Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1202/21.1T8STR.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 12/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- Perante a pluralidade de crimes cometidos sucessivamente pela arguida, importa verificar se todos eles tiveram lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles ou, em caso negativo, se há lugar a cúmulos jurídicos de cumprimento sucessivo ou/e a cumprimento de penas autónomas, por eventualmente não se verificarem os pressupostos do concurso superveniente, aludidos nos arts. 78.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1, do CP.

II- É o trânsito em julgado da primeira condenação que fixa o momento a partir do qual se considera que existe o concurso superveniente de penas, devendo então ser englobadas para efeitos de cúmulo jurídico, numa pena única, todas as penas individuais que se reportem a factos anteriores à data do trânsito daquela primeira condenação transitada em julgado (ver ac. do STJ n.º 9/2016, in DR I de 9.06.2016).

III- Por sua vez, os crimes que tiverem sido praticados depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação, consoante os casos, tanto podem integrar outro (ou outros) cúmulo(s) jurídico(s), a sancionar com outra(s) pena(s) única(s), desde que se verifiquem os mesmos pressupostos, como, em caso negativo, terão de ser excluídos, mantendo autonomia.

IV- Vem sendo decidido uniformemente pelo STJ, que não existe qualquer obstáculo a que se proceda a cúmulo jurídico entre penas de prisão efetivas e penas de prisão que foram substituídas por outras, como v.g. por PTFC, que ainda não estão cumpridas, nem extintas (como sucede neste caso).

V- Podemos afirmar (como a jurisprudência maioritária do STJ) que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição (seja sobre a PTFC, seja, por exemplo, sobre a suspensão da execução da pena), mas antes sobre a medida da pena, sendo a substituição da pena de caráter provisório e, portanto, enquanto que não se extingue, está sujeita à clausula rebus sic stantibus, o que significa que, em caso de concurso superveniente, dependendo das particulares circunstâncias do caso em apreciação, pode não ser mantida na pena única imposta.

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 1202/21.1T8STR.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I-Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 1202/21.1T8STR do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por acórdão proferido em 2.11.2021, decidiu-se:

- Nos termos e com os fundamentos expostos, cumulando as penas que à arguida foram aplicadas no Processo Comum Singular n.º 331/17...., do Juízo de Competência Genérica ..., e no Processo Comum Coletivo nº 330/18.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., condena-se a arguida AA na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.

- Nos termos do disposto no artigo 80.º do Código Penal, o tempo de privação da liberdade (seja a que título for) sofrido pela arguida à ordem de qualquer dos processos supra referidos será descontado na pena única.

Esta pena única é de cumprimento sucessivo face à pena única aplicada à arguida nestes autos por acórdão de 02.11.2021.

2. Inconformado com essa decisão, a arguida AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso tem por objeto a matéria de Direito.

B. A Arguida não se conforma com a pena aplicada pelo Acórdão de Cúmulo Jurídico, proferido em 12/07/2022, através do qual foi condenada na pena de cinco anos e nove meses prisão.

C. O aludido aresto, procedeu ao cúmulo das penas que foram aplicadas à Arguida no Processo Comum Singular n.º 331/17...., do Juízo de Competência Genérica ..., e no Processo Comum Coletivo n.º 330/18.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ....

D. Fixando a pena em cinco anos e nove meses de prisão.

E. Determinou ainda que a pena agora aplicada “é de cumprimento sucessivo face à pena única aplicada à arguida nestes autos por acórdão de 02.11.2021.”

F. A Arguida não se conforma com tal decisão, pois, no seu entendimento, o tribunal “a quo” deveria ter cumulado todas as penas, referentes aos processos que foram objeto do Cúmulo Jurídico, efetuado em 02/11/2021, e aos atuais.

G. O Acórdão de Cúmulo Jurídico, proferido em 02/11/2021, decretou que:

H. “cumulando as penas que à arguida foram aplicadas no Processo Comum Singular 206/12...., do Juízo Local Criminal ..., no Processo Comum Singular n.º 1727/12...., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., no Processo Sumaríssimo nº 239/13...., do Juízo Local Criminal ..., no Processo Comum Singular n.º 179/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., e no Processo Comum Singular n.º 731/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., condena-se a arguida AA na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão e de 110 dias de multa à taxa diária de € 5,00.”

I. A Arguida não consegue alcança, nem aceitar, porque motivo foi efetuado um segundo Cúmulo Jurídico, com uma pena autónoma, cumulativa com a pena aplicada no cúmulo anterior.

J. Ao invés de ser desfeito o Cúmulo anterior e ponderada e aplicada uma pena única, como seria justo.

K. Uma vez que, apesar de tal Acórdão ter transitado em julgado, tal solução já foi utilizada noutros processos.

L. A título de exempro, vejamos o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 22/04/2004: “Na operação de reformulação de um concurso, por conhecimento superveniente de outro(s) crime(s), em relação de concurso, o tribunal tem, necessariamente de “desfazer” o concurso anterior para formar um novo concurso e determinar a pena desse concurso. Por isso mesmo, nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CP, o concurso anterior não tem um verdadeiro efeito de caso julgado quanto aos crimes que conformam o concurso, no sentido da sua inalterabilidade, pois a reformulação do concurso pressupõe, justamente, que o(s) crime(s) de que houve conhecimento superveniente seja(m) englobados no novo concurso. Sendo o concurso anterior desfeito, não há qualquer «caso julgado» da anterior pena conjunta, pois o tribunal é, justamente, chamado a uma nova valoração dos factos.”

M. Ora, também os Cúmulos Jurídicos “anulam” as decisões transitadas em julgado em cada processo, para fixar uma pena única.

N. A Arguida também não consegue alcançar, por que razão o segundo cúmulo foi efetuado, se não era para fixar uma pena única, aplicável a todos os processos.

O. Uma vez que, o mesmo recaiu sobre uma pena de prisão de 1 ano e 8, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º 3, do C.P.

P. Trabalho esse que se encontrava a ser cumprido no Estabelecimento Prisional, referente ao Processo Comum Singular n.º 331/17...., do Juízo de Competência Genérica ....

Q. E uma pena aplicada no Processo Comum Coletivo n.º 330/18.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., que havia sido objeto de cúmulo pelo Tribunal da Relação ..., transitado em julgado em 21/07/2021.

R. Pena essa foi fixada em 4 anos e 9 meses de prisão, por acórdão foi proferido em 14/09/2020.

S. Sente que está a ser alvo de uma enorme injustiça, pois a manter-se o determinado pelo Acórdão, ora em crise, ao invés de concluir a prestação do trabalho comunitário e ter de cumprir 4 anos e nove meses de prisão, foi condenada a 5 anos e 9 meses de prisão, ficando sem qualquer efeito todas as horas de trabalho prestado.

T. A Arguida está privada da liberdade, desde Dezembro de 2018, e durante todo este período, em que se encontra privada da sua liberdade e especialmente privada do convívio com a sua família, particularmente com os dois filhos pequenos, tem refletido muito sobre os seus comportamentos passados.

U. Tem também procurado lutar, apesar de todas as limitações a que está sujeita, pelo futuro que ambiciona.

V. Pretende reaprender a viver e refazer a sua vida.

W. Aprender a viver de forma diferente, em conformidade com a lei.

X. Por si e para dar bom exemplo aos filhos, o exemplo que lhe faltou a ela.

Y. Através da mãe já conseguiu obter uma promessa de trabalho.

Z. Até aqui, tem encarado o sistema prisional como uma forma de ressocialização.

AA. Contudo, caso V. Ex.ªs entendam manter a presente condenação, terá de cumprir onze anos e um mês de prisão.

BB. O que significa que quando finalmente sair em liberdade, o filho mais velho terá atingido a maioridade.

CC. Perdendo assim, a Arguida a hipótese, não só de acompanhar o seu crescimento, bem como de lhe dar um bom exemplo de vida, como sonha.

DD. Caso V. Ex.ª entendam manter a decisão ora colocada em crise, a Arguida sente que estará a ser alvo de uma injustiça e que o sistema prisional terá apenas a vertente punitiva e perderá a vertente ressocializante.

EE. O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-02-2014, proferido no Processo n.º 6/08.1GBGLG.E1, determinou que: “I. A realização do cúmulo jurídico de penas visa permitir que, num certo momento, se conheça da responsabilidade do arguido quanto a factos do passado, no sentido em que todos esses factos, caso fossem conhecidos e houvesse contemporaneidade processual, poderiam ter sido apreciados (e sobre eles proferida decisão) em conjunto (e num só processo ou num único momento).”

