

-B..., Bank Canada;

-B..., Bank N... Association;

-N..., Bank, SA.;

-B..., E... Bankasi, A.S.;

-B..., Unipessoal, Lda.;

-B..., Sociedade Unipessoal, Lda.;

-B..., B.V.;

-B..., Investiment, B.V.;

-B..., Holdings (USA), Inc.;

-B..., & T... (Cayman) Limited;

-B..., F... Limited;

-B..., F... Bank Ltd.;

-B..., F... C..., Ltd.;

-B..., I... Bank Limited;

-M..., Serviços, S/C Lda.;

-M..., Comércio Electrónico, SA;

-C..., Limited;

-P..., Agrícola ..., Lda.;

-M..., Serviços, ACE.;

-S..., Trust..., SA.;

95. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2005, não constavam as offshore G...F..., nem a Cl;

96. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2005 foram contabilizados furos, em proveitos, no montante de € 18.267.585;

97. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de € 14.690.642;

98. Não estavam registados, quanto ao ano de 2005, os activos e os passivos da Cl;

99. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de €114.020.192;

100. Na Demonstração de Resultados Consolidada deveriam ter sido reconhecidas perdas relativas ao ano de 2005 no valor de €3.797.618;

101. Face às perdas registadas, o resultado líquido do exercício estava sobreavaliado em € 22.065.203;

102. No ano de 2005, a arguida constituiu provisões no valor de € 163.641.934, amortecendo perdas por registar de anos anteriores;

103. No ano de 2005 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de €409.911.545;

104. Deste modo, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2005, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:

-   Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;

-   Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;

- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em €409.911.545;

-   As offshore G... F... e a Cl não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;

105. No dia 28.06.2007 a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2006;

106. Respeitantes ao ano de 2006, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:

-A..., Sociedade Unipessoal, Lda.;

-M.., Investimento, SA.;

-I..., Investimento Imobiliário, SA.;

-B..., International, SA.;

-B..., Investimento, SA.;

-B..., Risco, SA.;

-S..., Créditos, SA.;

-C..., Aluguer, Lda.;

-L..., Viaturas, SA.;

-B..., Imobiliário, SA.;

-B..., Lda.;

-B..., Limited;

-B..., (Portugal), SA.;

-B..., Moçambique, SARLL;

-B..., Angola, SA.;

-B..., SA.;

-M..., SA.;

-M..., SA.;

-M..., Sp.z.o.o.;

-M..., Sp.z.o.o.;

-B..., BV;

-T....0.;

-B..., (Suisse), SA.;

-M..., Bank;

-M..., B... Societé Anonyme;

-M..., A... S...;

-M..., Vehicles, ..., Societé Anonyme;

-B..., Unipessoal, Lda.;

-B..., Unip., Lda.;

-B..., B.K;

-B..., Invest. B.V.;

-B..., Hold... (USA), Inc.;

-B..., B... <&T...Ltd;

-B..., C... Limited;

-B..., Ltd;

-B..., Company,Ltd.;

-M..., Serviços, S/CLtda.;

-M..., Comércio Electrónico, SA.;

-C..., Services, Limited;

-B..., S.R.L;

-P..., Agrícola..., Lda.;

-M..., ACE.;

-S..., SA.;

-L..., Seguros, SA.;

-M..., Company;

-M..., 0.;

-S...s & Pensões G..., SA;

-S... & Pensões... Limited;

-S... Moçambique, SA.R.L;

107. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2006, não constavam as offshore G... F..., nem a Cl;

108. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2006 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de € 13.773.611;

109. Não estavam registados, quanto ao ano de 2006, os activos e os passivos da Cl;

110. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de €68.249.334;

111. Na Demonstração de Resultados Consolidada deveriam ter sido reconhecidas perdas relativas ao ano de 2006 no valor de €276.732;

112. Face às perdas registadas, o resultado líquido do exercido estava sobreavaliado em € 13.428.343;

113. No ano de 2006, o Fundo de Pensões detido pela arguida registou, nos seus documentos de prestação de contas, perdas no valor de € 113.000.000, referente ao papel comercial emitido pela Cl, pelo que a arguida teve a sua quota parte de perdas no valor de €5.650.000;

114. No ano de 2006, a arguida constituiu provisões no valor de €5.280.254;

115. No ano de 2006 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de €300.000.000;

116. Assim, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2006, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:

-   Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;

-   Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;

- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em €300.000.000;

-   As offshore G... F... e a Cl não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;

117. No dia 06.11.2007, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários informação referente à sua actividade, resultados e situação económica e financeira no terceiro trimestre de 2007;

118. Na informação divulgada relativa ao terceiro trimestre de 2007 (até 30.09.2007), não registava, reflectidos no Capital Próprio, em resultados transitados, cerca de €300,000.000 resultantes do abate de suprimentos concedidos pela arguida à Cl, inerente à sobrevalorização do projecto "B... de Luanda";

119. Deste modo, a informação referente à actividade da arguida naquele período continha as seguintes inexactidões:

-   Não reconhecia as perdas geradas por transacções em acções próprias, no valor de € 300.000.000, referente aos investimentos do projecto "B...de Luanda";

-   Não reconhecia nem justificava as perdas registadas na vertente imobiliária;

120. No dia 23.12.2007, a arguida, na sequência de notificação da CMVM no sentido de esclarecer o mercado sobre a realidade da informação financeira divulgada, nomeadamente, sobre as perdas registadas nas transacções supra descritas, divulgou ao mercado um comunicado no qual confirmava a veracidade de todas as informações por si até aí emitidas;

121. No entanto, tal comunicado continha informação inexacta, na medida em que negava que a informação financeira divulgada a 06.11.2007 fosse incorrecta;

122. Ao difundir as informações e comunicado supra descritos, nos seis momentos temporais referidos (31.03.2004, 11.04.2005, 20.04.2006, 28.06.2007, 06.11.2007 e 23.122007), sabia a arguida que apresentava ao mercado elementos incorrectos e que, por via deles, encobria a verdadeira expressão numérica dos proveitos obtidos e das perdas sofridas;

123. Sabia a arguida que faltava à verdade ao não mencionar, como constantes do seu universo empresarial, as entidades supra descritas;

124. Fê-lo com o propósito de dar ao mercado uma imagem do seu desempenho melhor do que, na realidade, se verificava;

125. Agiu sempre a arguida ciente de que o seu comportamento, traduzido na difusão, por seis vezes, de informação desconforme â verdade, era censurável;

126. Actuou sempre a arguida de forma consciente, voluntária e deliberada, conhecendo o conteúdo das informações que prestava e da sua desconformidade à realidade;

127. Conhecia a ilicitude e punibilidade das suas condutas;

128. No dia 24.04.2008, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2007 e, no dia 20.05.2008, um aditamento aos mesmos;

129. Nesses documentos, a arguida corrigiu, por via de um ajustamento, o valor de € 300.000.000 como constituindo perdas por registar de anos anteriores, reconhecendo este montante em resultados transitados;

130. No ano de 2008, o universo empresarial da arguida teve proveitos de € 2,591.350.000 e um lucro de €258.011.000;

131. No primeiro trimestre de 2009, o universo empresarial da arguida teve proveitos de € 706.652,000 e um lucro de € 113.005.000;

132. Na área dos mercados dos valores mobiliários, a arguida apresenta cinco condenações anteriores, definitivas, pela prática de contra-ordenações, tendo, em três delas, sido proferida simples admoestação; em duas das referidas condenações, foi condenada nas coimas de €37.500 e € 75.000."

28. Em data não concretamente apurada, mas seguramente após o ano de 2008, AA tomou conhecimento dos processos de contra-ordenação instaurados contra o Banco Comercial Português S.A., pela prática das contra-ordenações referidas nos pontos 20. e 25. e, bem assim, que o banco tinha concedido créditos a diversas sociedades off-shore com a finalidade de as mesmas adquirirem acções emitidas pelo Banco Comercial Português S.A.

29. Caso AA conhecesse a prática da factualidade apreciada nos processos de contra-ordenação n.° 3/2008 e 41/2008 instaurados pela CMVM não teria actuado nos moldes descritos em 6., 12., 13. e 14..


III. 2. O Direito


Vejamos então a questão a decidir.

Como se referiu supra, pretende o recorrente que seja reapreciada a questão inerente ao nexo de causalidade entre a conduta do Banco e os danos sofridos pelo embargante, apurar se as condutas ilícitas do BCP – cujo desconhecimento por parte do Recorrente o levou a subscrever o contrato de mútuo dos autos (cfr. facto provado n.º 29) – não foram inidóneas, nem indiferentes para a produção dos danos em que o Recorrente funda o seu crédito, o que determina o preenchimento do requisito atinente ao nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano. 

