Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE REMUNERAÇÃO BEM IMÓVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | Em contratos de mediação com cláususla de exclusividade, o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa na hipótese de o negócio visado só não ter sido concluído por causa imputável ao cliente. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recorrente: Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda. Recorrida: HQL, Lda. I. — RELATÓRIO 1. Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., propôs a presente acção declarativa contra HQL, Lda., pedindo que a Ré seja condenada a pagar à Autora o valor de 61.500 euros, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação e até efectivo pagamento. 2. A Ré HQL, Lda., contestou, pugnando pela improcedência da acção. 3. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente. 4. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor: Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente a ação, e, em consequência, decido condenar a ré HQL, LDA., a pagar à autora ÉPOCA DE HARMONIA, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA., a quantia de € 50 000 (cinquenta mil euros), a título remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados, a que acrescem juros moratórios desde 9 de junho de 2022 até integral pagamento. Logo que seja devido IVA, deverá o mesmo ser também pago à taxa legal. Custas a cargo das partes na proporção do decaimento, 81%, a cargo da ré e 19% da autora. 5. Inconformada, a Ré HQL, Lda., interpôs recurso de apelação. 6. A Autora Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 7. O Tribunal da Relação julgou o recurso totalmente procedente. 8. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor: Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a Ré do pedido. Custas pela Apelada (artigos 527º, nº1 do Código de Processo Civil). 9. Inconformada, a Autora Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., interpôs recurso de revista. 10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: A) O Tribunal da Relação de Évora fez uma leitura dos factos e uma interpretação e aplicação errada do Direito, em manifesto e grave prejuízo da aqui Recorrente, sendo que, na verdade, a sentença proferida em sede de 1.º instância deve ser mantida na íntegra. B) Contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal “a quo”, a matéria que foi considerada como provada despoleta a aplicação do Art. 19.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Mediação Imobiliária (Lei 15/2013 de 8 de fevereiro) que determina que: “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.” C) A sequência de factos provados no presente processo é geradora da obrigação de pagamento da remuneração devida por parte da Recorrida à Recorrente nos termos legalmente previstos e supra referidos. D) Tal sequência demonstra a contribuição determinante da Recorrente, enquanto entidade mediadora, que propiciou o encontro de vontades entre a parte compradora ea parte vendedora, in casu, com vista a ser vendido e comprado o imóvel por um preço de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), preço pretendido pela Recorrida. E) A atividade exercida pela Recorrente, ao angariar interessados no imóvel, ao apresentá-los à Ré, ao acompanhar as negociações e ao transmitir as propostas apresentadas pelos interessados, inclusivamente propondo que fosse marcada uma data para assinatura do contrato-promessa ou mesmo a escritura definitiva, integra-se idoneamentena cadeia de factos que culminaram com a apresentação de uma proposta equivalente ao negócio pretendido pela proprietária. F) A atividade da Recorrente traduziu-se inequivocamente num benefício para o processo negocial, tendo sido mesmo determinante, existindo um nexo causal evidente entre a atividade mediadora da Recorrente e o negócio pretendido pela Recorrida. G) Negócio esse que acabou por não se concretizar estritamente por causas imputáveis à Recorrida, a qual, simplesmente desistiu do mesmo. H) O Tribunal “a quo” confunde as questões em causa, sendo que contrariamente aos acórdãos supra citados na sua fundamentação, no caso subjacente ao presente recurso não estamos perante uma pretensa revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária. I) Nunca ocorreu, nem foi dada como provada, qualquer declaração de revogação ou resolução unilateral ou de denúncia do contrato de mediação imobiliária por parte da proprietária. J) Ocorreu sim uma desistência dessa proprietária relativamente ao negócio concreto que foi angariado pelo mediador em regime de exclusividade, na vigência do contrato de mediação. K) No presente caso não se trata assim de apurar se o contrato de mediação imobiliária pode/podia ser denunciado ou resolvido e as consequências de tal denúncia ou resolução, mas sim de apurar, nos termos do Art. 19.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Mediação Imobiliária (Lei 15/2013 de 8 de fevereiro), sobre os efeitos emergentes do facto de a Ré/Recorrida ter simplesmente desistido do negócio angariado pela Recorrente, sem que se provasse qualquer motivo justificável para tal desistência. L) O Tribunal “a quo” errou também ao considerar que: “Flui de todo o exposto que a Autora, na qualidade de mediadora, não logrou demonstrar que, na vigência do contrato, angariou um interessado genuíno e real, disposto a comprar a fração nas condições vertidas no contrato de mediação, mas apenas que comunicou à Ré que assim sucedeu”. M) A sequência de factos provados demonstra exatamente o contrário: a existência de um comprador interessado, cujas comunicações foram mediadas pela Recorrente e cuja proposta final de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) foi transmitida à Recorrida. N) A proposta apresentada pelo interessado consta de forma claríssima do e-mail de 07.03.2022 enviado pelos proponentes interessados e junto como Doc. 3 junto com a Petição Inicial. O) A Ré/Recorrida alegou que os potenciais compradores se teriam recusado a transferir qualquer quantia a título de sinal (art.26 ºda contestação), que o negócio não avançou por terem sido aconselhados pelo seu advogado a não prosseguir com a compra sem que se esclarecesse se o imóvel se encontrava localizado em área abrangida pelo Domínio Publico Marítimo ou baixar o preço de venda (arts.19.º, 21 º e 23.º da contestação), e que que o potencial comprador lhe tinha comunicado que desistia do negócio e que lhe tenha dirigido expressões ofensivas (art.28 º da contestação). P) Toda esta factualidade alegada pela Ré/Recorrida foi considerada como não provada. Contudo, de forma manifestamente errada, o Tribunal “a quo” baseia a sua decisão na mesma. Q) O Tribunal da Relação de Évora não pode retirar ilações / conclusões de índole factual que não têm o mínimo de reflexo na matéria provada, isto sob pena de violação dos poderes de cognição do Tribunal e consequente nulidade, a qual a quis e invoca para todos os legais efeitos. R) Em momento algum do presente processo a Recorrente logrou demonstrar, seja em sede de 1ª instância, seja em sede de recurso - isto apesar de ter requerido a alteração da matéria de facto ao Tribunal da Relação de Évora, alteração essa que foi indeferida -, que o negócio não se concretizou devido a alguma espécie de atraso, falta de contacto, falta de credibilidade da proposta, falta de pagamento, ou falta de real interesse por parte das partes interessadas na aquisição do imóvel que foram apresentadas à Recorrente pela Recorrida. S) Incumbia à Recorrida o ónus de provar tal factualidade, ou outra relacionada, caso quisesse demonstrar que o negócio não se concretizou, por causa a si imputável, mas sim por alguma espécie de causa imputável às partes interessadas na aquisição, o mesmo à Autora. Contudo, nada disso sucedeu. A Recorrida nada provou. T) O que resultou provado foi somente que após a Recorrente ter angariado o comprador interessado, e após ter ocorrido um acordo de vontade entre as partes, a Recorrida simplesmente desistiu do negócio (Ponto 10 da Matéria Provada), ato que se encontra no pleno domínio da sua vontade, isto sem que ficasse demonstrada qualquer justificação/motivo mínimo para tal desistência. U) O negócio em causa não se concretizou simplesmente devido a uma causa que é estritamente imputável à Ré. V) A matéria provada gera assim a obrigação de pagamento da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por parte da Recorrida à Recorrente, a título remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados, a que acrescem juros moratórios desde 9 de junho de 2022 até integral pagamento, nos termos e para o efeitos do Artigo 19.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Mediação Imobiliária (Lei 15/2023 de 8 de fevereiro). W) A acrescer, tal como considerou o Tribunal de 1.