FF. Ora, ao aplicar-se à arguida duas penas distintas, em consequência de dois Cúmulos jurídicos, está o tribunal “a quo” a desdizer a jurisprudência, pois a situação da Arguida não é observada na sua globalidade, mas sim de forma parcelar.

GG. No entendimento da Arguida, deverão V. Ex.ªs aplicar uma única pena, que englobe todos os processos, não superior a seis anos de prisão.

HH. Todavia, caso V. Ex.ªs perfilhem de outro entendimento, o que apenas por mera hipótese académica se equaciona, deverá a pena aplicada no segundo Cúmulo, proferido a 12/07/2022, ser reduzida para uma pena de prisão não superior a um ano.

II. Uma vez que, foi aplicada à arguida uma pena superior à pena aplicada pelo Tribunal da Relação, pelo facto de ter sido efetuado o Cúmulo dessa pena com uma pena que se encontrava a ser cumprida através da prestação de trabalho comunitário, no Estabelecimento Prisional (tendo a arguida cumprido boa parte da pena).

Termina pedindo que seja provido o recurso e, em consequência, o acórdão impugnado seja substituído por outro, que aplique à arguida uma pena única não superior a 6 anos, mas que englobe os processos visados pelos acórdãos proferidos em 2.11.2021 e em 12.07.2022 ou, se assim não se entender, que seja revogado o acórdão impugnado e, substituído por outro que, a condene em pena não superior a um ano.

3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ª – A arguido recorreu, pois, no seu entender considera que tendo sido realizado um novo cúmulo jurídico que aplicou uma pena autónoma, mantendo-se a pena no cúmulo anterior, deveria ter sido desfeito o cúmulo anterior e ponderada e aplicada uma pena única.

2ª – Mais considera que no âmbito destes autos, deve apenas ser aplicada uma pena única que englobe todos os processos abrangidos por ambos os Acórdãos de cúmulo jurídico, pena essa que não deve ser superior a 6 anos de prisão.

3ª – Consideramos que não lhe assiste razão.

4ª - Nos presentes autos, por Acórdão proferido em 02-11-2021, foi realizado um cúmulo jurídico que englobou as penas impostas à arguida nos processos n.ºs 206/12...., 1727/12...., 239/13...., 179/13.... e 731/13....

5ª - Para esse efeito foi considerado o primeiro trânsito em julgado ocorrido em 16-06-2016 e respeitante ao processo n.º 1727/12.....

6ª – Porém, desse cúmulo foi excluída a pena aplicada no processo n.º 331/17...., dado que os respetivos factos foram praticados em 19-06-2017, portanto, já depois de 16-06-2016, data da decisão que primeiro transitou em julgado.

7ª - Posteriormente, na sequência da análise do CRC da arguida e de certidão remetida aos presentes autos, constatou-se que a mesma tinha sido condenada no processo n.º 330/18...., por factos cometidos em outubro e novembro do ano de 2018.

8ª - Assim, como as penas dos referidos processos n.ºs 331/17.... e 330/18.... se encontravam em relação de concurso, pois os crimes foram todos cometidos antes de 21-06-2019, data do primeiro trânsito em julgado, que ocorreu no processo n.º 331/17...., foi necessário proceder à realização de um segundo cúmulo jurídico.

9ª – As penas dos processos que entraram no segundo cúmulo jurídico, os respetivos crimes foram praticados em 19-06-2017 e outubro e novembro de 2018.

10ª - Por isso, foram praticados em datas posteriores a 16-06-2016, data esta respeitante ao primeiro trânsito em julgado que foi considerado para efeitos do primeiro cúmulo jurídico realizado.

11º - Logo, face ao disposto nos artigos 77º e 78º, do Código Penal, nunca as penas respeitantes aos processos que entraram no segundo cúmulo jurídico realizado, poderiam ser cumuladas com as penas respeitantes aos processos que foram englobados no primeiro cúmulo jurídico, na medida em que os respetivos crimes foram todos cometidos depois da data do primeiro trânsito em julgado que foi considerado no primeiro cúmulo jurídico.

12ª – Assim, não existia qualquer fundamento legal para se desfazer o primeiro cúmulo jurídico e realizar um novo cúmulo jurídico que englobasse todas as penas, pois as penas do segundo cúmulo jurídico nunca poderiam, pelas razões indicadas, ser cumuladas com as penas dos processos que entraram no primeiro cúmulo jurídico.

13ª - Afigura-se-nos pois que a pretensão da arguida e que motivou a interposição do seu recurso não pode proceder.

14ª - Deve, pois, o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida.

4. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA formulou as seguintes conclusões:

1.ª- Não há fundamento legal para se cumularem todas as penas aplicadas à arguida, como se pretende no recurso, ou seja, as penas constantes do douto acórdão recorrido com as penas anteriormente aplicadas em acórdão cumulatório que abrangeu outras condenações;

2.ª- Na verdade, a tal obstam as regras relativas ao conhecimento superveniente do concurso previstas no artigo 78.º do CP, visto que os factos relativos às duas decisões que levaram ao persente cúmulo foram praticados muito depois do trânsito em julgado da primeira condenação que fixou os pressupostos do anterior cúmulo, e de acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 9/2016;

3.ª- De acordo com a jurisprudência pacífica deste STJ, após a realização de cúmulo jurídico e surgindo novas condenações com crimes que não estejam numa relação de concurso, há que proceder a um novo cúmulo que determine nova pena única e com aplicação dos critérios legais estabelecidos;

4.ª- No caso em apreço, o douto acórdão recorrido limitou-se a aplicar a lei, não se podendo ir mais além com a fixação de pena única abrangendo todas as condenações por falta dos aludidos pressupostos o que, a acontecer, significava que se estaria a efectuar o chamado “cúmulo por arrastamento”, o qual não é permitida por não ter consagração legal, conforme jurisprudência pacífica deste STJ;

5.ª- Não resulta dos autos, ou seja, da fundamentação do douto acórdão recorrido que a arguida tivesse iniciado a prestação do trabalho a favor da comunidade no interior do estabelecimento prisional em substituição da pena de prisão aplicada num dos processos abrangidos pelo cúmulo;

6-ª- A pena única aplicada mostra-se justa e adequada tendo sido considerado para tal o seguinte: a) terem sido cometidos crimes contra o património, apresentando alguns bens valores consideráveis; b) os antecedentes criminais, c) a personalidade da arguida; d) a ausência de hábitos de trabalho; e) a carreira criminosa da arguida; f) e o facto de terem sido dadas oportunidades que a arguida não aproveitou;

7-ª- Não há fundamento para se aplicar pena única inferior, atendendo às penas parcelares impostas e aos critérios atinentes à sua determinação, inexistindo circunstâncias a favor da arguida que tenham a virtualidade de conduzir a pena inferior, muito menos nos termos peticionados;

8.ª- Termos em que se emite parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

6. Com interesse para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado, o seguinte:

 I. Factos provados atinentes às infrações em concurso:

 1. A arguida, no Processo Comum Singular n.º 331/17...., do Juízo de Competência Genérica ..., conforme certidão que deu origem a estes autos, junta em 07.05.2021, foi condenada, pela prática, como autora material:

- de um crime de roubo simples, nos termos do artigo 210.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º 3, do C.P.

Tal condenação foi proferida em 21.05.2019, tendo transitado em julgado em 21.06.2019.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«1. No dia 19 de junho de 2017, a arguida AA e um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, decidiram, de comum acordo, e na execução de um plano traçado entre todos, apoderar-se de objetos que estivessem na posse de BB, de 83 anos de idade.

2. Para tanto, na execução do aludido plano, a arguida AA e o seu comparsa decidiram dirigir-se à residência de BB, sita na Rua ..., ..., ... direito, em ....

3. Aí chegados, pelas 09.30h, em comunhão de esforços e intentos, a arguida AA tocou à campainha e o seu comparsa permaneceu escondido, atrás da parede no hall de entrada do prédio, junto à porta da residência de BB.

4. BB abriu a porta e após troca de palavras com a arguida AA, disse-lhe para se ir embora, senão chamaria as autoridades e tentou fechar a porta da sua residência.

5. Ato contínuo, o indivíduo cuja identidade não se logrou apurar impediu que BB fechasse a porta e desferiu-lhe uma pancada no peito, tendo neste momento agarrado o colar com um crucifixo, ambos em ouro (cujo valor não se logrou apurar), que aquele trazia ao pescoço, puxando-o com força, arrancando-o, deste modo logrando partir o fecho de segurança do colar.