No acórdão recorrido, entendeu-se, num primeiro momento, contrariamente ao entendimento que tinha sido perfilhado na 1.ª instância, que a pretensão do embargante de proceder à compensação dum seu alegado crédito, em sede de embargos, não necessita de obter previamente a declaração judicial de que o crédito é exigível. “A exigibilidade do crédito para efeito de compensação - art. 847. °, n. ° 1, aí. a), do CC - não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicia/mente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais "não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade".[[4]]

Adiantou-se ainda que «a actual redacção do art° 731° do CPC (fundamentos de oposição à execução baseada noutro título) manda aplicar os fundamentos do art° 729°, cuja alínea h) prevê a compensação de créditos, o que reforça o entendimento que defendemos.

Se o crédito a compensar for exigível, este reconhecimento judicial será efectuado em sede de embargos (porque de verdadeira acção declarativa se trata) na operação de verificação da existência de todos os requisitos legalmente exigidos, designadamente nos artigos 847° a 865° do CG».

Por via de tal decisão, podendo a compensação ser invocada e apreciada em sede de oposição, importaria apenas verificar se se registaria uma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, que obstasse à sua aceitação nesta sede.

Ora, na apreciação dessa parte da questão, a que visava apurar se existia o crédito a compensar com o crédito exequendo, crédito que o recorrente alegava existir na sua esfera jurídica e se contra ele procedia ou não alguma exceção peremptória ou dilatória de direito material, o Tribunal da Relação de Évora, expendeu o seguinte:

«(…(.

Quando, em 2003, as ações sofreram uma forte quebra, os contratos de mútuo celebrados eram de valor muito superior ao valor das ações que os familiares, amigos e clientes haviam adquirido, pelo que estes questionaram o recorrente acerca desse prejuízo, protestando por se sentirem enganados.

Foi perante este circunstancialismo que o recorrente sentiu um problema de consciência e, no sentido de ressarcir os referidos familiares, amigos e clientes, celebrou, por sua vez, um contrato de mútuo no montante necessário para pagar todos os empréstimos e adquirir para si as acções que os referidos familiares, amigos e clientes haviam comprado.

É este o contrato que serve de título à execução.

E o crédito a compensar (o dano provocado na esfera jurídica do recorrente) corresponde ao valor deste contrato de mútuo cujo racional teve como fonte (na versão do recorrente) a conduta ilícita do banco exequente (violação do art° 304°, 310°, 312° e 314° do Código dos Valores Mobiliários), existindo um nexo causal entre o facto voluntário, ilícito e culposo e o dano.

Assim, a operação agora a efectuar é a de saber se da matéria de facto provada resulta que a recorrida se constituiu na obrigação de indemnizar o recorrente, ou seja, se se mostram reunidos os requisitos a que alude o art° 483° do CC.

Dos pontos 20, 21 e 24 da matéria de facto provada resulta que a recorrida Banco BCP, S.A., foi condenada no processo contra-ordenacional 3/2008 pela prática de factos ocorridos aquando da venda de acções nos anos de 2000 e 2001, nas seguintes penas e respetivas contra-ordenações, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa:

(…).

Apesar de ter sido absolvido da prática da contraordenação relativa à intermediação financeira excessiva (ponto 24), por prescrição do ilícito, dúvidas não restam de que o recorrido BCP, S.A. praticou vários actos voluntários e ilícitos que tiveram influência decisiva na venda de acções nos anos de 2000/2001, onde se incluem as vendas de acções aos familiares, amigos e clientes do recorrente.

Factos que repetiu alguns anos depois e que tiveram por objecto o Processo n.° 41/2008, relativo a factos praticados pela recorrida a partir de 2005.

A actuação ilícita da recorrida é por si reconhecida, embora indirectamente, ao acatar as recomendações da CMVM (factos 22 e 23) que tinham em vista um procedimento de mediação para resolução de litígios entre os adquirentes das acções nos anos de 2000/2001 e o banco, ora recorrido.

Poderia configurar-se um dano na esfera jurídica dos compradores das acções nos anos de 2000/2001, uma vez que celebraram contratos de mútuo com o banco com a finalidade única de adquirir as acções.

