Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME DUPLA CONFORME PARCIAL | ||
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Data do Acordão: | 03/17/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
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Sumário : | I- Para que exista “dupla conformidade” relevante é necessário que o segmento decisório seja materialmente autónomo. II- Não tem essa autonomia o trabalho suplementar alegadamente realizado e a respetiva remuneração em um período circunscrito da execução do contrato de trabalho, porquanto se trata de uma questão que deve ser decidida unitariamente, já que os argumentos esgrimidos pelo empregador são – com exceção da exigência legal de documento idóneo para o trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos – sensivelmente os mesmos (exigência prévia ou benefício económico para o empregador, existência ou não de isenção de horário de trabalho, boa fé do trabalhador, para mencionar alguns). | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 252/19.2T8OAZ.P1-A.S1 Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
AA veio reclamar para a Conferência do despacho que deferiu a Reclamação apresentada por MDA-Moldes de Azeméis, SA, despacho esse que admitiu o recurso de revista interposto por MDA-Moldes de Azeméis, SA, mormente como tendo por objeto a decisão sobre o trabalho suplementar e o descanso compensatório, na sua integralidade, por entender que não existe um segmento decisório autónomo quanto a uma decisão que incide sobre apenas uma fração temporal, uma parte da duração do contrato de trabalho. A Reclamação apresenta as seguintes Conclusões: 1ª O segmento decisório em que a R. decaiu em 1ª e 2ª instância, quanto ao trabalho suplementar, e de que recorreu, refere-se ao período de 17.1.2014 a 11/2016, ao passo que o período a que se refere o recurso do A., versando a decisão da Relação que revogou a sentença de 1ª instância, refere-se ao período de 3.1.2011 a 16.1.2014. 2ª No que se refere ao recurso da R., versa matérias que foram declinadas e barradas pela Relação, confirmando o entendimento da 1ª instância, quanto ao facto de ser devido o trabalho suplementar e descansos compensatórios, de não existir isenção de horário de trabalho, nem abuso de direito, nem má fé, e os respetivos juros; já o recurso do A. tem somente a ver com a questão da existência e ou necessidade de documento idóneo para prova do trabalho suplementar. 3ª Tudo permite concluir que os segmentos decisórios e decaimentos que afetaram a R. e o A. são absolutamente distintos e perfeitamente autonomizáveis, como é bem visível pelo objeto dos recursos interpostos, que é totalmente diferente, sendo tal a autonomia que se pode dizer que o conhecimento do recurso do A. em nada afeta o segmento decisório da R. 4ª A R., se quisesse recorrer, por si só, quanto ao trabalho suplementar, estava impedida de fazê-lo, por causa da dupla conforme: Não é pelo facto de o A. recorrer (quanto a outro período temporal e a outra questão atinente ao trabalho suplementar) que passa a poder fazê-lo e que pode superar o obstáculo da dupla conforme, porque a lei não prevê que esse obstáculo seja removido dessa forma! 5.ª Não pode tratar-se tudo como se fosse a mesma decisão para a R. e o A., porque não é e porque a R. está obstaculizada de recorrer, na parte em que decaiu, no seu resultado final ou decisão final, face à dupla conforme, ao passo que no segmento decisório que afeta o A., no seu resultado final, ele não está abrangido por esse obstáculo. E rematava pedindo que não fosse admitido o recurso quanto ao trabalho suplementar. A Recorrente respondeu. Na sua resposta sublinhou que o Autor apresentou um pedido quanto ao trabalho suplementar e ao descanso compensatório referido ao contrato no seu conjunto, a saber, “Deve a ação ser julgada procedente e a R. condenada a pagar ao A. as quantias A respeito desta questão, a decisão da 1.ª instância foi no sentido de condenar a Ré ao pagamento de € 70.225,41 (“por força do trabalho suplementar e do descanso compensatório, a ré deve ser condenada a pagar ao autor a quantia de € 70.225,41”). Já a decisão do Tribunal da Relação foi no sentido de: “Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a “quantia de 70.225,41 €, acrescida de juros de mora vencidos até ao dia de hoje no montante de 13.852,02€, num total de 84.077,44€ e de juros vincendos, à taxa legal, desde o dia de amanhã até integral pagamento”, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré MDA - Moldes de Azeméis, SA, a pagar ao Autor, AA: - a. 1.1. A quantia de €45.932,99, a título de trabalho suplementar referente ao período de 17.01.2014 a 30.11.2016, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efetivo e integral pagamento; a.1.2. A quantia de €11.483,22, a título de retribuição por descansos compensatórios correspondentes ao trabalho suplementar prestado no período de 17.01.2014 a 30.11.2016 (referido em a.1.1.), bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento (…) b.2.4. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €27.660,38, a título de trabalho suplementar prestado desde 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efetivo pagamento; b.2.5. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €226.56 a título de retribuição por descansos compensatórios não gozados referentes ao trabalho suplementar prestado no período de 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre esta quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.” Cumpre apreciar. Como muito bem destaca a Recorrente na sua Resposta “revogar” não é sinónimo de confirmar e as instâncias responderam diferentemente à questão do eventual pagamento por trabalho suplementar e compensação por descanso compensatório, tendo a primeira instância condenado a Ré no pagamento de quantias distintas (€ 70.225,41, na condenação da 1.ª instância e € 85.303,15, na decisão do Tribunal da Relação), pelo que não existe dupla conformidade. O Reclamante vem, no entanto, defender que existiria “dupla conformidade” em relação a um determinado segmento temporal da duração do contrato de trabalho. É exato que este Supremo Tribunal de Justiça tem admitido a possível existência de uma “dupla conforme parcelar”. Todavia, “a dupla conforme parcelar apenas pode ter lugar relativamente a objetos processuais decorrentes de pretensões autónomas, cindíveis, formuladas na causa” (Acórdão do STJ de 17-06-2021, processo n.º 5569/16.5T8VIS.C1.S1, Relator Conselheiro Tibério Nunes da Silva), devendo referir-se a segmentos “materialmente autónomos e juridicamente cindíveis” (Acórdão do STJ de 16-12-2020, processo n.º 12380/17.4T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Rosa Tching) e “no caso de vários pedidos, a dupla conforme é relevante relativamente a cada um dos segmentos decisórios; porém, dentro de cada segmento decisório não pode ter lugar parcialmente dupla conforme relevante, em ordem a ser admitido recurso relativo apenas a uma parte de tal segmento” (Acórdão do STJ de 09-07-2015, n.º 17/11.0TVPRT.P1.S1, Relator Conselheiro João Bernardo, sublinhado nosso). A tese defendida pelo Reclamante levaria a que se afirmasse a dupla conforme parcial sempre que as instâncias – mesmo com decisões diversas quanto ao montante a pagar pelo trabalho suplementar e descanso compensatório não gozado ao longo da duração do contrato, questão que correspondia, afinal, ao pedido do autor – concordassem no montante relativo a um ano, um mês ou, no limite, um dia e ainda que discordassem quanto ao remanescente. Isto muito embora se trate de uma questão que deve ser decidida unitariamente, porquanto os argumentos a esgrimir pelo empregador são – com exceção da exigência legal de documento idóneo para o trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos – sensivelmente os mesmos (exigência prévia ou benefício económico para o empregador, existência ou não de isenção de horário de trabalho, boa fé do trabalhador, para mencionar alguns). Decisão: Indefere-se a reclamação, confirmando-se o despacho objeto da mesma. Custas pelo Reclamante Lisboa, 17 de março de 2022
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator) Joaquim António Chambel Mourisco Maria Paula Sá Fernandes
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