Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1191/14.9TVLSB.E2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INFILTRAÇÕES
SENHORIO
ARRENDATÁRIO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
INTERPELAÇÃO
MORA
SEGURADORA
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I. É de conservação extraordinária a obra de reposição de um tecto construído pelo arrendatário (rebocado sob o pavimento da laje do 1º andar) do r/chão locado, que desabou parcialmente em consequência de infiltrações oriundas do 1º andar;

II. Tendo-se obrigado, nos termos do contrato com a senhoria, a fazer “obras de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios”, não pode o arrendatário responsabilizar a senhoria pelos danos causados na fracção arrendada por aquele desabamento;

III. Tendo sido demandada, com fundamento na sua responsabilidade contratual, não pode a senhoria do r/c ser responsabilizada, na mesma acção, como proprietária do 1º andar, nos termos do art. 492º do CC, por tal envolver alteração da causa de pedir;

IV. Se sobre a senhoria recaísse a obrigação de fazer as obras, ainda assim não poderia ser responsabilizada, uma vez que o arrendatário não provou que ela foi previamente avisada dos vícios da coisa e de que, interpelada para proceder às reparações necessárias, não as fez, estando, assim, em mora.”

Decisão Texto Integral: Revista n.º 1191/14.9TVLSB.E2.S1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


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BANCO BPI, S.A. instaurou acção contra AA e formulou o seguinte pedido: a condenação da Ré no pagamento da quantia de €35.350,06, acrescida dos juros vencidos desde 07-11-2013 até 29-07-2014, no valor de €1.022,73, e ainda nos juros vincendos, a partir desta data e até integral e efetivo pagamento, ambos à taxa supletiva legal de 4 % ao ano.

Para fundamentar o pedido, alegou, em síntese, que ocorreu uma derrocada de parte do revestimento do teto, constituído por um reboco aplicado sob a laje do pavimento do 1.º andar, de um seu Balcão, sito na Praça ..., cuja reparação a sua seguradora (Allianz Portugal, S.A.) não cobriu por atribuir a responsabilidade à Ré, proprietária do imóvel, por a derrocada ter sucedido «(…) na sequência de eventuais derrames de água provenientes do piso superior.»

Mais alegou que a derrocada colocou em causa o normal funcionamento do balcão.

Não tendo a senhoria, interpelado para o efeito, nem a respetiva seguradora (Generali – Companhia de Seguros, S.A.) assumido a responsabilidade, viu-se obrigado a proceder, a expensas suas, à limpeza das instalações e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do balcão.

Pretendendo ser ressarcido dos valores dependidos.

Contestou a Ré declinando qualquer responsabilidade quanto ao ocorrido, alegando, em suma, que em face dos contratos de arrendamento celebrado com o Autor e com o locatário do 1.º andar, todas e quaisquer obras são da responsabilidade e risco dos inquilinos, tendo sido informada pela arrendatária do 1.º andar que não houve qualquer inundação ou derrame de água nas suas instalações, pelo que, tendo sido o Autor quem construiu a placa que separa o rés-do-chão do 1.º andar, quem substituiu toda a cobertura do prédio e esqueleto do 1.º andar e quem construiu o teto que caiu parcialmente em 27-10-2012, e colocou o teto falso, o ar condicionado, a respetiva tubagem e equipamentos, atento o estipulado no contrato de arrendamento, é obrigação exclusiva do Autor a reparação, conservação e consolidação das obras por si realizadas no locado.

Ademais, alegou que qualquer responsabilidade que lhe possa ser assacada se encontra transferida para a sua seguradora, requerendo a intervenção principal provocada da mesma (Generali- Companhia de Seguros, S.A.).

Foi admitida a intervir nos autos a Generali – Companhia de Seguros, S.A., que, citada para o efeito, contestou a ação, reconhecendo a existência do contrato de seguro, aderindo, no essencial, ao alegado pela Ré.

Por sua vez, requereu a intervenção acessória da sociedade Restaurante L..., Lda., arrendatária do 1.º andar, uma vez que, da procedência da ação, deverá a mesma responder por falta de obras e conservação do andar, o que terá contribuído para a alegada inundação ou derrame de águas no teto das instalações do rés-do-chão e consequente derrocada nos termos ocorridos.

Admitida a intervenção acessória da sociedade Restaurante L..., Lda., a mesma deduziu contestação onde, igualmente, impugnou os termos da ação, negando terem ocorridos quaisquer inundações ou derrames no 1.º piso onde a residencial funciona.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, em 12-12-2018, que julgou a ação parcialmente procedente condenando a Ré e a interveniente Generali – Companhia de Seguros, S.A., solidariamente, a liquidar ao Autor a quantia total de €26 087,15, acrescida de juros de mora, desde 07-11-2013, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

A sentença veio a ser anulada por Acórdão desta Relação de Évora proferido em 21-11-2019, que ordenou que fossem supridas deficiências da matéria de facto e ampliada a mesma.

Em 30-05-201 foi proferida nova sentença, que absolveu a Ré e a interveniente Generali – Companhia de Seguros, S.A. do pedido, consignando, ainda, que nada havia a determinar quanto à interveniente acessória Restaurante L..., Lda. dada a natureza deste tipo de intervenção.

Inconformado, recorreu o Autor, pedindo a revogação da sentença e, em substituição, o proferimento de decisão que condenasse solidariamente a Ré a Interveniente Seguradora no pagamento ao Autor da quantia peticionada - à exceção das despesas mencionadas no ponto 46 dos factos não provados - acrescida de juros de mora desde 07.11.2013 até efetivo e integral pagamento à taxa de 4 % ao ano.

A Generali – Companhia de Seguros, S.A. respondeu ao recurso, suscitando a ampliação da reapreciação da decisão de facto quanto ao ponto 33 dos factos provados.

Pela Relação foi proferida a seguinte decisão:

“Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e, em consequência condenam, solidariamente, a Ré AA e a Interveniente Principal GENERALI – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagarem ao Autor BANCO BPI, S.A., a quantia de €26.087,15 (Vinte e seis mil, oitenta e sete euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 07-11- 2013, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-as do mais peticionado.

Custas nos termos sobreditos.”