ª instância, logo que seja devido o IVA, ou seja, quando for emitida a fatura IVA, deverá o mesmo ser também pago à taxa legal pela Recorrida à Recorrente. Nestes termos e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, deve o presente Recurso ser julgado procedente pelos fundamentos atrás expostos e, consequentemente, integralmente revogada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora que absolveu a Ré/Recorrida do pedido, e consequentemente, mantida a decisão condenatória do Tribunal de 1.ª instância no sentido de a Ré/Recorrida ser condenada a pagar à Autora/Recorrente a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados, a que acrescem juros moratórios desde 9 de junho de 2022 até integral pagamento, bem como IVA à taxa legal quando o mesmo for devido. Assim fazendo, V. Exas., a costumada JUSTIÇA. 11. A Ré Ré HQL, Lda., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 12. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: A) O Tribunal da Relação de Évora procedeu a uma correta leitura dos factos provados e não provados em sede da sentença de 1.ª instancia. B) Foi feita uma correta interpretação e aplicação do regime jurídico do contrato de mediação imobiliária. C) Os interessados angariados pela Recorrente não demonstraram um interesse real e genuíno na celebração da compra e venda na vigência do contrato de mediação, tendo arrastado as negociações por aproximadamente um ano. D) Não se demonstrou que foi por causa imputável à recorrida que o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária, não se concretizou. Nestes termos, e nos demais de Direito, deve a Revista interposta ser recusada, declarando-se improcedente por destituída de fundamento e, em consequência, manter-se, confirmando-se na integra o douto acórdão ora recorrido. 13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), a única questão a decidir, in casu, consiste em determinar se o negócio visado no contrato de mediação imobiliária só não se concretizou por causa imputável à Ré, agora Recorrida, HQL, Lda.. II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes: 1. A ré tem por objeto a compra e venda de imóveis, locação de imóveis, exploração de estabelecimentos turísticos e alojamento local e é representada por AA – fls. 66 (art. 5.º do Código de Processo Civil); 2. Em 5 de março de 2018, a A. e a R. outorgaram um contrato de mediação imobiliária, tendo como objeto a mediação imobiliária na venda, pelo preço de € 1.500.000, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., Casa ..., Rua ..., ... correspondente a edifício de seis divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... (...) sob o número ..82, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 1457 da freguesia de .... O acordo foi reduzido a escrito e aposta a data de 16 de agosto de 2021 – fls. 6 v. (art.1 º da petição inicial); 3. A remuneração era, nos termos da cláusula 5.ª, n.º 2, do mesmo contrato, de € 50.000 mais IVA à taxa legal de 23%, o que perfaria € 61.500. Nos termos do n.º 3, a remuneração seria paga em duas vezes: 50% após o contrato- promessa; 50% restante com a escritura (art.2 º da petição inicial); 4. O mesmo contrato tinha a duração de 3 meses, renovável por igual tempo, caso não viesse a ser denunciado com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao termo por carta registada com aviso de receção –cl. 8.ª (art. 5.º do Código de Processo Civil); 5. Em 25 de agosto de 2021, a A. apresentou à R. BB e CC como potenciais compradores do imóvel referido no artigo primeiro - fls. (art.3.º da petição inicial); 6. Após visita ao imóvel com os interessados, e porque os mesmos mostraram interesse na aquisição do imóvel, foram encetadas negociações com a R., tendo o legal representante da R. estabelecido as condições do negócio e sido elaborada a minuta de CPCV negociada com os potenciais compradores identificados que previa o preço de € 1 400 000– fls. 13/16 v. (art.4 º da petição inicial); 7. Após o acordo verbal, os potenciais compradores pediram o conselho do seu advogado para apurar se o imóvel se encontraria abrangido pelo domínio público marítimo (art.18 º da contestação); 8. Por email de 7 de março de 2022, a autora comunica ao representante da ré que os interessados em causa aceitaram pagar o valor entretanto pretendido pela R., de € 1.500.000, e propõe que marque data para a assinatura do contrato-promessa ou a escritura definitiva - fls. 41 (art.5 º da petição inicial) 9. A R. chegou a negociar uma minuta de CPCV cerca de um ano depois do primeiro contacto dos potenciais compradores (art.25 º da contestação); 10. A ré desistiu do negócio (arts.6 º da petição inicial e 27 º da contestação). 15. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes: - Que os potenciais compradores se tenham recusado a transferir qualquer quantia a título de sinal (art.26 º da contestação) - Que o negócio não tivesse avançado por terem sido aconselhados pelo seu advogado a não prosseguir com a compra sem que se esclarecesse se o imóvel se encontrava localizado em área abrangida pelo Domínio Publico Marítimo ou baixar o preço de venda (arts.19.º, 21 º e 23.º da contestação) - Que a ré tivesse recusado outras propostas de compra (art.24 º da contestação) - Que o potencial comprador tenha comunicado ao representante da ré que desistia do negócio e que lhe tenha dirigido expressões ofensivas (art.28 º da contestação). O DIREITO 16. O artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro 1, é do seguinte teor: 1. — A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2. — É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. 3. — Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. 4. O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel. 5. — O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa 2. 17. O conteúdo das obrigações do cliente e da empresa é substancialmente distinto, consoante o contrato de mediação seja um contrato de mediação simples ou um contrato de mediação qualificado pela cláusula de exclusividade prevista no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro 3. 18. Enquanto em contratos de mediação simples a empresa não tem necessariamente uma obrigação, em contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade tem necessariamente a obrigação de diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização do negócio visado 4. Enquanto em contratos de mediação simples o cliente tem uma obrigação de remuneração em um único caso — no caso de conclusão de um contrato definitivo eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação, ou no caso de conclusão de um contrato-promessa eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação 5 —, nos contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa em três hipóteses: Em primeiro lugar, o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa na hipótese de ter sido concluído um negócio eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade da empresa de mediação 6; em segundo lugar, o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa na hipótese de o negócio visado só não ter sido concluído por causa imputável ao cliente e, em terceiro lugar, tem uma obrigação de remuneração da empresa na hipótese de não cumprimento da obrigação de exclusividade 7. 19. Em concreto, o contrato de mediação concluído entre a Autora Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., e a Ré HQL, Lda., era um contrato de mediação com cláusula de exclusividade simples. 20. O negócio visado pelo exercício da mediação não chegou a ser concluído — e, como o negócio visado pelo exercício da mediação não tenha chegado a ser concluído, o problema está em averiguar se o negócio só não se concretizou “por causa imputável ao cliente proprietário… do bem imóvel”. 21. O Tribunal de 1.ª instância considerou que sim. Entendeu que estava provado que o negócio só não se concretizou porque a Ré HQL, Lda., desistiu do negócio. O Tribunal da Relação considerou que não. Entendeu que não estava provado que a Autora Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., tivesse apresentado à Ré HQL, Lda., um real interessado na aquisição do imóvel nas condições acordadas — logo, que não estava provado que o negócio só não se concretizou porque a Ré HQL, Lda., desistiu do negócio. 22. O acórdão recorrido deduz o argumento seguinte: “vem […] provado que a Ré chegou a negociar uma minuta de contrato promessa de compra e venda cerca de um ano depois do primeiro contacto dos potenciais compradores (art.25 º da contestação) […], sendo que tal contrato promessa não chegou a ser celebrado. Ora, perante a versão dos factos apresentada pela Ré, de que os potenciais compradores não concluíram as negociações recusando-se a aceitar as condições contratuais, e transferir os fundos necessários para o pagamento do sinal, e de que face a este novo recuo dos potenciais compradores, cansada de mais um adiamento, entendeu legitimamente, que não pretendia prosseguir como o negócio, a comunicação que se provou não demonstra efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação”. 23. Entendemos que os factos dados como provados sob os n.ºs 5, 6, 8 e 9 são suficientes para que se conclua que a Autora, agora Recorrente, Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., apresentou à Ré, agora Recorrida, HQL, Lda., interessados na conclusão do negócio visado pelo contrato de mediação. 24. BB e CC foram apresentados pela Autora, agora Recorrente, Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., à Ré, agora Recorrida, HQL, Lda. 8, exprimiram interesse na conclusão do contrato de compra e venda 9 e, depois de esclarecidas algumas dúvidas sobre se o objecto do contrato de compra e venda era, ou não, um objecto possível 10 11, aceitaram pagar o preço pretendido pela Ré, agora Recorrida, HQL, Lda. 12. 25. O acórdão recorrido desvaloriza a circunstância de a Autora ter comunicado ao representante da Ré que os interessados em causa aceitavam pagar o preço pretendido pela Ré, de € 1.500.000 13 — dizendo que “[t]al comunicação não significa que efetivamente a Autora tivesse obtido um interessado na compra pelo valor indicado no contrato, como comunicou, e nas demais condições acordadas”. 26. O caso está em que o facto dado como provado sob o n.º 8 deve ser articulado com o facto dado como provado sob o n.º 9 — “A R. chegou a negociar uma minuta de CPCV cerca de um ano depois do primeiro contacto dos potenciais compradores (art.25 º da contestação)”. Ora só faz sentido que a Ré, agora Recorrida, tenha chegado a negociar uma minuta de contrato-promessa de compra e venda cerca de um ano depois do primeiro contacto se os potenciais compradores apresentados pela Autora, agora Recorrente, Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., à Ré, agora Recorrida, HQL, Lda., continuassem interessados na conclusão do contrato de compra e venda. 27. O acórdão recorrido valoriza a circunstância de a Ré ter explicado que os potenciais compradores não concluiram as negociações, recusando-se a aceitar as condições do negócio visado e a transferir para a Ré os fundos necessários para o pagamento do sinal. 28. O problema está em que não se provou que os potenciais compradores tivessem desistido do contrato 14, que os potenciais compradores se tivessem recusado a aceitar as condições do negócio visado e, em especial, se tivessem recusado a aceitar o preço pretendido pela Ré, agora Recorrida 15, ou que os potenciais compradores se tivessem recusado a transferir qualquer quantia para a Ré, agora Recorrida, a título de sinal 16. 29. Entendendo, como entendemos, que os factos dados como provados sob os n.ºs 5, 6, 8 e 9 são suficientes para que se conclua que a Autora, agora Recorrente, Época de Harmonia, Mediação Imobiliária, Lda., apresentou à Ré, agora Recorrida, HQL, Lda., interessados na conclusão do negócio visado pelo contrato de mediação, está preenchida a previsão do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro — o negócio visado no contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade e só não se concretizou por causa imputável ao cliente proprietário do bem imóvel. III. — DECISÃO Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instância. Custas pela Recorrida HQL, Lda.. Lisboa, 28 de Maio de 2024 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) José Sousa Lameira Nuno Ataíde das Neves _______
1. Entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto. 2. Sobre os contratos de mediação e, em especial, os contratos de mediação imobiliária, vide por todos Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de compra e venda, vol. I — Introdução. Formação do contrato, Gestlegal, Coimbra, 2021, págs. 293-304.↩︎ 3. Em rigor, dentro das cláusulas de exclusividade, deverá distinguir-se a cláusula de exclusividade simples, em que o cliente se obriga tão-só a não procurar mais nenhuma empresa de mediação, e a cláusula de exclusividade reforçada, em que o cliente se obriga a não procurar um interessado [cf. designadamente António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito comercial, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 726-727]. Em caso de dúvida, deverá entender-se que a cláusula de exclusividade é uma cláusula de exclusividade simples: “… deve resultar claramente do contrato que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio” [cf. Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in: Revista de direito comercial, ano 1 (2017), págs. 215-252 (esp. nas págs. 248-250)].↩︎ 4. Cf. designadamente Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária”, in: WWW: < https://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/comercial/higinacastelo_mediacaoimobiliaria.pdf >, pág. 5, ou Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, in: Revista de direito comercial, ano 4 (2020), págs. 1401-1461 (1431-1433) — deduzindo o argumento que “[q]uem pretende interessado para um contrato e celebra um contrato de mediação para esse fim, vinculando-se a não celebrar contrato com o mesmo objecto com qualquer outra mediadora, espera que a contraparte desempenhe o seu papel, ou seja, que diligencie por obter interessado no contrato que pretende celebrar”, e completando o argumento com a explicação de que “[u]m contrato de mediação em que a mediadora a nada se obrigasse, mas em que o cliente ficasse impedido de recorrer a outras mediadoras seria um contrato desequilibrado, sendo muito improvável que um contraente razoavelmente esclarecido o celebrasse”. 5. Cf. artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro: “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”. 6. Entre os corolários da cláusula de exclusividade, ainda que simples, está a presunção de que o negócio visado foi concluído por causa do exercício da actividade de mediação [vide, na doutrina, António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito comercial, cit., págs. 726-727; ou Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, cit., págs. 250-251, e, na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2002 — processo n.º 02B2469 —, em que se diz que “[a] existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio”].↩︎ 7. Cf. designadamente Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária”, cit., págs. 12-13, ou Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, cit., págs. 1437-1440. 8. Cf. facto dado como provado sob o n.º 5 — “Em 25 de agosto de 2021, a A. apresentou à R. BB e CC como potenciais compradores do imóvel referido no artigo primeiro - fls. (art.3.º da petição inicial)”. 9. Cf. facto dado como provado sob o n.º 6 — “Após visita ao imóvel com os interessados, e porque os mesmos mostraram interesse na aquisição do imóvel, foram encetadas negociações com a R., tendo o legal representante da R. estabelecido as condições do negócio e sido elaborada a minuta de CPCV negociada com os potenciais compradores identificados que previa o preço de € 1 400 000– fls. 13/16 v. (art.4 º da petição inicial)”. 10. Cf. facto dado como provado sob o n.º 7 — “Após o acordo verbal, os potenciais compradores pediram o conselho do seu advogado para apurar se o imóvel se encontraria abrangido pelo domínio público marítimo (art.18 º da contestação)”. 11. Em todo o caso, o facto dado como provado sob o n.º 7 deve ser articulado com o facto dado como não provado sob o segundo travessão: — “Que o negócio não tivesse avançado por terem sido aconselhados pelo seu advogado a não prosseguir com a compra sem que se esclarecesse se o imóvel se encontrava localizado em área abrangida pelo Domínio Publico Marítimo ou baixar o preço de venda (arts.19.º, 21 º e 23.º da contestação)”. 12. Cf. facto dado como provado sob o n.º 8 — “Por email de 7 de março de 2022, a autora comunica ao representante da ré que os interessados em causa aceitaram pagar o valor entretanto pretendido pela R., de € 1.500.000, e propõe que marque data para a assinatura do contrato-promessa ou a escritura definitiva - fls. 41 (art.5 º da petição inicial)”. 3. Cf. facto dado como provado sob o n.º 8. 14. Cf. facto dado como não provado sob o quarto travessão: — “Que o potencial comprador tenha comunicado ao representante da ré que desistia do negócio e que lhe tenha dirigido expressões ofensivas (art.28 º da contestação)”. 15. Cf. facto dado como não provado sob o segundo travessão — “Que o negócio não tivesse avançado por terem sido aconselhados pelo seu advogado a não prosseguir com a compra sem… baixar o preço de venda (arts.19.º, 21 º e 23.º da contestação)”. 16. Cf. facto dado como não provado sob o primeiro travessão — “Que os potenciais compradores se tenham recusado a transferir qualquer quantia a título de sinal (art.26 º da contestação)”. |