Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO TORRES | ||
Descritores: | PROFESSOR ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES AUTORIZAÇÃO CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA | ||
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Nº do Documento: | SJ200211130036664 | ||
Apenso: | 1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3660/01 | ||
Data: | 05/23/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | LCT69 ARTIGO 1. CCIV66 ARTIGO 280 N1 ARTIGO 289 N1 ARTIGO 1152. DL 553/80 DE 1980/11/21 ARTIGO 67 N1 ARTIGO 68 N1. DL 266/77 DE 1977/07/01 ARTIGO 10 ARTIGO 11 N2. DL 300/81 DE 1981/11/05. DL 139-A/90 DE 1990/04/28 ARTIGO 6 N1 ARTIGO 111. PORT 652/99 DE 1999/08/14 N1 N2 N4 N7. DESP 92/ME/88 DE 1988/05/17 IN DR II DE 1988/06/16 N1 N2 N3 N4 N5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1997/06/18 IN CJSTJ ANOV TII PAG294. ACÓRDÃO STJ PROC150/99 DE 2000/03/01. P PGR 9/96 IN DR II DE 1996/11/29. | ||
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Sumário : | I - Face à revogação, expressa ou implícita, operada pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o "Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário", dos Decretos-Leis n.ºs 266/77, de 1 de Julho, 553/80, de 21 de Novembro, e 300/81, de 5 de Novembro, e à caducidade parcial do Despacho n.º 92/ME/88, do Ministro da Educação, de 17 de Maio de 1988, tornou-se insubsistente a jurisprudência que, com base neste complexo normativo, sustentava a existência de um "regime especial" de caducidade anual da acumulação de funções no ensino particular por parte de professores do ensino oficial, que afastaria a aplicação do regime geral relativo à celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro). II - Do artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente de 1990, regulamentado pela Portaria n.º 652/99, de 14 de Agosto, resulta a abolição da regra da anualidade das autorizações para a aludida acumulação de funções; actualmente, esta autorização, uma vez concedida, permanece "válida enquanto se mantiverem as condições que permitiram a acumulação". III - A celebração de contrato de trabalho, entre estabelecimento de ensino particular e professor do ensino oficial, para exercício de actividade docente sem prévia obtenção da autorização de acumulação, não torna o contrato nulo por ter sido pretensamente celebrado contra legem; a referida acumulação não é uma actividade proibida por lei e a autorização prevista não tinha de ser expressa, nem sequer prévia ao exercício de actividade, podendo as funções no ensino particular ser iniciadas logo que formulado o pedido de autorização. Isto é: a concessão da autorização não era condição de validade ou de eficácia do contrato de trabalho celebrado entre o professor do ensino oficial e o estabelecimento de ensino particular; a eventualmente superveniente recusa de autorização é que constituía causa de cessação desse contrato. IV - Mantendo-se as condições que permitiram a acumulação, a não apresentação de pedido (anual) de autorização, na vigência do Estatuto da Carreira Docente de 1990, não determina a caducidade do contrato, pelo que a imposição unilateral, pela entidade patronal, da cessação de funções docentes configura um despedimento, ilícito por não precedido de processo disciplinar nem fundado em justa causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Relatório "A" intentou, em 20 de Maio de 1996, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo a condenação da ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização por despedimento, e a pagar-lhe as retribuições devidas desde o despedimento até à decisão final, que ascendem, até ao final de Abril de 1996, ao montante de 4822852$00, acrescidas de juros de mora à taxa de 10% ao ano. Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) a ré é proprietária do Externato de Alfragide, tendo admitido a autora para o desempenho de funções de professora no referido externato em 1 de Outubro de 1980, desempenhando desde então as suas funções sob as ordens, direcção e autoridade da ré, no âmbito de um contrato de trabalho; (ii) até ao ano lectivo de 1991/1992, a autora teve ao serviço da ré o horário completo de 22 horas semanais; (iii) por decisão unilateral da ré, e sem acordo da autora, foi reduzido o horário de trabalho no ano lectivo de 1992/1993, passando para 20 horas semanais, e a partir do ano lectivo de 1993/1994 passou para apenas 10 horas semanais; (iv) à ré estava vedada diminuir da forma como o fez o horário de trabalho da autora, pelo que tem direito a continuar a auferir a remuneração correspondente a um horário a tempo completo; (v) em 1 de Setembro de 1995, a ré comunicou à autora verbalmente que havia cessado o contrato de trabalho, não mais lhe atribuindo funções nem pagando qualquer remuneração; (vi) o despedimento assim efectuado é nulo. A ré contestou (fls. 10 a 14), alegando, em síntese, que: (i) admitiu a autora ao seu serviço apenas em 1 de Setembro de 1992, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer no Externato de Alfragide as funções inerentes a professora de "educação visual e tecnológica", no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico; (ii) no primeiro mês, a ré atribuiu à autora um horário de 8 horas semanais, o qual passou no mês de Outubro para 14 horas semanais; (iii) ao longo desse ano lectivo, a autora prestou a sua actividade profissional a um outro empregador, também ele titular de um estabelecimento de ensino particular, em regime de ocupação parcial correspondente a 10 horas semanais; (iv) em Setembro de 1992, a ré pagou à autora a remuneração correspondente a 4600$00 por hora semanal de trabalho, equivalente ao nível 20 da tabela publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33/91; (v) nessa altura, a autora tinha a categoria profissional de "restantes professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário e 10 anos de bom e efectivo serviço"; (vi) a partir de 1 de Outubro de 1992, a autora, que mantinha a sua anterior categoria profissional, passou a auferir a remuneração de 5300$00 por hora semanal de trabalho; (vii) em 1 de Setembro de 1993, a ré atribuiu à autora um horário semanal correspondente a 20 horas e elevou-lhe a remuneração para 7400$00 por hora e atribuiu-lhe a categoria de "professor profissionalizado sem grau superior e 10 anos de bom e efectivo serviço"; (viii) com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1993, a remuneração da autora foi aumentada para 8030$00 por hora semanal, em consequência da entrada em vigor da nova tabela salarial; (ix) no início da 2.