Todavia, a interveniente Generali Seguros veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1. O Acordão em crise não soube proceder à aplicação correta da Lei, face aos factos provados nos autos.

2. A apreciação das obrigações dos contratos de arrendamento e cessão de posição contratual dos inquilinos da R. foram erradamente apreciados pelo Tribunal a quo.

3. A conjugação dos factos provados 5, 6 e 7 conduz à responsabilidade do Banco recorrido na manutenção e conservação em bom estado do teto que caiu parcialmente e causou os danos peticionados na presente ação.

4. A decisão retira conclusão errada do clausulado deste contrato, fazendo errada apreciação desta prova.

5. Quer o Banco recorrido, quer a sociedade Restaurante L..., Lda., inquilina do 1º andar onde explora uma residencial, se obrigaram contratualmente perante a senhoria em assumir as obras, de conservação ordinária e extraordinária, nos precisos termos consignados, que não mereceram qualquer alteração, pelo que se mantêm vigentes.

6. O teto que caiu parcialmente foi construído pelo Banco recorrido – facto provado18.

7. Tendo o Banco recorrido promovido a construção total do teto que veio a cair parcialmente, tem, nos termos contratados, obrigação contratual de promover a sua manutenção e conservação.

8. A circunstância de ao longo dos anos todas as intervenções de manutenção, reconstrução e conservação do prédio serem efetuadas pelo Banco recorrido e pelo inquilino do 1º andar, revela bem a consciência das obrigações contratuais que lhes cabia, com exclusão da senhoria, a quem, aliás, nunca comunicaram nem reportavam defeitos ou vícios do prédio, como impõe a alínea b) do artº 1032º e a alínea h) do artº 1038º CC.

9. Este comportamento de derrogação das comunicações contidas nos preceitos legais acima identificados, e que obriga os inquilinos, exclui qualquer responsabilidade da senhoria – artº 1033º, alínea d) do CC. -, nomeadamente das infiltrações de águas provenientes do 1º andar para o r/c, as quais ocorreram, pelo menos, desde o ano de 2006 e seguintes, com especial incidência em derrames de águas ocorridos cerca de dois anos antes da derrocada

10. Estando estas obrigações dos inquilinos contidas na secção II do Capítulo da Locação, onde o artº 1031º que legitima o acórdão recorrido se inclui.

11.Acresce que o artº 1074º do Código Civil faz recair sobre o senhorio a execução de todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, salvo estipulação em contrário.

12.A “estipulação em contrário” vem plasmada em ambos os contratos de arrendamento apreciados nestes autos, obrigando-se o Banco recorrido, enquanto inquilino, a cuidar, manter e conservar o locado, nomeadamente em todas as partes que foram objeto de obras da sua autoria e intervenção, e obrigando o inquilino Restaurante L..., Lda. a todas e quaisquer obras, sejam quais forem, sem restrição ou reserva alguma.

13.As obrigações contratuais dos dois únicos inquilinos e possuidores do prédio da R., com exclusão de quaisquer outros, obriga-os na mesma medida que o artº 492º nº 1 CC obriga o proprietário.

14.A responsabilidade contida no artº 492º CC, relativa ao vício de construção ou defeito de conservação, impunha que o lesado, ora recorrido, fizesse a prova do vício de construção ou do defeito de conservação que recaía sobre a R, enquanto proprietária, por aplicação do artº 342º, nº 1 CC.

15.Prova essa que não foi feita.

16.A decisão em crise errou, fazendo errada apreciação das cláusulas contratuais dos contratos de arrendamento e contrato de cessão de posição contratual, e fazendo errada aplicação das normas legais, nomeadamente, e sem exclusão dos preceitos acima identificados como violados pelos inquilinos, do artº 1074º e 492º do CC.

17.À decisão recorrida bastaria a correta apreciação e interpretação das cláusulas contratuais que obrigam o Banco recorrido e o Restaurante L..., Lda. em manter e conservar o locado, para decidir pela absolvição da R., sem necessidade de apreciação da demais matéria em discussão.

18.Sem conceder, o Tribunal a quo, bastou-se pela obrigação do proprietário de facultar o uso do bem ao inquilino, nos termos do artº 1031º al. b) do CC –(inaplicável no caso em apreciação, por violação das obrigações dos artºs 1033º, d) e 1036º e 1038º h)) e como tal, obrigando ao pagamento dos custos alegadamente suportados pelo recorrido.

19.Sem conceder, acresce a prova de que terão sido as infiltrações provenientes no locado do 1º andar, que ocorreram em 2006, 2007 e 2008, bem como as que se verificavam há cerca de 2 anos antes da derrocada, que foram causa da corrosão dos ferros de suporte do piso superior.

20.Nunca tendo os inquilinos cuidado de avisar a R. senhoria dessa factualidade danosa, para que esta pudesse intervir, se fosse o caso, no imóvel, evitando a ruína da estrutura do piso, como acabou por ocorrer em 2012, fatalmente por inércia e desconsideração interventiva por parte dos inquilinos.

21.Ora, a decisão do acórdão é totalmente inadequada e infundada, face ao compromisso dos locatários de conservar o imóvel, que tinham a guarda, o uso e dever de vigilância.

22.Deve ser revogado o acórdão recorrido, por errada apreciação da prova produzida e violação do artº 405º, nº 1 e 2, 406º nº 1, 1074º e 492º todos do CC, bem como a violação do artº 1032º alínea b) (a contrario) do CC por parte dos inquilinos, decidindo-se pela absolvição da R. e consequentemente, à absolvição da recorrente.

23.Acresce que em momento algum o acórdão tece considerações sobre as obrigações do locatário, vertidas no artº 1033º, d), 1038º h), nº 2 do artº 1036º CC..

24.Sendo que, sem conceder sobre as obrigações do banco A. de avisar a senhoria do vício de infiltrações e humidade, o único preceito que, no nosso entender, permitiria ao Banco A. desencadear procedimentos de reparação urgente – como o fez – e ainda assim, (sem conceder) reclamar da senhoria o reembolso dessas despesas, seria a observação do nº 2 do artº 1036º CC.