6. Como consequência direta e necessária da conduta da arguida e do seu comparsa, BB, sentiu dores e ficou a sangrar do pescoço.

7. De imediato, a arguida e o seu comparsa puseram-se em fuga, levando consigo o colar em ouro e o objeto em ouro que no mesmo estava pendurado.

8. A arguida, em conjugação de esforços e intentos com o seu comparsa, agiram com o propósito de fazerem seus o fio em ouro e o objeto em ouro que no mesmo estava pendurado, não obstante saber que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade do seu legítimo proprietário, e, para melhor conseguir os seus intentos, fizeram-no de forma inesperada e atentando contra a integridade física de BB, que ficou coartado da sua autonomia psicológica e de movimentos.

9. Ao praticar a supra descrita conduta a arguida atuou com a vontade livremente determinada, e com a consciência de que a mesma lhe não era permitida».

2. A arguida foi condenada, por decisão transitada em julgado proferida no processo comum coletivo nº 330/18.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., conforme certidões juntas em 12.04.2022 e 11.05.2022, como autora material:

- de 1 (um) crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão [320/18....];

- de 1 (um) crime de furto, qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [643/18....], na pena de 3 (três) anos de prisão;

- de 1 (um) crime de furto, qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [558/18....], na pena de 3 (três) anos de prisão;

- de 1 (um) crime de furto, qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal [489/18....], na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- de 1 (um) crime de auxílio material, previsto e punido pelo artigo 232.º, n.º 1, do Código Penal [600/18], na pena de 8 (oito) meses de prisão;

- de 1 (um) crime de auxílio material, previsto e punido pelo artigo 232.º, n.º 1, do Código Penal [295/18, 294/18 e 613/18], na pena de 8 (oito) meses de prisão;

- de 1 (um) crime de auxílio material, previsto e punido pelo artigo 232.º, n.º 1, do Código Penal [633/18], na pena de 8 (oito) meses de prisão;

- de 1 (um) crime de auxílio material, previsto e punido pelo artigo 232.º, n.º 1, do Código Penal [312/18], na pena de 8 (oito) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, a pena única foi fixada em 4 anos e nove meses de prisão.

O acórdão foi proferido em 14.09.2020 e transitou em julgado em 21.07.2021, tendo o Tribunal da Relação dado provimento parcial ao recurso, reduzindo duas penas concretas e a pena única nos moldes que acima já constam.

Os factos foram cometidos no ano de 2018, mais exatamente em 8, 17, 21, 27 e 31 de outubro e 2, 7, 25 e 30 de novembro.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«(…)

8. Em data posterior a 14/07/2018, o arguido CC passou a viver com nova companheira, a arguida AA, numa habitação sita na Estrada ..., ..., em Porto ..., ..., situação que já se verificava no início de Agosto de 2018. Permaneceram nessa residência até ...

9. Desde, pelo menos, 8 de Agosto de 2018 e até 17/9/2018, viviam com os arguidos CC e AA, na mesma residência, o arguido DD e a companheira deste a arguida EE.

10. Após 17/09/2018, os dois casais mudaram-se para uma habitação, sita na Rua ..., na ..., ....

11.A arguida AA permaneceu na referida residência enquanto os arguidos CC e DD saiam para furtar, vigiando o espaço em redor dessa residência, por forma a dar o alerta àqueles, caso avistasse autoridades policiais, o que sucedeu nos termos e nas ocasiões a seguir indicadas.

(…)

12. Para tal, durante a execução dos furtos, nos termos e situações a seguir indicadas, a arguida AA contactava telefonicamente o arguido CC e era contactada por este, por telemóvel, a quem informava se havia ou não movimentações junto à residência.

13. Depois de consumados os furtos, a arguida AA, nos termos e situações a seguir indicadas, abria o portão da residência ainda antes dos arguidos CC e DD chegarem por forma a que os mesmos não tivessem de parar na via pública e pudessem entrar rapidamente com o veículo automóvel directamente para a garagem e logradouro da referida residência, evitando, assim, que pudessem ser vistos ou interceptados, na via pública, com os bens furtados.

14. Nas ocasiões e nos termos a seguir indicados, quando já estava a aproximar-se da residência, o CC contactava telefonicamente a AA e pedia-lhe que fosse abrir, de imediato, o portão, informando que estavam a chegar.

15. Nas ocasiões e nos termos a seguir indicados, a arguida AA participou, em comunhão de vontade e de esforços, na prática de furtos com o arguido CC. O veículo automóvel de marca “Fiat”, modelo “Punto” de matrícula ..-..-GR, pertencente à arguida AA, foi utilizado na execução de furtos, nas ocasiões e nos termos a seguir indicado. A arguida AA auxiliou o arguido CC na venda de objectos furtados.

(…)

NUIPC 600/18....

176. Entre as 22 horas do dia 16 de Outubro e as 4 horas do dia 17 de Outubro de 2018, os arguidos CC, DD e FF, deslocaram-se até ao ..., sito na Rua ..., no ..., com vista a apropriarem-se de figuras e objectos em metal que estivessem colocados nas campas que aí se encontravam.

177. Após chegarem ao local, os arguidos treparam e saltaram o muro que rodeia o cemitério.

178. Uma vez no seu interior, os arguidos retiraram e fizeram suas várias figuras e objectos em bronze, latão e cobre que se encontravam colocadas em 28 (vinte e oito) campas, ficando algumas delas com estragos.

179. O valor dos bens furtados pelos arguidos era, pelo menos, de €9.200,00 (nove mil e duzentos euros).

180. Nessa madrugada, a arguida AA permaneceu na residência onde todos moravam, sita na Rua ..., na ..., e conforme havia sido previamente planeado, vigiou o que se passava em redor dessa residência e informou telefonicamente o arguido CC, às 2 horas e 41 minutos de 17 de Outubro, de que, nesse local, estava tudo bem.

181. Nessa madrugada, conforme também havia sido previamente planeado, o arguido CC contactou telefonicamente a arguida AA, avisando-a de que estavam quase a chegar a casa, e esta, ou alguém a seu mando, abriu, de imediato, o portão da residência para que o veículo onde aquele e os arguidos DD e FF seguiam pudesse entrar, de imediato, para o logradouro/garagem sem ter de parar na via pública, o que sucedeu, evitando assim que pudessem ser vistos ou interceptados na via pública com o material furtado.

(…)

NUIPC 320/18....

182. No dia 19/10/2018, pelas 16h42m, a arguida AA deslocou-se até ao supermercado “I...” no ....

183. ---

185. No dia 27/10/2018, pelas 17h25m, a arguida AA deslocou-se, novamente, ao supermercado “I...” no ....

186. Uma vez no seu interior, a arguida retirou dos expositores, pelo menos, 2 (dois) chocolates e colocou-os no interior da sua mala.

187. Em seguida, passou as linhas de caixa sem efectuar o pagamento desses chocolates e deslocou-se para o exterior do estabelecimento comercial, fazendo seus tais produtos, e abandonou o local no veículo automóvel de matrícula ..-..-GR.

(…)

NUIPC 295/18....

204.Entre as 3 horas e 36 minutos e as 3 horas e 48 minutos do dia 21 de Outubro de 2018, os arguidos CC e DD, deslocaram-se no veículo automóvel de matrícula ..-..-FO até ao “M...” sito na E.N. ... em ..., com vista a apropriarem-se de dinheiro e objectos que estivessem no seu interior.

205. Para tal, após chegarem ao local, os arguidos forçaram a porta com um objecto metálico que funcionou como alavanca, abrindo-a, e através dela acederam ao interior do referido estabelecimento comercial.

206. Uma vez no seu interior, os arguidos retiraram e fizeram seus vários alimentos e produtos de mercearia.

207. O valor dos bens furtados pelos arguidos é de € 617,60 (seiscentos e dezassete euros e sessenta cêntimos).

207.1. A reparação da porta implicou a despesa no montante não inferior a €60.

208.Nessa madrugada, a arguida AA permaneceu na residência onde todos moravam, sita na Rua ..., na ..., e conforme havia sido previamente planeado, vigiou o que se passava em redor dessa residência e contactou telefonicamente o arguido CC.

209. Nessa mesma madrugada, conforme também havia sido previamente planeado, o arguido CC contactou telefonicamente a arguida AA, avisando-a de que estavam quase a chegar a casa, e esta, ou alguém a seu mando, abriu, de imediato o portão da residência para que o veículo onde aquele e o arguido DD seguiam pudesse entrar, de imediato, para o logradouro/garagem sem ter deparar na via pública, assim acontecendo, evitando que pudessem ser vistos ou interceptados na via pública com o material furtado.