ª quinzena de Outubro de 1993, a autora informou a ré de que tinha sido colocada num estabelecimento de ensino oficial com um horário de 20 horas, pelo que não podia continuar a cumprir ao serviço da ré o horário de 20 horas semanais, mas apenas 16 horas, o que a ré lhe assegurou; (x) face à indisponibilidade manifestada pela autora, a partir de 26 de Outubro de 1993, a ré reduziu-lhe o horário, como esta pretendia, para 10 horas semanais; (xi) em 3 de Outubro de 1994, por escrito, a autora informou a ré de que tinha sido colocada na Escola Conde de Oeiras, em Oeiras, e que esse horário era compatível com a continuação da sua actividade na ré; (xii) consequentemente, a ré atribuiu-lhe o horário de 10 horas semanais, mediante a retribuição de 8440$00 por hora semanal, correspondente ao nível 14 e à categoria profissional de "professor dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário profissionalizado sem grau superior e 10 anos de bom e efectivo serviço"; (xiii) no ano lectivo de 1995/1996, deixaram de funcionar no Externato os 5.º e o 6.º anos de escolaridade, por não se terem inscrito alunos em número suficiente, pelo que a ré informou a autora de que não lhe podia proporcionar quaisquer horas de aulas, determinando a extinção do seu posto de trabalho; (xiv) em Julho de 1995, a ré pagou à autora a importância de 84400$00, a título de subsídio de férias, e, em Agosto seguinte, pagou-lhe igual quantia, a título de férias, e em Dezembro de 1995, pagou-lhe 8/12 de 84400$00, a título de subsídio de Natal; (xv) no ano lectivo de 1995/1996, a autora foi colocada com o horário completo de 22 horas semanais numa escola do ensino oficial; (xvi) a acumulação de funções no ensino público e particular está sujeita a autorização e deve ser solicitada até 31 de Outubro; (xvii) no ano lectivo de 1995/1996, a autora não solicitou esta autorização, pelo que ficou impedida legalmente de exercer a actividade cuja retribuição reclama nos autos. A autora apresentou resposta (fls. 37 a 40), referindo que: (i) efectivamente só começou a exercer funções no Externato de Alfragide em 1992, mas anteriormente trabalhou para a "B - Empreendimentos Educativos, SA", e a coberto do contrato celebrado com a B desempenhou as suas funções indistintamente nos Externatos de Alfragide, Marquês de Pombal e Álvares Cabral, todos eles propriedade da ré, tendo no ano de 1992/93 trabalhado nos três Externatos; (ii) reconhece ter peticionado indevidamente diferenciais de remuneração de Setembro de 1992 a 31 de Agosto de 1993, pois efectivamente no ano de 1992/1993 não lhe foi reduzido o horário; (iii) já quanto aos demais anos lectivos, mantém o alegado na petição inicial; (iv) relativamente à alegada necessidade de autorização para acumular funções, o pedido de autorização deve ser formulado pelo estabelecimento de ensino e, por outro lado, a falta de autorização apenas sujeitaria a autora a sanção disciplinar, nos termos do artigo 24.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84 e nada mais, sendo certo que com o Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 20 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 553/80 deixou de estar em vigor, assim como as limitações à acumulação, pois, nos termos do artigo 111.º do referido diploma, é permitida a acumulação de funções no ensino público e privado, não estabelecendo a norma qualquer limitação. Em conclusão, a autora reduz o pedido para a quantia de 4615652$00, mantendo o demais alegado. A ré veio requerer (fls. 51) o desentranhamento da resposta da autora, que só seria admissível se a ré tivesse deduzido excepção ou reconvenção, sendo certo que a contestação apresentada apenas contém defesa por impugnação. Por despacho de fls. 62 verso foi decidido atender-se apenas à parte da resposta relativa ao facto articulado no artigo 39.º da contestação (não formulação pela autora, no ano lectivo de 1995/1996, de pedido de autorização para acumulação de funções), por o mesmo poder ser configurado como facto impeditivo do direito da autora, não se ordenando o desentranhamento da resposta também por ela ter servido para juntar documentos e reduzir o pedido. A autora interpôs recurso de agravo desse despacho, na parte em que lhe foi desfavorável (cfr. alegações de fls. 65 a 70), recurso que foi admitido para subir com o primeiro que, depois dele interposto, houvesse de subir imediatamente (despacho de fls. 79). Frustrada tentativa de conciliação (fls. 64), foi proferido despacho saneador e organizados especificação e questionário (fls. 79 a 82), que não suscitaram reclamações. Realizada audiência de julgamento, no decurso da qual a autora declarou optar pela indemnização de antiguidade, em detrimento da reintegração (fls. 259), foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 260 a 264, contra as quais não foram deduzidas reclamações. Por sentença de 15 de Maio de 2000 (fls. 268 a 285), foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora: (i) as remunerações que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da data da proposição da acção até à data da sentença, à razão de 96700$00 mensais (9670$00 x 10 horas semanais), incluindo subsídios de férias e de Natal, a liquidar em execução de sentença por simples cálculo aritmético; (ii) a indemnização correspondente a 8 anos de serviço x 1 mês de ordenado base, no total de 773600$00; (iii) 76230$00 de diferenças salariais do período compreendido entre 29 de Outubro de 1993 e 1 de Outubro de 1994; e (iv) juros de mora à taxa legal (10% ao ano até 16 de Abril de 1999 e 7% a