25.Sobre esta matéria encontra-se provado que a 13 Novembro de 2012 o Banco recorrido envia carta à R., interpelando-a para acionar o seguro do prédio locado, para que lhe fossem pagos os danos sofridos pela queda parcial do teto.

26.Pela primeira vez e apenas volvidos cerca de duas semanas, o Banco recorrido informa a R. de que no dia 27 de Outubro 2012 ocorreu uma derrocada parcial do reboco do teto das instalações de ....

27.A 13 de Novembro 2012 já o Banco recorrido havia tomado a iniciativa de promover todas as diligências com vista à orçamentação da reparação do locado e aquisição de equipamentos, executado a remoção dos bens danificados e bem assim, reaberto as instalações, tudo feito à revelia dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o artº 1036º CC.

28.A carta de 13 Novembro 2012 não dá cumprimento ao disposto no artº 1036º CC, pelo que não tem o Banco recorrido qualquer direito ao reembolso das despesas peticionadas, nem a R. obrigação de as pagar.

29.Acresce que a divisão das faturas descritas no Facto Provado 34 em limpeza e reabertura provisória do balcão e faturas de reabertura definitiva, revelam que o Balcão abriu ao público após uma primeira fase de obras, de valor significativamente inferior ao valor das obras de reabertura definitiva, como a decisão as intitulou.

30.Manda o artº 1036º CC:

1 - Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas ou outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.

2 - Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.

31.O Banco recorrido não interpela a senhoria nos termos do nº 2 do artº 1036º CC, pois que desencadeia as obras “muito urgentes” consignadas neste preceito, sem avisar a proprietária de que as estava a fazer, omissão essa que afasta o direito de reembolso reclamado nos presentes autos

32.De igual modo, não interpela a senhoria nos termos do nº 1 do artº 1036º CC para promover obras urgentes no locado, com a advertência de que, caso assim não proceda no prazo que se impunha fixar para determinação da mora, ele próprio as irá efetuar.

33.Ou seja, nem a R. senhoria se encontrava em mora, para o alegando direito de reembolso sobre os custos que o Banco A. suportou, nem este advertiu a senhoria nos termos do nº 2 do acima transcrito artº 1036º CC.

34. O Banco recorrido tomou para si, em exclusivo, a liderança do assunto da reconstrução do teto e aquisição de materiais danificados, como se proprietário fosse do imóvel, tendo ordenado a imediata remoção dos destroços e bens danificados, reabrindo o Balcão volvidos apenas 5 dias, bem como promovido a reparação integral do locado, tudo sem qualquer interpelação ou conhecimento da senhoria, a quem, aliás, não interpela para nenhuma intervenção no imóvel.

35.O recorrido apenas teria direito a agir à revelia da R. e tomando o total comando das obras de reparação e reposição dos equipamentos alegadamente danificados, se as obras tivessem carácter de extremamente urgentes, mas também se, concomitantemente, avisasse a senhoria na altura em que efetua a reparação e realiza as despesas, identificando-as.

36.A segunda obrigação do Banco recorrido – avisar a senhoria das obras urgentes que vai executar - nunca aconteceu, e a não verificação do artº 805º nº 1 CC constitui violação de lei aplicável ao caso

37.Com a reabertura do Banco volvidos 5 dias do sinistro, as obras efetuadas após essa data e que possam ser consideradas urgentes integram o formalismo do nº 1 do artº 1036º CC, formalismo esse que também o Banco recorrido não observou, pois, a carta de 13 Novembro 2012 tem um significado e propósito totalmente alheio àquele preceito legal.

38.A zona afetada do estabelecimento do recorrido não chega a cerca de 25% da parte aberta ao público, o que se mostra provado por documentos (Planta do anexo do Parecer da Gapres).

39. Inexistia qualquer justificação para que o Banco, enquanto inquilino, tomasse a iniciativa de proceder à reparação do imóvel, nos termos em que o fez, à revelia e desconhecimento da senhoria, e no final reclamasse desta o pagamento das despesas unilateralmente efetuadas.

40. Acresce a violação, por parte do Banco A., de avisar a R. senhoria dos vícios por si detetados, e reportados à inquilina do 1º andar e aos seus superiores hierárquicos nos anos de entre 2006 a 2010.

41. Uma vez que os danos causados por águas são silenciosos e graves, principalmente quando continuados no tempo, como era o caso dos derrames de água provenientes do 1º andar, que perduraram por vários anos.

42.A deterioração pela ação das águas faz-se inexoravelmente ao longo dos anos, e tornou inevitável a queda do teto por perda de qualidade dos elementos estruturais.

43.As obras de eventual substituição de canalizações no 1º andar não cessa a corrosão que se iniciou anteriormente nos elementos estruturais, corrosão essa que não estanca por si só.

44. Sobre esta temática invocam-se os acórdãos do STJ, de 10/01/2006, proc 05ª3241 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/10/2016, parcialmente transcritos nas alegações.

45.Uma correta apreciação dos factos provados e aplicação do direito, traduz-se na absolvição do pedido por inobservância dos preceitos legais do artº 1036º, artº 1033º, d) e artº 1038º, h) CC por parte do Banco A..

46.Por fim, a sentença condena a interveniente Seguradora, aqui recorrente, conjuntamente com a R., por entender que esta contratou a transferência da sua responsabilidade (tout court).

47.Apenas em sede judicial foi possível concluir qual a origem da derrocada do tecto, uma vez que à Interveniente não foi facultado observar o imóvel, fosse no 1º andar, fosse no estabelecimento da A., pois que esta já havia procedido à remoção dos destroços e reparado o teto integralmente.

48.Apenas está coberto na garantia de seguro os danos sofridos pelos bens seguros, de carácter súbito ou imprevisto, em consequência de rutura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos de edifício (incluindo nestes os sistemas de esgoto de águas pluviais) … - vg. a cláusula b.4 DANOS POR ÁGUA da pág. 19 das Condições Gerais da apólice.

