Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE PRISÃO ILEGAL | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | DEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MEDIDAS ADMISSÍVEIS / MODOS DE IMPUGNAÇÃO. | ||
Doutrina: | -GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260; -J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição revista, 2007. Coimbra Editora, p. 508 e 510. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 202.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E M) E 222.º, N.º 2, ALÍNEA B). LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADA PELO DL N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO: - ARTIGOS 21.º, N.º 1 E 25.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 16-12- 2003, ACÓRDÃO N.º 4393/03; - DE 10-10-2007, PROCESSO N.º 07P3780, SUMÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SECÇÕES CRIMINAIS, IN WWW.STJ.PT; - DE 04-12-2008, PROCESSO N.º 08P3934; - DE 09-02-2011, PROCESSO N.º 25/10.8MAVRS-B.S1; - DE 21-11-2012, PROCESSO N.º 22/12.9GBETZ-0.S1; - DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 31/11.5SULSB-B.S1, SUMÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SECÇÕES CRIMINAIS, IN WWW.STJ.PT; - DE 26-02-2014, PROCESSO N.º 6/14.2YFLSB.S1; - DE 11-12-2014, PROCESSO N.º 1049/12.6JAPRT-C.S1; - DE 22-09-2016, PROCESSO N.º 247/14.2JELSB.S1, SUMÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SECÇÕES CRIMINAIS, IN WWW.STJ.PT. | ||
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Sumário : | I - Tendo o arguido sido sujeito à medida de coacção de prisão preventiva pela existência de fortes indícios da prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, e mais tarde condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, do citado diploma legal, forçoso é considerar que se alteraram substancialmente os pressupostos de facto que motivaram a aplicação inicial da medida de coacção aplicada. II - Perante o novo e actual enquadramento jurídico da conduta do arguido, é evidente a conclusão de que o crime pelo qual o requerente foi condenado enquadra uma moldura legal que não se coaduna com as exigências do artigo 202.º nº 1 al. a), do CPP, quando reclama indícios da prática de crime de doloso punível com pena de máximo superior a cinco anos, nem tão pouco o conceito de criminalidade altamente organizada, por força do disposto no art. 1.º, al. m), do mesmo diploma. III - O crime por que o requerente foi condenado não admite prisão preventiva pelo que a prisão a que está sujeito é ilegal, nos termos do art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP, sendo procedente o seu pedido de “habeas corpus” | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - RELATÓRIO
1. AA, arguido no processo n.º 71/16.8PEPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do ..., à ordem do qual se encontra sujeito a prisão preventiva, vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 222.º n.º 2 alínea b), do Código de Processo Penal, a concessão da providência de Habeas Corpus, com os seguintes fundamentos[1]:
«1.º O arguido encontra-se sujeito a prisão preventiva, desde o passado dia 7 de Setembro de 2016, dia em que foi presente a primeiro interrogatório judicial, ininterruptamente, até hoje.
2.º Uma vez que, naquela data, o Meritíssimo JIC, considerou que se verificaram indícios fortes do arguido ter praticado um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93. – Conforme certidão do despacho que ordenou a prisão preventiva do arguido que se junta a final e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – DOCUMENTO N.º 1
3.º Qualificação essa que se manteve durante todo o processo, até à leitura do Acórdão condenatório.
4.º Realizada a audiência de julgamento e produzida toda a prova, por acórdão proferido e depositado no passado dia 4 de Abril de 2017, o arguido acabou condenado, pelo crime previsto e punido nos termos do disposto no artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 21 de Janeiro, na pena de prisão de 3 (três) anos de prisão efectiva.
5.º No entanto, aquele acórdão condenatório, quando reavaliou a medida de cocção nos termos do disposto no artigo 375.º n.º 4 e 213.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, ao contrário daquilo que deveria ter feito, decidiu manter a Prisão Preventiva, apesar de ter condenado o arguido por um crime cuja pena máxima não ultrapassa os cinco anos de prisão – artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 21 de Janeiro. – Conforme consta da certidão do acórdão condenatório, proferido nos autos que a final se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – Documento n.º 2
6.º Ora, quando o Tribunal verificou que os indícios imputados ao arguido, se traduziram durante o julgamento em prova que apenas admitia a condenação por um tipo legal de crime que cuja moldura penal abstractamente aplicável é de 1 a 5 anos de prisão, conforme consta do acórdão condenatório, estava imediatamente obrigado, nos termos do 212.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, a revogar a Prisão Preventiva.