partir de 17 de Abril de 1999), desde a data da citação relativamente à indemnização de antiguidade, desde 1 de Janeiro do ano subsequente relativamente ao subsídio de férias correspondente ao ano anterior, desde 15 de Dezembro do ano a que respeitam relativamente ao subsídio de Natal, e desde o último dia do mês a que respeitam relativamente às demais retribuições. Para tanto, a sentença considerou, sucessivamente, que: (i) houve diminuição ilícita da remuneração da autora a partir de 1 de Outubro de 1993, pelo que ela tem direito às correspondentes diferenças salariais (76230$00); (ii) ocorreu despedimento ilícito da autora, pelo que ela tem direito à indemnização de antiguidade por que optou e às remunerações que deveria ter auferido desde 30 antes da proposição da acção até à data da sentença, sendo irrelevante, para efeito da ilicitude do despedimento, a alegada falta de autorização de acumulação de funções, que, aliás, parece já não ser exigida, face ao disposto no artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90. Desta sentença interpôs a ré recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, em suma, ter pago a remuneração devida no período de 29 de Outubro de 1993 a 20 de Setembro de 1994, e ter o contrato de trabalho caducado automaticamente no final do ano lectivo para que foi concedida a autorização de acumulação de funções nos ensinos público e particular, sem que daí derive direito a qualquer indemnização (cfr. alegações de fls. 293 a 302). Por acórdão de 23 de Maio de 2001 (fls. 339 a 348), o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento à apelação da ré, revogando a sentença recorrida na parte relativa à condenação em diferenças salariais, mas confirmando-a na parte relativa à declaração da ilicitude do despedimento da autora e consequências daí advenientes, e julgou prejudicado o conhecimento do agravo da autora. Ainda inconformada, interpôs a ré recurso de revista deste acórdão, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as respectivas alegações (fls. 354 a 360) com a formulação das seguintes conclusões: "A) Sendo a autora professora efectiva das escolas públicas só podia exercer actividade docente em estabelecimento de ensino particular, em regime de acumulação, desde que requeresse a necessária autorização à Direcção-Geral de Pessoal do Ministério da Educação até 31 de Outubro de cada ano, válida apenas por um ano; B) Não tendo a ré, no final do ano lectivo de 1994/1995, e até 31 de Outubro de 1995, solicitado autorização para que a autora continuasse a leccionar no seu estabelecimento, agiu no uso de uma faculdade que a lei lhe reconhece (artigo 68.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, complementado pelo Despacho Ministerial n.º 92/ME/88, de 17 de Maio de 1988), operando-se ex vi legis a caducidade do último contrato em vigor, no termo daquele ano lectivo (30 de Agosto de 1995); C) O douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, quer as disposições já citadas, quer o Decreto-Lei n.º 266/77, de 1 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/81, de 5 de Novembro, quer ainda o preceituado no Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, maxime os seus artigos 12.º e 13.º. D) Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se a ré dos pedidos de pagamento à autora, quer das remunerações que deixou de auferir desde 30 dias antes da entrada da petição inicial até à data da sentença (15 de Maio de 2000), à razão de 96 700$00 mensais, quer da indemnização de antiguidade correspondente a 8 anos de serviço x 1 mês de ordenado base, no total de 773600$00, quer de juros de mora sobre todas essas quantias, juros esses a cujo pagamento nunca haverá lugar, mesmo na hipótese de se entender que a absolvição da ré não é total, com o que será feita Justiça." A autora, ora recorrida, contra-alegou (fls. 364 a 383), concluindo: "1. A autora intentou acção contra a ré, impugnando o despedimento de que fora alvo por parte da ré em 1 de Setembro de 1995, data a partir da qual a ré não mais lhe atribuíra funções docentes nem lhe pagara a retribuição, requerendo também a condenação da ré no pagamento de diferenças salariais; 2. A douta sentença de 1.ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação que a confirmou, ao considerarem ilícito o despedimento por o exercício em acumulação de funções públicas e privadas no ensino não poder legitimar a cessação do contrato de trabalho, fez correcta aplicação do direito; 3. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 266/77, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/81, norma que regulamentava o exercício em acumulação de funções públicas e privadas no ensino, não estava já em vigor na data em que a ré deixou de atribuir funções à autora e de lhe pagar os vencimentos; 4. De facto, o artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 139-A/90 expressamente considerou revogados aqueles diplomas legais desde a data da sua entrada em vigor, a eles se referindo de modo claro e inequívoco; 5. A tese defendida pela ré, que considera que, à luz dos artigos 67.º e 68.º do Decreto-Lei n.º 553/80, sempre o exercício em acumulação de funções docentes públicas e privadas teria de estar autorizado, omite que a previsão que consta daqueles normativos, no que toca aos docentes do ensino básico e secundário público, se mostram previstos no artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90; 6. E, assim sendo, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º daquele Decreto-Lei n.º 139-A/90, estão também revogados no que toca à obrigatoriedade de autorização de acumulação para os professores do sector público, 7. E, a não ser esse o entendimento, nada justificava que o n.º 2 daquele normativo expressamente tivesse revogado os Decretos-Leis n.ºs 266/77 e 300/81, que regulamentavam aquela autorização, 8. Razão porque a tese da ré, ao aplicar os artigos 67.º e 68.º do Decreto-Lei n.º 553/80, viola o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, o artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente aprovado por aquele diploma legal e o artigo 9.º do Código Civil; 9. E o acórdão da Relação do Porto em que a ré se baseou para entender inaplicável às situações de exercício em acumulação de funções docentes as regras do contrato de trabalho segue a orientação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Junho de 1997, que não só faz aplicação dos diplomas que já se mostram revogados, como atrás vimos, mas também omitem que, à luz do artigo 269.º, n.º 5, da Constituição, as incompatibilidades entre o exercício de funções públicas e privadas apenas podem ser impostas por lei, não contendo o artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente qualquer limitação ou condicionante, antes admitindo como regra a inexistência de incompatibilidades; 10. E a tese daqueles acórdãos fundamenta-se no facto de nada obrigar os estabelecimentos de ensino privados a renovarem em cada ano os pedidos de autorização de acumulação, omitindo que nada nos Decretos-Leis n.ºs 266/77, 300/81 e 553/80 estabelece a cessação automática do contrato de trabalho vigente com estabelecimentos privados quando exercido em acumulação não autorizada com funções docentes públicas, antes prevendo a lei somente a sanção de suspensão até seis meses como sanção disciplinar - artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 24/84; 11. Sendo lícito em tal caso ao professor do sector público que exerce as suas funções em acumulação optar por continuar no exercício de funções privadas ainda que não autorizadas e sujeitar-se à aplicação daquela sanção disciplinar de suspensão, ou pedir a exoneração na função pública, mantendo em vigor o contrato de trabalho, ou finalmente rescindir o contrato de trabalho, opções que ao trabalhador exclusivamente cabem dentro do quadro legal em vigor; 12. Sendo contrário aos princípios subjacentes ao contrato de trabalho no nosso ordenamento jurídico e violadora dos artigos 3.º, 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 e do artigo 53.º da Constituição uma interpretação que confira ao empregador, por simples decisão unilateral e no uso de um poder discricionário, fazer cessar o contrato de trabalho; 13. É pois de manter a douta decisão recorrida que considerou ilícito o despedimento, com as consequências legais, porquanto fez correcta aplicação do direito." Neste Supremo Tribunal de Justiça, a representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 389 a 395, no sentido da negação da revista, por entender que o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, na parte em que regulamentava o exercício em acumulação de funções docentes públicas e privadas, foi revogado pelo artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, pelo que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou por despedimento ilícito promovido pela ré e não por caducidade; quanto à questão dos juros, sustentou que a decisão da 1.ª instância que condenou a recorrente no seu pagamento, não foi por ela impugnada no recurso de apelação e, por isso, transitou em julgado. Este parecer foi notificado às partes, tendo suscitado a resposta da recorrente constante de fls. 397 e 398, na qual sustenta a sobrevigência do Decreto-Lei n.º 533/80 no período que decorreu entre o início de vigência do Decreto-Lei n.º 139-A/90 e a entrada em vigor da Portaria n.º 652/99, de 14 de Agosto, nada dizendo quanto ao aduzido trânsito em julgado da decisão sobre juros. Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Matéria de facto As instâncias deram como assente a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa: 1) A ré é proprietária do Externato de Alfragide, sito na sua sede social; 2) A autora foi admitida como professora no Externato de Alfragide, desempenhando desde então as suas funções sob as ordens, direcção e autoridade da ré; 3) Tal admissão ocorreu em data não posterior a 1 de Setembro de 1992; 4) Pelo menos a partir de Setembro de 1993, a autora é professora com habilitação própria dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, profissionalizada e sem grau superior; 5) Pelo menos desde 26 de Outubro de 1993, à autora foi atribuído pela ré um horário de apenas 10 horas semanais; 6) A autora dirigiu à ré os escritos que se acham juntos por cópia a fls. 30 e 31; 7) A título de subsídio de Natal de 1995, a ré pagou à autora 56266$00; 8) No Externato de Alfragide, a ré desenvolve actividades regulares de carácter educativo correspondentes apenas ao ensino infantil e básico; 9) A ré não exerce qualquer outra actividade nem dispõe de outro estabelecimento além do mencionado; 10) A autora completou 15 anos de serviço em 31 de Agosto de 1995; 11) A autora completou o Curso Geral de Formação Feminina no ano lectivo de 1973/1974; 12) No final do ano lectivo de 1984/1985, a autora completou o Curso Complementar de Artes dos Tecidos na Escola Secundária de António Arroio, em Lisboa; 13) Em Julho de 1987, o Ministério da Educação considerou que a autora não tinha habilitação suficiente para a leccionação da disciplina de Trabalhos Oficinais do Curso Geral Unificado, tendo deferido, a título excepcional, o pedido de autorização provisória formulado com vista a que leccionasse aquela disciplina; 14) O mesmo Ministério, em 20 de Abril de 1989, concedeu à autora autorização definitiva de leccionação no ensino particular para o exercício do magistério da disciplina de "Trabalhos Oficinais - Área Têxtil - 12.º Grupo F do Ensino Secundário Unificado"; 15) Em 19 de Julho de 1993, foi homologada por despacho da Directora da Universidade Aberta a classificação profissional obtida pela autora no curso de qualificação em Ciências da Educação, na área de "Trabalhos Manuais Femininos do Ensino Preparatório", que ali frequentou, em regime de voluntariado, e terminou em 3 de Maio de 1993; 16) A autora foi admitida na ré para exercer as funções inerentes a professora de "educação visual e tecnológica", antes designadas por trabalhos oficinais nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico; 17) Antes de 1 de Setembro de 1992, nunca a autora prestou à ré qualquer tipo de actividade, ainda que a título acidental ou esporádico; 18) No ano lectivo de 1992/1993, a ré atribuiu à autora um horário de 12 horas semanais; 19) Ao longo de todo esse ano lectivo, a autora prestou a sua actividade profissional a um outro empregador, também ele titular de um estabelecimento de ensino particular, em regime de ocupação parcial correspondente a 10 horas semanais; 20) Em Setembro de 1992, a ré pagou à autora a remuneração correspondente a 4600$00 por hora semanal de trabalho; 21) Na altura, a autora tinha a categoria profissional de "restantes professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário e de 10 anos de bom e efectivo serviço"; 22) A partir de 1 de Outubro de 1992, a autora, que mantinha a sua anterior categoria profissional, passou a auferir a remuneração de 5300$00 por hora semanal de trabalho; 23) No início do ano lectivo de 1993/1994, ou seja, em 1 de Setembro de 1993, a ré atribuiu à autora um horário, cujo número de horas se não apurou, mas que era de mais de 10 horas semanais; 24) Elevou-lhe a remuneração para 7400$00 por hora semanal, correspondente ao nível 15 da tabela de remunerações, com efeitos a partir da data referida no número anterior, e atribuiu-lhe a correlativa categoria de "professor profissionalizado sem grau superior e 10 anos de bom e efectivo serviço"; 25) Com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1993, a remuneração da autora foi aumentada para 8030$00 por hora semanal, em consequência da entrada em vigor da nova tabela salarial; 26) A autora, no ano lectivo de 1993/1994, foi colocada no ensino oficial, mais concretamente na Escola Preparatória da Pontinha, tendo-lhe sido atribuído, nessa escola, um horário semanal de 20 horas de tempo lectivo, em 14 de Outubro de 1993, e de 22 horas semanais a partir de 15 de Outubro de 1993, facto que a autora comunicou à ré; 27) Face a estes factos, a ré atribuiu à autora um horário de 10 horas semanais de leccionação, acrescido de um número de horas semanais não apurado para acompanhamento de actividades dos alunos nos ateliers do Externato; 28) Face à comunicação da autora, com data de 29 de Outubro de 1993, onde dizia não lhe ser possível assegurar as actividades dos ateliers por ter sido colocada no ensino oficial no dia 14 de Outubro de 1993, com o horário semanal de 20 horas, tempo lectivo do período da tarde, a ré dispensou-a, a partir de 29 de Outubro de 1993, da colaboração nas actividades dos ateliers, mantendo-lhe as 10 horas semanais de leccionação, com a remuneração de 7400$00 por hora semanal; 29) De posse da informação constante no escrito de fls. 31, dirigido pela autora à ré, esta atribuiu-lhe, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1994, um horário de 10 horas de leccionação semanal, mediante a retribuição de 8440$00 por hora semanal, correspondente ao nível 14 e à categoria profissional de "professor dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário profissionalizado sem grau superior e 10 anos de bom e efectivo serviço"; 30) A partir de 1 de Setembro de 1995, a ré não mais atribuiu funções à autora nem lhe pagou qualquer retribuição; 31) No ano lectivo de 1995/1996, deixaram de funcionar no Externato de Alfragide os 5.º e 6.º anos de escolaridade, por não se terem inscrito alunos em número suficiente para cobrir as despesas inerentes à leccionação daqueles dois anos, facto de que a ré deu conhecimento à autora, antes de 1 de Setembro de 1995; 32) Em Julho de 1995, a ré pagou à autora a importância de 84400$00 (10 x 8440$00), a título de subsídio de férias, e em Agosto seguinte pagou-lhe igual quantia a título de férias; 33) No ano lectivo de 1995/1996, a autora foi colocada com o horário completo de 22 horas semanais, na escola EBI 123, sita em Outorela/Portela, freguesia de Carnaxide, município de Oeiras; 34) No ano lectivo de 1995/1996, a autora não requereu à Direcção-Geral de Pessoal do Ministério da Educação autorização para acumular as suas funções docentes na Escola Pública EBI 123 com funções similares no Externato de Alfragide, ao serviço da ré; 35) A ré está filiada em sindicato (Sindicato dos Professores da Grande Lisboa). 3. Fundamentação 3.1. Como resulta do precedente relatório, a única questão que constitui objecto do presente recurso, tal como flui das alegações da recorrente, adequadamente condensadas nas respectivas conclusões, consiste em saber se a cessação da relação entre autora e ré decorreu de despedimento (ilícito) da iniciativa desta, como decidiram as instâncias, com apoio da autora e da representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, ou antes de caducidade do contrato por a autora não ter solicitado ao Ministério da Educação, no final do ano lectivo de 1994/1995 e até 31 de Outubro de 1995, autorização para continuar a acumulação da leccionação no estabelecimento da ré com as suas funções no ensino oficial. Na verdade, nos autos não está em causa a natureza da relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré, pois ambas as partes sempre reconheceram tratar-se de um contrato de trabalho, tal como o mesmo se encontra definido no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante designado por LCT) e no artigo 1152.º do Código Civil. Por outro lado, já estão definitivamente decididas, por falta de impugnação da parte desfavorecida, as questões relacionadas com a alegada redução unilateral do horário de trabalho da autora e consequente diminuição da sua retribuição e das diferenças remuneratórias a que teria direito, e bem assim foi abandonada pela ré a tese da extinção do posto de trabalho, por cessação de funcionamento dos 5.º e 6.º anos de escolaridade, por falta de inscrição de um número de alunos suficientes, tese essa expressamente julgada improcedente pela sentença da 1.ª instância - nesta parte não impugnada pela ré -, com os fundamentos de a ré não ter demonstrado que era praticamente impossível a relação de trabalho, pois não logrou provar que não dispunha de outro posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador (desconhece-se se o 3.º ciclo, no qual a autora também leccionava, também deixou de funcionar), nem alegou que tivesse posto à disposição da trabalhadora a compensação devida. Quanto à questão dos juros, constata-se que a sentença da 1.ª instância pronunciou-se detidamente sobre a data a partir da qual eram devidos, decidindo que os relativos à indemnização de antiguidade eram devidos desde a data da citação, os relativos ao subsídios de férias correspondentes a determinado ano eram devidos desde 1 de Janeiro do ano subsequente, os relativos aos subsídios de Natal eram devidos desde 15 de Dezembro do ano a que respeitassem, e os relativos às demais retribuições eram devidos desde o último dia do mês a que respeitassem (cfr. fls. 283 e 284). Nas alegações do recurso de apelação a ré cingiu expressamente o seu objecto (cfr. fls. 293 verso) às questões da redução unilateral do horário de trabalho da autora, com consequente diminuição da sua retribuição, e da ilicitude do despedimento, não impugnando a decisão sobre os juros, designadamente quanto ao entendimento de que os relativos à indemnização de antiguidade se vencem desde a data da citação, pelo que esta decisão transitou em julgado, e, assim, como se sustenta no parecer do Ministério Público, não pode ser conhecida no presente recurso de revista. 3.2. Enfrentando a única questão que integra o objecto do presente recurso, consistente, como se disse, em saber se a cessação da relação entre autora e ré decorreu de despedimento (ilícito) da iniciativa desta, ou antes de caducidade do contrato por a autora não ter solicitado ao Ministério da Educação, no final do ano lectivo de 1994/1995 e até 31 de Outubro de 1995, autorização para continuar a acumulação da leccionação no estabelecimento da ré com as suas funções no ensino oficial, ela prende-se com a questão de saber se o exercício de docência em estabelecimentos de ensino particulares por parte de professores do ensino público está sujeito a um regime especial, que afasta a aplicabilidade do regime laboral comum, designadamente o constante do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), no que concerne à admissibilidade da celebração de contratos de trabalho a termo e à sua conversão em contratos de trabalho sem termo. ou seja, se desse pretenso regime especial deriva necessariamente a periodicidade anual desse tipo de contratação. Não se ignora que o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Junho de 1997, processo n.º 4355, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo II, pág. 294 (no mesmo sentido viria a decidir o acórdão de 1 de Março de 2000, processo n.° 150/99), perfilhou o entendimento de que à relação jurídica de emprego consistente na prestação de serviços em regime de acumulação por professor do ensino público a uma escola de ensino particular não se aplica o regime da LCCT, mas sim o regime especial constante do Decreto-Lei n° 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), do Decreto-Lei n.° 266/77, de 1 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 300/81, de 5 de Novembro, e do Despacho n.º 92/ME/88, do Ministro da Educação, de 17 de Maio de 1988, publicado no Diário da República, II Série, n.º 137, de 16 de Junho de 1988, págs. 5342-5343, sendo que, por força desse regime especial, a acumulação de funções docentes no ensino público e particular está sujeita a autorização da Direcção-Geral de Pessoal do Ministério da Educação, que deve ser pedida anualmente até 31 de Outubro e é válida apenas por um ano lectivo, pelo que ao fim de cada ano escolar o contrato de trabalho com professor contratado cessa por caducidade, só podendo ser renovado mediante novo processo de pedido de autorização. O Decreto-Lei n.º 266/77, de 1 de Julho, que estabeleceu disposições relativas ao regime de acumulação nos ensinos primário, preparatório, secundário, médio e particular, previa, no seu artigo 10.º, a possibilidade de ser autorizado o exercício por professores do ensino oficial, em regime de acumulação, de funções docentes no ensino particular, verificadas certas condições (carência, no ensino particular, de professores portadores de habilitações legais; docência no ensino especial; exercício de funções docentes no ensino particular em regiões periféricas ou isoladas), fixando como horário limite permitido, no ensino particular, o de 6 horas semanais, salvo em casos excepcionais fundamentados, e dependendo a acumulação de autorização do Director-Geral de Pessoal e Administração, a solicitar, até 30 de Novembro do ano escolar a que as nomeações respeitassem, pelos estabelecimentos de ensino particular, que deveriam juntar declarações de concordância do professor interessado e do estabelecimento de ensino oficial a que o mesmo se encontrasse vinculado (artigo 11.º, n.º 2). O Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, que aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, veio estabelecer, no seu artigo 67.º, o princípio de que "é permitida a acumulação de funções docentes em escolas particulares, bem como em escolas particulares e escolas públicas" (n.º 1), não podendo, em qualquer dos casos, a acumulação ultrapassar as 33 horas semanais (n.º 2), dispondo o subsequente artigo 68.º, no seu n.º 1, que "a acumulação de funções no ensino público e particular está sujeita a autorização da Direcção-Geral de Pessoal e deve ser solicitada até 31 de Outubro de cada ano, sem prejuízo do início de funções a título condicional". Na sequência da publicação deste Estatuto, o Decreto-Lei n.º 300/81, de 5 de Novembro, alterou a redacção do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 266/77, alargando a admissibilidade da acumulação ao "exercício de funções docentes em estabelecimentos de ensino de planos próprios em casos de reconhecida necessidade" (n.º 1, alínea c)), fixando em 33 horas semanais o limite horário da acumulação de funções nos dois ensinos (n.º 2), e estabelecendo que essa acumulação de funções estava sujeita a autorização da Direcção-Geral de Pessoal e devia ser solicitada (através de requerimento do director do estabelecimento de ensino particular, acompanhado por declarações de concordância do professor interessado e do responsável pelo estabelecimento de ensino oficial a que o mesmo se encontrasse vinculado no ano escolar a que respeitasse a acumulação - n.º 5) até 31 de Outubro de cada ano, salvo em casos excepcionais resultantes de situações supervenientes àquela data, considerando-se concedida se o requerimento não fosse indeferido nos 45 dias posteriores à sua entrada na Direcção-Geral de Pessoal (n.º 4). Visando regulamentar o artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 553/80, o Despacho n.º 92/ME/88, do Ministro da Educação, de 17 de Maio de 1988, publicado no Diário da República, II Série, n.º 137, de 16 de Junho de 1988, págs. 5342-5343, veio esclarecer os casos de impossibilidade de acumulação (n.º 1), a forma de cômputo do horário limite semanal (n.º 2), os requisitos formais e documentais dos pedidos de acumulação, a data limite regra da sua apresentação e o prazo para ser emitida decisão (n.º 3), dispondo seguidamente que "os professores do ensino oficial que pretendam acumular funções no ensino particular e cooperativo iniciarão as mesmas logo que sejam formulados os respectivos pedidos" (n.º 4), que "caso os pedidos de acumulação não sejam autorizados, os professores cessarão funções logo que tenham conhecimento oficial do indeferimento" (n.º 4.1) e que "a acumulação não justifica o incumprimento de obrigações no ensino oficial, sendo a autorização válida por um ano escolar, salvo se, até ao final do primeiro período do ano lectivo, o docente ficar abrangido por qualquer das impossibilidades previstas no n.º 1 do presente despacho, situação que determina a cessação imediata da acumulação" (n.º 5). Foi com base neste complexo normativo que este Supremo Tribunal de Justiça firmou o entendimento sustentado no citado acórdão de 18 de Junho de 1997, entendimento que, porém, importa rever atenta a alteração legislativa verificada, com revogação, expressa ou tácita, de todos os preceitos legais citados e com a caducidade do regulamento consubstanciado no citado despacho ministerial. Na verdade, os Decretos-Leis n.ºs 266/77 e 300/81 foram expressamente revogados pelo n.° 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário (doravante designado por Estatuto da Carreira Docente) e as normas dos artigos 67.° e 68.º do Decreto-Lei n.° 553/80, na medida em que foram substituídas pelo artigo 111.° daquele Estatuto, devem considerar-se também revogadas pelo n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 139-A/90 (do seguinte teor: "1 - O disposto no Estatuto aprovado pelo presente diploma prevalece sobre quaisquer normas, gerais ou especiais. 2 - Ficam desde já revogados (...) o Decreto-Lei n.º 266/77, de 1 de Julho, (...) o Decreto-Lei n.º 300/81, de 5 de Novembro (...)"). Com efeito, o artigo 111.° do Estatuto da Carreira Docente dispõe: "1 - É permitido a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente. 2 - É ainda permitida a acumulação de exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou ensino. 3 - É vedada a acumulação do exercício de funções aos docentes que se encontrem total ou parcialmente dispensados do cumprimento integral da componente lectiva, nos termos do disposto no artigo 81.º do presente Estatuto. 4 - Por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação são fixadas as condições em que é permitida a acumulação referida nos números anteriores." Uma das mais importantes diferenças de estatuição entre este preceito e as correspondentes normas do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, consiste em que enquanto do artigo 68.º, n.º 1, deste decreto-lei resultava a regra da anualidade das autorizações, tal limitação temporal desapareceu de todo do novo Estatuto da Carreira Docente. A portaria a que se reporta o n.° 4 do artigo 111.º deste Estatuto só veio a ser editada em 14 de Agosto de 1999 - Portaria n.° 652/99, de 14 de Agosto, que "regula o regime de acumulação de funções e actividades públicas e privadas dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário" (n.° 1.º), salientando-se, entre outras alterações ao regime instituído pelo Despacho Ministerial n.º 92/ME/88, a que atribui ao Ministro da Educação a competência para autorizar o exercício em acumulação de funções e actividades públicas e privadas (n.º 2.º), a que transfere para o próprio docente a legitimidade para requerer essa autorização (n.º 4.º), e sobretudo a que estabelece que "a autorização concedida apenas será válida enquanto se mantiverem as condições que permitiram a acumulação" (n.º 7.º), condições essas elencadas no n.º 3.º (não ser a actividade a acumular legalmente considerada incompatível, não serem os horários a praticar total ou parcialmente coincidentes, não ficar comprometida a isenção e a imparcialidade do exercício da função docente, não haver prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e não se dirigir aos mesmos destinatários a actividade privada a acumular, nos casos em que seja similar ou de conteúdo idêntico ao das funções públicas desempenhadas pelo requerente). Resulta do n.º 7.º desta Portaria a confirmação da abolição da regra da anualidade das autorizações, que já derivava do artigo 111.º do Estatuto. Agora, uma vez concedida, a autorização permanece "válida enquanto se mantiverem as condições que permitiram a acumulação". Esta diferença de regime implica que não se pode sustentar a tese de que, até à publicação da Portaria n.º 652/99, continuou a vigorar inteiramente o Despacho n.º 92/ME/88. É que constitui entendimento doutrinal pacífico, designadamente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (cfr. as menções constantes de Procuradoria-Geral da República - Pareceres, volume V, Lisboa, 1998, págs. 22 e 23) o de que a revogação da norma legal habilitante implica a caducidade dos regulamentos editados ao seu abrigo sempre que a lei executada seja revogada ou substituída por outra com ela incompatível, pois em qualquer dos casos o regulamento careceria de base legal: no primeiro caso, por falta de objecto; no segundo, por radical contraditoriedade normativa com a nova lei. Ou, noutra formulação: "um regulamento emitido ao tempo de vigência da anterior redacção de uma norma regulamentada não fica afectado na respectiva vigência pela alteração não substancial posterior da norma cuja previsão concretiza e desenvolve" (parecer n.º 32/90, no Diário da República, II Série, Suplemento ao n.º 65, de 19 de Março de 1991, pág. 3268-(9)). Como se lê no parecer n.º 9/96 do mesmo corpo consultivo (Diário da República, II Série, n.º 277, de 29 de Novembro de 1996, pág. 16 731): "Uma vez entrados em vigor - pondera-se (Afonso Rodrigues Queiró, "Teoria dos Regulamentos (2.ª parte)", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano I, 2.ª série (1986), n.º 1, pág. 29) - os regulamentos, se não forem entretanto alterados, suspensos, revogados pura e simplesmente ou substituídos por outros, ou ainda anulados, terão eficácia por tempo indefinido, ou até à verificação da condição resolutiva ou do termo final que neles hajam sido apostos (autoderrogação). A revogação e a modificação do regulamento (Afonso Rodrigues Queiró, obra citada, 2.ª parte, págs. 25 e seguintes) podem ser expressas ou tácitas, conforme o regulamento ou lei posterior declarem que revogam ou modificam um regulamento anterior ou se limitam a regular a mesma matéria de forma inovativa. Nesta hipótese requer-se um trabalho interpretativo, porventura difícil e melindroso, para estabelecer quais são as normas que, afinal de contas, foram derrogadas pelas normas novas. Particulariza-se, ademais (Afonso Rodrigues Queiró, ibidem), que os «regulamentos de execução devem considerar-se tacitamente revogados se for revogada ou substancialmente modificada a lei regulamentada». Mas, «se houver apenas incompatibilidade parcial entre a nova lei e o regulamento precedente, este sobreviverá na medida em que se harmonizar com ela - salvo se outra for a vontade apurada do legislador». Portanto, «em princípio - lê-se noutro autor (Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, 1982, pág. 113) -, a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também a revogação deste. Mas, se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, entendem as nossas doutrina e jurisprudência que ela continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este a não contrariar». Na mesma linha de pensamento, há, porém, quem reconduza as situações aludidas à ideia de caducidade. «O regulamento caduca também - escreve-se (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, Lições aos alunos do curso de Direito de 1984-1985, Lisboa, pág. 60) - se for revogada a lei que ele vinha complementar ou executar, caso esta não seja substituída por outra. Portanto, se havia um regulamento de execução ou complementar de uma lei, e se essa lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca. Se tal lei foi substituída por outra, o regulamento manter-se-á em vigor em tudo o que não seja contrário à nova lei»." De acordo com esta doutrina, devem considerar-se caducadas (ou revogadas) desde a entrada em vigor, em 2 de Maio de 1990 (cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril), do Estatuto da Carreira Docente, as disposições do Despacho n.º 92/ME/88 que pressupunham a regra da anualidade das autorizações para a acumulação de funções docentes no ensino particular, regra essa que aquele Estatuto aboliu. Não ocorreu, assim, contrariamente ao sustentado pela recorrente, qualquer lacuna de regulamentação ou caso omisso que justificasse a sobrevigência do Decreto-Lei n.º 553/80. O Estatuto da Carreira Docente entrou em vigor em 2 de Maio de 1990, aplicando-se à execução do determinado no seu artigo 111.º, até à prolacção da Portaria n.º 652/99, o regulamentado no Despacho n.º 92/ME/88 em tudo o que não fosse incompatível com aquela disposição legal, como acontecia com a abolida regra da anualidade das autorizações para acumulação. Para terminar, importa ainda referir que a celebração de contrato de trabalho, entre estabelecimento de ensino particular e professor do ensino oficial, para exercício de actividade docente sem prévia obtenção da autorização de acumulação, não torna o contrato nulo por ter sido pretensamente celebrado contra legem. A referida acumulação não é uma actividade proibida por lei; pelo contrário, o que resulta dos sucessivos regimes legais atrás referenciados é que se trata de uma situação permitida por lei, ressalvados os casos excepcionais em que é expressamente interdita. Por outro lado, a autorização prevista não tinha de ser expressa (ela era considerada tacitamente concedida se o requerimento não fosse indeferido nos 45 dias posteriores à sua entrada na Direcção-Geral de Pessoal - artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 266/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 300/81) nem sequer prévia ao exercício de actividade (as funções no ensino particular podiam ser iniciadas logo que formulado o pedido de autorização - n.º 4 do Despacho n.º 92/ME/88). Isto é: a concessão da autorização não era condição de validade ou de eficácia do contrato de trabalho celebrado entre o professor do ensino oficial e o estabelecimento de ensino particular; a eventualmente superveniente recusa de autorização é que constituía causa de cessação desse contrato (n.º 4.1 do mesmo Despacho), e o certo é que nos autos não consta que essa autorização alguma vez tivesse sido recusada. Assim, a falta de formulação de pedido de autorização para acumulação de funções poderia, quando muito, constituir infracção disciplinar, mas nunca seria geradora de nulidade desses contratos de que derivasse, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, e 289.º, n.º 1, do Código Civil, que o trabalhador não poderia retirar dos contratos celebrados quaisquer direitos. Claudicando, como claudicam, os fundamentos da tese sustentada pela ré recorrente, há que concluir, com as instâncias, que no caso ocorreu despedimento ilícito da autora, com as consequências especificadas no acórdão recorrido. 4. Decisão Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. Lisboa, 13 de Novembro de 2002.
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