(…)

NUIPC 633/18....

216. As 4 horas e 17 minutos do dia 31 de Outubro de 2018, os arguidos CC e DD deslocaram-se de veículo automóvel de matrícula ..-..-GR até ao bar da “Associação ...”, sita no Largo ..., na ..., com vista a apropriarem-se de dinheiro e objectos que estivessem no seu interior.

217. Para tal, após chegarem ao local, os arguidos partiram o vidro de uma janela, abrindo-a, e através dela, acederam ao interior do referido estabelecimento comercial.

218. Uma vez no seu interior, os arguidos retiraram e fizeram seus os seguintes bens:

1 (uma) televisão plasma, de marca “Samsung”, adquirida em 8 de Março de 2010, pelo preço de € 850,90 (oitocentos e cinquenta euros e noventa cêntimos);

1 (uma) televisão LED, de marca “Blaupunkt” com 32 polegadas, adquirida em Dezembro de 2013, pelo preço de € 249,00 (duzentos e quarenta e nove euros); e

1 (uma) máquina de brindes.

219. ---

220. Nessa madrugada, conforme havia sido previamente planeado, o arguido CC contactou telefonicamente a arguida AA, avisando-a de que estavam quase a chegar a casa, e esta, ou alguém a seu mando, abriu, de imediato, o portão da residência para que o veículo onde aquele e o arguido DD seguiam pudesse entrar de imediato para o logradouro/garagem sem ter de parar na via pública, assim acontecendo, evitando que pudessem ser vistos ou interceptados na via pública com o material furtado.

221. No dia 31/10/2019, os arguidos CC e AA venderam a televisão de plasma furtada, de marca “Samsung”, ao arguido GG, pelo preço de € 150,00 (cento e cinquenta euros).

222. Na referida ocasião, o arguido GG sabia que a televisão plasma, de marca “Samsung” que adquirira tinha sido furtada.

(…)

NUIPC 312/18....

225. Na madrugada de 02/11/2018, os arguidos CC e DD deslocaram-se até ao café “C...”, sito na Rua ..., em ..., com vista a apropriarem-se do dinheiro que estivesse no seu interior.

226. Para tal, após chegarem ao local, os arguidos partiram uma janela, abrindo-a, e através dela acederam ao interior do referido estabelecimento comercial.

227. Uma vez no seu interior, deslocaram-se até a máquina de tabaco e partiram a sua porta, abrindo-a e retiraram da mesma o respectivo cofre-noteiro que levaram consigo.

228. No referido cofre-noteiro encontravam-se € 533,69 (quinhentos e trinta e três euros e sessenta e nove cêntimos), em numerário, que os arguidos fizeram seus.

228.1. A substituição do vidro importou um custo no montante de €30,00.

228.2. A máquina de tabaco valia €2.800,00.

229. Nessa madrugada, a arguida AA permaneceu na residência onde todos moravam, sita na Rua ..., na ..., e conforme havia sido previamente planeado, vigiou o que se passava em redor dessa residência e informou telefonicamente o arguido CC de que, nesse local, estava tudo bem.

230. Nessa mesma madrugada, conforme também havia sido previamente planeado, o arguido CC contactou telefonicamente a arguida AA, avisando-a de que estavam quase a chegar a casa, e esta, ou alguém a seu mando, abriu, de imediato o portão da residência, para que o veículo onde aquele e o arguido DD seguiam pudesse entrar, de imediato, para o logradouro/garagem sem ter de parar na via pública, assim acontecendo, evitando que pudessem ser vistos ou interceptados na via pública com o material furtado.

(…)

NUIPC 643/18....

236. Na madrugada de 07/11/2018, por volta das 01h52m, os arguidos CC e AA, pelo menos, deslocaram-se até ao café “T...” sito na Rua ..., em ..., com vista a apropriarem-se dos maços de tabaco e dinheiro que estivessem no seu interior.

237. Para tal, após chegarem ao local, os arguidos CC e AA, pelo menos, partiram a porta, abrindo-a, e através dela, acederam ao interior do referido estabelecimento comercial.

238. Uma vez no seu interior, os arguidos CC e AA, pelo menos, deslocaram-se até a máquina de tabaco e forçaram a abertura do respectivonoteiro exterior, partindo-o, e retiraram do seu interior um valor total € 877,80 (oitocentos e setenta e sete euros e oitenta cêntimos), em numerário que fizeram seus.

239. Os arguidos CC e AA, pelo menos, forçaram ainda a fechadura da máquina de tabaco, danificando-a, mas não conseguiram abri-la, acabando por abandonar o local, no veículo automóvel de matrícula ..-..-GR, conduzido pelo arguido CC e levando consigo o dinheiro que se encontrava no noteiro.

(…)

NUIPC 558/18....

249. Na madrugada de 25/11/2018, entre as 01h30m e as 04h30m, os arguidos CC e AA deslocaram-se até ao café/bar da “Associação ...” sita na Rua ..., no ..., com vista apropriarem-se dos maços de tabaco e dinheiro que estivessem no seu interior.

250. Para tal, após chegarem ao local, os arguidos partiram o vidro de uma janela, abrindo-a, e através dela, um dos arguidos, pelo menos, acedeu ao interior do referido estabelecimento comercial.

251. Uma vez no seu interior, um dos arguidos, pelo menos, deslocou-se até a máquina de tabaco e forçou a abertura do respectivo noteiro exterior, partindo-o, e retirou do seu interior um valor total € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) em numerário, que ambos os arguidos, CC e AA, fizeram seus.

251.1. A reparação da porta e substituição do vidro importou o custo de €150,00, suportado pela associação.

NUIPC 489/18....

252. Na madrugada de 30/11/2018, entre as 03h30m e as 04h04m, os arguidos CC, DD, AA e EE deslocaram-se no veículo automóvel de matrícula ..-..-GR até ao café “N...”, sito na Rua ..., na ..., com vista apropriarem-se dos maços de tabaco e dinheiro que estivessem no seu interior.

253. Para tal, após chegarem ao local, o arguido CC acompanhado dos outros três arguidos ou de alguns, partiram o vidro de uma janela, abrindo-a, e através dela, acederam ao interior do referido estabelecimento comercial.

254.---

255. Uma vez no seu interior, o arguido CC, acompanhado dos outros três arguidos ou de alguns, partiram a porta da máquina de tabaco, abrindo-a e retiraram do seu interior dezenas de maços de tabaco, no valor de €1.284,14 (mil duzentos e oitenta e quatro euros e catorze cêntimos), bem como € 171,70 (cento e setenta e um euros e setenta cêntimos), em numerário que fizeram seus.

256. Do interior, do estabelecimento, os arguidos retiraram ainda 3 (três) onças de tabaco de 30g., de marca “JPS” e cor vermelha que fizeram seus.

256.1. A reparação da máquina de tabaco implicou a quantia de €1.816,00.

256.2. A substituição do vidro importou um custo no montante de €60 e a reparação da calha, o custo de €120,00.

(…)

263. No dia 04/12/2018, pelas 07h00m, no interior do quarto dos arguidos CC e AA, na residência sita na Rua ..., na ..., encontravam-se, entre outros, os seguintes objectos:

- umas calças de fato de treino de cor preta, marca “Nike” contendo no seu interior, 31 (trinta e

um) maços de tabaco de várias marcas;

- 1 (um) casaco de fato de treino de cor preta de marca “Puma”;

- 1 (uma) bolsa tipo porta-moedas, de cor preta com as inscrições “Bimba y Lola” contendo no seu interior vários documentos;

- vários produtos de higiene;

- vários sacos pequenos de doces e gomas.

(…)

266. No dia 04.12.2018, pelas 07h00m, no interior da garagem da residência habitada pelos arguidos CC, DD, AA e EE, sita na Rua ..., na ..., encontravam-se, entre outros, os seguintes objectos:

- 1 (uma) gaveta de uma caixa registadora;

- 1 (um) bidão contendo no seu interior várias imagens religiosas (algumas delas partidas);

- vários pedaços de uma figura religiosa partida;

- um (1) ciclomotor, sem motor, volante e outros acessórios, de marca “Yamaha” e com o n.º de chassis ...15.

267. No dia 04/12/2018, pelas 07h00m, no interior da cozinha da residência habitada pelos arguidos CC, DD, AA e EE, sita na Rua ..., na ..., encontravam-se, entre outros, os seguintes objectos:

- 2 (dois) frascos de café da marca Nestlé;

- 6 (seis) embalagens de pevides;

- 1 (um) par de ténis de marca “Adidas” de cor preta com faixas de cor vermelha, tamanho 44, pertencentes ao arguido DD.