Contudo, o título dado à execução não é qualquer um dos contratos de mútuo celebrados com os familiares, amigos e clientes do recorrente, mas sim um novo contrato de mútuo celebrado por este com a recorrida, mediante o qual adquiriu para si todas as acções que inicialmente havia vendido.

Ora, ao ter celebrado este contrato de mútuo o recorrente interrompeu o nexo causal que poderia existir entre os actos voluntários, ilícitos e culposos da recorrida e os eventuais danos provocados na esfera jurídica dos seus familiares, amigos e clientes.

Actos ilícitos que foram executados pelo recorrente ao agir em nome da recorrida como comitente, o que resulta claramente ao se ter demonstrado que o recorrente pediu expressamente aos seus familiares, amigos e clientes que "o ajudassem a cumprir objectivos junto da sua entidade patronal (Banco Comercial Português, SA.), em consequência da campanha de compra e venda de acções referidas em 2." (facto 5).

Repare-se que o recorrente pediu ajuda para atingir os seus objectivos laborais (um intuito egoísta), levando pessoas inexperientes na actividade bancária, financeira e/ou empresarial a executar actos jurídicos que só estão ao nível de real entendimento e consequências de especialistas, como o é a operação de contração de empréstimos bancários para aquisição de acções, ou seja, operações de alto risco, dada a volatilidade em termos de valor de mercado que caracteriza estes ativos.

A caracterização destes actos como de alto risco não é algo que só foi classificado desta forma após a crise financeira de 2008/2009, já o era antes disso, como resulta da experiência comum, o que era obrigatoriamente do conhecimento do recorrente porque é especialista em actividade bancária, sua profissão e, por isso, munido de especiais capacidades e qualificações para identificar o risco potencial de tais operações.

Resulta da matéria de facto provada e das regras de experiência que foi esta circunstância — ter aconselhado pessoas próximas a investir em produtos que sabia serem de alto risco — que pesou na decisão de tomar o lugar dos seus familiares, amigos e clientes nas relações estabelecidas com a sua entidade patronal.

Apesar de desconhecer a actividade ilícita da recorrida nos anos de 2000/2001 e nos anos seguintes a 2005, e, se dela tivesse tomado conhecimento não teria procedido à venda das acções (facto 29) (se o tivesse feito agiria com dolo), tal não implica que tivesse agido com o cuidado a que estava obrigado, que a situação requeria e que o recorrente podia e era capaz, tendo, por isso, agido com negligência consciente, uma vez que a sua experiência lhe permitia prever a ocorrência dos danos, que vieram a ocorrer.

Repare-se que no ponto 7. da matéria de facto se deu como provado que o recorrente não informou dos direitos e obrigações que representava a celebração dos contratos de mútuo para aquisição de acções, porque sabia se o tivesse feito, os seus familiares, amigos e clientes recusariam a celebração dos mútuos.

O que nos leva a concluir que, quanto ao crédito que o recorrente pretende compensar com o crédito exequendo, se verifica uma conduta do próprio lesado que provocou a lesão sofrida pelo seu acervo patrimonial, sem intervenção do banco recorrido nesta decisão, o que é de conhecimento oficioso (art° 570°e 572° do CC).

O recorrido decidiu provocar por imperativos morais, como alega, uma lesão na sua esfera jurídica patrimonial.

Relativamente a esta acção lesiva nada pode ser imputado ao banco recorrido, porque não interveio nas relações contratuais que se estabeleceram entre o recorrente e os seus familiares, amigos e clientes.

A conduta ilícita e danosa do banco recorrido só relevaria para as relações contratuais que estabeleceu com os familiares, amigos e clientes do recorrente, ao vender-lhes acções financiadas por contratos de mútuo.

Mas estas relações contratuais, como já se assinalou, não estão aqui em causa.

Numa outra perspectiva, podemos considerar que entre o banco (recorrido) e o recorrente, em resultado da relação laboral, existia uma relação entre comitente e comissário, nos termos preconizados pelo art.° 500.° do CC.

Logo, o recorrente (comissário) é responsável pelos actos que praticou ao serviço do recorrido banco (comitente), no exercício das funções que lhe foram confiadas.