7.º Pois, a partir da data em que foi proferido aquele acórdão condenatório, que a prisão preventiva do arguido deixou de ser legalmente admitida, uma vez que deixaram de subsistir as circunstâncias que justificavam a sua aplicação, pois o crime pelo qual o Tribunal condenou a arguido tem como moldura penal máxima 5 anos de prisão.
8.º Pelo que o arguido está ilegalmente preso preventivamente desde 4 de Abril, ou seja, desde a data em que foi proferido o acórdão condenatório.
9.º Atento tudo quanto se referiu, e porque se poderia tratar de um mero lapso do Tribunal, o arguido requereu a sua imediata libertação, no passado dia 4 de Maio – Tudo conforme consta do requerimento apresentado pelo arguido que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – Documento n.º 2
10.º No entanto, o Tribunal entendeu considerar, ainda assim, ser de manter o arguido sujeito a Prisão Preventiva, por entender que; “…Nos autos foi proferido acórdão ainda não transitado em julgado. Note-se, aliás, que ainda pode ser interposto recurso quer pelo arguido, quer pelo MP que ponha em causa a qualificação da conduta do mesmo nos termos do art. 25.º da Lei da Droga. E, caso venha a ser interposto recurso o mesmo terá efeitos suspensivos da decisão. Logo a qualificação jurídica aplicável nos autos, até trânsito em julgado da decisão, ainda é a do único despacho judicial transitado (despacho que designou dia de julgamento) que recorde-se enquadrou a conduta do arguido no art. 21.º da Lei da Droga Tudo conforme consta da certidão do despacho que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – Documento n.º 2
11.º Certo é que a posição vertida naquele despacho, em nada altera em nada a natureza de prisão ilegal em que o arguido se encontra.
12.º Antes de mais, porque o recurso interposto pelo arguido, e outro que, eventualmente, o M.P. venha a interpor tem efeitos suspensivos, unicamente, quanto à decisão condenatória e nunca no que respeita à medida coacção, conforme, aliás, resulta da Lei.- Vide, 408.º do Código Penal.
13.º Depois, porque, a revogação da prisão preventiva deveria ter ocorrido oficiosamente, e imediatamente, nos termos do disposto no artigo 212.º n.º 1 alínea b) do Código Processo Penal, independentemente da possibilidade de qualquer sujeito processual interpor recurso.
14.º Nesta conformidade, o arguido encontra-se desde a data em que foi proferido o Acórdão de condenação (04/04/2017), em situação de prisão ilegal, nos termos do disposto nos artigos 212.º n.º 1 alínea b) 217º n.º 1 e 222.º n.º 2 alínea b) do CPP.
15.º Pelo que se impõe a libertação imediata do arguido.
Termos em que, requer a V. Ex, ao abrigo do disposto no artigo 222º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal, se digne conceder providência de habeas corpus, ordenando a libertação imediata do suplicante, face a violação do disposto nos art.º 212. n.º 1 alínea b), 217.º e 202 n.º 1 alínea a)“a contrario” todos do Código de Processo Penal.»