268. No dia 04/12/2018, pelas 07h00m, no interior da casa-de-banho da residência habitada pelos arguidos CC, DD, AA e EE, sita na Rua ..., na ..., encontrava, entre outros, 1 (um) frasco de shampoo de marca “Amalfi-Aloe Vera”.

(…)

275. 7.Com as condutas acima descritas nos NUIPC 643/18 e NUIPC 558/18, visaram os arguidos CC e AA, no cumprimento do desígnio criminoso, acordado entre ambos, em conjugação de esforços, unidade de meios e de fins, introduzirem-se, de forma ilegítima, por meio de arrombamento e escalamento, em estabelecimentos comerciais, habitações e espaços fechados ou vedados, com o propósito de se apropriarem de objectos que não lhes pertenciam, bem sabendo que desse modo actuavam contra a vontade dos respectivos proprietários.

275.8.Com a conduta acima descrita no NUIPC 489/18, visaram os arguidos CC, AA, DD e EE, no cumprimento do desígnio criminoso, acordado entre todos, em conjugação de esforços, unidade de meios e de fins, introduzirem-se, de forma ilegítima, por meio de arrombamento e escalamento, em estabelecimentos comerciais, habitações e espaços fechados ou vedados, com o propósito de se apropriarem de objectos que não lhes pertenciam, bem sabendo que desse modo actuavam contra a vontade dos respectivos proprietários.

(…)

275.11. A arguida AA, nas ocasiões descritas nos artigos 181º e 182º; 208º e 209º; 220º; e 229º e 230º; ao vigiar a residência onde todos residiam e ao abrir ou mandar abrir o portão da residência para que os arguidos pudessem entrar rapidamente com o veículo automóvel diretamente para a garagem e logradouro da referida residência, sabia que com a sua conduta, prestava-lhes auxílio para que os mesmos não fossem vistos ou interceptados na via pública com os bens que tinham sido subtraídos aos respectivos donos e contra a vontade dos mesmos.

(…)

283. Com a conduta acima descrita sob os pontos 185.º a 187.º (NUIPC 320/18), a arguida AA sabia que, no dia 27 de Outubro de 2018, se apropriava de bens que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus proprietários, o que efectivamente pretendia.

(…)

306. Agiram os arguidos CC, DD, HH, II, JJ, KK, LL, FF, MM, NN, GG, AA e EE, em todas as ocasiões, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei».

II

1. A arguida foi condenada, por decisão transitada em julgado proferida no Processo Comum Singular nº 206/12...., do Juízo Local Criminal ..., de onde se extraiu a certidão que deu origem a estes autos, junta em 07.05.2021, pela prática, como autora material:

- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, por referência à alínea e) do artigo 202.º, do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão

Tal condenação foi proferida em 24.11.2020, tendo transitado em julgado em 02.03.2021.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«1. No dia 18 de setembro de 2012, no período compreendido entre as 12h00 e as 13h20m, na Rua ..., em ..., freguesia ..., em ..., a arguida AA, dirigiu-se à residência pertencente a OO e PP, situada nesse arruamento (sem número de polícia) - a qual é vedada em todo o seu perímetro lateral e traseiro, com exceção da parte frontal, que confina com a via pública - com o intuito de se apropriar dos bens e valores que aí pudesse encontrar e transportar consigo.

2. Aí chegada, a arguida, de forma não concretamente apurada, acedeu às traseiras da residência onde, com recurso a objeto não concretamente identificado, tentou, sem sucesso, estroncar o fecho de uma das janelas da marquise aí existente.

3. Após ter-se gorado esta tentativa, a arguida dirigiu-se a uma janela situada na lateral esquerda da moradia, que se encontrava apenas com os estores corridos para baixo, que transpôs, vindo, por este meio a introduzir-se na residência.

4. Já no interior daquele local, após ter percorrido e remexido as diferentes divisões da residência, a arguida retirou e levou consigo, fazendo seus, os seguintes objetos em ouro, propriedade do referido casal, com o valor global de € 3.000,00:

- Do móvel do hall de entrada, um par de brincos em ouro em forma de bola, no valor aproximado de € 100,00;

- Do móvel da televisão da sala, um conjunto de brincos em ouros branco, no valor aproximado de € 150,00 e de anel de senhora, em ouro branco, com pedras encrustadas, no valor aproximado de € 500,00, e três fios em ouro amarelo, dois dos quais partidos, no valor global de € 600,00 e um conjunto de brincos de criança, em ouro amarelo, no valor aproximado de € 150,00;

- Da gaveta da mesa de cabeceira do quarto, um cordão em ouro amarelo, de três voltas e malha grossa, com uma medalha com uma pedra cor de creme, que se encontrava guardado, no valor aproximado de € 1.500,00.

5. Uma vez na sua posse, a arguida abandou a residência, pela porta de entrada, que apenas se encontrava fechada pelo trinco, transportando consigo os referidos objetos, que fez seus.

6. A arguida agiu com o propósito concretizado de se apropriar dos referidos bens, que fez seus e integrou na sua esfera patrimonial, apesar de bem saber que tais bens não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

7. Sabiam ainda que a descrita residência era um espaço fechado, cujo acesso lhe estava vedado, e, mesmo assim, quis e conseguiu aceder ao seu interior, mediante transposição de uma das janelas, apesar de saber que o fazia sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários.

8. Agiu a arguida de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei penal».

2. A arguida, no Processo Comum Singular n.º 1727/12...., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., conforme certidão acima mencionada, foi condenada, pela prática, como autora material:

- de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1, e 204º, nº 1, alínea f) e nº 2, alínea e), com referência ao artº 202º, alíneas d) e e), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

Tal condenação foi proferida em 16.05.2016, tendo transitado em julgado em 16.06.2016.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«1- Em hora não concretamente apurada, mas situada no período temporal compreendido entre as 09H30M e as 11H50M do dia 26 de outubro de 2012, a arguida dirigiu-se à residência de QQ sita na Rua ..., em ..., ..., área desta comarca, com intenção de nela entrar para se apoderar dos bens que lá se encontrassem.

2- Ali chegada, a arguida, aproximou-se de uma das janelas laterais da referida residência e após arrancar a rede mosquiteira colocada na mesma, procedeu, por modo não concretamente apurado, à quebra dessa janela que dava acesso à sala, tendo, seguidamente, através desse local, se introduzido no interior de tal casa.

3- Ato contínuo, e já no interior daquele local, a arguida percorreu diversas divisões da residência da ofendida, das quais recolheu diversos objetos e quantias em dinheiro, a saber:

a. € 15 (quinze euros) em quantia monetária;

b. 1 (um) relógio de marca Swatch, modelo “Irony”, cor azul, no valor  aproximado de € 130;

c. 1 (um) relógio de bolso, no valor aproximado de € 60;

d. 1 (um) fio de prata, malha trabalhada, no valor aproximado de € 30;

e. 1 (um) fio de prata, com um crucifixo aposto, no valor aproximado de € 20;

f. 1 (um) fio de prata, com um crucifixo aposto, no valor aproximado de € 20;

g. 1 (um) par de brincos, no valor aproximado de € 15;

h. 1 (uma) gargantilha, no valor aproximado de € 25;

i. 1 (uma) gargantilha de prata, no valor aproximado de € 15;

j. 1 (uma) pulseira de prata com chapa com inscrição gravada na qual se pode ler “RR”, no valor aproximado de € 30;

todos eles ascendendo a um valor total aproximado de € 360,00.

4- Seguidamente, carregando os objetos referidos em 3. do presente, que fez seus, sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos donos, abandonou o local.

5- Os objetos melhor descritos em 3. do presente não foram, até à data, recuperados.

6- A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito alcançado de, mediante quebra da janela da residência de QQ para, através transposição da mesma, se introduzir no interior daquela e de assim se apoderar dos mencionados bens que se encontravam no interior da mesma, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

7- Mais sabia que tal conduta era proibida e punida por lei e ainda assim não se coibiu de a praticar».

3. A arguida, no Processo Sumaríssimo nº 239/13...., do Juízo Local Criminal ..., conforme certidão já aludida, foi condenada, como autora material:

- de um crime de recetação, previsto e punido pelo artigo 231.º/2 do Código Penal, na pena de multa de 110 (cento e dez) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo um total de € 550,00 (quinhentos e cinquenta) euros.

A condenação teve lugar em 27.06.2016, transitou em julgado em 30.06.2016 e os factos foram praticados em 05.05.2013.