49.Por sua vez, são Exclusões Especificas da Apólice contratada, para além das exclusões da Cláusula 4ª, os seguintes danos:

- danos causados por infiltrações, através de paredes e/ou tetos, humidade e/ou condensação exceto quando se trata de danos resultantes das coberturas contempladas na garantia;

- danos causados por fugas, escapes ou derrames que sejam consequência do mau estado notório de conservação das instalações cuja manutenção se ache ao cuidado do Tomador de Seguro ou Segurado ou que seja da sua responsabilidade, existindo vestígios claros e inequívocos de que esta se encontra deteriorada ou danificada, evidenciados por oxidação, infiltrações ou manchas;

50.Era legítimo que a Seguradora tivesse acesso ao 1º andar e à vistoria das canalizações existentes na Residencial (sem exclusão de outros elementos), para confirmação da causa da queda do teto, confirmando quaisquer roturas súbitas e inesperadas ou uma ação de águas que as reparações não evitaram, pelo seu caracter contínuo e corrosivo.

51.Essa averiguação acabou por ser apenas apurada com a presente ação, onde se provou uma persistente e continuada ação danosa de infiltrações provindos do 1º andar para o estabelecimento do Banco A., para além dos anos de entre 2006 e 2009, também nos 2 anos antes da derrocada que deu origem aos danos de obras reclamadas por este.

52.Ora, o Acórdão recorrido ignorou e fez tábua rasa das condições contratuais da apólice, integralmente juntas aos autos e do artº 102º da Lei de Contrato de Seguro, o que constitui grave erro de apreciação da prova produzida com a correta aplicação do direito.

53.A Seguradora é responsável na medida das cláusulas da apólice de seguro contratada, não em toda e qualquer responsabilidade da sua segurada perante terceiros.

54. É obrigação da R., nos termos contratuais das alíneas b) c) e f) do nº 1, e alíneas c) do nº 2 da Cláusula 29ª das Condições Gerais da Apólice, colaborar e não dificultar/impedir o apuramento da causa do sinistro, o que não aconteceu.

55.Sem conceder, face às causas de sinistro apurado nos presentes autos – derrames de águas – infiltrações e humidades -, prolongados no tempo ao longo de anos e significativamente cerca de 2 anos antes da derrocada (Facto Provado 22) é manifesto a exclusão de responsabilidade da Interveniente.

56.Para além do mais, os danos com origem em derrames de águas, tal como as infiltrações identificadas nos presentes autos, estão especificamente excluídos das garantias contratadas, não podendo os Tribunais modificarem a vontade contratual das partes, sob pena de violação dos artºs 405º e 406º CC.

57.Ou seja, a garantia do contrato de seguro invocado no acórdão recorrido é delimitado pelos termos acordados no contrato, seja pela natureza do contrato, seja pelos riscos cobertos.

58.Inequivocamente o risco do qual resultou a derrocada do teto do Balcão do Banco A. não foi contratado pela R. Senhoria, não se tendo transmitido para a Interveniente a responsabilidade que, do ponto de vista do acórdão recorrido, sobre esta recai enquanto responsável pelo pagamento dos danos reclamados pelo Banco A..

59.Nos termos legais (LCS) e contratuais (CG de apólice), não foi transmitido à Interveniente Seguradora os riscos por danos de água provados nos presentes autos, com o que a Seguradora recorrente deverá sempre, e em qualquer circunstância, ser absolvida do pedido.

60.Sem conceder, não são devidos juros moratórios desde 7 Novembro de 2013, pois que a interpelação contida na carta da recorrida, recebida pela R. a esta data, não observa o que os artºs 804º, 805º, nº 3 e 806º do CC determina, para o momento da constituição em mora.

61.O Tribunal fez errada aplicação e violou os artºs 1031º b), 1032º, b), 1033º, 1036º, 1038º, h) 1074º e 1043º, 804º e 805º, todos do Código Civil, e bem assim, 405º, 406º, 492º, igualmente do Código Civil, assim como as cláusulas contratuais Gerais e Particulares do contrato de seguro da apólice nº ...00, e artº 102º, nº 1 e artº 137º da Lei de Contrato de Seguro.

NESTES TERMOS E NO DEMAIS QUE V.EXAS. DOUTAMENTE ENTENDAM:

- DEVE SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, COM A ABSOLVIÇÃO DA R. SENHORIA E,

- EM TODA A CIRCUNSTÂNCIA, DEVE SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, COM A ABSOLVIÇÃO DA SEGURADORA RECORRENTE, FACE AO CONTRATO DE SEGURO VIGENTE;

- SEM CONCEDER, DEVE SER REVOGADA A DECISÃO QUE CONDENA A R. NO PAGAMENTO DE JUROS MORATÓRIOS DESDE 07.11.2013, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.”

O recorrido Banco BPI, S.A., Autor, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e apela confirmação do Acórdão recorrido, que condena a Ré e a Interveniente Seguradora solidariamente, a pagar ao Autor a quantia peticionada – à exceção das despesas mencionadas no ponto 46 dos factos não provados – acrescida de juros de mora desde 07.11.2013 até efetivo e integral pagamento à taxa de 4 % ao ano.

Cumpre decidir.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

“1. O Autor exerce o comércio bancário.

2. No exercício do seu comércio, possui vários estabelecimentos abertos ao público, designados por Balcões.

3. Encontra-se inscrito, junto da Fazenda Nacional, como adquirido pela Ré, AA, o prédio urbano sito na Pç.... (antiga Pç. ...), inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de ... sob o art. ...63 e o prédio urbano sito na Pç. ..., tornejando para a Rua ... e para a Rua..., inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de ... sob o art. ...19.

4. O Autor tem um balcão instalado em ..., no prédio referido em 3, sito na Praça ..., que tomou de arrendamento, por acordo celebrado por escritura pública datada de 31/07/1974, que consta de fls. 16 e ss. e que aqui se dá por reproduzida.

5. De acordo com tal contrato de arrendamento: “(…) QUARTO - O arrendatário fica autorizado a efectuar as obras interiores e exteriores, previstas no projecto apresentado na Câmara e de que cada parte fica com uma cópia assinada pela outra”; “SÉTIMO - todas as obras serão feitas de conta, risco e responsabilidade exclusiva do Banco, que para o efeito obterá as licenças necessárias, sem prejuízo de a senhoria se obrigar a assinar os requerimentos necessários para que as licenças possam ser obtidas”

6. Mais ficou estipulado que “OITAVO - o Banco inquilino também deverá proceder a todos os trabalhos de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios”.