Atendendo a que também o comitente actuou de forma ilícita, seria solidariamente responsável na mesma medida que o comitente pelos danos provocados (art° 500.°/3 in fine e art.° 497.°/ do CC.).

Contudo, reafirma-se, já não estamos em presença desta situação, uma vez que o recorrente adquiriu as acções e o contrato de mútuo dado à execução foi celebrado por decisão livre e deliberada do recorrente, devendo, por isso, ser pontualmente cumprido nos termos dos artigos 405.° e 406.° do CC.

De onde se conclui que procede excepção peremptória de direito material que impede a compensação, nos termos acima referidos.

Assim sendo, embora com fundamentação diversa, nega-se a apelação e confirma-se a decisão recorrida.

(…).»

Como se referiu, sustenta o recorrente que contrariamente ao entendido pela Relação, no caso, existirá um nexo causal entre o dano por ele sofrido (valor em dívida resultante do empréstimo) e a conduta ilícita do Banco recorrido, pois que não fora esta e não teria o recorrente celebrado o contrato de mútuo que constitui o título executivo e que está na base da execução a que a presente oposição se reporta. 

Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente, antes se revelando a decisão recorrida correcta, tendo aplicado adequadamente os factos apurados ao direito. Dir-se-á mesmo que o recorrente terá feito uma leitura pouco assertiva do acórdão recorrido, pois que retira dele conclusões que o mesmo não encerra.

Vejamos.

Apurou-se que nos anos de 2000 e 2001 o Banco promoveu uma campanha de compra e venda de acções, no âmbito da qual concedia crédito a pessoas singulares e colectivas para que estas adquirissem acções emitidas pelo banco, tendo instruído o embargante para que este, no âmbito da sua actividade profissional, prosseguisse nesse desiderato (factos provados 2 e 3).

Nessa sequência, AA abordou diversos familiares e amigos, tendo-lhes pedido que o ajudassem a cumprir objectivos junto da sua entidade patronal (Banco Comercial Português, S.A.), em consequência da campanha de compra e venda de acções referida em 2 (facto provado 5), o que culminou com a concessão de créditos a diversos familiares e amigos para a aquisição de acções emitidas pelo Banco Comercial Português, S.A. (facto 6).

Nesse âmbito, apurou-se que o embargante não explicou a CC os direitos e obrigações a que esta última se vinculava por força do financiamento prestado (facto7).

A partir do ano de 2003, a cotação das acções do Banco Comercial Português S.A. sofreram desvalorização no mercado, designadamente na bolsa de valores, sendo que, nessa sequência, as pessoas que tinham adquirido as acções do Banco Comercial Português, S.A., através do embargante, aperceberam-se que os créditos que tinham contraído junto do Banco eram de valor muito superior ao valor à data correspondente à cotação no mercado das acções, tendo protestado junto daquele, para tanto comunicando-lhe que se sentiam por si enganadas.(factos 8 a 10).

Perante tais protestos, AA sentiu-se moralmente responsável pelas consequências negativas advindas para as pessoas a quem, em nome do Banco Comercial Português, S.A. tinha concedido crédito para adquirirem as acções do Banco (facto 11).

Por via de tal circunstancialismo o Recorrente propôs ao Banco uma “solução” para tal problemática, na sequência do que veio a ser firmado um acordo escrito, em 07-01-2005, entre o embargante e o Banco, através do qual este concedeu um empréstimo ao ora recorrente, no valor de € 267.839,16, de que este se confessou devedor, mediante termos e garantias melhor expressas nos pontos 13. a 19. dos factos provados.

A CMVM instaurou, no ano de 2008, processos de contra-ordenação ao Banco recorrido, por factos inerentes às operações de compra e venda de acções antes referidas. (resulta dos pontos provados 20 a 25).

Em data não concretamente apurada, mas seguramente após o ano de 2008, AA tomou conhecimento dos processos de contra-        -ordenação instaurados contra o Banco Comercial Português S.A., pela prática das contra-ordenações referidas nos pontos 20. e 25. e, bem assim, que o banco tinha concedido créditos a diversas sociedades off-shore com a finalidade de as mesmas adquirirem acções emitidas pelo Banco Comercial Português S.A.. (facto 28).

Caso AA conhecesse a prática da factualidade apreciada nos processos de contra-ordenação n.° 3/2008 e 41/2008 instaurados pela CMVM não teria actuado nos moldes descritos em 6., 12., 13. e 14.. (facto 29).     