Por douto despacho de 10.12.2020, converteu-se a pena de multa em 58 dias de prisão subsidiária.

4. A arguida, no Processo Comum Singular n.º 179/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., conforme certidão já várias vezes aludida, foi condenada, pela prática, como autora material:

- de um crime de furto qualificado p.p. pelo art. 204.º n.º 1, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 3 (três) anos, com regime de prova.

Tal condenação foi proferida em 19.12.2019, tendo transitado em julgado em 07.02.2020.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«1. Na manhã do dia 22.02.2013, a arguida introduziu-se na residência de SS, sita na Estrada ..., ..., ..., ....

2. Para o conseguir, a arguida abriu uma porta paralela à porta de entrada, na zona do pátio, que se encontrava fechada apenas no trinco, acedendo por ela, ao interior da casa.

3. Já dentro da referida habitação, a arguida percorreu as diversas divisões da casa, remexendo gavetas e armários, e dali retirou, e levou consigo, diversos objetos em ouro e prata de valor superior a 5.100,00€.

4. A arguida sabia que aqueles objetos não lhe pertenciam e que, ao apoderar-se deles, agia contra a vontade do seu proprietário, e não obstante, determinou a sua conduta com essa intenção, o que quis, fez e conseguiu.

5. Agiu, livre, deliberada e conscientemente, sabendo que o seu comportamento era penalmente censurável, proibido e punido pela lei».

5. A arguida, no Processo Comum Singular n.º 731/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., conforme mesma certidão cima referida, foi condenada, pela prática, como autora material:

- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artsº 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), 202.º, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova e subordinada à obrigação de a arguida entregar à ofendida a quantia de € 500,00, (quinhentos euros), durante o período da suspensão, devendo fazer prova nos autos do referido pagamento.

Tal condenação foi proferida em 16.06.2020, tendo transitado em julgado em 25.02.2021.

Os factos que determinaram a condenação da arguida foram, entre outros, os seguintes:

«1 - No dia 03 de dezembro de 2013, entre as 08h30m e as 16h45m, a arguida dirigiu-se à residência de TT, sita no ... em ..., ..., com a finalidade de se apoderar dos bens de valor que encontrasse no seu interior.

2 - Aí chegada, com recurso a um objeto não concretamente apurado, a arguida forçou a abertura da porta da residência, abrindo-a e através da mesma introduziu-se no interior da habitação, acedendo dessa forma a todas as suas divisões.

3 - Do interior da referida residência, a arguida retirou e fez seus os seguintes objetos:

1 (um) fio de ouro amarelo com malha tipo cordão;

2 (duas) medalhas em ouro amarelo com uma imagem de Senhora da Conceição;

1 (um) anel em ouro amarelo com duas pedras avermelhadas;

1 (um) fio em ouro amarelo de malha batida;

1 (uma) pulseira em ouro amarelo de malha grossa com a inscrição “UU”;

2 (duas) pulseiras em ouro amarelo com malha fina intercalada com bolinhas de ouro amarelo; e

1 (um) par de brincos em ouro amarelo com fecho.

4 - Os referidos objetos tinham um valor superior a € 500,00 (quinhentos euros).

5 - A arguida sabia que acedia ao interior de uma residência, fazendo-o através de arrombamento da porta, e que daí retirava e fazia seus objetos que não lhe pertenciam, atuando contra a vontade da respetiva proprietária.

6 - Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por Lei».

Em cúmulo jurídico das penas aplicadas no Processo Comum Singular nº 206/12...., do Juízo Local Criminal ..., no Processo Comum Singular n.º 1727/12...., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., no Processo Sumaríssimo nº 239/13...., do Juízo Local Criminal ..., no Processo Comum Singular n.º 179/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., e no Processo Comum Singular n.º 731/13...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi a arguida AA condenada nestes autos, por acórdão de 02.11.2021, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão e de 110 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

Teve-se em conta, nesse cúmulo, o primeiro trânsito em julgado ocorrido em 16.06.2016 e respeitante ao Processo nº 1727/12.....

III. Outros factos provados com interesse:

a) Os factos considerados provados nas decisões supra referidas, e que constam nas certidões acima mencionadas, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

b) A arguida foi ainda condenada:

i. por sentença proferida a 01.06.2012, transitada a 02.11.2012, pela prática, a 23.05.2012, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de injúria, nas penas de 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano e de 90 dias de multa, já declaradas extintas pelo cumprimento (processo 27/12.... do [extinto] ... Juízo do Tribunal Judicial ...);

ii. por sentença proferida a 17.04.2013, transitada a 17.05.2013, pela prática, a 16.04.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 80 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 262/13.... da [extinta] Secção Única do Tribunal Judicial ...);

iii. por sentença proferida a 31.01.2014, transitada a 03.03.2014, pela prática, a 04.05.2013, de um crime de condução perigosa de veículo, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses, já declaradas extintas pelo cumprimento (processo 309/13.... do Juízo de Competência Genérica ...);

iv. por sentença proferida a 03.03.2014, transitada a 07.04.2014, pela prática, a 11.12.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 861/12.... da [extinta] Secção Única do Tribunal Judicial ...);

v. por sentença proferida a 30.10.2014, transitada a 01.12.2014, pela prática, em 25.09.2014, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 528/14.... do [extinto] Juízo Local Criminal ...);

vi. por sentença proferida a 15.07.2016, transitada a 31.10.2016, pela prática, a 09.08.2014, de um crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão suspensa por um ano, com sujeição a regime de prova, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 35/14.... do Juízo de Competência Genérica ..., Juiz ...);

vii. por sentença proferida a 16.04.2015, transitada a 18.05.2015, pela prática, a 11.10.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 162 dias de multa, substituída por 162 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 694/13.... do Juízo de Competência Genérica ...);

c) Mais se provou que:

O processo de socialização de AA decorreu num contexto sociofamiliar desfavorecido, caracterizado pela exclusão social, baixo nível socioeconómico, mobilidade geográfica e um modo de vida desestruturado de vários dos elementos da sua família.

O pai, toxicodependente, faleceu quando a arguida tinha 5 anos de idade.

O seu percurso escolar foi condicionado pela mobilidade geográfica e falta de incentivo por parte da família, tendo apenas completado o 4º ano de escolaridade. No plano laboral as competências são escassas, tendo trabalhado durante um ano numa fábrica de carnes e cinco meses num restaurante. Desde aí exerceu essencialmente trabalhos agrícolas sazonais, de forma irregular, permanecendo habitualmente inativa e dependente de apoios assistenciais.

No plano afetivo, AA iniciou a primeira união marital aos 16 anos, com o pai dos seus dois filhos, com o qual manteve um padrão de vida socialmente desajustado, sobretudo o companheiro, que se encontra preso há dez anos. Há cerca de três anos, a arguida encetou um novo relacionamento afetivo, referindo que tinha um bom entendimento com o companheiro, o qual aceitou bem os seus filhos, que têm atualmente 5 e 11 anos.

AA está presa no E.P... desde 08-01-2021, inicialmente à ordem do processo 330/18.... do Tribunal Judicial da Comarca ... – juízo Central Criminal ... - Juiz ..., pelos crimes de furto simples, furto qualificado e auxilio material.

A arguida conta com o apoio da mãe, também residente em ..., que está a cuidar dos seus filhos, e com o apoio do ex-companheiro, com o qual refere que, apesar de ter terminado o relacionamento afetivo, preserva uma relação de amizade, recebendo visitas daquele e da família no E.P...

Em reclusão, a arguida tem revelado alguma instabilidade ao nível do comportamento e permanece inativa devido constrangimentos institucionais. Pediu para frequentar a escola e refere estar a pelo certificado de habilitação da escola que frequentou para poder inscrever-se. Ao nível da saúde, está a ser seguida em consultas regulares de psiquiatria e psicologia. Segundo a arguida, em liberdade já era seguida em consultas de psiquiatria, alegadamente por padecer de doença bipolar e está medicada para o efeito.

No plano social, de acordo com informações recolhidas recentemente, a imagem social da arguida e da sua família de origem no meio sócio-residencial é desfavorável, sendo associada a um modo de vida irregular, socialmente desajustado, sem hábitos de trabalho, ligada a práticas ilícitas e a contactos com o aparelho da administração da justiça.