7. Em 11/06/1974 o Autor levou a cabo obras no local em causa nos autos – cfr. fls. 441 (v.)

8. Tais obras consistiram em tornar mais amplo o espaço interno substituindo-se algumas paredes interiores por vigas de betão e cobertura do páteo com uma lage ao nível do pavimento do 1.º andar – cfr. fls. 441 (v.)

9. Mais consistiram na instalação de um lanternim e na concretização de duas instalações sanitárias, para homens e mulheres, bem como na existência de um pequeno economato e arrecadação – cfr. fls. 441 (v.).

10. Exteriormente as obras decorreram com a preocupação de integrar o edifício onde se situava um restaurante na traça do edifício contíguo – cfr. fls. 441 (v.)

11. Abriram-se novos vãos nas prumadas das janelas superiores e alargaram-se ligeiramente os vãos existentes, sendo todos eles rematados com vergas e ombreiras em cantaria bujardada – cfr. fls. 441 (v.)

12. Subiu-se ligeiramente a cobertura de molde a permitir o aproveitamento do sótão, com a abertura de vãos amansardados – cfr. fls. 441 (v.)

13. Ocorreu, ainda, o prolongamento de uma escada. – cfr. fls. 441 (v.)

14. Em 10/10/2006, BB remeteu à DAOP, reportado ao assunto reparações a efectuar no balcão de ..., um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “(…) Vimos pelo presente solicitar a v/ intervenção com o objectivo de reparar algumas anomalias, existentes no balcão de ... (…): A) Uma das paredes do refeitório, está cheia de humidade proveniente de infiltrações da residencial existente no 1.º andar do prédio e necessita de ser pintada. (…) G) No ano passado houve uma infiltração de água no economato e sala de intervenção necessita novamente de ser pintada, pois está cheia de humidade. (…)” cfr. fls. 560.

15. Em 19/12/2007, CC remeteu à DAOP, reportado ao assunto infiltrações de água (…), um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Na sequência do mau tempo tenho a comunicar que registámos infiltrações de água na sala de formação e na zona do cofre nocturno. Presentemente o problema subsiste e pensamos que poderá piorar em virtude do temporal que se avizinha (…). A infiltração está a verificar-se por trás dos armários recentemente montados na sala da formação. (…)” cfr. fls. 561

16. Em 27/03/2008, CC remeteu à DAOP, reportado ao assunto comunicação de inundação – 0047 – ... – DD, um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Hoje, quando chegámos ao balcão verificamos que o piso está inundado em agua, e para além disso pingava do piso superior em vários locais: (…) A residencial que funciona no piso superior foi comunicada (…)” cfr. fls. 561 (v.).

17. Em 25/09/2009, CC remeteu à DAOP, reportado ao assunto infiltração de água (…), um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Vimos por este meio reportar que hoje, tivemos 1 infiltração de água, proveniente da residencial que tem actividade no 1.º andar, imediatamente acima da nossa agência. Não temos estragos a reportar até ao momento. A residencial foi notificada e está a resolver o problema, bem como a limpar o local afectado (…)” cfr. fls. 562.

18. Foi o Autor quem construiu o tecto que caiu parcialmente em 27/10/2012, bem como foi o Autor quem colocou o tecto falso, o ar condicionado e respectiva tubagem e equipamentos.

19. No dia 27 de Outubro de 2012, sábado, ocorreu uma derrocada parcial do tecto do Balcão referido em 4.

20. A derrocada deveu-se a queda de parte do revestimento do tecto, constituído por um reboco aplicado sob a laje do pavimento do 1º andar.

21. A queda ocorreu numa área de 4 x 5 m junto à empena Poente e a meia profundidade do edifício, tendo arrastado o tecto falso dessa zona e as tubagens e equipamento do ar condicionado aí existentes.

22. A derrocada do tecto do Balcão deveu-se a derrames de água, provenientes do piso superior, os quais terão ocorrido cerca de 2 anos antes da derrocada, que provocaram a corrosão dos ferros de suporte da estrutura do piso superior, o que provocou o desabamento do tecto.

23. O Banco participou o sinistro à sua Companhia de Seguros, a Allianz, que, por e-mail de 23/02/2013, que consta de fls. 24 e que aqui se dá por reproduzido, declinou a sua responsabilidade no pagamento dos prejuízos causados, por entender que os mesmos não estavam incluídos no âmbito da apólice celebrada com o Banco BPI, S.A.

24. Por carta datada de 13/11/2012, que consta de fls. 25 e que aqui se dá por reproduzida, o Banco interpelou a proprietária, ora Ré, para participar o sinistro à sua Companhia de Seguros, a Generali, com quem a Ré, AA, contratou, em 02/01/2008, o seguro GENERALI CASA, mediante a apólice nº ...16, que consta de fls. 118 (v.) e ss. e que aqui se dá por reproduzida.

25. Por carta datada de 24/01/2013, que consta de fls. 31 e ss. e que aqui se dá por reproduzida, a Seguradora Generali veio informar a sua Segurada de que iria proceder ao encerramento do processo, uma vez que apesar de terem sido solicitados trabalhos de pesquisa, os mesmos não foram realizados, motivo pelo qual não foi possível determinar a origem do sinistro e o seu enquadramento no âmbito das garantias da apólice.

26. A senhoria, ora Ré, foi interpelada para a resolução extrajudicial do litígio.

27. Consta da carta de fls. 71 e ss., de 05/11/2013, recebida em 07/11/2013, e que aqui se dá por reproduzida, entre o mais, o seguinte: “(…) Apesar de V.ª Ex.ª ter feito a participação do sinistro à sua Companhia de Seguros (…) o Banco tomou conhecimento de que o processo de sinistro foi encerrado, em Janeiro de 2013, por falta de elementos. Da parte do Banco, foram fornecidos todos os elementos que lhe foram solicitados pela Seguradora de V. Ex.ª, pelo que a falta de elementos solicitados, que levou ao encerramento do processo, não é da responsabilidade do Banco. Assim sendo, venho dar-lhe conhecimento de que o montante total das facturas pagas pelo Banco, relativamente a este incidente, ascendeu a um total de €35 350,06, valor que entende dever ser-lhe restituído (…)”.