Ora, tendo presente esta cronologia de factos, não se descortina o nexo causal que o recorrente pretende estabelecer entre o dano por si invocado (dívida exequenda) e o facto ilícito praticado pelo Banco.

Na realidade, a responsabilidade assumida pelo recorrente junto das pessoas a quem concedeu crédito para adquirirem as acções do Banco, resultou da assumpção da sua parte de que também ele era responsável por ter actuado negligentemente na angariação de accionistas, tendo também resultado provado que quanto a uma das pessoas não explicou os direitos e obrigações a que a mesma se vinculava por força do financiamento prestado.

Foi este quadro factual, independente da possível responsabilidade que o Banco poderia ter por não cumprir deveres legais a que também estaria obrigado, que levou o recorrente a celebrar o acordo com o Banco que está na base da execução a que a presente oposição se reporta.

Ora esse acordo, só indirectamente se relaciona com a angariação efectuada pelo embargante.

Através dele, o recorrente passou a ser detentor das acções anteriormente detidas pelos seus amigos e familiares e ficaram estabelecidos termos, condições e garantias inerentes ao cumprimento do mesmo.

É certo que por via da actuação da CMVM, o Banco veio a divulgar em 26-06-2008, um comunicado onde indicava o procedimento que os pequenos investidores deveriam adoptar para a possível resolução de eventuais litígios “emergentes da subscrição dos aumentos de capital em dinheiro, realizados pelo BCP, nos anos de 2000 e 2001, através de procedimento de mediação organizado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).” (facto provado 23). Porém, há que não olvidar que tal postura, pressupunha a verificação de prévios requisitos que os referidos pequenos investidores teriam de preencher (desde a circunstância de terem já “apresentado reclamação ao BCP, ao Provedor do Cliente do BCP, ao Banco de Portugal ou à CMVM ou que tenham proposto acção judicial contra o BCP ou reconvindo em acção judicial proposta pelo BCP”, até ao facto de as aquisições terem de obedecer a certo número).

Vale isto por dizer que o Banco não assumiu nunca a responsabilidade pelas aquisições efectuadas e pelo modo como as mesmas foram concretizadas, subordinando o seu eventual acordo à verificação de condicionalismos vertidos em tal comunicado.

Realce-se ainda que a postura assumida pelo recorrente junto das pessoas a quem concedeu os créditos para as indicadas aquisições de acções, não esteve minimamente ligada ao seu conhecimento dos processos de contra-ordenação instaurados contra o Banco Comercial Português S.A. (facto 28), sendo, para o caso, irrelevante que se tivesse tido conhecimento da factualidade que subjazia a tais processos não teria actuado da forma como actuou (facto 29).

Aqui chegados, somos de concluir que não se encontra nexo causal que possa ligar a prática ilícita do Banco com o dano que o recorrente invoca.

Como se refere, e muito bem, no acórdão recorrido:

«Poderia configurar-se um dano na esfera jurídica dos compradores das acções nos anos de 2000/2001, uma vez que celebraram contratos de mútuo com o banco com a finalidade única de adquirir as acções.

Contudo, o título dado à execução não é qualquer um dos contratos de mútuo celebrados com os familiares, amigos e clientes do recorrente, mas sim um novo contrato de mútuo celebrado por este com a recorrida, mediante o qual adquiriu para si todas as acções que inicialmente havia vendido.

Ora, ao ter celebrado este contrato de mútuo o recorrente interrompeu o nexo causal que poderia existir entre os actos voluntários, ilícitos e culposos da recorrida e os eventuais danos provocados na esfera jurídica dos seus familiares, amigos e clientes.[[5]]

Actos ilícitos que  foram executados pelo recorrente ao agir em nome da recorrida como comitente, o que resulta claramente ao se ter demonstrado que o recorrente pediu expressamente aos seus familiares, amigos e clientes que "o ajudassem a cumprir objectivos junto da sua entidade patronal (Banco Comercial Português, SA.), em consequência da campanha de compra e venda de acções referidas em 2." (facto 5).

Repare-se que o recorrente pediu ajuda para atingir os seus objectivos laborais (um intuito egoísta), levando pessoas inexperientes na actividade bancária, financeira e/ou empresarial a executar actos jurídicos que só estão ao nível de real entendimento e consequências de especialistas, como o é a operação de contração de empréstimos bancários para aquisição de acções, ou seja, operações de alto risco, dada a volatilidade em termos de valor de mercado que caracteriza estes ativos.

A caracterização destes actos como de alto risco não é algo que só foi classificado desta forma após a crise financeira de 2008/2009, já o era antes disso, como resulta da experiência comum, o que era obrigatoriamente do conhecimento do recorrente porque é especialista em actividade bancária, sua profissão e, por isso, munido de especiais capacidades e qualificações para identificar o risco potencial de tais operações.

Resulta da matéria de facto provada e das regras de experiência que foi esta circunstância — ter aconselhado pessoas próximas a investir em produtos que sabia serem de alto risco — que pesou na decisão de tomar o lugar dos seus familiares, amigos e clientes nas relações estabelecidas com a sua entidade patronal.»

Acrescentaremos que, contrariamente ao que foi invocado pelo recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso, na decisão recorrida não se referiu que “teria sido interrompido o nexo causal entre os actos ilícitos da Recorrida e os danos causados ao Recorrente, o que constituiria uma excepção peremptória de direito material que impediria a compensação”, o que foi mencionado (e é bem diverso dessa afirmação) é que “o recorrente interrompeu o nexo causal que poderia existir entre os actos voluntários, ilícitos e culposos da recorrida e os eventuais danos provocados na esfera jurídica dos seus familiares, amigos e clientes”.

O que se pretende dizer é que se existia qualquer nexo causal entre os investidores lesados angariados pelo recorrente e o Banco, com a celebração do contrato de mútuo celebrado entre o embargante e o Banco esse nexo sempre teria sido interrompido.

Pelo que se deixa dito, entende-se inexistir nexo causal entre o alegado dano sofrido pelo recorrente, consubstanciado na dívida exequenda, e a conduta do Banco na sua operação de venda de acções com disponibilização de empréstimos a pequenos investidores para esse efeito, o que conduz a que a revista improceda, sendo, assim, de confirmar o acórdão recorrido.

Desta forma, fica também prejudicada a apreciação da nulidade invocada pelo Banco recorrido.


Sumário a que alude o n.º 7 do art.º 663.º do CPC

I. Se o embargante, por imperativos morais e unilaterais, se substitui a terceiros na obrigação que estes contraíram com o exequente, não tem sobre este um crédito judicialmente exigível, por contra ele incidir excepção peremptória de direito material.

II. A existir um nexo causal entre os investidores lesados angariados pelo recorrente e o Banco, com a celebração do contrato de mútuo celebrado entre o embargante e o Banco esse nexo sempre teria sido interrompido.

III. Inexiste nexo causal entre o alegado dano sofrido pelo recorrente, consubstanciado na dívida exequenda, e a conduta do Banco na sua operação de venda de acções com disponibilização de empréstimos a pequenos investidores para esse efeito.


IV. Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento à revista.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


José Maria Sousa Pinto (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Fátima Gomes

______

[1] O relator adopta a escrita anterior ao A.O..
[2] A alteração da matéria de facto a que a decisão se refere, consubstancia-se na modificação do ponto 24. dos factos provados, o qual passou a ter a seguinte redacção:
"O Banco Comercial Português S.A. interpôs recurso de impugnação judicial da decisão da CMVM n.° 3/2008, o qual veio a ser julgado parcialmente procedente por decisão judicial, já transitada em julgado, e, em consequência, foi o Banco Comercial Português, S.A. absolvido da prática da contra-ordenação relativa à intermediação financeira excessiva, por prescrição da infracção de que vinha condenado."
[3] Foi esta a redacção que o Tribunal da Relação decidiu ser o que passaria a constar do ponto 24., modificando o que anteriormente dele constava – “O Banco Comercial Português S.A. interpôs recurso de impugnação judicial da decisão da CMVM n.° 3/2008, o qual veio a ser julgado procedente por decisão judicial, já transitada em julgado, e em consequência foi o Banco Comercial Português, S.A. absolvido da prática das contra-ordenações de que vinha condenado.”
[4] Citação constante de tal acórdão e retirada do Ac. do STJ, Fonseca Ramos, de 2-07-2015, Proc.  91832/12.3 YIPRT-A.CI.SI.dgsi.Net
[5] Sublinhado nosso.