Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8387/19.5T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
MEDIADOR
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
COMISSÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
BEM IMÓVEL
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
PROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Celebrado contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, a remuneração da autora só é devida se o negócio visado pelo exercício da mediação for celebrado de forma eficaz e desde que seja possível estabelecer um processo causal entre a atividade da mediadora e a celebração do negócio, conforme previsto no art. 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8/02.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA instaurou a presente acção de processo comum contra AA e BB, ambos com domicílio na Av. ..., ..., ... ..., pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento das seguintes quantias: i) €80.000,00, a título do valor da comissão imobiliária; ii) €18.400,00 relativa ao valor de IVA devido; iii) €2.275,33, a título de juros vencidos. Pede, ainda, a condenação dos réus no pagamento dos juros vincendos até integral cumprimento.

Alegou, para tanto, e em síntese, que no âmbito da sua actividade de mediação imobiliária foi contactada pelos réus para angariar um comprador para o imóvel propriedade dos mesmos, sito no n.º 21 da Rua ..., Herdade ..., ..., motivo pelo qual, em 10/08/2018 celebraram um contrato de mediação imobiliária, sob o regime de exclusividade. A venda pretendida apontava para o valor de €1.990.000,00, sendo a remuneração devida à autora no valor de 5% da venda. Em 22/02/2019, a autora apresentou aos réus uma proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00, à qual os réus não responderam. Sucede que a autora veio a ter conhecimento de que os réus venderam o imóvel a terceiros, a quem a autora também tinha apresentado o imóvel, pelo valor de €1.400.00,00, com a intervenção de outra agência imobiliária. Apesar de o contrato celebrado entre a autora e os réus continuar em vigor à data em que foi efectuada a venda, os réus não pagaram a comissão de 5% prevista no contrato.

Conclui, pedindo o pagamento do valor da comissão de 5%, calculado sobre o valor da proposta de compra apresentada aos réus, acrescido de IVA e de juros vencidos desde a data em que os réus celebraram a escritura de compra e venda, e vincendos até integral pagamento.

2. Citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese: que o contrato celebrado com a autora não estava sujeito à cláusula de exclusividade; que o contrato dos autos foi entregue à ré BB por CC, que além de funcionária da autora, era esposa ou companheira do sócio gerente da autora, havendo uma relação de amizade e confiança entre os dois casais. E que por virtude dessa relação pessoal, a ré BB assinou o contrato, e pediu ao seu marido que o fizesse, o réu AA, convencida de que o mesmo não estava sujeito a qualquer exclusividade a favor da autora excepto quanto outras agências R..., pois assim lhe tinha sido explicado por CC; que nunca os réus pretenderam celebrar um contrato de exclusividade com a autora, tanto que celebraram outros contratos de mediação com outras agências imobiliárias, o que era do conhecimento da autora. Negam ter recebido a proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00 que a autora diz ter enviado, tanto que o endereço de email para o qual a autora refere ter enviado a tal proposta não era utilizado pela ré BB. Os réus assinaram o contrato de mediação com o cabeçalho em branco, tendo sido CC quem depois o preencheu e, por isso, a responsável pela indicação do email (errado) da ré BB. Relativamente à venda do imóvel alegam que os compradores foram apresentados por outra agência imobiliária que já publicitava o imóvel desde Agosto de 2017, como era do conhecimento da autora, sendo que um dos elementos do casal comprador já tinha efectuado uma visita ao imóvel através dessa agência em setembro de 2018; que a intenção da autora é denegrir a imagem pública do réu AA, que é figura pública por ter sido jogador de futebol no ... durante quinze anos, tendo sido indicada a morada do Clube para citação dos réus com o propósito de os humilhar perante terceiros; que, ainda que a autora tivesse direito à comissão, o respectivo valor deve incidir sobre o valor da venda e não sobre o valor da proposta, não sendo também devidos juros por não ter ocorrido interpelação para pagamento; que é aplicável ao contrato celebrado entre as partes o regime das cláusulas contratuais gerais e que como a autora não explicou à ré BB o conteúdo das cláusulas contratuais, e a explicação que deu sobre a cláusula de exclusividade foi enganosa, deve ter-se por excluída do contrato essa cláusula ou, caso assim não se entenda, ser a mesma declarada nula porquanto a explicação dada pela autora induziu a ré em erro, devendo, ainda, o contrato ser declarado nulo por falta de aprovação prévia do projecto de contrato de mediação imobiliária pelo IMPIC, IP.; que quando a ré BB questionou CC sobre o significado da cláusula de exclusividade aposta no contrato, esta disse-lhe que se tratava de exclusividade apenas entre agências R..., o que fez os réus acreditar que poderiam manter e celebrar contratos com outras agências, pelo que a autora actuou com dolo, induzindo em erro os réus, que declararam coisa diversa do que pretendiam sobre um elemento essencial do contrato, sendo por isso o contrato anulável, por erro e dolo.

Os réus pedem a condenação da autora como litigante de má-fé por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer, alterando a realidade e a verdade dos factos, com a clara intenção de denegrir a imagem do réu AA e de o humilhar, o que se verifica pela falta de interpelação prévia à instauração da acção e pelo facto de ter indicado como morada para citação a do ....

Pugnam, a final, pela improcedência da acção e procedência das excepções invocadas, com a consequente absolvição do pedido, e pela condenação da autora em multa e indemnização aos réus nos termos a fixar pelo tribunal, como litigante de má fé e, subsidiariamente pela improcedência parcial da acção.

3. Notificada, veio a autora responder às excepções invocadas, alegando que todas as cláusulas contratuais foram explicadas com clareza e boa fé e que o contrato de mediação imobiliária foi aprovado pelo IMPIC, concluindo pela inexistência de qualquer vício que afecte o contrato.

4. Foi elaborado despacho saneador, tendo sido identificado o objecto do litígio e os temas da prova.

5. Procedeu-se à realização de audiência final com observância do formalismo legal.

6. Veio a ser proferida sentença que decidiu:

Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, nessa conformidade:

1. Condeno, solidariamente, AA e BB no pagamento a PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA da quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de IVA à taxa de 23%, no valor de €16.100,00 (dezasseis e mil e cem euros), no total de 86.100,00 (oitenta e seis mil e cem euros), a que acresce a quantia de €1.990,92 (mil, novecentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos) a título de juros vencidos até 04/12/2019, e nos juros de mora vencidos e vincendos, a calcular sobre a quantia de €86.100,00 desde 05/12/2019 até integral e efectivo pagamento, à taxa anual de 4%.

2. Absolvo os réus demais peticionado pela autora;

3. Custas por ambas as partes, na proporção de 12,5% para a autora e de 87,5% para os réus.”

7. Houve recurso de apelação pelos RR, conhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e que culminou com o seguinte dispositivo:

8. PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, Apelada nos autos em epígrafe, notificada que foi do Douto Acórdão que deferiu a Apelação, absolvendo os RR. do pedido mas discordando da decisão veio, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. a) e b) apresentar RECURSO DE REVISTA, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“A. Pese embora a presente Revista tenha como objeto a matéria substantiva da decisão da Veneranda Relação no âmbito do Recurso de Apelação em que revogou a decisão da 1.ª Instância, põe igualmente em crise em matéria de lei adjetiva, a decisão daquela Relação de Lisboa, em admitir a Apelação que não cumpria os requisitos mínimos para poder ser aceite.

B. Na essência andou mal a Veneranda Relação de Lisboa, que revogou a sentença do Tribunal de 1.ª Instância que condenara os RR. a pagarem à A., no essencial, o valor de €70.000,00 (Setenta Mil Euros), acrescida de IVA e juros vencidos e vincendos.

C.A decisão da Veneranda Relação de Lisboa é duplamente posta em crise pois não só apreciou mal a questão substancial, como se permitiu apreciar uma Apelação que não tinha o mínimo de formalismo aceitável, que não podia ser apreciada e teria que imediatamente ser indeferida por não cumprimento dos ónus mínimos, ínsitos no artigo 639.º e/ou 640.º do CPC, tendo assim a presente Revista também como fundamento a al. b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC

D. Na Apelação interposta pelos RR. não foram indicados quaisquer factos que os mesmos Apelantes pretenderam por em crise, ou sequer as normas jurídicas violadas.

E.A Relação de Lisboa, tendo a questão sido desde logo levantada na resposta à Apelação, debruçou-se sobre a questão, decidindo de forma contrária à Lei Processual Civil, contrariando margens que o legislador não lhe dava.

F. Estabelece o n.º 2 do artigo 639.º do CPC, que “Versando o recurso matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

G. Por sua vez, o artigo 640.º, vem dar a conhecer as regras estabelecidas pelo legislador aos recorrentes, quando os mesmos pretendam impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Desde logo os Apelantes não permitiam sequer deixar perceber que tipo de recurso pretendiam interpor os recorrentes se sobre matéria de direito, sobre matéria de facto ou sobre ambas.

H. Não há a menção pelos apelantes a sequer uma norma que a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, tenha violado, mal interpretado ou aplicado num sentido diferente do desejado pelos recorrentes.

I. Também não são indicados os concretos pontos de facto que os recorrentes consideraram mal julgados, ou quais os concretos meios probatórios constantes do processo, ou dos registos ou gravações nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diferente da recorrida.

J. Nada é referido sobre a decisão que no entender dos então apelantes deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

K. Pese embora os Apelantes tivessem os ónus sobre eles, tanto no âmbito do artigo 639.º, como do artigo 640.º, recorreram simplesmente dizendo que discordam do Tribunal a quo, colocando-se numa posição automática de inadmissibilidade do Recurso, sob pena de se fazer tabua rasa das regras processuais mencionadas.

L. De forma ainda mais confusa, no artigo 24.º do Douto recurso surge a menção ao depoimento de uma testemunha com indicação do ficheiro e tempo, parecendo deixar adivinhar um pedido de reapreciação da prova gravada.

M. Os Tribunais, seja qual for a instância, estão vinculados à Lei Adjetiva e o legislador até estabelece as margens de erro que são permitidas às partes, concretamente aqui aos recorrentes.

N. Assentaram assim os RR. a sua Apelação numa mera afirmação de discordância da decisão sendo que naquele quadro não poderia a então Apelada voltar a discutir a matéria como o fez em julgamento, pelo que a matéria de facto teria que ser confirmada pela Veneranda Relação.

O. Pôr-se-ia em causa se o Tribunal de 1.ª Instância teria violado uma qualquer norma de direito? Interpretado mal uma norma? Pretendiam os Apelantes que fosse dado outro sentido a uma qualquer norma? Mas nenhuma destas perguntas teriam resposto na Apelação interposta.

P. Foi a impossibilidade de responder a qualquer uma destas perguntas que tornou o Recurso de Apelação impossível de ser apreciado, sendo que o Tribunal da Relação não tinha, como não tem, margem de manobra para decidir de forma diferente, o legislador em momento nenhum a dá.

Q.A lei determina regras e parâmetros que balizam os recursos, parâmetros que, não sendo seguidos implicam uma rejeição. É exatamente este o caso da Apelação em causa.

R. A Veneranda Relação decidiu admitir o Recurso com base numa espécie de investigação que aquele Venerando Tribunal fez, para conseguir justificar a inexistência de forma e de parâmetros mínimos.

S. Assumindo que não são indicados pontos de facto a alterar, concluindo que seria apenas sobre matéria de Direito mas igualmente assumindo não existirem normas indicadas, sentido em que as normas deveriam ser interpretadas ou norma aplicáveis em alternativa.

T. Mais não justificando o facto de no artigo 24.º da Apelação os Apelantes mencionarem concretamente “(Depoimento do Sr. DD (registo de prova áudio sob o ficheiro 20201215150600_19909155_2871145 html, Tempos: 5m25 a 5m27s – 16m19s a 16m22s).” indicando que pretenderiam a reapreciação daquele depoimento em concreto.

U.A Lei não prevê ou sequer permite que o Tribunal superior que aprecia o Recurso possa vira a fazer uma investigação prévia sobre que tipo de recurso será, apenas tem o Tribunal superior que avaliar se o mesmo cumpre ou não a Lei e a Apelação em causa simplesmente não cumpria. No caso em apreço a Veneranda Relação assumindo a “falta de referência expressa a qualquer norma jurídica que tenha sido violada ou mal interpretada” opta por inferir ou presumir o que estaria em causa e decidir.

V. Andou assim, desde logo mal o Tribunal ora a quo, ao admitir uma Apelação a todos os níveis inadmissível, que, a ser confirmada a decisão de admissão, criaria Jurisprudência avassaladoramente permissiva que ainda daria mais o flanco da  Justiça, ela já atingida por imensa fragilidade na interpretação processual.

W. A Veneranda Relação ao admitir, apreciar e deferir, um Recurso que não podia sequer ser admitido, fê-lo em violação do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 639.º do CPC.

X. Ao contrário das conclusões a que chegou a Douta Relação, o Tribunal de Primeira Instância andou bem e concluiu da única forma que, poderia ter concluído.

Y. A decisão da Primeira Instância foi justa e equilibrada, tendo ficado claro o direito da Autora em receber a sua comissão imobiliária, bem assim como a sua relevância e essencialidade do seu papel para o negócio, sendo por isso merecedora do valor, como acordado em sede de contrato de mediação imobiliária.

Z. Procuraram os Réus, confundir o Tribunal a quo com argumentos erráticos, com recurso a expedientes a roçar o ilegal mas não tiveram como desiderato confundir o Tribunal de primeira instância.

AA. Os RR. tentaram engendrar uma defesa falaciosa e de enorme inverosimilhança, socorrendo-se do Réu ser um conhecido futebolista e haver a intervenção de um outro, parecendo buscar aí dividendos, ou mesmo condicionar o resultado do pleito.

BB. Os factos relevantes, estruturantes e indubitavelmente provados são absolutamente suficientes para a condenação dos RR., como o foram e bem pelo Tribunal de 1.ª Instância.

CC. Desde logo todos os factos Assentes como o Ponto 5 dos factos provados, dada a sua estrutura inequívoca mostram o suficiente nexo causal para a condenação dos RR.

DD. É precisamente onde o Tribunal da Relação de Lisboa ataca a decisão da Primeira Instância – as regras de normalidade e de experiência de vida -, que reside a essência da leitura dos fatos.

EE. A Veneranda Relação de Lisboa procurou julgar ex novo, indo ela própria numa flagrante oposição à realidade e esquecendo, para mais a importância dos princípios da imediação e da oralidade, para uma apreciação ética da realidade, às vezes mais do que a sua validade científica – como muito bem defendeu esse Supremo Tribunal no aresto citado.

FF. O Tribunal de 1.ª Instância avaliou de forma absolutamente correta, compulsando não só os elementos que tinha, mas precisamente com os elementos que tinha proferiu uma decisão em que teve por base as regras da experiência comum.

GG. Percebendo que não faria sentido que um futebolista estrangeiro de um clube de topo, andasse a ver casas para residir sem a mulher e que, depois de identificar uma casa nada dissesse à sua mulher.

HH. Que depois do marido ir ver a casa, a mulher nada sabendo voltasse à mesma casa e que posteriormente ambos a comprassem à revelia da mediadora imobiliária que mostrou a casa à mulher.

II. Ou que depois da casa ser mostrada, sem nenhuma razão plausível a vendedora a quem tinha sido indicada que havia uma compradora muito interessada e quem era a mesma, deixasse de atender ou responder a quaisquer mensagens da vendedora.

JJ. Não tendo tido o Tribunal de julgamento a possibilidade de ouvir como testemunhas os compradores, evidentemente teve que tirar as ilações necessárias com recurso às mais do que fundadas regras de normalidade e de experiência de vida, conforme lhe era exigido.

KK. Estabelece o n.º 1 do artigo 19.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, que “A remuneração da empresa [de mediação imobiliária] é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”, sendo que a A. e ora recorrente angariou a compradora que veio a comprar o imóvel promovido e assim o negócio promovido atingiu a perfeição jurídica.

LL. É evidente que o Tribunal de Primeira Instância andou bem, concluiu bem e mostrou uma experiência que algo contra-natura, a Veneranda Relação não mostrou, pois que juntando os factos com as regras de normalidade andou bem, muito bem o Tribunal de Primeira instância e, destarte, andou mal, duplamente mal o Tribunal da Relação de Lisboa e que, por isso, deverá ver a sua decisão revogada.

DAS NORMAS VIOLADAS

MM. Entende o Recorrente estar em crise o entendimento da Veneranda Relação de Lisboa na apreciação dos artigos 639.º, n.º2 e 640.º, no que tange à apreciação do Recurso de Apelação Interposto pelos RR., bem assim como do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 de 8 e Fevereiro.”

9. Foram apresentadas contra-alegações, onde constam as seguintes conclusões (transcrição):

A - O sentido da regra processual que exige a indicação da norma jurídica violada -artº 639º nº 2 al) a CPC-, visa contribuir para a delimitação do objecto do recurso e assegurar o exercício do princípio do contraditório.

B - A questão central do recurso e dos autos, prende-se com o nexo de causalidade, decorrente da interpretação do nº 1 do artº 19º da Lei 15/2013 de 08 de Fevereiro; o facto de tal norma não ter sido indicada nas conclusões de recurso é totalmente inócuo do ponto de vista da teleologia que impõe a referência: (i) a correcta e célere delimitação do objecto de recurso; (ii) e o cumprimento do contraditório.

C - No nosso caso, a ali Apelada identificou, percebeu e respondeu a todos os argumentos esgrimidos pelos ali Apelantes, tanto mais que a norma de que a ali Apelada invoca não ter sido indicada, foi vastamente referida e citada no corpo do recurso, pelo que inexiste qualquer violação do disposto no artº 639º nº 2 al) a do CPC, como decidiu e bem o Tribunal da Relação.

D - É entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, que o nexo de causalidade que se retira da interpretação do nº 1 do artº 19º da Lei 15/2013 de 08 de Fevereiro, consubstancia um requisito sine qua non, para a verificação da constituição do direito de recebimento da comissão.

E - A Autora/Apelada não alegou, nem provou, quaisquer factos susceptíveis de integrarem o nexo de causalidade exigido, isto é, a relação entre a actividade desenvolvida e a conclusão do negócio, sobre quem tal ónus impendia.

F - O Tribunal da Relação não desrespeitou ou se sobrepôs à decisão da Primeira instância, julgando ex novo, numa flagrante oposição à realidade, limitando-se a cumprir as regras e revogar a decisão de Primeira Instância, substituindo-a pela única decisão justa e equilibrada.

G - O Tribunal da Relação, e bem, reverteu a decisão, impedindo que do ponto de vista da interpretação jurídica e da justa medida das coisas, se mantivesse um absurdo jurídico e um resultado abusivo, baseado em suposições ilegítimas que são desautorizadas pela matéria de facto dada por provada, e que obrigaria os Apelantes a liquidar por mais uma vez o valor correspondente à comissão que já liquidaram à mediadora que intermediou e concluiu o negócio.

H - É assim evidente que o Douto Acórdão proferido deve ser mantido.

Cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

10. Mostram-se assentes, por não impugnados, os factos seguintes:

Da petição inicial

A)   A autora é uma empresa de mediação imobiliária que trabalha sob a marca R... Solução;

B)    A autora e os réus assinaram um escrito intitulado “Contrato de mediação imobiliária”, datado de 10.08.2018, de onde consta, designadamente, o seguinte:

Cláusula 1.ª (Identificação do imóvel)

O Segundo contratante é legítimo proprietário da fracção autónoma (…) urbano destinado(a) a habitação, sendo constituído por 8 divisões assoalhadas, com uma área total de 507,20 m2, sito na (…) Rua ..., 21, Herdade ..., (freguesia) Ch. ... /concelho) ..., descrito na ..., sob a ficha n.º___ com a licença de construção (…) 244/10, emitida pela Câmara Municipal ... , em ___/__/__ e inscrito na matriz predial urbana (…) com o artigo n.º 26108 da freguesia de ____________(…)

Cláusula 2.ª (Identificação do negócio)

1 - A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra (…) pelo preço de 1.990.000 Euros (um milhão novecentos e noventa mil euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

2 - Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora.

(…)

Cláusula 4.ª (Regime de contratação)

1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

2 - Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

Cláusula 5.ª (Remuneração)

1 - A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também nos casos em que o contrato tenha sido em regime de exclusividade o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2 - O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:

A quantia de 5% calculada sobre o valor pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA taxa legal em vigor.

(…)

3 - O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: (…)

50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

(…)

Cláusula 8.ª (Prazo de Duração do Contrato)

O presente contrato tem a validade de 6 (…) meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

(…)

Cláusula 10.ª (Angariador Imobiliário) (…) CC (…)”;

C)     Em 07.05.2019, no Cartório Notarial ..., sito na Avenida ..., em ..., foi outorgada escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca, de onde consta:

«(…) PRIMEIROS

AA, NIF ..., natural do ... e mulher, BB, NIF ..., natural do ..., de nacionalidade brasileira, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua dos ..., n.º ..., Herdade ..., ..., ... (…)

SEGUNDO

EE, NIF ..., natural da ..., de nacionalidade argentina, casado sob o regime de comunhão de adquiridos, residente na Praceta ..., Herdade ..., ... ... (…)

Que outorga por si e na qualidade de procurador de sua mulher:

FF, NIF ..., natural da ..., de nacionalidade argentina, com ele casada, no indicado regime matrimonial, e residente.

(…)

PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES, FOI DITO:

Que são donos e legítimos possuidores do Prédio urbano denominado Lote 146, sito na ..., na Rua ..., números 21 e 21-A, freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número onze mil cento e dezasseis, da referida freguesia, a aquisição a favor dos vendedores pela apresentação dois mil cento e oitenta e cinco, de vinte e três de novembro de dois mil e onze.

Prédio inscrito sob artigo 21733, na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., com o valor patrimonial atribuído de €596.570,72.

(…)

Que, pela presente escritura, vendem ao segundo outorgante o mencionado imóvel, livre de ónus e encargos, pelo preço de um milhão e quatrocentos mil euros, que declaram ter recebido e do qual prestam a devida quitação.

(…)

PELO SEGUNDO OUTORGANTE, FOI DITO:

Que aceita a presente venda, nos termos exarados, e destina o referido imóvel a sua habitação própria e permanente.

(…)

Mais declararam os primeiros e o segundo outorgantes, que nos termos e para os efeitos do número 1 do artigo 40.º da Lei número 15/2013, de 08 de fevereiro, para a transação

realizada e ora titulada houve intervenção da empresa de mediação imobiliária: “N...– Sociedade Unipessoal, Limitada”, NIPC ..., titular da Licença AMI ...47.

(…)”;

D)    Os réus nunca pagaram qualquer comissão à autora.

Provou-se que:

1)  GG realizou uma visita ao imóvel propriedade dos réus, através da autora, em 21/02/2019, e manifestou interesse em apresentar uma proposta de compra;

2)  No dia 22 de Fevereiro de 2019, às 21:20:47, CC, comercial da autora, remeteu um email dirigido aos réus para o endereço electrónico ..., com o assunto «proposta de compra e venda» e com o seguinte teor: « (…) Como conversa anterior e no seguimento da visita realizada ontem ao vosso imóvel os clientes apresentaram uma proposta de compra no valor de 1.6000.000,00€ (um milhão e seiscentos mil euros), com assinatura do CPCV no imediato. Fico a aguardar a vossa resposta. (…)»;

3) A proposta referida em 2) não obteve resposta dos réus;

4) A venda do imóvel ocorrida em 07/05/2019 foi efectuada sem conhecimento da

Autora;

5) Em 11/01/2019, a autora havia efectuado uma visita ao imóvel com FF, através de HH que trabalha noutra agência R..., a R... Sky, não tendo sido, formalmente, apresentada qualquer proposta;

Da contestação

6) O casal II (sócio gerente da autora) e CC eram amigos dos réus;

7) Amizade esta que teve início em anos anteriores, e que passava inclusivamente por convívios na casa dos réus e presenças nas festas de aniversário das filhas dos réus;

8) [Antes da assinatura do escrito referido em B)] os réus já haviam contratado a autora para outras vendas de imóveis, e, bem assim, para o arrendamento de um apartamento na Herdade ... para os pais do réu AA, em Fevereiro de 2018;

9) No dia da visita ao apartamento cujo objecto seria o arrendamento referido em 8), os réus deram conhecimento à autora, na pessoa do sócio gerente II e CC, que tinham a sua moradia à venda noutras agências, nomeadamente na agência N... Unipessoal Lda;

10) Os réus assinaram um escrito particular denominado «Contrato de mediação imobiliária» com a agência N...–Unipessoal, Lda, datado de 10 de Agosto de 2018;

11) Os réus assinaram um escrito particular denominado «Contrato n.º ...18» com a agência P... Unipessoal, Lda, datado de 23 de Junho de 2018;

12) Os réus acordaram com as agências imobiliárias referidas em 10) e 11) o regime de não exclusividade, pois pretendiam diversificar a venda do imóvel em várias agências;

13) Em Agosto de 2018, após visitas a lotes de terreno que a ré estava interessada em adquirir e CC andou a mostrar, quando se encontravam dentro do veículo de CC, esta apresentou à ré BB o escrito referido em B), com vista a angariar a promoção da venda do imóvel dos réus para a agência R... Solução, marca através da qual a autora labora;

14) A ré BB reparou que o escrito fazia menção a exclusividade e perguntou a CC o que aquilo queria dizer uma vez que o imóvel estava à venda em duas agências e queria continuar com essa diversificação;

15) CC respondeu para não se preocupar porque a exclusividade que constava no contrato ali apresentado, era apenas entre as várias agências “R...” e não em relação a outras agências, que não fossem “R...”;

16) A ré BB aceitou essa explicação como verdadeira e transmitiu-a ao reú AA;

17) Os réus nunca quiseram contratar nenhuma agência imobiliária para venda do imóvel em regime de exclusividade;

18) O réu, conhecido como “JJ” foi jogador de futebol durante 15 anos no ...;

19) Os réus foram citados na morada do ...;

20) Em 11 de Abril de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email com conhecimento de ..., com o assunto “Faturas Eletrónicas – EDP e SMAS- RUA ... Nº 22 1.º DRT. Herdade ...”;

21) Em 09 de Agosto de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email ..., com conhecimento de ... com o assunto “Informações SMAS- Importante”;

22) Em 09 de Agosto de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email ..., com conhecimento de ... com o assunto “Faturas EDP para pagamento”;

23) Em 09 de Agosto de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email ..., com conhecimento de ... com o assunto “Faturas SMAS para pagamento”;

24) Em 23 de Fevereiro de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email ..., com o assunto “Minuta CAR Vinculurbano – AA”;

25) Em 12 de Setembro de 2018 N... remeteu um email dirigido à ré BB, para o endereço de email ..., com o assunto “Proposta Moradia Isolada T4+1 VILLA ... HOUSE ZEN”;

26) Em 19 de Dezembro de 2018 CC remeteu um email dirigido à ré BB e AA, para o endereço de email ..., com o assunto “BOAS FESTAS”; 27) Na data da entrega do escrito referido em B) à ré BB, todos os dados de identificação dos réus encontravam-se em branco, tendo sido preenchidos por CC posteriormente, sem qualquer informação ou indicação da ré [prestada nesse momento].

28) Em 10/09/2018 foi realizada visita ao imóvel por EE, através da agência “N... Unipessoal, Lda”;

Mais se provou:

29) O projecto de contrato de mediação imobiliária utilizado pela autora foi aprovado pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC) em 08 de Janeiro de 2018;

30) Os reús tinham o imóvel à venda na agência N... desde Outubro de 2017;

31) CC mantinha relações profissionais com a ré BB desde o ano de 2012/2013, altura em que colaborava com uma empresa de contabilidade e prestou serviços à ré;

32) No dia 11/01/2019, às 12:51, CC enviou a seguinte mensagem à ré BB: «Olá querida. A visita foi feita. Correu muito bem. Estou a aguardar o Feedback final. Beijinhos”. Em resposta, às 13:12, a ré BB enviou a seguinte mensagem: «Oi CC. Vai vim outra pessoa ainda hoje? Vc poderia ter nos avisado que era a esposa do EE pois tivemos que sair rápido para não ficar uma situação chata…». CC respondeu, às 13:15: «BB, desculpa, mas a cliente não é minha. Eu não sabia quem era, muito menos que era a esposa do EE»;

33) No dia 21/02/2019, após troca de mensagens sobre a visita ao imóvel realizada pelo cliente de nacionalidade chinesa, às 22:31, CC enviou a seguinte mensagem á ré BB: «Como podes ver, eles apenas estão a pensar se aceitam avançar com o valor de venda porque eu disse que não negociação. Obrigada eu, pela vossa colaboração e disponibilidade na venda do imóvel. Espero que corra como desejamos, como todos os negócios imobiliários que vos acompanhamos até agora. Um beijinho.» A ré BB respondeu, às 22:36: «Obrigada CC!!! Se Deus quiser! Beijinhos e vamos falando»;

34) No dia 22/02/2019, às 21:02, CC enviou a seguinte mensagem à ré BB: «Ola BB, boa noite. Liguei-te para dar Feedback da reunião desta tarde. Os clientes que foram ver a vossa casa ontem fizeram uma proposta de compra de 1.600.00,00€. Vou enviar o Mail com a proposta formalizada. Entretanto, também queria falar convosco relativamente ao tema que te comentei ontem sobre a “potencial” assinatura do contrato de promessa compra e venda com o EE e a FF. A questão é que hoje voltaram a contatar-nos a dizer que existe, um agendamento de contrato da compra e venda da vossa casa entre vós e o EE. Não quero acreditar nessa possibilidade, pelo fato de que sabes que temos um contrato de mediação assinado e ativo, e que a FF foi ver a vossa casa comigo e com outra colega da R... o que quer dizer, que se eles quisessem comprar a vossa casa e existisse acordo entre vós, o negócio terá que ser mediado por nós, até porque documentos assinados dessa visita. Assim que poderes, liga-me. Obrigada.»;

35) A ré BB não respondeu à mensagem referida em 34).

11. Factos não provados

Da contestação

a)   Por referência ao facto 9), que os réus tenham dito à autora que a moradia encontrava-se à venda na mediadora N... Unipessoal Lda desde Agosto de 2017;

b) Que à ré BB tenha sido colocado à frente o papel com o contrato impresso;

c)   Que, como estava dentro do carro, e só pôde fazer uma leitura rápida, a ré verificou que a identificação das partes não estava preenchida;

d)   E que, tendo questionado o porquê, a CC respondeu que depois preencheria;

e)    Por referência ao facto 18), que os réus são pessoas sérias, íntegras, e que a conduta e carácter do réu AA sempre foi reconhecido pelos adeptos, profissionais e pessoas que ao longo da vida com ele privaram;

f)    II, sócio gerente da A., e à data amigo do réu AA, na altura que o réu se despediu de jogador de futebol, fez-lhe uma dedicatória;

g)   A autora não efectou qualquer interpelação aos réus antes da propositura da presente acção;

h)   A  ré  BB não recebeu a proposta de GG para aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00, nem o email remetido referido em 2);

i)  A proposta de GG para aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00 não existiu;

j) o endereço de email constante do escrito referido em B), ..., está errado e não pertencia à ré BB.

De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O objecto do recurso consiste em saber se o Tribunal da Relação julgou bem o recurso, à luz do regime do art.º 639.º do CPC e do art.19.º da Lei da Mediação imobiliária.

13. No que se reporta à questão da admissibilidade e julgamento da apelação, com invocada violação do art.º 639.º do CPC, diz a recorrente que o tribunal andou mal porque no recurso de apelação não foram respeitadas as normas do art.º 640.º e do art.º 639.º do CPC, pelo que não devia o recurso ter sido sequer admitido.

No acórdão recorrido o Tribunal teve oportunidade de explicitar[1]:

- a apelação não tinha por objecto a impugnação da matéria de facto, sendo irrelevante o disposto no art.º 640.º do CPC;

- quanto ao art.º 639.º, mesmo não havendo indicação de norma jurídica que os recorrente entendesse ter sido violada, era possível – e foi – identificar as questões que os recorrentes pretendiam ver analisadas pelo Tribunal, sem necessidade de convite a aperfeiçoamento do requerimento de recurso.

Nesta análise o Tribunal descreve a lei aplicável, indica os factos relevantes e o modo como a lei se aplica ao caso concreto, socorrendo-se do apoio da jurisprudência para suportar a decisão de conhecer da apelação.

Cremos que nada há a apontar ao juízo efectuado – não havia na apelação impugnação da matéria de facto e o recurso foi todo analisado na perspetiva da aplicação do direito aos factos provados; o recurso de apelação podia ter sido intentado com maior adesão ao dispositivo legal, mas não era equívoco ou incompleto a ponto de justificar outra decisão que não a adoptada.

Improcede a questão suscitada nesta revista.

14. Conhecendo da segunda questão do recurso – observância da lei – art.º 19.º, n.º1 da Le1 15/2013.

14.1. No Tribunal recorrido o objecto da apelação foi identificado, depois de se excluir ter o recurso por fim a impugnação da matéria de facto, nos seguintes termos:

“ … cabe decidir se é possível estabelecer um nexo causal entre a atividade exercida pela mediadora (autora) e a celebração do contrato visado pelos comitentes (réus)”[2].

E na análise da questão o Tribunal partir dos seguintes elementos essenciais, já definidos: entre as partes foi celebrado um contrato de mediação imobiliária sem sujeição ao regime da exclusividade do mediador, por a clausula de exclusividade ter sido excluída, por violação do regime das CCG; o contrato de mediação obriga a desenvolver uma actividade de procura de destinatários interessados na celebração do contrato visado – obrigação de meios – discutindo se a obrigação de procura de clientes é um dever ou se estará na sua disponibilidade envidar esforços nesse sentido ou não, sabendo que a sua remuneração depende desse esforço e da concretização do negócio que venha a obter; que o direito à remuneração estaria dependente da concretização do negócio visado com o contrato de mediação – art.º 19.º, n.º1 da Lei 15/2013 – e desde que seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pela mediadora e o sucesso dela em termos de negócio pretendido ser concretizado, o que envolveria a demonstração factual de que a actividade da mediadora contribuiu de forma importante para o processo decisório dos interessados, determinando-os à celebração do negócio; que a demonstração de tal nexo de causalidade seria da responsabilidade da autora – art.º 342.º, n.1 do CC.

Na justificação da necessidade de demonstração do nexo causal reporta a jurisprudência superior – do TR e do STJ, este através dos acórdãos de 11/7/2019 – proc. 28079/15.3T8LSB.L1.S1,  de 17/6/2021 – proc. 8373/19.5T8LSB.L1.S1.

Em seguida o Tribunal da Relação fez a análise da sentença quanto à existência do nexo de causalidade, citando as passagens relevantes, e depois emitiu o seu próprio juízo de discordância sobre a interpretação dos factos relevantes para a conclusão, destacando que:

- o nexo pressupõe uma materialização de comportamentos/atividades da autora traduzida em diligências efetuadas – de molde a conduzir os interessados a formular a decisão de realizar o negócio;

- os factos provados não são suficientes para a referida conclusão;

- a decisão foi justificada com base em regras de normalidade e experiência de vida não sustentada em factos concretos e sólidos apurados que o permitissem;

- os RR. celebraram contratos com três mediadoras, porque queriam diversificar as possibilidades de venda e não queriam exclusividade da A.;

- os RR. celebraram o contrato de mediação com a A. e com a mediadora que promoveu o negócio na escritura de venda (N...) na mesma data – 10 de Agosto de 2018;

- em 11 de janeiro de 2019, a autora efectuou uma visita ao imóvel dos mesmos RR com a mulher de EE, FF;

- não se pode concluir que foi em função desta última visita ao imóvel que o casal EE e FF tiveram conhecimento que o imóvel estava à venda, já que EE tinha tido conhecimento da venda em setembro de 2018, através da mediadora N..., com quem os RR também tinham celebrado contrato de mediação;

- não existem factos que demostrem ter sido apresentada, em qualquer momento- durante a visita ou depois dela – uma proposta de aquisição por EE ou FF – ou quaisquer outros factos que evidenciem a existência de interesse destes na concretização do negócio com a intervenção da A. e fruto da actividade por esta desenvolvida;

- o negócio de compra e venda realizou-se tendo sido feita a declaração de que houve mediação da N....

Em suma o Tribunal entendeu que os factos dados por demonstrados não eram suficientes para se considerar estabelecido um nexo causal entre a actividade desenvolvida pela A. e a concretização do negócio – e por isso, na falta de elementos relevantes para dar esse nexo como provado julgou a acção improcedente – revogando a sentença e absolvendo os RR. do pedido.

14.2. Na sentença o raciocínio do Tribunal fora o seguinte:

“Tendo em consideração estes ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais, bem como o enquadramento jurídico acima exposto, concentremo-nos no caso em apreço.

Temos então que entre as partes foi celebrado um contrato mediante o qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir um interessado na compra de um determinado imóvel da propriedade dos réus, desenvolvendo para o efeito as necessárias acções de promoção e recolha de informações. Em contrapartida os réus obrigaram-se a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida do IVA à taxa legal em vigor.

Atendendo a que o contrato não foi celebrado sob o regime de exclusividade, a remuneração só seria devida se a autora conseguisse encontrar um interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato.

Recordemos que a autora reclama o pagamento da comissão acordada, alegando que o contrato estava em vigor na data em que o negócio foi concretizado, e que apresentou aos réus a compradora final, defendendo ainda que a comissão deve ser calculada sobre o valor da proposta apresentada por GG, uma vez que, apesar de ser mais vantajosa em €200.000,00 para os réus, o negócio só não se concretizou por ausência de resposta da sua parte.

Por seu turno, os réus defendem que como o contrato não estava sujeito ao regime de exclusividade, eram livres de promover o imóvel noutras agências, como o fizeram. E que o negócio se concretizou por força da intervenção da agencia N..., e não da autora, tanto que EE já havia visitado o imóvel através dessa agência meses antes da visita efetuada pela sua esposa.

Ora, com relevância para a questão que agora nos ocupa, provou-se nos autos que: - O cliente da autora, GG realizou uma visita ao imóvel propriedade

dos réus, em 21/02/2019, apresentou uma proposta de compra, pelo valor de €1.600.000,00, que foi comunicada aos réus, através de mensagem, em 22/02/2019, e através de email, no mesmo dia. Contudo, os réus não responderam a esta proposta (factos 1), 34), 2) 3));

- Em 11/01/2019, a autora efectuou uma visita ao imóvel dos réus com FF, através de outra agência R..., não tendo sido apresentada qualquer proposta por “esta cliente. Em 10/09/2018, o imóvel já havia sido visitado por EE, através da agência imobiliária N.... Em 07/05/2019, foi outorgada escritura de compra e venda do imóvel entre os réus e o casal EE e FF, pelo valor de €1.400.000,00, com a intervenção da agência imobiliária N... (factos 5), 28) e C)).

Perante este quando factual e atentas as considerações legais, doutrinais e jurisprudenciais antes expendidas, entendemos que resultou provado o nexo casual entre a actividade de mediação desenvolvida pela autora e a concretização do negócio visado, no caso a venda do imóvel ao casal EE e FF.

Com efeito, se é certo que EE já tinha efectuado uma visita ao imóvel em Setembro de 2018 através da agência N..., na verdade, essa visita não terá sido suficiente para a tomada de decisão de compra do imóvel e, muito menos, com a intervenção exclusiva da N.... Evidência disso, é o facto de quatro meses após essa visita, a sua esposa ter agendado uma visita ao mesmo imóvel através de outra agência imobiliária, no caso a autora. De resto, por recurso às regras da experiência e da normalidade da vida, nem se concebe que a decisão de aquisição de um imóvel para habitação permanente de um agregado familiar, pelo valor de €1.400.00,00, seja tomada sem que ambos os elementos do casal visitem o imóvel em causa, a menos que não residam no país, ou que se encontrem absolutamente impossibilitados de o fazer. Isto para dizer que, sem prejuízo de se admitir a relevância de outras causas concorrentes, designadamente a visita efectuada por EE, nos parece evidente que a visita realizada por FF em 11/01/2019 foi determinante para a decisão de concretização do negócio pelo casal.

Com efeito, não obstante ter resultado provado que EE já havia tomado conhecimento do negócio, note-se que não se exige que a celebração do negócio objecto do contrato de mediação resulte exclusivamente da actuação do mediador, bastando-se com a demonstração de que a actuação da mediadora, neste caso da autora, foi decisiva para a concretização da venda, que foram as suas diligências que serviram para aproximar os interessados na realização do negócio e que o seu trabalho influiu na conclusão do mesmo.

(…)

Face ao exposto, tem-se por indiscutivelmente verificada a necessária relação causal entre a actividade desenvolvida pela autora e a realização do negócio visado pelo contrato de mediação, sendo, ainda de relevar a circunstância de os réus terem tido conhecimento de que FF tinha efectuado uma visita ao imóvel com a autora no próprio dia em que a mesma ocorreu (facto 32)).”

14.3. A A. pretende que o tribunal revogue o acórdão recorrido e repristine a solução encontrada na sentença, por considerar que a actividade desenvolvida por si foi determinante da conclusão do negócio imobiliário cuja comissão está em discussão nestes autos.

14.4. Analisados os factos com base nos quais este Tribunal deve reapreciar a questão – e são eles os demonstrados e acima transcritos – não se acompanha a decisão da 1ª instância no sentido de considerar demonstrado o nexo de causalidade entre a actuação da A. e a concretização do negócio imobiliário, porquanto as razões invocadas pelo  Tribunal da Relação se apresentam como de valia superior à apontadas na sentença, onde a falta de elementos de facto relativos a diligências de promoção do imóvel e intervenção da mediadora na decisão de concretização do negócio não estiveram suportadas em factos apurados e que, com alguma razoabilidade, pudesse apontar nesse sentido.

Não se justificando aqui uma reprodução do acórdão recorrido, para ele se remete na fundamentação, que é também a fundamentação da decisão deste tribunal.

Improcede a questão suscitada.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista, conformando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Abril de 2023

Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

______

[1] Com estas palavras:
“Sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe o art. 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Impende, assim, sobre o recorrente o ónus da alegação e o da apresentação das conclusões, sendo estas que delimitam o objeto do recurso (arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, do Código de Processo Civil).
“O ónus de formular conclusões, imposto pelo nº 1, visa proporcionar ao tribunal uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos do recurso, devendo as conclusões da alegação conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações, devendo, quando o recurso versar sobre matéria de direito, conter a indicação dos preceitos legais violados.”[1]
A leitura das conclusões do recurso dos réus/recorrentes não deixa margem para dúvida quanto ao objeto de recurso. Efetivamente, nelas não vêm indicados quaisquer pontos de facto relativamente aos quais se pretenda qualquer alteração, sendo evidente que a matéria de facto não vem impugnada, o que leva a concluir que o recurso versa apenas sobre matéria de direito.

E assim sendo, cabe atentar no disposto no nº 2, daquele mesmo artigo 639º, segundo o qual:
“2.– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) - As normas jurídicas violadas;
b) - O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) - Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Não obstante a falta de referência expressa a qualquer norma jurídica que tenha sido violada ou mal interpretada, as conclusões dos recorrentes são claras quando delimitam o objeto do recurso à parte da sentença que apreciou e decidiu sobre o direito da autora ao recebimento da remuneração fixada no contrato de mediação imobiliária, tendo por base o texto contratual e o regime jurídico aplicável, designadamente, o art. 19º da Lei nº 15/2013, de 8/02, insurgindo-se contra a decisão apenas quanto à questão do nexo de causalidade entre a atividade de mediação e o negócio final alcançado, exigido na dita norma, invocando em concreto que a matéria de facto provada não é suficiente para “ (…) justificar a decisão do tribunal a quo, conclusão que se retira da análise critica aos factos provados, que se consideram juridicamente insuficientes para demonstrar o nexo causal exigido”; que “ A Recorrida não tem direito a qualquer remuneração, porquanto os factos provados (Cfr. C), 5, 10 e 28), não permitem configurar qualquer nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida e a conclusão do negócio, condições essenciais para a verificação do aludido direito.”; e ainda que “Dos factos provados, não resulta em momento algum, que a Recorrida tenha praticado qualquer acto que influiu ou foi determinante no negócio celebrado, não se verificando em conformidade qualquer nexo causal, não se aceitando em conformidade a subsunção dos factos provados ao direito aplicável, efectuado pelo Tribunal a quo.”.
Deste modo, aceitando que a pretensão da autora deve ser apreciada à luz do enquadramento jurídico referenciado na sentença, discordam os recorrentes da forma como foi interpretado e apreciado o nexo causal nela estabelecido, o que fizeram de forma percetível para o destinatário, desde logo para a autora/recorrida, de cujas contra-alegações e respetivas conclusões se extrai, sem margem para qualquer dúvida, que entendeu o sentido e o alcance das alegações e conclusões dos recorrentes, em nada tendo ficado comprometido o exercício do contraditório.
Assim, ainda que os recorrentes não tenham dado expresso e perfeito cumprimento ao disposto no art. 639º, nº 2, do Código de Processo Civil, designadamente, mencionando qualquer uma das suas especificações, e em particular o disposto na sua alínea b), não se encontrando qualquer dificuldade na delimitação das questões que os recorrentes suscitam perante este tribunal – razão pela qual inexistia fundamento para recorrer ao convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no nº 3, daquela mesma norma -, entendemos que no presente caso inexiste qualquer razão para fazer prevalecer qualquer aspeto de ordem formal sobre a apreciação do mérito do recurso, inexistindo, por conseguinte, fundamento para a invocada rejeição, sufragando-se, deste modo, a decisão já mencionada do Supremo Tribunal de Justiça (o sobredito acórdão de 24/03/2021), onde se conclui que, “(…) as deficiências relativas à formulação das conclusões das alegações não têm como consequência necessária a rejeição do recurso, pois que o nº 3 do mesmo preceito dispõe que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso na parte afectada”.
Assim, como resulta desse preceito se se verificarem as apontadas deficiências das conclusões das alegações deve o recorrente ser convidado a supri-las: a consequência aí prevista deve ser reservada para falhas que, não tendo sido reparadas, justifiquem, pela sua gravidade, tal efeito.
Tal não significa, no entanto, que o convite ao suprimento das deficiências das conclusões se imponha ao juiz e ao tribunal sempre e em todos os casos mas, tendo presente o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da CRP, apenas naqueles em que as deficiências verificadas podem conduzir à rejeição do recurso, e não já naqueles em as alegações e respectivas conclusões não colocam ao tribunal, ou à contraparte, qualquer dificuldade ou dúvida de entendimento sobre os fundamentos do recurso e as questões suscitadas que dele são objecto, e, designadamente, não se impõe, ou sequer justifica, por falta de indicação das normas jurídicas violadas se o recorrente não pretende pôr em causa o acerto da decisão quanto à norma jurídica que serviu de suporte à sua condenação (cf. neste sentido o acórdão do STJ, de 9.6.2016, Procº nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1.)
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 9.3.2004, Procº nº 04A300 do disposto no art.º 690º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil [correspondente ao artigo 639º, nº 3, actual], resulta apenas que o relator não pode deixar de conhecer do recurso com base na falta, deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de especificações legais nas conclusões das alegações deste, sem convidar os recorrentes a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las. Já não impede o conhecimento do objecto do recurso sem tal convite se o Tribunal de recurso entender dispor de elementos que lhe permitam, nomeadamente por razões de celeridade processual, proceder ele próprio àquela sintetização por forma a determinar quais as questões a decidir, apesar da dificuldade acrescida nessa determinação.”.
[2] Com estas palavras:
“Salvo o devido respeito pelos argumentos expendidos na sentença recorrida, a matéria de facto emergente da prova produzida nos autos não permite sustentar a existência de nexo causal entre a atividade desenvolvida pela mediadora e a celebração do contrato de compra e venda realizado entre os réus e os compradores E.. S.. e a sua mulher M... A... .O dito nexo causal, ou seja, a essencialidade da contribuição da mediadora para a celebração do negócio tem de ser evidenciada através de factos concretos concernentes à atividade que tenha desenvolvido – materializados na descrição das diligências efetuadas – de molde a conduzir os interessados a formular a decisão de realizar o negócio, isto é, a decisão de facto tem de retratar os atos que tiveram influência e que foram fulcrais na tomada de decisão por parte de quem celebra o negócio, requisitos que como vimos, são essenciais à constituição do direito na esfera da mediadora, o que a Mmª Juíza do tribunal a quo também reconhece na sentença proferida, considerando a doutrina e jurisprudência nas quais sustentou a decisão, pecando apenas esta, a nosso ver, na apreciação efetuada, porque radicada essencialmente em ilações fundadas em regras de normalidade e de experiência da vida, mas que não encontram sustentação sólida nos factos concretos apurados.
De acordo com a matéria de facto apurada em 1ª instância, os réus, pretendendo vender o imóvel identificado nos autos e com o objetivo de diversificar as possibilidades de venda, celebraram contrato de mediação imobiliária com três mediadoras – sem cláusula de exclusividade -, sendo uma delas a autora, cujo contrato se conhece, desconhecendo-se os termos concretos dos outros dois contratos de mediação, designadamente, aquele que foi celebrado com a sociedade “N..... – Soc. Unipessoal, Ldª”.
Os réus celebraram contrato de mediação imobiliária com a autora e com aquela outra sociedade na mesma data: 10 de agosto de 2018.
Em 10 de setembro de 2018, E... S..., por intermédio de “N..... Unipessoal, Ldª” efetuou uma visita ao imóvel dos réus, desconhecendo-se se foram então apresentadas propostas (preço), discutidas condições da venda ou quaisquer outros pormenores concernentes ao negócio.
Em 11 de janeiro de 2019, a autora efetuou uma visita ao imóvel dos mesmos réus com a mulher de E... S..., M... A... .
Podemos assim concluir, desde logo, que não foi em função desta visita realizada pela autora que o casal E... S... e M... A... teve conhecimento que o imóvel dos réus estava à venda, já que o primeiro tinha adquirido tal informação em setembro de 2018, através daquela outra empresa, com quem os réus também tinham celebrado contrato de mediação.
Relativamente à visita de M... A..., sabemos que não foi apresentada qualquer proposta, e que na mesma data, I... G..., em representação da autora, reportando-se à visita em causa, comunicou à ré que a mesma tinha corrido “muito bem” e que aguardava o “feedback final”, sem que se possa depreender deste tipo de informação em que termos foi processada a visita, o que nela se discutiu, se foram abordadas condições do negócio, se foi discutido qualquer preço, de molde a aferir-se sobre o potencial interesse da visitante e do marido na compra do imóvel em consequência de tal visita.
E nesta ação (a que poderá não ser alheia a circunstância de a respetiva causa de pedir residir na violação da cláusula de exclusividade contida no nº 2, da cláusula 4ª do contrato, que veio a ser declarada como não escrita), a autora não alegou e consequentemente não demonstrou, ter desenvolvido qualquer diligência e/ou discutido quaisquer elementos atinentes ao negócio (durante a dita visita ou depois dela) suscetíveis de pesar na decisão de M... A... e que a tenham efetivamente influenciado ao ponto de a determinar, conjuntamente com o marido, a formular a decisão de realizar a compra do imóvel, sendo que a circunstância da visita daquela ter sido efetuada em momento temporal mais próximo da celebração do negócio não significa, de per si, que tenha sido por força e em consequência da mesma que a decisão tenha sido tomada, não existindo factos minimamente elucidativos sobre o nascimento do interesse de E... S... e de sua mulher na concretização do negócio, e em particular, e com interesse para a discussão, factos que revelem que tal interesse tenha sido gerado e mantido com a intervenção da autora, e designadamente, a partir da referida visita feita por M... A... ao imóvel.
Inexistem factos que demonstrem ter sido apresentada, em qualquer momento – durante a visita ou mesmo depois dela - uma proposta de aquisição do imóvel por E... S... e M... A... à autora, sendo certo que a existência de proposta de compra é sempre reveladora de interesse – senão o maior indício de interesse - na aquisição dum imóvel, ou, sequer, que a autora tenha dirigido aos réus comunicação dando conta de outros factos capazes de evidenciar a existência de interesse concreto daqueles na aquisição do imóvel em consequência da sua atividade.
Depois da sobredita visita de M... A..., a autora efetuou uma visita com o cliente G... Z... ao mesmo imóvel, em 21 de fevereiro de 2019, e no dia seguinte endereçou aos réus a proposta feita pelo mesmo - aquisição do imóvel pelo valor de € 1.6000.000,00, com assinatura imediata de contrato promessa de compra e venda - tendo acrescentado que iria enviar e-mail com a proposta formalizada, angariando assim interessado na realização de negócio que, no entanto, não o tendo concretizado, não fez nascer na esfera da autora o direito a qualquer remuneração, face ao regime contratual e jurídico já referenciados.
Naquela mesma data – 22 de fevereiro de 2019 – e na mesma comunicação dirigida aos réus, a autora revela ter tomado conhecimento de que E... S... e M... A... tinham agendado a realização do contrato de compra e venda com os primeiros.
Não revela, através dessa comunicação, ter conhecimento sobre qualquer elemento do negócio que se propunham realizar, limitando-se a alertar os réus que estavam vinculados a celebrar contrato de compra e venda do imóvel com a sua mediação, considerando o contrato que tinham celebrado e a visita que tinham efetuado com M... A..., declaração sem fundamento legal, considerando que o contrato de mediação foi celebrado sem cláusula de exclusividade.
No contrato de compra e venda, vendedores e compradores declararam que na realização do negócio tinha tido intervenção, como mediadora, a dita empresa “N..... Unipessoal, Ldª.
Considerando a matéria de facto apurada, não vemos como se possa afirmar que a prestação da autora, na qualidade de mediadora, tenha sido causal do negócio realizado, ou que, pelo menos tenha contribuído para o interesse gerado nos compradores, sendo que as conclusões contidas na sentença, nomeadamente, quando ali se afirma que foram as diligências da autora que foram decisivas para a concretização da venda; que serviram para aproximar os interessados na realização do negócio; e que foi o trabalho da mediadora que influiu na conclusão da compra e venda do imóvel, afiguram-se genéricas e abstratas, porque reportadas aos requisitos que deveriam estar demonstrados para que o direito da autora pudesse ser reconhecido, mas sem que tenha sido elencado suporte factual capaz de sustentar tais conclusões, a nosso ver inexistente, na medida em que a simples visita de M... A... ao imóvel – único facto efetivamente ponderado na sentença – desacompanhado de quaisquer outros dados factuais, não pode reputar-se como útil, relevante, determinante da decisão de realizar o negócio.”