28. Respondeu através da sua Mandatária, Dra. EE, por carta datada de 11/11/2013, que consta de fls. 75 e que aqui se dá por reproduzida, a pedir prazo para obter esclarecimentos da Seguradora Generali.

29. Sem resposta, por fax enviado em 06/02/2014, que consta de fls. 76 e que aqui se dá por reproduzido, a Mandatária foi, de novo, contactada para resolver o assunto da sua constituinte e, de novo, interpelada para o pagamento da quantia de 35 350,06 €.

30. Respondeu, em 11/02/2014, por carta/fax, que consta de fls. 79 e que aqui se dá por reproduzido, a pedir mais uma semana para responder.

31. Volvidos 5 meses, não houve qualquer resposta.

32. O Balcão, face aos danos que sofreu, não podia estar aberto ao público sem que fosse feita a sua reabilitação, e não tinha condições mínimas de funcionamento.

33. Face à resposta dada pela Generali, Seguradora da proprietária, por carta de 24/01/2013, o Banco viu-se obrigado a proceder, a expensas suas, à limpeza das instalações, após a derrocada parcial do tecto, e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do Balcão.

34. Tendo tido os seguintes:

22.1. a) Custos com limpeza – Reabertura provisória do Balcão:

22.1.1. - Factura nº ...59/20012 de L..., no valor de € 5.805,02, IVA incluído; 22.1.2. - Factura nº...71/2012 deJ... (AVAC), no valor de € 551,08, sem IVA; 22.1.3. - Facturas nºs ...71 e ...07 de I... (limpezas), no valor total de € 274,39;

22.1.4. - Factura nº ...87 de T... (Intervenção no Cash Dispenser), no valor de € 865,26, IVA incluído;

22.1.5. - Factura nº ..., de G... (Parecer Técnico), no valor de € 1.180,80, IVA incluído. 22.2. b) Custos com reabertura definitiva:

22.2.1. - Factura nº ...94/2012/A, de M..., no valor de € 7.222,56, IVA incluído;

22.2.2. - Facturas nºs ...03/20012 e .../2013, de L..., no valor de € 10.188,04 cada uma, sem IVA;

22.3. c) Emissão de nota de crédito nº .../2013, de L..., relativo a trabalhos não executados, no valor de € 4.706,00, sem IVA.

35. Em algumas das facturas aparece a expressão “IVA devido pelo adquirente”.

36. No 1º andar do prédio onde está instalado o Balcão do Banco Autor, existe em funcionamento e desde há vários anos, uma Residencial.

37. A partir de Junho de 2009, a exploração da Residencial A..., passou a estar a cargo da interveniente Restaurante L..., Lda., data em que a anterior arrendatária, a sociedade “B..., Lda.”, cedeu a sua posição contratual de locatária do imóvel no contrato de arrendamento comercial, à sociedade “Restaurante L..., Lda.”, conforme contrato de cessão de posição contratual, de 26 de Maio de 2009, que consta de fls. 101 e ss., e que aqui se dá por reproduzido.

38. Tal inquilino está obrigado, de acordo com o respectivo contrato de arrendamento e contrato de cessão de posição contratual, que constam de fls. 101 e ss., e que aqui se dão por reproduzidos, a “exclusivamente de sua conta, responsabilidade e risco, fazer todas e quaisquer obras que o local arrendado necessite, incluindo instalação eléctrica, ligação de água e outras, ou sejam exigidas pelos serviços camarários, Direcção Geral de Saúde ou outras entidades oficiais; - e mais se obriga a, também de sua conta, responsabilidade e risco, proceder durante toda a duração do arrendamento, a todas as obras de conservação interiores e exteriores, designadamente, caiação a branco das fachadas, pinturas de caixilhos e portadas de janelas e portas, e reparação do telhado, que venham a ser necessárias ou sejam impostas pelas entidades oficiais.- Ou seja, fica bem entendido que todas e quaisquer obras, sejam quais forem, sem restrição ou reserva alguma, são de exclusiva conta, responsabilidade e risco da Inquilina;”

39. A sociedade Restaurante L..., Lda., inquilina do 1º andar, fez obras a nível de canalização e fachada durante os anos de 2009 a 2013.

40. À data de 30 de Junho de 2009, a Restaurante L..., Lda., efectuou melhorias e reparações no locado, mormente ao nível da instalação eléctrica, remodelação das canalizações de água quente e fria, gerais na Residencial A..., pavimento, instalação de um novo ramal de água, reparação das casas de banho da Residencial.

41. Os trabalhos de remodelação das canalizações de água quente e fria, gerais na Residencial A... foram levados a cabo em Julho de 2009 e no ano de 2010 por FF, Canalizador.

42. Acrescem, os trabalhos ao nível das instalações eléctricas, levados a cabo na Residencial A..., nos meses de Março, Maio, Julho e Agosto de 2010.

43. Na zona afectada pela queda do reboco não eram visíveis quaisquer vestígios de humidade actual.

44. A vistoria efectuada aos quartos da Residencial A..., realizou-se nos quartos 126, 128 e 130, cujos quartos se situam por cima do balcão onde se deu a derrocada parcial do tecto das instalações do Banco Autor – cfr. fls. 267 (v.) e ss.

45. Na vistoria efectuada aos quartos supra referidos foi inspecionado o interior de cada um dos quartos, bem como as respectivas casas de banho, não tendo sido detectado qualquer anomalia, ou seja, quaisquer vestígios de inundações ou derrames de água no seu interior - cfr. fls. 267 (v.) e ss”.

Foram dados como não provados os seguintes factos:

46. Nos casos referidos em 23, o Banco pagou o IVA por autoliquidação, como aconteceu no caso das facturas nº ...71/2012, de ... (AVAC) no valor de 551,08 €, tendo o Banco pago o IVA por autoliquidação, no montante de 126,75€; facturas nºs ...03/2012 e .../2013, de L..., emitidas por 10 188,04 € cada uma, tendo o respectivo IVA sido autoliquidado, pelo valor de 2 343,25 € cada uma; e nota de crédito nº .../2013, de L..., em que o IVA foi autoliquidado, pela quantia de 1 072,38 €.