Em liberdade, a arguida pretende regressar a casa da sua mãe, onde referiu que permanecia à data da sua reclusão, e manifesta intenção de reorganizar a sua vida de forma socialmente ajustada, pese embora pareça mostrar dificuldade em definir projetos concretos nesse sentido.[1]

7. O Direito

A questão que a recorrente coloca no recurso prende-se com o facto de não concordar que tenham sido efetuados dois cúmulos jurídicos, de cumprimento sucessivo (uma no acórdão de 2.11.2021, transitado em julgado e outra no acórdão de 12.07.2022, agora sob recurso), pretendendo que antes deveria ser feito um único cúmulo jurídico, que englobasse todas as penas em que foi condenada (caso em que, na sua perspetiva, a pena única a aplicar não deveria ser superior a 6 anos de prisão) ou, assim não se entendendo, isto é, a manter-se os dois cúmulos jurídicos de cumprimento sucessivo, determinar qual a pena única adequada, sustentando a recorrente que, face às suas condições pessoais de vida e esforço que está a fazer no sentido da sua ressocialização, no segundo cúmulo jurídico, a que se refere o acórdão sob recurso, deveria ser a mesma reduzida para uma pena de prisão não superior a 1 ano.

Com interesse para este recurso, escreveu-se ainda na decisão impugnada o seguinte:

(…)

Aqui chegados, e debruçando-nos sobre o caso dos autos, o primeiro trânsito em julgado ocorreu em 21.06.2019 e respeita ao Processo nº 331/17..... Esta pena está em concurso com as penas impostas à arguida no Processo nº 330/18...., que se prendem com factos praticados em 2018.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, sem poder porém exceder 25 anos tratando-se de pena de prisão ou 900 dias, tratando-se de pena de multa; se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos para a punição do concurso; as penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que apenas previstas por uma das leis aplicáveis (referido artigo 77.º).

Posto isto, ponderemos sobre as penas únicas a aplicar à arguida. São as seguintes as penas parcelares a considerar:

- 1 ano e 8 meses de prisão (substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade) - Processo Comum Singular n.º 331/17...., do Juízo de Competência Genérica ...;

- 1 (um) ano de prisão,

- 3 (três) anos de prisão,

- 3 (três) anos de prisão,

- 4 (quatro) anos de prisão,

- 8 (oito) meses de prisão,

- 8 (oito) meses de prisão,

- 8 (oito) meses de prisão,

- 8 (oito) meses de prisão,

- Processo Comum Coletivo nº 330/18.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ....

Em cúmulo jurídico, a pena única foi fixada em 4 anos e nove meses de prisão.

Sobre a questão de saber qual a pena a considerar para efeitos de cúmulo – se a principal, se a subsidiária -, segue-se o Acórdão do STJ de 28.09.2016, disponível no site da dgsi, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Oliveira Mendes: «presentemente, para a aplicação da pena única, não importa se a pena está ou não cumprida, se a prisão é ou não efetiva ou se a multa foi ou não convertida em prisão subsidiária (neste caso, a pena a contabilizar para a pena única será sempre a pena de multa e se o arguido tiver cumprido prisão subsidiária ela poderá vir a ser descontada na pena de prisão que a final for liquidada ao arguido) - cfr. nova redação do art.° 78.° do Código Penal».

Também se lê no Acórdão do STJ 13.02.2019, disponível no site da dgsi, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Lopes da Mota, que, «devendo ser aplicada uma pena única, que levar em conta o disposto no n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal (CP), de acordo com o qual, se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza da pena de multa mantém-se na pena única.

Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa; se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, a pena única conjunta de formar-se a partir da pena de prisão substituída».

Importa, assim, no primeiro dos mencionados processos, considerar a pena de prisão e não a pena de trabalho a favor da comunidade em que foi substituída.

Tendo tal em consideração, e analisando as penas de prisão verificamos que a pena de prisão parcelar mais grave aplicada à arguida dentro das referidas se cifra em 4 anos de prisão e a soma de ambas totaliza 15 anos e 4 meses de prisão.

Na determinação da medida da pena, o tribunal levará em linha de conta os factos e a personalidade da arguida (n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal).

Conforme refere Figueiredo Dias em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 290 e seguintes, tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente, relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

No caso vertente, o ilícito global é constituído por crimes contra o património, sendo que os furtos e os roubos são crimes que causam intranquilidade e alarme social.

Em alguns dos crimes, os bens de que a arguida se apropriou tinham valor considerável, não se reconduzindo a desapossamentos de objetos de escasso ou pouco valor.

Há que atender ao considerável passado criminal da arguida – com doze condenações anteriores às dos processos que integram o presente cúmulo jurídico (das quais várias respeitam a crimes contra o património) - e à sua personalidade, sem hábitos de trabalho e com uma dependência de apoios assistenciais. Pode-se concluir, com o devido respeito pela pessoa da arguida, que esta enveredou por uma carreira criminosa.

Ao longo dos anos, foram dadas várias oportunidades à arguida, que a mesma não aproveitou.

Apelando aos já mencionados critério (e respeitando-se a pena única decidida pelo Tribunal da Relação no seio do processo 330/18....), afigura-se adequada a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, a qual não admite suspensão da sua execução (cfr. art. 50º, nº 1, do CP).

Vejamos então.

Quanto ao conhecimento superveniente do concurso de penas, dispõe o art. 78.º, n.º 1, do CP, que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.” E, estabelece o n.º 2 da mesma norma que “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.”

Por sua vez, resulta do n.º 1 do art. 77.º (regras da punição do concurso), do CP, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[2].

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.

Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP[3].

Assim.

Perante a pluralidade de crimes cometidos sucessivamente pela arguida, importa verificar se todos eles tiveram lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles ou, em caso negativo, se há lugar a cúmulos jurídicos sucessivos ou/e a cumprimentos de penas autónomas, por eventualmente não se verificarem os pressupostos do concurso superveniente, aludidos nos arts. 78.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1, do CP.

Ora, como a jurisprudência tem vindo a repetir, é o trânsito em julgado da primeira condenação que fixa o momento a partir do qual se considera que existe o concurso superveniente de penas, devendo então ser englobadas para efeitos de cúmulo jurídico, numa pena única, todas as penas individuais que se reportem a factos anteriores à data do trânsito daquela primeira condenação transitada em julgado (ver ac. do STJ n.º 9/2016, in DR I de 9.06.2016[4]).

Por sua vez, os crimes que tiverem sido praticados depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação, consoante os casos, tanto podem integrar outro (ou outros) cúmulo(s) jurídico(s), a sancionar com outra(s) pena(s) única(s), desde que se verifiquem os mesmos pressupostos, como, em caso negativo, terão de ser excluídos, mantendo autonomia[5].

Portanto, tudo dependendo da verificação dos respetivos pressupostos, podem os crimes subsequentes integrar outros cúmulos jurídicos e, respetivas penas únicas, de execução sucessiva, funcionando, de todo o modo, o trânsito em julgado da condenação respetiva (que funciona como advertência para o condenado levar uma vida conforme ao direito) como elemento determinante de cada grupo de infrações que integra cada “cúmulo jurídico” de penas.

Ora, analisando todas as condenações sofridas pela arguida verifica-se que, as que foram objeto de cumulo jurídico no acórdão sob recurso (a saber relativas ao processo n.º 331/17...., que se reporta a crime de roubo cometido em 19.06.2017 e ao processo n.º 330/18...., que se reporta a diferentes crimes cometidos em 2018) não podiam ser incluídas, nem tão pouco englobar as penas que foram objeto de cúmulo jurídico efetuado no acórdão proferido em 2.11.2021, que teve em conta que, ali a primeira condenação transitada em julgado, ocorreu em 16.06.2016 (no processo n.º 1727/12....) e, assim, incluiu todas as penas relativas a crimes praticados antes dessa data (16.06.2016) em situação de concurso.

Como é fácil de ver, sendo a data dos crimes pelos quais a recorrente foi condenada nos processos n.º 331/17.... e nº 330/18...., posteriores a 16.06.2016, não poderia haver um único cúmulo jurídico que englobasse todas as penas, como pretende a arguida.

E, tendo em atenção que, entre os dois processos aludidos no acórdão sob recurso, foi no n.º 331/17.... que ocorreu a primeira condenação transitada em julgado (o que sucedeu em 21.06.2019, já que no n.º 330/18.... o trânsito apenas ocorreu em 21.07.2021), tendo em atenção a data em que foram cometidos os crimes pelos quais foi condenada em ambos, verifica-se a situação de concurso entre as penas aplicadas, por todos os que foram englobados na decisão sob recurso se reportarem a crimes praticados entre 19.06.2017 e durante 2018, nos dias indicados na mesma decisão, isto é, em 8, 17, 21, 27 e 31 de Outubro e 2, 7, 25 e 30 de Setembro.

Estão, pois, preenchidos todos pressupostos que justificam a verificação dos dois cúmulos jurídicos de penas de cumprimento sucessivo, tal como foi decidido no acórdão sob recurso.

Improcede, assim, a argumentação da recorrente, quando defende o contrário, sem base legal e até contra a lei.

De esclarecer, ainda, como vem sendo decidido uniformemente pelo STJ, que não existe obstáculo a que se proceda a cúmulo jurídico entre penas de prisão efetiva e penas de prisão que foram substituídas por outras como v.g. por PTFC, que ainda não estão cumpridas, nem extintas (como sucede neste caso).

De resto, podemos dizer (como a jurisprudência maioritária do STJ) que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição (seja sobre a PTFC, seja, por exemplo, sobre a suspensão da execução da pena), mas antes sobre a medida da pena, sendo a substituição da pena de caráter provisório e, portanto, enquanto que não se extingue, está sujeita à clausula rebus sic stantibus.

Ou seja, o caso julgado relativo ao conhecimento superveniente tem um valor rebus sic stantibus, o que significa, que “o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso.”[6]

Daí que, não assiste razão à recorrente quando sustenta o contrário, com o pretexto de ter iniciado ou estar a cumprir no EP (o que não deixa de ser incompreensível, atentas as caraterísticas, natureza e finalidade da pena de substituição em causa) a pena de substituição (no caso PTFC) da pena de prisão aplicada no processo n.º 331/17.....

Aliás, sabia bem a recorrente, tal como o tribunal da 1ª instância que aquela pena não tinha sido declarada extinta pelo cumprimento, nem tão pouco havia sido declarada prescrita, uma vez que dispunha da certidão relativa à condenação sofrida pela mesma arguida nesse mesmo processo.

E; uma vez que essa pena não foi declarada extinta, pelo cumprimento, nem foi declarada prescrita, não havia motivo para deixar de ser englobada no cúmulo jurídico efetuado no acórdão sob recurso.

Assim, improcede igualmente essa argumentação da recorrente.

Resta, agora, apurar se a pena única que lhe foi aplicada no acórdão sob recurso é ou não adequada, uma vez que a recorrente sustenta que, face às suas condições pessoais de vida e esforço que está a fazer no sentido da sua ressocialização, deveria ser a mesma reduzida, até para uma pena de prisão não superior a 1 ano.

Assim.

Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso na decisão sob recurso proferida em 12.07.2022 (por força do disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP, não pode ultrapassar 15 anos e 4 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 4 anos de prisão), ou seja, a moldura do concurso situa-se entre 4 anos de prisão e 15 anos e 4 meses de prisão.

Portanto, a pretensão da recorrente de não ser aplicada pena única superior a 1 ano de prisão está excluída, pois, o mínimo legal é desde logo de 4 anos de prisão.

Mas, vejamos, se é excessiva a pena única de 5 anos e 9 meses aplicada na decisão sob recurso.

Como é claro apenas podem ser atendidos os factos dados como provados e o que deles se pode deduzir em termos objetivos.

Argumenta a recorrente, em síntese, que está em reclusão desde Dezembro de 2018, estando privada da liberdade e de convívio com a sua família, especialmente dos seus dois filhos pequenos e, que tem ponderado sobre o seu comportamento passado e sobre o futuro que ambiciona para si e para os seus filhos e que até já conseguiu obter promessa de trabalho, pretendendo refazer a sua vida, para dar também um bom exemplo aos filhos, a quem também espera acompanhar no seu crescimento, estando empenhada na sua ressocialização e, se não lhe for dada essa oportunidade, será apenas realçada a vertente punitiva, sendo hipotecada seriamente a possibilidade da sua reinserção social.

Pois bem.

Em causa está o concurso de 9 crimes consumados (dos quais 1 de roubo simples, mas consistindo num assalto a residência de pessoa idosa com 83 anos, sendo o roubo desqualificado pelo valor não apurado dos objetos de ouro subtraídos, 1 de furto simples, 3 de furto qualificado e 4 de auxílio material), notando-se que a recorrente já tinha antecedentes criminais variados, designadamente também por crimes de furto, o que mostra uma personalidade avessa ao direito.

O desvalor das condutas da arguida, mostra desprezo perante pautas mínimas de convivência societária, como é evidenciado pelo conjunto dos crimes em apreciação nestes autos, cometidos no período indicado nos factos provados (em 19.06.2017 e depois no ano de 2018, em 8, 17, 21, 27 e 31 de Outubro e 2, 7, 25 e 30 de Setembro), sendo gravosa a forma ou modo como os cometeu (bem evidenciada nos factos dados como provados, devendo ter-se em atenção quanto aos furtos o valor dos respetivos bens de que se apropriou e os prejuízos causados, não constando que os tivesse reparado), sendo o ilícito global revelador da sua propensão criminosa para os crimes cometidos - tanto mais que tinha antecedentes criminais, inclusive da mesma natureza como se viu - que assumem já gravidade relevante.
Considerando a sua idade (nasceu em .../.../1953), vista a natureza e quantidade dos crimes cometidos (como decorre da globalidade dos factos em conjunto) podemos afirmar que o arguida/recorrente tem uma personalidade desajustada aos valores sociais e à comunidade em que se insere, manifestando indiferença pelos bens jurídicos violados, revelando uma certa propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos.

A conexão entre os crimes cometidos, é grave, tendo aqueles de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade da arguida (avessa ao direito), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando uma certa propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e sendo acentuadas as razões de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando).

Também se pondera, além do seu comportamento anterior e posterior aos factos, o que se apurou em relação às suas condições pessoais, familiares, profissionais, sociais e económicas que, apesar de tudo (e, por outro lado), revelam as dificuldades pelas quais foi passando desde a fase de crescimento, mas que, tal como muitos outros cidadãos, não a impediam de ter escolhido uma vida conforme ao direito.

De notar que a arguida já tinha família, designadamente os filhos menores (que eram então mais pequenos), quando cometeu os crimes aqui em concurso, pelo que deveria ter pensado neles antes de cometer esses crimes (o que mostra que, nem o facto de ter filhos menores, a impediu ou dissuadiu de cometer os crimes em concurso na decisão sob recurso).

De qualquer forma, será a arguida que, com a sua postura, que deverá assumir o compromisso de contribuir seriamente e de forma responsável para a sua auto-ressocialização.

Do circunstancialismo apurado na sua globalidade (designadamente do seu comportamento no EP, vontade que tem de frequentar a escola e aumentar as suas competências, o que pode melhorar no futuro a sua capacidade de reintegração social, nomeadamente a nível profissional, continuando a ser acompanhada nos seus problemas de saúde, para encontrar o equilíbrio de que carece) pode deduzir-se que existe alguma sensibilidade positiva à pena única a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.

Todavia não se vê que haja razões para reduzir a pena única que lhe foi imposta, considerando as suas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da mesma pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor da sua conduta, adote uma postura socialmente aceite e cumpra as regras da instituição (o que, por certo, se tal se justificar, poderá a seu tempo contribuir para beneficiar de medidas flexibilização que a vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).
Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade da arguida/recorrente não se extrai que se possa formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção e, por isso, se conclui que não é caso de reduzir a pena única que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado, ajustado e proporcionado manter a pena única aplicada de 5 anos e 9 meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

A pretendida redução da pena mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à que lhe foi imposta.

Em conclusão: improcede o recurso da arguida AA, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais respetivas invocadas pela recorrente.

*

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA.

Custas pela recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.

*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 7.12.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

Agostinho Soares Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)

_________________________________________

[1] III. Motivação da matéria de facto:

- certidões juntas em 21.06.2021, 12.04.2022 e 11.05.2022

- certificado de registo criminal emitido em 21.04.2022;

- relatório social datado de 01.07.2022;

- informações médicas juntas pelo Estabelecimento Prisional em 22.06.2022, de onde se extrai que a arguida é seguida em consultas de psiquiatria e psicologia.
[2] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[3] Ver Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.
[4] Pelo referido acórdão do STJ n.º 9/2016 foi fixada a seguinte jurisprudência: O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.
[5] Assim, entre outros, acórdãos do STJ de 16.06.2016, proc. n.º 2137/15.2T8EVR.S1 (Raul Borges) e de 30.09.2021, proc. n.º 16/19.3PBVCD-H.S1 (Eduardo Loureiro).
[6] Ver, entre outros, Ac. do STJ de 2.06.2021, proc. n.º 626/07.1PBCBR.S1 (António Gama).