2. Foi proferida, a seguinte informação:
«Nos termos do art. 223º, do CPC informa-se que:
1. O arguido AA foi acusado a fls. 196 pela prática de um crime p. e p. no art. 21°, da Lei da Droga 2. A acusação foi recebida por despacho de fls. 233 com o mesmo enquadramento jurídico. 3. Após julgamento foi proferido acórdão, ainda não transitado que considerou que apesar de considerar provado o arguido ter participado enquanto correio "na venda de 160,890 gramas de cocaína" a sua conduta seria subsumível ao art. 25°, da Lei da Droga aplicando-lhe a pena de 3 anos de prisão efectiva (fls. 374 e seguintes). 4. Nesse aresto foi mantida a medida de prisão preventiva a que o arguido está sujeito desde 7.9.2016. 5. Após "reclamação" foi proferido o despacho de fls. 467. 6. Posteriormente a esse despacho o arguido interpôs recurso do acórdão final. 7. Ainda não decorreu o prazo para o MP interpor recurso dessa decisão. 8. A decisão do acórdão não transitou em julgado, tendo o recurso da mesma efeito suspensivo. 9. Logo, a qualificação jurídica válida nesta fase processual (após recebimento da acusação é até trânsito da decisão final) ainda é a que imputa ao arguido a prática do art. 21°, da Lei da droga. 10. Mas mais, importante materialmente todos os fundamentos que tornaram legal a medida de prisão preventiva estão fortalecidos, pois, o arguido foi condenado numa pena de prisão efectiva (3 anos de prisão).
Autue por apenso, organize o apenso com as certidões dos elementos requeridos pelo arguido (despacho que ordenou a prisão preventiva; acusação, despacho que recebeu a mesma; acórdão, requerimento deste a fls. 404, despacho fls. 407).
Certifique que o acórdão não transitou em julgado e remeta ao STJ nos termos do art. 223°, do CPP.»
3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o Defensor do requerente, teve lugar a audiência, nos termos dos artigos 223.º, n.os 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal, doravante CPP, cumprindo tornar pública a respectiva deliberação
II - FUNDAMENTAÇÃO A. Os factos Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida: B. O direito 1. Estabelece o artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal. O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade», podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[2]. Visando reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, o habeas corpus constitui, para GERMANO MARQUES DA SILVA, «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[3]. Como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, esta providência constitui «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…»[4]. Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos artigos 220.º, n.º 1 e 222.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente. Tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, situação que se destaca por ser aquela que o requerentes invoca, esta há-de provir, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de: a) Ter sido efectuada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto que a lei não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
Como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26-02-2014 (proc.º n.º 6/14.2YFLSB.S1 - 3.ª Secção):
A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe ainda uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado o pedido. Trata-se de asserção que consubstancia jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça, como se dá nota no acórdão de 21-11-2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção), onde se indicam outros arestos no mesmo sentido, bem como no acórdão de 09-02-2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção). Assim, à luz do princípio da actualidade, assim enunciado, o que está em causa no caso sub judice é unicamente a apreciação da legalidade da actual situação de privação de liberdade do requerente.
2. O requerente invoca a ilegalidade da medida de coacção que lhe foi aplicada por ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite – artigo 222.º, n.º 2, alínea b), do CPP, convocando ainda a aplicação directa do artigo 31.º da Constituição. Diga-se, desde já, que assiste razão ao peticionante. 2.1. Efectivamente, ao crime de tráfico de menor gravidade por cuja prática o requerente foi condenado cabe a pena de 1 a 5 anos de prisão [artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93]. Convocando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-12-2008 (Proc. n.º 08P3934), em que se apreciou uma situação muito idêntica àquela que aqui se nos apresenta: «O artº 202º do C.P.P. faz depender, na al. a) do seu nº 1, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, para além dos restantes pressupostos, do facto de existirem no caso concreto “fortes indícios da prática de crime doloso punível com a pena de prisão de máximo superior a cinco anos”. A questão a apreciar no caso vertente é assim a de saber se, convolada a imputada infracção do artigo 21 do Decreto-Lei 15/93 para o crime previsto no artigo 25 do mesmo diploma, com a sequente alteração da moldura legal, se pode afirmar haver fortes indícios, afinal, da prática do crime pelo qual o requerente não foi condenado. Por outras palavras a mesma questão pressupõe que se defina em relação a que momento processual se deve apreciar o pressuposto de existência de fortes indícios, ou seja, saber se tal aferição deve ser feita em relação a uma realidade processual ultrapassada, ou em relação á informação que o processo nos oferece no preciso momento em que se procede á apreciação. Estamos em crer que a resposta necessariamente que passa pela constatação que a relação processual é dinâmica, e não estática, podendo oferecer em diversos momentos uma diferente perspectiva da factualidade que constitui o seu pressuposto. Assim é evidente que uma coisa é a apreciação dos factos numa fase inicial do processo em sede de inquérito em que os indícios existentes vão ser objecto de uma concretização posterior e, outra, a fase de julgamento, implicando uma analise exaustiva da prova que, em relação ao libelo acusatório e dentro dos imites propostos pelo principio do acusatório, foi produzida. Em julgamento concretiza-se toda a actividade probatória provando-se, ou não, os factos que numa fase prévia constituíam uma mera indiciação, qualitativamente menos afinada e sustentada.» No caso concreto os factos considerados provados em sede de julgamento são substancialmente distintos daqueles que são apontados no despacho que determinou a prisão preventiva pois que ali se concluiu, perante os factos que se provaram, «a imagem global do facto (…) demonstra uma acentuada diminuição da ilicitude enquadrável quanto aos arguidos no art. 25 da Lei nº 15/93». Retomando o acórdão há pouco citado, em trecho inteiramente aplicável à situação sub judice: «Parece-nos, assim, ser de liminar percepção a conclusão de que, contrariamente ao constante na decisão de reapreciação da medida de coacção aplicada, se pode afirmar que se alteraram substancialmente os pressupostos de facto que motivaram a aplicação inicial da medida de coacção aplicada. Na verdade, a matéria que se considerou provada em julgamento é substancialmente distinta, e de muito menor densidade de ilicitude, do que aquela que informou a decisão que aplicou a medida de coacção».
2.2. Perante o novo e actual enquadramento jurídico da conduta do arguido, ora requerente, tal como se considerou naquele acórdão, é evidente a conclusão de que o crime pelo qual o requerente foi condenado enquadra uma moldura legal que não se coaduna com as exigências do artigo 202.º nº 1 alínea a), do CPP, quando reclama indícios da prática de crime de doloso punível com pena de máximo superior a cinco anos. Não é esse o caso do referido artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o que conduz á ilegalidade da prisão a que se encontra sujeito o requerente. No mesmo sentido, se decidiu nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 10-10-2007 (Proc. n.º 07P3780), de 22-01-2013 (Proc. n.º 31/11.5SULSB-B.S1 – 3.ª Secção) e de 22-09-2016 (Proc. n.º 247/14.2JELSB.S1)[5].
2.3. Refira-se que, não se integrando o crime pelo qual o requerente se encontra condenado na previsão do artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do CPP, certo é que também não ser contemplado pela alínea c) do mesmo preceito, no segmento «criminalidade altamente organizada», por força do disposto no artigo 1.º, alínea m), do mesmo diploma. Na verdade, quanto à questão de saber se o crime de tráfico de menor gravidade tem cabimento na definição-tipo de criminalidade altamente organizada fornecida pela alínea m) do artigo 1º do CPP, a resposta não pode deixar de ser negativa. Como se sublinha no citado acórdão de 10-10-2007: «De acordo com a referida alínea, considera-se “Criminalidade altamente organizada” as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento. Tenha-se desde já em consideração que esta última definição surge na sequência das definições de “terrorismo”, de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta”. Face a este enquadramento e a esta sequência não é de ter por abrangido em tais universos de criminalidade grave o crime de tráfico de menor gravidade, cabendo tão só o crime de tráfico de estupefacientes base e o agravado, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º do Decreto-Lei 15/93. No sub-tipo de tráfico de menor gravidade, que consubstancia um tipo legal de crime privilegiado em função da menor gravidade do tráfico, visam-se comportamentos em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das substâncias.» No mesmo sentido, ou seja, excluindo o crime de tráfico de menor gravidade do conceito de criminalidade altamente organizada, podem ver-se os também já citados acórdãos deste Supremo Tribunal, de 22-01-2013 e de 22-09-2016, proferidos igualmente em providências de Habeas Corpus.
2.4. Conclui-se, pois, que o crime por que o requerente foi condenado não admite prisão preventiva pelo que a prisão a que está sujeito é ilegal, nos termos do artigo 222.º, n.º 2, alínea b), do CPP, sendo procedente o seu pedido de Habeas Corpus.
III. DECISÃO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 17 de Maio de 2017 (Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
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