47. Inexistiam quaisquer focos na canalização do 1.º andar susceptíveis de permitir a infiltração de água para o andar inferior.

48. Após a vistoria realizada nos quartos da “Residencial A...”, a interveniente através dos seus legais representantes, não receberam mais qualquer contacto ou pedido de informações, quer do Banco BPI, S.A., quer da Seguradora “Generali – Companhia de Seguros S.A.

49. Desde o início da exploração da Residencial A... em Julho de 2009 e mesmo posteriormente nos dois anos anteriores á derrocada parcial do tecto nas instalações da Autora em 27/10/2012, nunca se registou qualquer incidente de inundação ou derrames de água em qualquer um dos seus quartos ou mesmo nas áreas comuns da Residencial A....

50. Assim como os anteriores responsáveis da sociedade sob a firma “B..., Lda.”, nas pessoas de GG e HH, que tiveram a seu cargo e responsabilidade a exploração da Residencial A..., a partir do ano de 2004.

51. A Ré desconhecia que dois anos antes tenham ocorrido derrames de água provenientes do piso superior.”

O Direito.

Está em causa saber se a 1.ª ré/senhoria deve ser responsabilizada pelo pagamento dos custos de reparação que foram suportados pelo arrendatário/autor e, em caso afirmativo, se tal responsabilidade se pode considerar transferida para a seguradora recorrente.

Entre o autor e a ré vigora um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 31.7.1974, por meio do qual a segunda cedeu ao primeiro o gozo do prédio urbano descrito nos factos n.ºs 3 e 4 provados mediante o pagamento de uma renda mensal.

Está provado que, nos termos do referido contrato de arrendamento, ficou acordado que “(…) “SÉTIMO - todas as obras serão feitas de conta, risco e responsabilidade exclusiva do Banco, que para o efeito obterá as licenças necessárias, sem prejuízo de a senhoria se obrigar a assinar os requerimentos necessários para que as licenças possam ser obtidas” e que “OITAVO - o Banco inquilino também deverá proceder a todos os trabalhos de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios.”. (factos 5 e 6).

Dos termos do contrato resulta, portanto, que o Banco autor/arrendatário se obrigou, por via do contrato de arrendamento, a realizar todas as obras, sem distinção de tipo ou natureza, que ao longo da execução do contrato, se mostrassem necessárias à manutenção do locado.

Mas todas as obras? Incluindo aquelas que resultassem de facto de terceiro?

Como consta do nº 1 do art. 1074º do CC “cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário”.

As obras distinguem-se, pois, entre as obras de conservação ordinária e as de conservação extraordinária.

Importa aqui recuperar os conceitos que constavam do RAU (art. 11º).

Com efeito, as obras de conservação ordinária eram definidas como as que se “destinam, em geral, a manter o prédio em bom estado de preservação e nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração”, sendo que “obras de conservação extraordinária são as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, quer dizer, por caso imprevisível ou inevitável e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassam, no ano em que se tornam necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano” – Aragão Seia, Regime do Arrendamento Urbano, 2002, 6ª edição, págs. 196-197. Neste sentido, veja-se, ainda, França Pitão, Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado – Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, 2ª edição, págs. 547 e ss.

Assim, as obras de conservação são as que resultem da deterioração do locado, seja por força da utilização normal, seja por defeito de construção, seja ainda por força de um evento imprevisível e inevitável.

E se o evento for imputável a terceiro?

Cremos que o locador continuará a ser responsável. Como refere Antunes Varela “o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis, para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou grandes reparações, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro” (RLJ 100º, pág. 381).

Tendo parte do tecto desabado, coloca-se, no entanto, a questão de saber se a reposição desse tecto se reconduz a uma obra de conservação extraordinária ou se é mais do que isso, designadamente,, uma obra de reconstrução, não prevista na lei nem no contrato e que é da responsabilidade da locadora.

A propósito das obras de reconstrução, Pinto Furtado pondera que “se um prédio ruir, no todo ou em parte, por hipótese de um abalo telúrico ou pela queda sobre ele doutro, contíguo, a sua repristinação nem corresponderá ao conceito de obra de conservação, ainda que extraordinária, nem corresponderá, obviamente, à ideia de uma obra de beneficiação (…) – Manual de Arrendamento Urbano, Vol. I,, 5ª edição, pág. 510 e segs.

É evidente que houve uma derrocada do tecto.

Porém, ficou provado que “a derrocada deveu-se a queda de parte do revestimento do tecto, constituído por um reboco aplicado sob a laje do pavimento do 1º andar” ( facto 20); que “a queda ocorreu numa área de 4 x 5 m junto à empena Poente e a meia profundidade do edifício, tendo arrastado o tecto falso dessa zona e as tubagens e equipamento do ar condicionado aí existentes” ( facto 21; e que “a derrocada do tecto do Balcão deveu-se a derrames de água, provenientes do piso superior, os quais terão ocorrido cerca de 2 anos antes da derrocada, que provocaram a corrosão dos ferros de suporte da estrutura do piso superior, o que provocou o desabamento do tecto. (facto 22).

O que ruiu não foi, portanto, o prédio, ou parte dele, não foi sequer a laje do pavimento do 1º andar, mas apenas parte (20 m2) do tecto - constituído, sobretudo, pelo reboco feito pelo autor- que desabou devido aos derrames de água no 1º andar.

Cremos, portanto, que a reposição do tecto não envolverá a reconstrução de parte do prédio (associada à ideia de perda parcial da estrutura do prédio), podendo assimilar-se a uma obra de conservação extraordinária. Aliás, já anteriormente as obras de conservação extraordinária determinadas pela Câmara, nos termos do art. 13º, nº 1 da RAU, para corrigir, por exemplo, as más condições de segurança (art. 89º do DL nº 555/99 de 16.12) poderiam envolver alteração da estrutura.

Observando agora o contrato, verifica-se que todas as obras ( incluindo o tecto) foram feitas “por conta, risco e responsabilidade exclusiva“ do Banco e que este ficou com o encargo de proceder “a todos os trabalhos de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios.”.

Como assim, afigura-se-nos que, no quadro do contrato, o Banco autor assumiu a responsabilidade pela realização de obras de conservação que viessem a mostrar-se necessárias e que a ré proprietária se quis eximir de qualquer responsabilidade, relativamente a quaisquer obras de conservação, incluindo aquelas imputadas à conduta de um terceiro.

Aliás, numa interpretação literal das cláusulas do contrato, o trabalho de reparação/ conservação (extraordinária) / consolidação que tem a ver com a reposição do tecto construído pelo autor (facto 18), tornou-se necessário por virtude dessa obra realizada pelo autor.

Entendemos, assim, que no conceito de obras de conservação, a cargo do locatário, caberá, ainda, a realização das obras cuja realização foi determinada pela actuação objectiva de terceiro, que atingiu parte da estrutura que sustentava o tecto do locado ocupado pelo Banco autor, não sendo, por isso, de imputar à locadora esse encargo.

E logo por aqui soçobra a pretensão do Banco autor de ver ressarcidas as obras que teve de fazer na fracção que lhe foi arrendada, uma vez que não incumbia à senhoria fazê-las. Sobre ela não recaía nem a obrigação de as fazer nem o dever acessório de diligenciar junto da sua seguradora pela sua realização (Menezes Cordeiro, Lei do Arrendamento Rural anotada, 2014, pág. 42 e segs).

O que não quer dizer que a responsabilidade não possa ser, em última análise, da proprietária do 1ª andar (também locadora desse andar), nos termos do art. 492º do CC.

Porém, essa responsabilidade da 1.ª ré, enquanto proprietária do 1.º andar não pode ser apurada na presente acção. A 1.ª ré foi demandada com fundamento não na sua responsabilidade extracontratual, enquanto proprietária do 1.º andar, mas com fundamento na sua responsabilidade contratual, isto é, na qualidade da senhoria do r/c locado. Sendo essa a causa de pedir, não pode este Supremo apreciar uma nova, sob pena de excesso de pronúncia.

Em resumo, não pode o Banco autor exigir da ré locadora nem da sua seguradora o reembolso das despesas que fez em consequência dos danos que sofreu (facto 33).

Aliás, mesmo que se entendesse que as obras deviam ficar a cargo da senhoria, sempre seria de afastar a responsabilidade desta, por outra razão.

É que sobre o arrendatário recai a obrigação de “avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador”(cfr. art. 1038º, al. h), do CC).

Por sua vez, o ar. 1033 estabelece que o disposto no artigo anterior [art. 1032º] não é aplicável: (…) d) se este não avisou do defeito o locador, como lhe competia.

Ana Afonso escreve a este propósito que “A função útil deste preceito é a de delimitar negativamente o âmbito de aplicação da norma anterior, exonerando o locador de responsabilidade pelos vícios da coisa se o locatário conhecia ou não podia deixar de reconhecer o defeito (com a ressalva de o locador o ter induzido em erro ou assegurado a inexistência do vício, comprometendo-se, por exemplo; a corrigi-lo) ou também se o defeito lhe é imputável/quer porque o tenha causado, quer porque não tenha avisado o locador para que este pudesse, em tempo útil, corrigir o defeito:[cfr. artigo 1038.°, ai. h)].” – Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP, págs. 399 e 400.

Assim, o incumprimento da obrigação referida no art. 1038º, al. c) do CC é causa de irresponsabilidade do senhorio, nos termos do disposto no art. 1033º, al. d), do mesmo diploma, do qual decorre que o locador não será responsável se o locatário “não avisou do defeito o locador, como lhe cumpria”.

Assim, e de acordo com as palavras do Ac. STJ de 26.11.2019, proc. 5168/11.8TCLRS.L1.S1, “o dever de indemnizar pressupõe a mora do devedor (senhorio), que por sua vez pressupõe a interpelação, judicial ou extrajudicial, acompanhada do estabelecimento do um prazo, pelo que na ausência da demonstração da existência de mora, a conduta omissiva não pode ser tida como ilícita ou culposa, pressuposto este da indemnização.”

A indemnização reclamada pelo autor depende, pois, no caso vertente, da alegação e prova de que a senhoria foi previamente avisada dos vícios da coisa e de que, interpelada para proceder às reparações necessárias, não as fez, estando, assim, em mora.

Porém, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que as infiltrações verificadas no locado se notaram pelo menos, 6 anos antes da derrocada do tecto, tendo ficado demonstrado que o Banco autor apenas reportou tal situação internamente.

Ora, a 1.ª ré, senhoria, apenas tomou conhecimento dos danos no ano de 2012 e numa altura em que a derrocada já se tinha verificado e em que não podia evitar tais danos, ainda que quisesse.

Assim, nunca seria, assim, possível afirmar – mesmo na hipótese de que as obras deviam ficar a cargo da senhoria – que esta se encontrava em mora no que ao cumprimento da sua eventual obrigação dizia respeito e que se verificava da sua parte qualquer incumprimento contratual.

Não sendo possível assacar à 1.ª ré senhoria qualquer responsabilidade, prejudicada fica a responsabilidade da ré seguradora.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“1. É de conservação extraordinária a obra de reposição de um tecto construído pelo arrendatário (rebocado sob o pavimento da laje do 1º andar) do r/chão locado, que desabou parcialmente em consequência de infiltrações oriundas do 1º andar;

2. Tendo-se obrigado, nos termos do contrato com a senhoria, a fazer “obras de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios”, não pode o arrendatário responsabilizar a senhoria pelos danos causados na fracção arrendada por aquele desabamento;

3. Tendo sido demandada, com fundamento na sua responsabilidade contratual, não pode a senhoria do r/c ser responsabilizada, na mesma acção, como proprietária do 1º andar, nos termos do art. 492º do CC, por tal envolver alteração da causa de pedir;

4. Se sobre a senhoria recaísse a obrigação de fazer as obras, ainda assim não poderia ser responsabilizada, uma vez que o arrendatário não provou que ela foi previamente avisada dos vícios da coisa e de que, interpelada para proceder às reparações necessárias, não as fez, estando, assim, em mora.”

Pelo exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão e absolve-se as rés do pedido.

Custas pelo autor/recorrido.


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Lisboa, 18 de Junho de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira