Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
849/12.1JACBR.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECRETADO O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROVA - MODOS DE OBTENÇÃO DA PROVA - AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA / SENTENÇA ( REQUISITOS) - RECURSOS / FUNDAMENTOS DO RECURSO / MOTIVAÇÃO E CONCLUSÕES DO RECURSO / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO.
Doutrina:
- Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, 24, 53 e 54.
- Eduardo Correia, Direito Criminal I, com a colaboração de Figueiredo Dias, Livraria Almedina, Coimbra 1971, 150 e ss., nota 34.
- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, 191 a 193, 211 a 213.
- Frederico Isasca, A Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 96.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 86 (referindo em nota de rodapé, Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1986, 206); Curso de Processo Penal, III, 1994, 288, 294.
- Lopez Moreno, La Prueba de Indícios, 15.
- Luiz Guilherme Marinoni, Simulação e Prova.
- Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, 230.
- Sérgio Poças, «Da Sentença Penal - fundamentação de facto», in Revista Julgar, Setembro-Dezembro 2007, 24 e ss..
- Simas Santos-Leal Henriques, “Código de Processo Penal” anotado, II, 2.ª ed., 737.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 122.º, 127.º, 340.º, 355.º, 374.º, N.º2, 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, N.ºS 2 E 3, 426.º, 426.º- A, 427.º, 428.º, 431.º, 432.º, 434.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º1, 205.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 27-1-2010, PROC. N.º 42/05.0GAVF.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13-02-1991, IN AJ, NºS 15/16, 7.
-DE 06-04-1994, PROC. N.º 046002, E DE 20-4-2006, PROC. N.º 06P363, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 01-03-2000, BMJ 495, 209.
-DE 12-04-2000, PROC. N.º 141/2000 - 3.ª SECÇÃO, SASTJ, N.º 40. 48.
-DE 13-11-2002, SASTJ, N.º 65, 60.
-DE 08-11-2006, PROC. N.º 3102/06 - 3.ª SECÇÃO.
-DE 09-11-2006 PROC. N. º 4056/06 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 17-05-2007, PROC. N.º 1608/07 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 14-06-2007, PROC. N.º 1387/07 – 5.ª SECÇÃO.
-DE 28-06-2007, PROC. N.º 1409/07 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 03-10-2007, PROC. N.º 07P1779, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 03-04-2008, PROC. N.º 2811/06 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 06-10-2010 - 3.ª SECÇÃO.
-DE 07-04-2011, PROC. N.º 936/08.0JAPRT.S1.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 14/2013, EM WWW.STJ.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.ºS 504/94 E 312/2012, IN DR, II SÉRIE, DE 7-1-2013; AMBOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I -A recorrente questiona a matéria de facto provada, assacando-lhe o vício de erro notório na apreciação da prova, por entender que a factualidade provada não resulta da prova produzida. Porém, o STJ, quanto à impugnação de matéria de facto, apenas exerce um controlo de legalidade – não de valoração – das provas, sindicando se houve lugar a provas proibidas ou preterição do direito de defesa, por omissão de provas permitidas, apresentadas e não produzidas, que acarretariam nulidade da decisão da Relação que conheceu do recurso em matéria de facto.
II - As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se assim, em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do STJ que, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito – art. 434.º, do CPP.
III - Também a violação do princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção, o que não sucede no caso.
IV - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso, e às provas que impõem decisão diversa, e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência. Percorrido o acórdão, não se vislumbra qualquer referência a um depoimento ou declaração reportado a uma efectiva passagem da gravação. No recurso para a Relação impugnava-se matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, e para se ficar convencido de que a vinculação temática foi observada, observando a transparência, seria de expressar as passagens concretas que foram ouvidas e analisadas.
V - A integração das noções de exame crítico e de fundamentação de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. Se a Relação altera a decisão em matéria de facto, encontra-se vinculada aos termos do recurso em matéria de facto, sobre pontos determinados e precisos, de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 3, do CPP.
VI - Não pode convocar-se presunção conducente a convicção não objectivada, de que não constem elementos objectivados nos autos, sob pena de arbitrariedade, afrontando-se a sua razoabilidade objectivável, ou indiciariamente justificativa, e que iria anular a razão de ser do princípio in dubio pro reo. Em termos de prova indiciária não pode haver juízo de inferência, sem que estejam demonstrados os factos que servem de suporte necessário a essa inferência. A motivação da decisão de facto é mera fundamentação da convicção sobre os factos enumerados. E somente os factos apurados em audiência de julgamento que resultarem como provados e não provados são fundamentados pela motivação – arts. 355.º e 374.º, n.º 2, do CPP.
VII – As realidades circunstanciais quer integrem ou não os indícios-base, desde que sejam relevantes para a decisão da causa, devem submeter-se ao contraditório na audiência de discussão e julgamento, para se saber se resultam provados ou não provados. De igual forma quanto aos contra-indícios. Na causalidade factual da prática do evento letal concretizado na morte da vítima, a decisão recorrida não se basta a si própria, ao fixar como provadas conclusões ou ilações, pelo que há manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente à imputada acção causal da arguida na prática do facto criminoso.
VIII – A motivação da decisão recorrida, ao examinar criticamente as provas, extrai ilações de factos – podendo integrar indícios-base, com vista a saber que inferência possam possibilitar, se for caso disso – que não alcançam a devida amplitude factual, sem serem submetidos ao exercício do contraditório, para que possam traduzir-se na enumeração de factos provados ou não provados, necessários à formulação de um juízo decisório, sem prejuízo dos motivos de facto que os fundamentem após o seu apuramento como provados ou não provados.
IX - A decisão recorrida enferma, assim, de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada que constitui o vício constante da al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, vício que é possível ao STJ conhecer, mas não é possível suprir, por contender com a determinação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, obrigando ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos arts. 426.º e 426.º-A, do CPP.
Decisão Texto Integral:          Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de processo comum com o nº 849/12.1JACBR da comarca de Coimbra, a arguida AA, nos mesmos identificada, foi absolvida da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131º, 132º, nº 1 e 2, als. c), e), h) e j) do Código Penal e de um crime de peculato, do art. 375º, nº 1, do mesmo diploma.

Foi, ainda, absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público

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Inconformado com a decisão dela recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, impugnando “todos os pontos da matéria de facto dados como não provados” e concluindo a final que:

“8º - Deve, então, conceder-se provimento ao presente recurso e, revogando o acórdão em apreço, alterar-se a decisão impugnada no que respeita à matéria de facto, nos termos expostos, passando a considerar-se provados os factos considerados não provados.

9º - Uma vez fixada a matéria de facto, como indicado, deverá condenar-se a arguida AA como autora material, em concurso efectivo, dos crimes de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131, 132, nº 1, 2, als. c), e), h), j), do C. Penal e de peculato, p. e p. no art. 375, nº 1, do C. Penal, de que se encontrava acusada, na pena única de 25 anos de prisão, sendo:

- O crime de homicídio relativo ao facto de ter morto a tiro a avó de seu marido, pessoa de avançada idade, com 80 anos, em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade, designadamente:

• Ter sido cometido através da utilização de arma de fogo contra uma pessoa particularmente indefesa, de 80 anos, que se encontrava sozinha, avó de seu marido;

• A elevada violência com que foi praticado, em que vítima foi baleada pelo menos com 14 disparos;

• Tê-lo feito a arguida movida pela avidez de vir a receber, através do seu cônjuge, neto da vítima, via sua sogra (filha da vítima), parte dos consideráveis fundos financeiros que aquela detinha e de não lhe pagarem, ela e o marido, mais nada por conta dos empréstimos contraídos perante a avó;

• Ter revelado premeditação e frieza de ânimo na preparação e execução do crime;

• Ter utilizado arma de fogo e munições que subtraiu, acessíveis em razão das suas funções, a uma sua colega no seu local de trabalho.

- O crime de peculato como crime meio, consistente na subtracção da pistola Glock, calibre 9 mm Parabellum e do carregador nela inserido, este com 14 munições de igual calibre, marca Sellier & Bellot, tipo JHP, de 115 grains, lote 09, arma e munições que estavam distribuídas à Inspectora BB, a exercer funções também na Directoria do Norte da PJ, no mesmo piso e no gabinete quase em frente ao da arguida, apropriação que foi perpetrada tendo em vista assassinar aquela familiar.

10º - Está ainda a arguida incursa na pena acessória de proibição do exercício de função, da previsão do art. 66, do C. Penal, que deverá ser decretada.

11º - Deverá o pedido cível formulado pelo Ministério Público, em representação do Estado - Polícia Judiciária - ser julgado procedente, por provado, e ser a arguida condenada a pagar a quantia de € 319,12 (trezentos e dezanove euros e doze cêntimos), correspondente ao valor da pistola Glock e das 14 munições subtraídas, acrescida de juros de mora, desde a data em que foi notificada para contestar o pedido cível, até integral pagamento.”

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             O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de Junho de 2015, no provimento do recurso decidiu:

       “1º – Alterar a decisão da matéria de facto, nos termos que constam do ponto «IV – Decisão da matéria de facto, A – Factos provados/B – factos não provados» deste acórdão, que aqui se dão por reproduzidos.

2º – Condenar a arguida AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos art. 131º e 132º, nº 1 e 2, al. j), e pela prática de um crime de peculato, do art. 375º, nº 1, todos do Código Penal e aplicar-lhe as seguintes penas:
a) de 16 anos de prisão pela prática do crime de homicídio;
b) de 4 anos de prisão pela prática do crime de peculato;
c) de 17 anos de prisão, correspondente à pena única pela prática dos dois crimes;
d) a pena acessória de proibição do exercício de funções por 5 anos.

3º – Condenar a arguida a pagar ao Estado a quantia de 319,12 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação do pedido de indemnização e até pagamento.

4º – Determina-se a entrega à arguida do blusão, calças e sapatilhas apreendidos no processo.

5º – Fixa-se em 6 UC´s a taxa de justiça devida, a cargo da arguida.

6º – Notifique.

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Comunique a decisão à Directoria Nacional da Polícia Judiciária – art. 66º, nº 5, do Código Penal.

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Nos termos dos art. 1º, nº 1, e 8º da Lei nº 5/2008, de 12/2, determina-se que se proceda oportunamente à recolha do perfil de ADN da arguida para inclusão na base de dados respectiva, com prévia informação nos termos do seu art. 9º.”

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Inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação, dele interpôs recurso a arguida, para este Supremo Tribunal, pretendendo e requerendo “que se realize AUDIÊNCIA para aí serem debatidos os seguintes pontos da motivação de recurso (cfr. art.º 411º, n.º 5 do CPP):

            1 – Inconstitucionalidade do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, nas interpretações normativas infra descritas;

            2 – Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na interpretação normativa infra descrita.

            3 – Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434º do CPP, na interpretação normativa infra também descrita;

            4 - Nulidade do acórdão “a quo” por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (art.º 379.º, n.º 1, al. c) aqui aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º ambos do CPP);

            5 – Nulidade do acórdão “a quo” por falta de fundamentação (art.º 379.º, n.º 1, al. a) aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º, ambos do CPP);

            6 – Violação, pelo acórdão “a quo”, das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras da experiência comum; valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 356.º, n.ºs 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171.º, n.º 2, 173.º, e 249.º, n.ºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, na interpretação normativa infra também descrita;

            7 – Na sequência da inconstitucionalidade mencionada no anterior n.º 3, erro notório na apreciação da prova;

            8 - Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), 1ª parte, e al. c), 1ª parte, e n.º 2, 414.º, n.º 4, “ex vi” art.º 425.º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação normativa infra descrita;

            9- Violação do príncipio «in dubio pro reo», na vertente que consubstancia matéria de direito.”

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Conclui a extensa motivação com as seguintes:

“CONCLUSÕES:

1.º

            Vem o presente recurso interposto de todo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que, revogando o douto acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri da Comarca de Coimbra, condenou a arguida, ora recorrente, em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.

I - QUESTÃO PRÉVIA

2.º

          A arguida não matou a avó do marido.

          A arguida não se conforma com a chocante e revoltante injustiça que a decisão recorrida consubstancia, nem com o reconfortante aconchego que a mesma significa para uma investigação que sonegou provas, manipulou provas e adulterou as mais elementares regras de prova, e, muito menos, quando tal decisão recorrida permite, incentiva e acalenta idênticas práticas e condutas futuras.

          Quando o acórdão absolutório do Tribunal do Júri – transcrito no acórdão recorrido – deixou claramente transparecer uma actuação da investigação, no mínimo, «distorcida» e contrária a toda a «decência», actuação essa que a arguida apontou a dedo em denúncia criminal, apresentada durante a audiência, por factos muito concretos que constam dos autos e daquela denúncia (transcrita de págs. 211 a 221 da Resposta da arguida ao recurso do Ministério Público na 1.ª instância),

            Quando a sonegação de provas, a manipulação de provas e a adulteração das mais elementares regras de preservação da cadeia de custódia da prova e da «decência» constam à evidência nos autos,

            E a decisão dos 2 juízes recorridos (sendo um adjunto) entende não dever «considerar-se, sequer, uma tal possibilidade» (cfr. pags. 199 e 200 do ac. recorrido), não aceitando equacioná-la, «deusificando» a investigação e os seus autores, não querendo afrontar os poderes instituídos, adoptando perante estes uma postura subserviente intolerável num Estado de Direito democrático - o que, obviamente, condicionou todo o raciocínio do tribunal recorrido e conduziu ao evidente e gritante ERRO NOTÓRIO que caracteriza toda a decisão recorrida ao reapreciar a prova -

          Quando isto acontece, fica-se com medo de viver em Portugal - por ser perigoso.

           Não poderíamos calar, Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros, esta nossa indignação e revolta e transformá-la, como tantas vezes sucede, num grito apenas interior, surdo, cobarde e, por isso, inconsequente. E a arguida não calará, sendo certo que recorrerá até às últimas instâncias europeias se necessário fôr.

II – FUNDAMENTOS DO PRESENTE RECURSO

3.º     

- Inconstitucionalidade do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, nas interpretações normativas infra descritas:

  a) A arguida foi absolvida na primeira instância pelo Tribunal do Júri e, na sequência de recurso do Ministério Público (MP), veio a ser condenada pela Relação de Coimbra, além do mais, nas penas parcelares de 16 anos de prisão (pelo crime de homicídio qualificado) e de 4 anos de prisão (pelo crime de peculato) e, em cúmulo, na pena única de 17 anos de prisão.

   À data do início do presente processo – 21/11/2012 – a redacção do artigo 400º, n.º 1, al. e), do CPP, era a resultante da Lei n.º 48/2007, de 24/09, redacção essa que viria a ser alterada pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, em vigor desde 23/03/2013 (redacções que vão reproduzidas na motivação supra);

 O acórdão absolutório do Tribunal do Júri data de 08/09/2014 e o acórdão condenatório recorrido da Relação de Coimbra de 24/06/2015, ou seja, qualquer um deles proferido depois da entrada em vigor daquela Lei n.º 20/2013.

   Atento o princípio da aplicação imediata da lei processual penal (art.º 5º, n.º 1 do CPP) e atento o disposto naquele art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, redacção da Lei n.º 20/2013, poder-se-á porventura entender que o acórdão da Relação de Coimbra ora recorrido não é susceptível de recurso na parte em que condena a arguida na pena parcelar de 4 anos de prisão pela prática do crime de peculato, por se tratar de pena de prisão não superior a 5 anos.

          Apesar de entendermos que o crime de peculato, nos presentes autos, é instrumental do crime de homicídio qualificado, isto é, a absolvição relativamente ao crime de homicídio implicará sempre a absolvição quanto ao crime de peculato,

           Não pode, porém, esquecer-se a excepção àquele princípio consignada no art.º 5º, n.º 2, al. a) do CPP, motivo pelo qual a aplicação imediata daquela nova redacção do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP (introduzida pela Lei n.º 20/2013), significando a inadmissibilidade do recurso do acórdão recorrido na parte mencionada (pena parcelar de 4 anos de prisão), representará um agravamento sensível e ainda evitável do direito de defesa da arguida;

 

    De onde resulta que deverá aplicar-se a norma em causa na redacção da dita Lei n.º 48/2007, de 24/09 e, consequentemente, o recurso é admissível também no referenciado segmento (pena parcelar de 4 anos de prisão).

           

          b) Ainda assim, poder-se-á dizer que o presente recurso deve ser à mesma rejeitado nessa parte (pena parcelar de 4 anos de prisão), atento o acórdão, deste STJ, para fixação de jurisprudência (AFJ) n.º 14/2013, em que se sufraga o entendimento de que a Lei n.º 20/2013 tem natureza meramente interpretativa, o que determinaria a aplicabilidade imediata da redação conferida por esta lei ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP e isso apesar do juízo de inconstitucionalidade que, entretanto, sobre o que, a propósito, se decidiu nesse AFJ n.º 14/2013, o Tribunal Constitucional fez publicar no acórdão n.º 399/2014, de 07/05/2014 e ainda apesar de este próprio STJ ter já acolhido esse entendimento do Tribunal Constitucional (Acórdão de 22 de Maio de 2014, publicado na CJ, Acs. STJ, Tomo II, 199).

  A ser assim entendido, isto é, acaso se considere que, na parte referida, o acórdão da Relação de Coimbra não admite recurso, sufragando-se portanto o entendimento, acima mencionado, defendido no AFJ n.º 14/2013, fica aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, e art.º 432.º , n.º 1, al. c), ambos do CPP, e do art.º 13º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual aquele art.º 400, n.º 1, al. e) do CPP, com a redacção conferida por aquela lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redacção anterior – ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto –  sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, atento o disposto no n.º 1, do art.º 13.º do Código Civil - “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada”; tudo por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29º, n.º 1, e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

  c) Ainda que assim não se entenda, e, por isso, não se admitindo o recurso ora interposto, na parte em causa (pena parcelar), tal significará ainda negar-se à arguida as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, nomeadamente no art.º 32.º, n.º 1, da CRP.

   De acordo com este inciso constitucional, o arguido tem o direito de recorrer; sendo que, de acordo com a lei, apenas pode fazê-lo relativamente a decisões que lhe sejam desfavoráveis das quais a mais relevante será indubitavelmente a sentença condenatória;

  E desta o arguido pode e tem o direito de recorrer AO MENOS UMA VEZ, não consubstanciando o exercício do direito de recorrer a resposta do arguido ao recurso interposto por outro sujeito processual de uma decisão absolutória;

            É o que resulta igualmente da jurisprudência deste STJ citada na motivação supra.

   Só faz sentido falar-se em duplo grau de jurisdição como constitucionalmente garantido ao arguido quando se lhe permita aceder a um tribunal superior para apreciar uma anterior decisão que, pela primeira vez, o condenou.

 

          Se “duplo grau de jurisdição” puder alguma vez significar que o arguido não pode recorrer da primeira decisão condenatória com que é confrontado no processo, então, decididamente, o artigo 32.º, n.º 1 da CRP não prevê aquele denominado “duplo grau de jurisdição”.

 Finalmente, não subscrevemos e, com todo o respeito, discordamos da argumentação que é usada no já mencionado AFJ n.º 14/2013, invocando-se uma pretensa incongruência do artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, se «se possibilitasse um duplo grau de recurso de decisões proferidas por tribunal singular»;

            O que está em causa é apenas o direito a recorrer, ao menos uma vez, da primeira decisão condenatória proferida no processo;

            E dos acórdãos do Tribunal do júri ou Tribunal colectivo que apliquem penas de prisão até 5 anos, e das sentenças condenatórias proferidas pelo Tribunal singular, não fica vedado ao arguido recorrer, ao menos por uma vez; para o Tribunal da Relação, é certo, mas o fundamental é que lhe é garantido, ao menos por uma vez, o efectivo recurso da primeira decisão condenatória do processo;

 Por outro lado, não pode falar-se de “um duplo grau de recurso de decisões proferidas pelo Tribunal singular” – ou até pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo - nas situações em que o arguido pretende recorrer de acórdão condenatório proferido pela Relação que revogou sentença absolutória da 1.ª instância; porque o direito de recorrer num único grau, da Relação para o STJ, só se coloca quando, pela primeira vez, é condenado.

            E nesses casos, a regra que se pretende ler na lei de que “a intervenção do STJ se verifica a partir da aplicação de pena superior a 5 anos” terá que admitir aquelas excepções e ceder, portanto, perante a pretensão de o arguido, pela primeira vez, recorrer de uma primeira decisão condenatória proferida no processo e que o privará da liberdade . “Liberdade”: o bem jurídico mais importante depois do bem jurídico “vida.

  Assim não se entendendo, não se admitindo o recurso ora interposto, na parte que condena a arguida na pena parcelar de 4 anos de prisão, desde já se invoca aqui expressamente e também a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, nº 1, alínea e), na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e 432º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, revogando acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tudo por violação do efectivo direito a recurso consignado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP como uma das fundamentais garantias de defesa do arguido e do princípio de Estado de Direito democrático (art.ºs 2º e 3º da CRP), bem como dos seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento.

d) Por outro lado ainda, poder-se-á porventura insistir pela irrecorribilidade do acórdão em crise, na parte mencionada (pena parcelar de 4 anos de prisão), invocando-se o AFJ n.º 4/2009 e o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 125/2010, nos quais se entendeu, além do mais, e respectivamente, que a lei nova será de aplicar se já vigorava quando se procedeu à “leitura” da decisão condenatória de 1ª instância, o que não estaria ferido de inconstitucionalidade.

Porque foi proferido em 24/06/2015, isto é, em plena vigência da nova redacção do art.º 400º, n.º 1, alínea e) do CPP, introduzida pela citada Lei n.º 20/2013, poder-se-á porventura agora entender que o acórdão ora recorrido, na parte em causa (pena parcelar de 4 anos de prisão), não admite recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apesar de os presentes autos se terem iniciado em 21.11.2012 quando aquela norma tinha a redacção da Lei n.º 48/2007 já atrás referida;

            Discorda-se desta argumentação por dois motivos.

Desde logo, porque é no momento da constituição como arguido que este adquire todos os direitos e é investido em todos os deveres que a lei prevê para o estatuto de arguido, como o direito ao recurso (cfr. art.º 61º, n.º 1, al. h), do CPP) que, a partir daí, poderá ser exercido ou não, no decurso do processo;

            Trata-se de duas realidades bem distintas: o momento da aquisição do direito; o momento do exercício desse direito.

 Só assim se compreende a excepção ao princípio da aplicação imediata da lei processual penal prevista no art.º 5º, n.º 2, al. a) do CPP.

            Por outro lado – e este é o segundo motivo - o segmento “processos iniciados anteriormente à sua vigência” contido no corpo do n.º 2, do art.º 5º do CPP, não pode ser lido como “decisões proferidas anteriormente à sua vigência”; como se colhe, no que à boa técnica hermenêutica concerne, dos n.ºs 2 e 3, do artigo 9.º do Código Civil.

            Tal interpretação não tem o mínimo de correspondência com o sentido literal da norma, antes a deturpa, inovando mesmo, isto é, criando uma lei nova, de forma, evidentemente, ilegal. Basta ler o que Figueiredo Dias escreveu a propósito desta questão sobre o princípio da legalidade – in Direito Processual Penal, 1974, págs. 96, 97 e 112.

          As constitucionais garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, asseguradas pelo procedimento criminal (cfr. art.º 32º, n.º1 da Constituição) acabariam, assim, por ser suprimidas pela alteração à lei processual penal num momento em que essas garantias e nomeadamente esse direito (ao recurso) se haviam já há muito consolidado, estabilizado na pessoa do arguido por efeito da obtenção do respectivo estatuto de sujeito processual (o de arguido);

 Num Estado de Direito, a insegurança e a incerteza jurídicas provenientes de um sistema de aplicação de leis no tempo que permita que, na pendência do processo, se suprimam básicos direitos de defesa constitucionalmente garantidos e até esse momento consignados na lei ordinária, são nada menos do que intoleráveis.

            Não pode assim concordar-se com o citado entendimento.

            Contudo, acaso assim não se entenda, e não se admitindo, na parte referida, o presente recurso, fica desde já expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e) na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21/02, 61º, n.º 1, al. h) e 5º, n.º 2, al. a), todos do CPP, segundo a qual o segmento do corpo do n.º 2, do art.º 5º do CPP “processos iniciados anteriormente” deve ser entendido como reportando-se a cada fase ou momento da sequência processual, motivo por que aquele art.º 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada por aquela Lei n.º 20/2013 – lei nova – será de aplicar se já vigorava quando teve lugar a notificação da decisão condenatória do Tribunal da Relação que, revogando a decisão absolutória da 1.ª instância, condenou o arguido a uma pena de prisão inferior a 5 anos, apesar de o respectivo processo se ter iniciado antes da entrada em vigor daquela lei nova.

            Tal interpretação normativa viola o princípio da legalidade em matéria criminal (art.ºs 29º, n.º1 e 32º, n.º 1 da CRP) e o princípio do Estado de Direito democrático (art.ºs 2º, 3º, n.º 3, 20º, n.ºs 1 e 4 e 205º da CRP) em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento.

                       

4.º                                                    

- Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto

A arguida foi julgada pelo Tribunal do Júri (a requerimento do MP) e aí absolvida da prática dos crimes de homicídio qualificado e de peculato;

            Na sequência de recurso do MP, a que a arguida respondeu detalhadamente, o acórdão condenatório recorrido modificou a decisão sobre matéria de facto do Tribunal do Júri nos termos do n.º 3 do art.º 412º do CPP, não invocando os vícios do n.º 2 do art.º 410º do CPP que, por isso, não aplicou.

 O Tribunal recorrido procedeu a um segundo/novo julgamento, alterando a decisão do Tribunal do Júri em sentido diametralmente oposto ao que este Tribunal tinha decidido, sendo que, para o efeito, formou uma convicção totalmente distinta na análise dos elementos de prova, apesar de estes não imporem uma decisão sobre a matéria de facto diversa da do Tribunal do Júri;

   O que lhe estava legalmente vedado fazer como resulta de jurisprudência pacífica deste STJ (leia-se, por todos, o notável acórdão de 12/06/2008, Proc. N.º 4375/07 – 3ª Secção, transcrito em excerto na motivação supra), e como decorre da unidade sistémica e histórica do regime processual penal português no que respeita aos acórdãos proferidos pelo Tribunal do Júri.

  Por outro lado, e na esteira do actual Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça a propósito da «nova estrutura do recurso das decisões do tribunal do júri», com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não só se passou a admitir o recurso para a Relação dos acórdãos do Tribunal do Júri, como se passou a admitir que esse recurso fosse da matéria de facto através da impugnação da prova nos termos do n.º 3, do art.º 412º do CPP, como, além disso, e como se tal não bastasse, na conferência (art.º 419º do CPP), a colegialidade e a circularidade na intervenção dos Juízes, na prática, passaram a não existir ou foram substancialmente reduzidas (Revista Portuguesa de Ciência Criminal devidamente referenciada na motivação supra);

   O que, tudo, redundou na «fragilização e menorização do princípio democrático que sustenta, em projecção real e simbólica, a intervenção de júri na administração da justiça» sobretudo porque «a afirmação do princípio democrático traduzida na intervenção dos cidadãos no tribunal do júri não se coordena com a possibilidade de reapreciação da matéria de facto por outro órgão que não tenha idêntica fonte de constituição e legitimidade. A reapreciação só deveria caber a outra formação do júri, embora de constituição mais alargada»

A restrição da constituição do colégio nas formações de julgamento, bem como a consequente menor circularidade que resulta da revisão, contribuem para enfraquecimento substancial da função material da colegialidade» - no mesmo local, escrito pelo actual Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça.

            É o que, indubitavelmente, decorre da conjugação das normas dos art.ºs 412º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2, todos alterados ou introduzidos pela citada Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.

            Todavia, da conjugação dessas normas não decorre – nem as mesmas admitem tal interpretação – que, perante recurso do acórdão do Tribunal do Júri, a relação possa proceder a um novo ou segundo julgamento da matéria de facto, analisando as provas produzidas em audiência do Tribunal do Júri e delas retirando conclusões factuais diametralmente opostas apesar de tais provas não imporem (como exige a al. b), do n.º 3, do art.º 412º do CPP) uma decisão diversa da recorrida, invocando-se, assim, na Relação, uma nova convicção totalmente distinta da formada pelo Tribunal do Júri.

            E muito menos decorre da conjugação dessas normas que a Relação possa assim proceder quando, como é consabido, decidindo em conferência, não havendo empate, a decisão respectiva seja da competência de um relator e um juiz-adjunto, em evidente ausência da colegialidade e circularidade dos juízes que compõem o Tribunal Superior;

            Na verdade, o julgamento pelo Tribunal do Júri representa o que de mais nobre, verdadeiro e simbólico caracteriza o princípio democrático;

            São três juízes de carreira e quatro (4) cidadãos (os quais são escolhidos livre mas ponderadamente por todos os intervenientes processuais) que apreciam directamente a prova e decidem, no que de mais intenso caracteriza o princípio democrático;

 Daí que tal labor e tal decisão democrática, plural e absolutamente colegial não possa ser alterada em sentido diametralmente oposto através de um novo e segundo julgamento realizado por um Tribunal superior, constituído apenas por dois juízes, em que apenas um é o relator e o outro é adjunto, em que o adjunto é sempre o mesmo, e sempre o adjunto quando trabalha com aquele relator, em que ambos trabalham juntos com exagerada frequência (atenta a impossibilidade legal de ampla e desejada circularidade de intervenção dos juízes dos Tribunais superiores), em que não intervém qualquer cidadão representante do povo, e em que a decisão é proferida apenas por duas pessoas (sendo uma apenas adjunto, com tudo o que isso representa) ao abrigo de uma nova e totalmente diferente convicção.

Como disse o Exm.º Senhor Conselheiro Raúl Borges no acórdão supra citado, a actividade da Relação deverá cingir-se a uma intervenção cirúrgica limitada à busca de erros de julgamento de facto que corrigirá apenas na medida do que resulta do filtro da documentação e só alterando a matéria de facto se os elementos de prova assim o impuserem;

 Em recurso de decisão do Tribunal do Júri essas regras e limitações fazem sentir-se com maior acuidade e, forçosamente, têm que ser aplicadas com maiores cautelas.

  No que respeita ao recurso da decisão do Tribunal do Júri para a Relação, não pode ser outra a interpretação conjugada das normas supra referidas do Código de Processo Penal.

Todavia, e ao arrepio dessa interpretação, o acórdão recorrido da Relação de Coimbra, como acima se disse, e como dele resulta, não invocando nenhum dos vícios do art.º 410º do CPP e apenas decidindo ao abrigo do art.º 412º, n.º 3 do CPP, funcionando em conferência, procedeu a um novo e segundo julgamento da matéria de facto, alterando na sua sequência a decisão do Tribunal do Júri em matéria de facto, formando uma convicção diametralmente oposta à deste, apesar de as provas analisadas não o imporem, e, em consequência revogou a decisão absolutória do Tribunal do Júri, condenando a arguida pela prática dos crimes de homicídio qualificado e de peculato;

  O que consubstanciou uma interpretação normativa insólita, inesperada, surpreendente e imprevisível que em prévio juízo de prognose, não era concebível antes da prolação da decisão da Relação, atento o princípio democrático indubitavelmente vigente, atentas as especificidades processuais que claramente resultam da conjugação daquelas normas e do mais que acima deixámos dito.     

 Daí que, atenta a “decisão-surpresa” que o acórdão ora recorrido traduz, a arguida venha só agora invocar expressamente a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual o Tribunal da Relação, em recurso interposto do acórdão absolutório do Tribunal do Júri, pode em conferência, proceder a um novo e segundo julgamento da matéria de facto e, na sua sequência, formando uma convicção diametralmente oposta à do Tribunal do Júri, alterar a decisão deste no sentido condenatório, apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem que se invoque qualquer um dos vícios previstos no n.º 2, do art.º 410º do CPP, tudo por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2º, 3º e 20º, nºs 1 e 4 da CRP), em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento;

          Em consequência, atenta a inconstitucionalidade ora invocada, dever-se-á revogar o acórdão da Relação ora recorrido, mantendo-se, na íntegra, o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri.

5.º      

- Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434º do CPP

 O acórdão condenatório da Relação ora recorrido foi proferido na sequência do recurso interposto pelo MP do acórdão absolutório do Tribunal do Júri:

            Desse acórdão é admissível recurso para este STJ como se infere do art.º 400º “a contrario” (e tendo sempre em atenção o que supra se disse relativamente à pena parcelar de 4 anos de prisão) e do art.º 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.

            O art. 434º do CPP, determina que “sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.

            É jurisprudência uniforme deste STJ a de que o recurso da matéria de facto, ainda que limitado aos vícios previsto nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP, tem que ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista;

            É também jurisprudência uniforme deste STJ a de que apenas oficiosamente este Tribunal conhecerá daqueles vícios do art.º 410º, n.º 2;

            Apenas se ressalva em tal jurisprudência o caso da al. a) do n.º 1 do art.º 432º do CPP – decisões das relações proferidas em 1.ª instância.

            Em casos como o dos autos, permitimo-nos, porém, e salvo o devido respeito, discordar desta jurisprudência.

            Desde logo, porque da al. b), do n.º 1, do art. 432º do CPP não foi feito constar pelo legislador de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29/08) o mesmo segmento visando exclusivamente o reexame da matéria de direito” que fez incluir na alínea imediatamente seguinte, a al. c).

  O que só poderá querer significar que o mesmo legislador não pretendeu excluir da previsão do art.º 434º do CPP – no que concerne aos vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º – os recursos mencionados naquela al. b), do n.º 1, do art.º 432º;

            Daí que o recorrente possa invocar esses vícios do art. 410.º, do CPP como fundamento do recurso para o STJ;

            E em casos como o dos autos, em que o acórdão recorrido da Relação revogou o acórdão absolutório do Tribunal do Júri, alterando em sentido diametralmente oposto a decisão da matéria de facto, e condenando, pela primeira vez, a arguida, em pena de 17 anos de prisão, com maior acuidade e premência tem que colher aquela argumentação.

 Na verdade, no acórdão da Relação foi pela primeira vez vertida matéria de facto provada e foram feitas considerações factuais na fundamentação, uma e outras novas, no sentido de que não constavam do acórdão da 1.ª instância, e, por isso, podem conter como contêm, alguns dos vícios previstos no art.º 410º que, mesmo na respectiva resposta ao recurso do MP, a arguida não podia ter previsto.

E dizer-se que o STJ oficiosamente saberá suprir essa eventualidade se ela se concretizar, não cumpre nem respeita os direitos de defesa do arguido;

Desde logo, porque o STJ poderá não se aperceber desses vícios;

 Depois, porque não pode pretender-se que o arguido veja assegurados os respectivos direitos de defesa – que só a si respeitam – pelo Tribunal de recurso, ainda que se trate do STJ. Os direitos de defesa do arguido têm que poder ser exercidos por este, aliás, na esteira do que dispõe a CRP, nomeadamente no n.º 1 do art.º 32.º.

E contra este entendimento não se invoque – como temos visto – o acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro (DR. de 28/12/1995) que fixou jurisprudência no sentido de que “é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.

            É que este acórdão não diz que o conhecimento desses vícios é, exclusivamente, do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso;

            Bem pelo contrário.

            Basta ler o acórdão.

Não se invoque, por outro lado, em abono daquela jurisprudência – no sentido de que o recorrente não pode fundamentar o recurso previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 432º do CPP, nos vícios dos n.º 2 e 3 do art.º 410.º do CPP – o duplo grau de jurisdição e o facto de a arguida ter podido assegurar os seus direitos de defesa na resposta que apresentou ao recurso interposto pelo MP do acórdão absolutório;

Na verdade, valem aqui as mesmas considerações e argumentos que supra aduzimos na 3.ª conclusão, al. c), deste recurso, a propósito destas questões, e que, por razões de economia e celeridade processuais, damos aqui por reproduzidos na íntegra para todos os efeitos legais, com a ressalva de que agora se tem em vista todo o presente recurso e não apenas a parte relativa à pena parcelar.

Em conclusão, deverá entender-se que o presente recurso pode ter por fundamento os vícios previstos nos n.º 2 e 3, do art.º 410º do CPP, vícios esses que, por isso, infra irão expressamente invocados.

            A não se entender assim, não se admitindo o presente recurso na parte em que se invocam os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º do CPP, deixa-se aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação dos art.ºs 400º “a contrario”, 410º, n.ºs 2 e 3, 432º, n.º 1, al. b) e 434º do CPP, na redacção actual, segundo a qual o recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido pela Relação que revogou o acórdão absolutório do Tribunal do Júri apenas pode ter fundamento o reexame de matéria de direito, estando-lhe vedado invocar os vícios previstos no n.ºs 2 e 3 do art.º 410º do CPP; tudo por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente o efectivo direito a recurso ao menos uma única vez (art.º 32.º, n.º 1 da CRP), e por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2º e 3º da CRP), da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º, n.º 1 da CRP), do procedimento justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.

            De qualquer modo, os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do CPP que infra vão invocados deverão, pelo menos, ser apreciados e, sendo caso disso, declarados oficiosamente por este STJ. Como se diz no CPP comentado de António Henriques Gaspar e outros, edição de 2014, em anotação ao art.º 410.º, na nota 3, do comentário do Exm.º Sr. Conselheiro Pereira Madeira, pag. 1357, A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria.

6.º

-  Nulidade do acórdão recorrido, violação das regras sobre a prova, e vícios do n.º 2 do art.º 410º do CPP a conhecer, pelo menos, oficiosamente por este STJ

          A – A tese da arguida – a cabala de CC

          O acórdão recorrido não conseguiu compreender que a arguida não tem uma tese e, muito menos, encabeçada/liderada pela testemunha DD; que a arguida nunca sequer insinuou a existência de qualquer cabala montada por CC ou por quem quer que seja contra si; ou que o presente processo alguma vez tenha consubstanciado um “confronto directo” ou indirecto, entre aquela testemunha DD e a testemunha CC.

            A arguida não tem tese;

            Afirma apenas que não matou a avó do marido;

            E confronta-se com uma gravíssima dificuldade: como fazer prova de um facto negativo?

            Eu, que não matei, como demonstro que não matei?

            Procuro exibir as provas que, porventura, possua e, porque sei que não matei, perante provas ou indícios que pretendem demonstrar o contrário, examino, e analiso à exaustão essas provas/indícios a fim de desfazer o equívoco.

            Foi justamente o que se passou nos autos.

            A arguida sabe que não matou.

            Perante hipotéticas provas/indícios que poderiam apontar no possível sentido contrário, analisou-as, tentou perceber a respectiva lógica, desmontou-as e demonstrou e comprovou os respectivos resultados;

            Percebeu que não foram cumpridas as elementares regras de preservação da cadeia de custódia da prova, que foram manipuladas provas e que foram sonegadas provas.

            E disse-o e demonstrou-o em audiência e o Tribunal do Júri tomou em consideração na fundamentação do acórdão respectivo.

            Não o fez mais cedo apenas porque, em inquérito, percebeu que sempre que punha em causa algum meio de prova, invariavelmente se seguia a tentativa de “branqueamento” por parte da investigação.

            Assim,

            É um facto que a investigação não preservou a cadeia de custódia da prova, nomeadamente quanto ao blusão e

            É um facto que tentou branquear esse procedimento;

            É um facto que sonegou ao TIC, no momento do primeiro interrogatório judicial da arguida, o auto de inquirição de uma testemunha que confirmava a presença da arguida na cidade da Maia no fim de almoço, no dia do crime;

            É um facto que sonegou prova – factura telefónica detalhada – que demonstrava a hora do início do crime e que impossibilitava que a arguida tivesse estado em Coimbra a essa hora;

            É um facto que inventou factos que, com surpresa artificial, diz em RDE ter constatado por um acaso (cfr. págs. 215 e 216 da resposta da arguida ao recurso do MP na 1.ª instância);

            É um facto que, em cota de fls. 417, a investigação inventou factos relevantíssimos quanto à quantidade de resíduos de disparos recolhidos e é um facto que tal viria a revelar-se ser falso.

            Tudo isto são factos! E factos que demonstram uma conduta, no mínimo, estranha por parte da investigação.

            Quem procedeu à investigação “no terreno” foi a testemunha CC; mas a investigação propriamente dita não é constituída pela testemunha CC. Como é evidente.

            Porque é o MP quem dirige o inquérito.

            Mais: a determinada altura, o MP percebeu o que se estava a passar, isto é, percebeu que afinal podia não ter sido a arguida a autora do crime, e, nessa altura, recua, ou tenta recuar.

            Precisamente quando, nove dias antes de expirado o prazo máximo de prisão preventiva, promove a libertação da arguida.

            Nessa altura...

   A Senhora Procuradora da República que dirigia o inquérito foi, pura e simplesmente, afastada do mesmo;

            Sem qualquer explicação. Que, aliás, a arguida pediu, por escrito, ao Senhor Procurador-Geral Adjunto, Director do DIAP de Coimbra, que, todavia, se recusou, por escrito, a dar-lha com o argumento de que se tratava de questões “internas” do MP (cfr. doc. nº 1 anexo que dá aqui por reproduzido na íntegra).

Não se trata, portanto, de qualquer desequilíbrio da testemunha CC, ou de qualquer conflito que este mantinha com a testemunha DD ou com quem quer que seja.

            O que se passou foi ao nível da investigação e os motivos para tal podem ser muitos; mas para o caso concreto não são o que mais releva. O que releva, no caso, são as condutas, no mínimo muito perturbadoras e estranhas – e que a arguida, inspectora da PJ, qualifica de indiciariamente criminosas – da investigação.

            Embora a arguida julgue saber os motivos para tais condutas (cfr. motivação supra), não é isso que aqui é importante. Importantes são aqueles factos praticados pela investigação, que estão lá e não podem ser escamoteados.

Não foi a arguida quem os inventou ou imputou à investigação.

            Daí que não possa falar-se em tese da arguida, ou tese da testemunha DD, ou tese da defesa, no sentido de que é uma das várias possibilidades fácticas. Não. Aqueles são factos reais que constam dos autos.

            Nem neste processo a discussão decorreu entre a testemunha DD e a testemunha CC. Nem pouco mais ou menos…

            Quem leu e estudou devidamente o processo e sobretudo quem assistiu ao julgamento sabe bem que não é disso que se trata.

            Em concreto, em audiência de julgamento, o Tribunal do Júri, analisou e discutiu tudo.

             Houve, em audiência, uma acareação entre as testemunhas DD e CC; é um facto. Mas essa foi uma das muitas e variadas diligências de prova que tiveram lugar nas muitas sessões de julgamento e que, nem de longe nem de perto, se centraram nas declarações daquelas duas testemunhas.

            E, por isso, é que, de início, tivemos alguma dificuldade em perceber o cerne do acórdão recorrido, todo ele focalizado, sempre, na testemunha DD.

            O que é um claro ERRO, grosseiro mesmo, do acórdão recorrido.

            A testemunha DD é uma das muitas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento e nunca disse nem nunca pode ter dito à investigação que a arguida era a autora do crime;

            Pelo simples motivo de que não podia sabê-lo!

            Só a investigação conduziu a testemunha DD a pensar que fôra a arguida a autora do crime!

            Porque a investigação, logo a 24/11/2012, falsamente o informou que havia LOCALIZAÇÕES CELULARES que colocavam a arguida em Coimbra - cfr. acórdão recorrido a págs. 144, 145, 149, 150, 153, 154, 219 e 230.

            E, porque, no dia seguinte, a mesma investigação também falsamente o informou que a arguida recebera em Coimbra uma sms, na tarde do dia do crime (21/11/2012) – cfr. acórdão recorrido a págs. 144, 145, 149, 150, 153, 154, 219 e 230.

            Ora, perante as alegadas localizações celulares – que falam, ineludivelmente, por si próprias – um inspector da PJ (como DD é) não as põe em causa. Sobretudo quando lhe são comunicadas por outro inspector da PJ e seu colega.

            Mais: hoje, a arguida acredita que a investigação obteve, como muitas vezes acontece, INFORMALMENTE, da TMN, a facturação telefónica detalhada da arguida e que, deparando-se com o código “BSC_CBR2L”, que dela constava, nomeadamente no dia 21/11/2012, logo julgou, erradamente (fls. 153 e 154 do acórdão recorrido), que a sigla “CBR” significava Coimbra (o que, como consta de fls. 153 e 154 do acórdão recorrido, não tem nenhuma correspondência com a realidade).

            Daí a conclusão: no dia 21/11/2012, a arguida esteve em Coimbra.

            Daí a informação dada a DD, que, obviamente, só podia dá-la como boa.

            Seja como seja, o certo é que DD foi informado daquelas localizações celulares logo em 24 e 25/11/2012. Independentemente de sabermos se a investigação possuía ou não a factura detalhada da arguida e de como a obteve.

            Bem ou mal, foi disso informado pela investigação, fruto de mais uma, no mínimo estranha, conduta da investigação.

            Só a partir do momento em que lhe foi transmitida essa informação (localizações celulares) – além de outras, como a de que as munições e a arma usadas no crime foram as pertencentes à arma da inspectora BB (quando, ainda hoje, não apareceu a arma do crime) – é que DD passou a ter que considerar a arguida como a autora do crime - cfr. acórdão recorrido a págs. 144, 145, 149, 150, 153, 154, 219 e 230.

            Mais: quando, a 25/11/2012, pergunta à mulher/arguida se esta tinha estado em Coimbra em 21/11/2012 e esta lho nega, DD saiu imediatamente de casa e separou-se da mulher - cfr. acórdão recorrido a págs. 144, 145, 149, 150, 153, 154, 219 e 230.

            Porque as localizações celulares não mentem, e a arma do crime era a que desapareceu, no Porto, à colega BB. Tinha-lhe dito, falsamente, a investigação.

            A experiência comum diz-nos que o homem médio, colocado nesta mesmíssima situação, teria agido da mesma forma. Pelo menos, num primeiro momento.

            Não há, pois, qualquer tese da arguida insinuando ou afirmando que, quem quer que seja, montou uma cabala contra si.

            O que há são factos, concretos, que evidenciam uma, no mínimo, muito estranha actuação da investigação.

            Factos que constam do processo e não podem ser apagados. E constam do próprio acórdão recorrido, do acórdão do Tribunal do júri transcrito no acórdão recorrido e da própria resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª instância.

            E isto o acórdão recorrido não quis analisar e não analisou.

            Se o tivesse feito, em vez de o ter omitido – como sucedeu em relação a muitas outras questões, como se verá infra – o acórdão recorrido não teria decidido como decidiu e, pelo contrário, teria, pelo menos, chegado à mesma conclusão a que chegou o acórdão do Tribunal do Júri: forçosa aplicação do princípio “in dubio pro reo”!

            B – Breves considerações legais e jurisprudenciais

          a) Infere-se das normas conjugadas dos art.ºs 379º, n.º 1, als. a) e c), e 425º, n.º 4 do CPP, que é nula a sentença que não contiver a respectiva fundamentação ou quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

            O que precisamente sucede no caso do acórdão recorrido relativamente às questões que infra vão elencadas.

   Trata-se de matéria de direito cujo conhecimento é da competência deste STJ (art. 434º, do CPP) ou, assim não se entendendo, trata-se de nulidades do acórdão recorrido que devem ser arguidas ou conhecidas em recurso (art. 379º, n.º 2, do CPP).

            b) Por outro lado, resulta do art.º 163 do CPP que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, sendo que essa presunção é ilidível, isto é, pode ser afastada quando a convicção do julgador divergir daquele juízo e desde que essa divergência seja devidamente fundamentada.

            Como diz Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, págs. 209 e 210): Perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com a exigências legais, o Tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal – salvo casos inequívocos de erro, mas nos quais o juiz terá então de motivar a sua divergência.”.

 Todavia, como certeiramente escreve o Exm.º Senhor Conselheiro Santos Cabral em Código Processo Penal, edição 2014, comentado pelos Senhores Conselheiros António Henriques Gaspar e outros, em anotação ao citado art.º 163º: Porém, qualquer divergência relevante não se basta com uma apreciação genérica e pouco consistente, sob pena de se incorrer numa inadmissível valoração subjectiva ou na falta de fundamentação.”.

            c) Sendo jurisprudência pacífica do STJ que, salvo nos casos previstos no art. 432º, n.º 1, al. a), do CPP, o STJ, como tribunal de revista que é, só conhece dos vícios aludidos no n.º 2 do art.º 410º do CPP, por sua própria iniciativa, isto é, “ex officio”, e não podendo esses vícios fundamentar o recurso,

            E, pese embora a inconstitucionalidade supra arguida quanto a essa questão,

 Também é certo que, como já acima se citou, tem sido entendido que “A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o Tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria” - cfr. Comentário ao art.º 410º, do Exm.º Senhor Conselheiro Pereira Madeira, in Código Processo Penal Comentado supra citado.

            Acresce ainda que, como se diz no acórdão deste STJ (Proc. n.º 3167/06 – 3ª Secção, de 24/01/2007), Se a fixação dos factos não é susceptível de constituir objecto de recurso para o STJ, enquanto Tribunal de revista votado em exclusivo ao reexame da matéria de direito (cfr. Arts.º 432º, n.º 2 al. d), e 434º, do CPP, e 722º, n.º 2 do CPC), já a pretensa violação das regras sobre a prova pode ser sindicada nesse recurso. Entre essas regras encontram-se as regras da experiência comum e o princípio do in dubio pro reo. Ponto é que a própria decisão, designadamente a sua fundamentação, indicie, sem necessidade de outras averiguações probatórias, terem-se as instâncias desviado das primeiras ou terem preterido o segundo.” (sublinhado nosso).

            Finalmente,

            E ainda a propósito do princípio do in dubio pro reo, e por sintetizar pacífica jurisprudência deste STJ, transcreve-se sumário do acórdão deste STJ, no Proc. n.º 4006/05 – 3ª Secção, de 25/01/2006: “I – O princípio in dubio pro reo, maioritariamente, é entendido como pertinente à matéria de facto, pertencendo a fixação definitiva daquela à Relação, nos termos do art.º 428.º do CPP, a quem compete declará-lo sempre que resulte que o tribunal recorrido chegou a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos e não a decretou, em desfavor do arguido. II – Em paralelo se entende que o STJ pode sindicar a aplicação do princípio, no âmbito da sua competência de tribunal de revista (art.º 434º do CPP), enquanto questão de apreciação necessária sobre a observância ou desrespeito desse princípio geral de processo penal, ligado a uma concreta decisão de direito, quando naquele contexto de dúvida, esta não é declarada, em desfavor do arguido, ou ressalte evidente do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja quando é visível que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410º, n.º 2, al. c), do CPP.” (negrito nosso).

            É tendo em atenção o acabado de expôr que se analisarão de seguida os vários temas abordados no acórdão recorrido.

                                                           *               *

            B.1– Do blusão e dos resíduos de disparos da arma nele detectados

          O acórdão recorrido refere-se a estas questões nas páginas 52 a 68, 73 a 77, 80 a 96, 119, 120, 149, 221 a 230 e 251.

            O acórdão recorrido, de págs. 15 a 46, transcreveu a fundamentação constante do acórdão do Tribunal do Júri

            No que concerne ao blusão e resíduos de disparos, as referências no acórdão do Tribunal do Júri surgem transcritas no acórdão recorrido, a páginas 39 (último §) e 40, 44 e 45.

            Na resposta ao recurso do MP na 1.ª instância, a arguida reportou-se a estas mesmas questões (blusão e resíduos de disparos) de páginas 3 a 119 dessa mesma resposta;

            Sobre essa parte da resposta da arguida, o acórdão recorrido, a sua pág. 13, dedica-lhe... 3 (três) linhas que, por tão curtas, se transcrevem: “... relativamente aos fundamentos invocados no recurso a propósito da prova pericial feita ao blusão e aos vestígios detectados refere que pelo menos os procedimentos a que o mesmo foi sujeito enquanto se manteve nas instalações da PJ determinaram a irrelevância total do resultado da perícia.”

            O certo, porém, é que, lendo o acórdão recorrido na parte assinalada, resulta claro que o mesmo não conheceu das muitas questões fundamentais que, quer no acórdão do Tribunal do Júri quer na dita resposta da arguida, foram suscitadas.

            Assim, no acórdão do Tribunal do Júri (transcrito, nesta parte, na pág. 44 do acórdão recorrido) escreveu-se:

            «Sendo certo que do exame constante de fls. 719 a 723 (com os esclarecimentos de fls. 778/779) feito ao blusão entregue pela arguida e utilizado por esta no dia do homicídio resulta que no mesmo foram detectadas partículas características/consistentes com resíduos de disparos de arma de fogo os quais eram do mesmo tipo das partículas detectadas nos elementos municiais deflagrados da marca Sellier & Bellet, e sendo a presença destas partículas compatível com disparos, manipulação ou proximidade a disparos de arma e fogo por parte da arguida (esta compatibilidade resulta ainda evidente do exame a fls. 785/786), a verdade é que da referida perícia não resulta sequer a conclusão que tais resíduos resultaram da directa exposição desta à nuvem resultante de disparo de arma de fogo.

Com efeito, a deposição de tais resíduos poderá resultar de uma situação de contaminação secundária que não implica tal exposição. E esta possibilidade é, no caso em apreço, perfeitamente compaginável com os resíduos encontrados no blusão da arguida, tanto mais que o facto de a investigação ter inexplicavelmente – e contra todas as normas que quanto a esta matéria regem uma investigação policial – exposto no chão de um gabinete da polícia judiciária a roupa sujeita a perícia, comprometeu irremediavelmente o valor probatório das conclusões periciais como a própria perita que a elaborou admitiu em sede de audiência de julgamento quando confrontada com tal facto desconhecido até àquele momento. A isto acresce ter colocado no mesmo saco PEB duas peças de roupa e uns ténis embrulhados num simples saco de mercearia.

  « Este incompreensível descuido da investigação ao comprometer irremediavelmente a preservação da cadeia de custódia da prova relativamente a uma das mais fortes provas em que assentava a acusação não pode ser suprido por qualquer esforço do tribunal de júri de recomposição, em audiência de julgamento, do seu valor probatório, outrora estabelecida pela perícia.

          «Com efeito, como é referido nos esclarecimentos pedidos pelo Ministério Público já no final do julgamento aos peritos do LPC, não é possível determinar o grau de probabilidade de estarmos na presença de uma contaminação primária ou secundária. Por outro lado, a conjugação desta prova com a demais prova já supra elencada e analisada levanta sérias dúvidas sobre a fonte de contaminação do referido blusão.»

            Já na resposta ao recurso do MP na 1.ª instância, a arguida suscitou as seguintes questões:

- Esclarecimentos (transcritos naquela resposta) da Perita EE, prestados em audiência, que disse que não teria sequer feito o exame pericial cujo relatório consta de fls. 719-723 dos autos acaso tivesse sabido antecipadamente que o blusão fora exposto no chão da brigada de homicídios da PJ, atenta a possibilidade de transferência secundária de resíduos ou contaminação;

  - No gabinete da brigada de homicídios em causa – dos inspectores CC e FF – diariamente entram, repetidamente, arguidos, testemunhas, outros inspectores, que, muitas vezes, estiveram no local dos crimes de homicídio praticados com arma de fogo, havendo uma forte probabilidade de se encontrarem contaminados no seu vestuário, nos seus sapatos, nos objectos que aí utilizaram...

  - No dia do crime de homicídio dos autos e nos dias subsequentes, vários inspectores e testemunhas que estiveram no local do crime e nomeadamente pisaram o respectivo chão, estiveram também no gabinete dos inspectores CC e FF (que haviam estado inúmeras vezes no local do crime); havendo, por isso, grande possibilidade de contaminação;

  - No próprio dia do homicídio dos autos, ocorreu outro homicídio com arma de fogo que a mesma brigada de homicídios dos presentes autos também investigou (cfr. informação de serviço de fls. 2 dos autos);

            - O Manual de Procedimentos da PJ (que a arguida juntou aos autos na audiência), transcrito em parte naquela resposta ao recurso do MP, contém regras muito precisas e rigorosas, destinadas a evitar a transferência secundária de resíduos que não foram minimamente respeitadas pela investigação nestes autos;

            - O último parecer do LPC efectuado a pedido do MP e junto aos autos por este (fls . 3667 e segs), ao referir que as calças de ganga constituem amostra controlo significativa, está errado, porque as calças apenas foram examinadas na sua parte anterior (frente) e não na sua parte posterior (costas), o que significa que nunca poderiam constituir qualquer amostra controlo e, muito menos, significativa;

            - O blusão também não foi examinado no LPC na sua parte posterior:

            - O blusão, as calças e um saco de plástico contendo umas sapatilhas foram acondicionadas num único saco PEB, contrariamente às regras constantes nomeadamente no dito Manual de Procedimentos da PJ;

            - Em cota lavrada a fls. 417, em 04/12/2012, o inspector CC informou terem sidos recolhidos grandes quantidades de resíduos de disparo no blusão e uma partícula no volante do veículo da arguida, o que veio a revelar-se ser falso (fls. 778 e 779 dos autos);                       

            Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre estas questões invocadas expressamente quer no acórdão do Tribunal do Júri quer na resposta da arguida ao recurso do MP. E, no entanto, eram questões cruciais, nomeadamente para poder decidir-se fundadamente se houve ou não contaminação/transferência secundária de resíduos de disparo de arma de fogo.

            O que se disse no acórdão recorrido sobre esta matéria (blusão e resíduos de disparos) vai transcrito na motivação supra e consta de suas págs. 50, 52, 53, último §, 54, 55 último §, 63, 3.º e 4.º §§, 66, 3.º §, 67, 1.º §, 67, 3.º §, e 223, antepenúltimo § até à pág. 230.

           

            Atente-se ainda que, de pág. 223, antepenúltimo § até à pág. 230, o acórdão recorrido fez uma transcrição e ou descrição parcial do conteúdo dos diversos relatórios, relatórios complementares, alguns esclarecimentos prestados pelos peritos e consultor técnico, informações e ainda de um parecer técnico do LPC junto aos autos pelo MP na fase final da audiência,

            E, nessa sequência, afirmou-se no acórdão recorrido (na pág. 229, penúltimo §) o seguinte:

            «Ora, não só as calças não apresentavam vestígios como, tal como o blusão, foram estendidas no chão com a parte posterior para baixo. E na parte posterior do blusão não foram encontrados vestígios.» - sublinhado nosso.

           

            E finalmente, a pág. 230, 2º §, do acórdão recorrido:

    «De tudo resulta que no blusão da arguida…foram recolhidas cinco partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão, …e que estes resíduos resultaram de transferência primária.»

            Como resulta daquelas páginas do acórdão recorrido (e, de resto, de todo o acórdão recorrido), transcritas na motivação supra, o Tribunal “a quo” não se pronunciou efectivamente sobre aquelas questões atrás citadas constantes do acórdão do Tribunal do Júri e da resposta da arguida ao recurso do MP.

          Desde logo e no que concerne aos esclarecimentos prestados em audiência pela Perita EE.

            Esta perita (cfr. relatório pericial de fls 719 a 723, 3º vol. dos autos, que consubstancia “prova vinculada”) referiu, em audiência, inclusivamente a instâncias do Exmº Senhor Juiz Presidente, que, se soubesse antecipadamente que o blusão fora fotografado no chão da brigada de homicídios da PJ antes da realização do seu exame pericial, nem sequer teria procedido a esse exame. O que significa que o entendia irremediavelmente comprometido.

 E que a dita perita, na verdade, fez essas afirmações em audiência, nomeadamente a instâncias do Exm.º Senhor Juiz Presidente, demonstra-o a transcrição do respectivo depoimento que a arguida fez na própria resposta ao recurso do MP na 1.ª instância (cfr. essa resposta, a págs. 18 [parte final], 19 [parte final] e 20 [primeiras linhas]).

            Sobre isto, porém, nem uma palavra no acórdão recorrido. E tratava-se de esclarecimentos dados pela perita sobre a perícia e o relatório pericial que havia elaborado. No entanto, no acórdão recorrido, mencionaram-se partes do depoimento desta perita – a págs. 64 a 66, e 226 e 227 – mas não aquela parte.

           

   Estes esclarecimentos prestados pela perita respeitam a factos indubitáveis, isto é, ao facto de o blusão e as calças terem sido expostos no chão do gabinete da brigada de homicídios a fim de serem fotografados, facto que os próprios inspectores Cardoso e Rainho – como consta de págs. 75, 76 e 80 do acórdão recorrido – confirmaram. Facto que o Manual de Procedimentos da PJ – mencionado nesta parte na resposta da arguida ao recurso do MP na 1.ª instância – rejeita liminarmente, atenta a forte possibilidade de ocorrer contaminação/transferência secundária.

           

  E depois, como tantas vezes sucedeu nestes autos, lá veio o “branqueamento”, desta feita, em veste de empregada de limpeza, com a sua esfregona e cera (!!!) (cfr. págs. 75 e 223 do acórdão recorrido que refere depoimentos daqueles inspectores).

           

      Como é possível alguma vez atribuir-se qualquer credibilidade a afirmações destas?!

            Basta pensar nisto:

            - Antes deste gabinete, que outros gabinetes foram limpos com a mesma esfregona?

            - Entre a limpeza de cada gabinete, a esfregona é previamente lavada? E o balde?

            - Foi alguma vez transmitido às empregadas de limpeza que deveriam limpar com todo o rigor o chão dos gabinetes para evitar eventuais contaminações de provas?

            - E como se procede à limpeza dos gabinetes? De dentro para fora ou de fora para dentro; sendo que, neste caso, os sapatos da empregada de limpeza poderiam também contaminar?

            - E depois da limpeza diária do gabinete, os respectivos inspectores entram lá descalços ou procedem à limpeza prévia da sola dos seus sapatos?

    - E no dia das fotografias, os inspectores CC e GG, depois da limpeza do gabinete, e antes de aí entrarem, procederam previamente à limpeza dos respectivos sapatos?

            - E vestiram bata? Ou só usaram luvas?

            - E, alguma vez, este é o tipo de “limpeza” que o LPC ou qualquer outro laboratório cientifico exige para a realização das perícias?!!!

            Não é, pois, possível dar credibilidade a uma situação como esta: não é possível ter havido contaminação/transferência secundária porque o chão foi limpo pela empregada de limpeza com esfregona com cera (?!!). Quando, no próprio acórdão recorrido, se manifestou a preocupação constante de vincar bem que antes de entregue à investigação, o blusão esteve em “ambiente protegido” (cfr. Pág. 230, 5.ª linha do acórdão recorrido), falar e aceitar agora, a propósito dessa questão, na colocação no chão da brigada de homicídios da PJ do blusão e calças, é falho de toda a lógica e por isso, inadmissível.

            O certo é que os esclarecimentos da Perita EE, nesta parte, são indubitáveis: se soubesse disto (fotografias do blusão no chão da brigada de homicídios) não teria feito o exame pericial. Bem como, explica claramente, quais os procedimentos adequados no manuseamento das peças a ser peritadas. E que não se compadecem, em absoluto, com a “limpeza” descrita no acórdão recorrido (cfr. depoimento totalmente transcrito na resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª instância).

            Estes esclarecimentos não extravasam o exame pericial e, pelo contrário, têm directamente a ver com ele. Como é óbvio e não reclama explicações ou argumentos.

            Os esclarecimentos da perita têm fundamental interesse para se perceber o valor do exame pericial efectuado ao blusão e às calças de ganga.

            Porque se houver contaminação/transferência secundária ou a sua mínima possibilidade, o exame deixa de ter qualquer valor atento o espectro daquela contaminação;

            Problema que, com toda a certeza, não pode ser resolvido em desfavor do arguido.

 O certo é que o acórdão recorrido não tomou em consideração – nem sequer mencionou – este esclarecimento da perita.

            E era imperioso que o tivesse feito e o tivesse analisado porque todo o exame pericial é aí posto em causa.

  Dir-se-á, porventura, que o acórdão recorrido preferiu considerar e atribuir maior credibilidade ao último parecer emitido a pedido do MP e que este juntou em audiência (cfr. fls. 3667 a 3669) e que é da autoria do LPC e cujo teor consta transcrito de págs. 87 a 90, e 228 e 229 do acórdão recorrido.

            Se assim sucedeu, andou muito mal o tribunal recorrido;

            Desde logo, porque, antes de mais, e atenta a sua especial importância, tinha que se ter pronunciado sobre os esclarecimentos da Perita do LPC EE, na parte mencionada, o que não fez. Porque se trata de esclarecimentos da perita que procedeu ao exame e relatório periciais que, na qualidade de perita, se presume absolutamente ISENTA.

            Foi esta perita que, no LPC, manuseou o blusão e as calças, que os retirou do mesmo saco PEB, e que sabe que os analisou apenas nas suas partes anteriores e não posteriores;

            E aqui, curiosamente, veja-se o que se escreveu no acórdão recorrido, a propósito dos esclarecimentos desta perícia, a página 66, 3.º §: “Nas calças fez a pesquisa na parte posterior, sobretudo na parte de cima.”

            E depois leia-se o relatório pericial respectivo, a fls. 722 (4.ª linha), de onde consta que as calças foram examinadas “na zona anterior”.

            Erro notório na apreciação da prova taxada ou vinculada! Que aqui se invoca expressamente como fundamento de recurso, ou, pelo menos, que deve ser objecto do conhecimento oficioso deste STJ.

            Por outro lado, e ainda quanto àquele último parecer do LPC junto pelo MP, há que atentar que, como admite o próprio acórdão recorrido (a pág. 90), não consubstancia prova pericial para os efeitos do art.º 163º do CPP.

 Aliás, a arguida opôs-se à respectiva junção por requerimento que ficou consignado em acta da audiência e que transcreveu na resposta ao recurso do MP em 1.ª instância (cfr. págs. 98 e 99 dessa resposta);

Não foi permitido à arguida intervir nessa diligência e contribuir com os respectivos quesitos e até com consultor técnico por si nomeado, como sucederia acaso tivessem sido cumpridos os ditames legais; o que significa que não tem a força probatória do relatório pericial e dos esclarecimentos da perita.

Não podendo esquecer-se, por outro lado, e fundamentalmente, como se disse na resposta da arguida ao recurso do MP, que esse parecer se baseou em pressupostos factuais falsos. Desde logo, quanto às questões 3.ª (a primeira 3.ª) e 4.ª colocadas pelo MP ao LPC (cfr. págs. 87 e 88 do acórdão recorrido) que partem de pressupostos factuais errados;

  Na verdade, e quanto à 3.ª questão, o blusão nunca esteve isolado no saco PEB em que foi acondicionado, mas antes aí guardado juntamente com as calças de ganga e umas sapatilhas, as quais, por sua vez, foram acondicionadas num saco plástico de mercearia (cfr. relatório pericial de fls. 719 e, concretamente, a fls. 719 – n.º 1.1 –, fls. 720 – n.º 1.2, e fls. 721 – notas 2.a.);

            Além disso, quanto à 4ª questão colocada pelo MP, as calças de ganga não foram objecto de qualquer perícia na sua parte posterior, mas apenas na sua parte anterior, como claramente resulta do relatório pericial, concretamente a fls. 722, 1ª e 4ª linhas;

            O que claramente demonstra que é falso o pressuposto factual indicado naquela 4.ª questão pelo MP, segundo o qual nas calças de ganga “não foram detectados resíduos de disparo”.

            Porque, não se tendo examinado as calças na sua parte posterior, não se pode afirmar que, nessa parte, não apresentavam resíduos de disparos;

            Não podendo esquecer-se que, quer o blusão quer as calças de ganga, a fim de serem fotografados, foram expostos no chão da brigada de homicídios da PJ Centro, com as respectivas partes posteriores (e não anteriores) assentes sobre aquele chão.

            Sendo ainda certo que o blusão também não foi objecto de qualquer exame pericial na sua parte posterior (cfr. relatório pericial, a fls. 722, 1ª a 3ª linhas).

            Do exposto resulta, assim, que o dito parecer fundou-se em pressupostos factuais que nenhuma correspondência têm com a realidade. Porque todo o parecer foi elaborado partindo do errado pressuposto de que nas calças de ganga não foram detectados resíduos de disparo. Em todas elas.

            Quando o certo é que as mesmas não foram examinadas na parte posterior, justamente a que esteve em contacto com o chão do gabinete da brigada de homicídios.

            Veja-se agora o que se disse no acórdão recorrido sobre este parecer, na pág. 91, 2º §:

            «Este parecer é muito importante para analisarmos quer a opinião da perita e do consultor técnico, anteriormente vistas, quer a posição do tribunal: ao mesmo tempo que afirmaram que no quadro factual apurado havia a possibilidade real de ter havido transferência secundária, nada disseram sobre o facto de as calças usadas pela arguida no dia 21-11-2012 nada terem revelado. E o recurso à álea/acaso como explicação – que não foi invocada, é verdade -, nunca seria suficiente.

  «Refira-se que este parecer técnico não foi sequer mencionado aquando da fundamentação da decisão da matéria de facto, o que não implicava, naturalmente, concordância. No entanto um elemento especialmente relevante porque tinha o valor probatório de outros elementos que constavam do processo, era divergente desses outros elementos e deveria ter sido explicado porque é que o tribunal não considerava o seu conteúdo. É esta a função da motivação: explicar a decisão, indicando as provas que acolhemos e as que rejeitamos.»

  Como é patente, estas afirmações estão completamente erradas, porque também elas partem do mesmo pressuposto factual falso: as calças nada revelaram no exame pericial na ZONA ANTERIOR, como o relatório pericial respectivo diz (fls. 722); o mesmo não se podendo dizer quanto à sua ZONA POSTERIOR que não foi examinada; e foi esta zona que esteve assente no chão da brigada de homicídios.

            De onde se infere de imediato, que o dito parecer não só não é “muito importante”, como não tem qualquer importância ou relevância; porque está errado; nem permite analisar os esclarecimentos (e não a opinião como diz o acórdão recorrido) da perita e do consultor técnico ou a posição do Tribunal do Júri; porque está errado.

  E por isso, bem andou o Tribunal do Júri quando, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido na parte que acabou de transcrever-se, se pronunciou sobre o dito parecer técnico, na EXCLUSIVA parte em que o mesmo pode aproveitar-se, dizendo: “não é possível determinar o grau de probabilidade de estarmos na presença de uma contaminação primária ou secundária.”.

            Na verdade, o conteúdo do dito parecer não é válido quanto à parte em que dá por assente que não foram encontrados resíduos de disparo de arma de fogo nas calças, uma vez que isto é falso no que concerne à zona posterior das calças que não foram objecto de qualquer perícia.

            E o dito parecer, no mais, diz efectivamente o seguinte (cfr. págs. 88, 89 e 90 do ac. recorrido):

«Sendo uma arma de fogo a superfície onde é mais expectável a presença de GSR, fisicamente nada obsta a que estes resíduos se encontrem depositados noutras superfícies, … pelo que, academicamente, é sempre necessário considerar estas hipóteses como plausíveis e, caso estas se verifiquem, realizar os necessários actos periciais ulteriores para descartar ou confirmar as hipóteses adicionais. Na ausência da possibilidade da realização destes actos periciais ulteriores, será então forçoso concluir pela redundância da perícia em causa pois deixa de ser inequívoca a possibilidade da correlação entre os vestígios encontrados e a ocorrência em investigação.

 … ainda não estão desenvolvidas as ferramentas matemáticas que permitam calcular a probabilidade de cada uma das transferências. Apenas é possível uma avaliação qualitativa das probabilidades correspondentes a cada cenário com base num conhecimento profundo da realidade dos cenários e, caso assim seja possível, em ulteriores actos periciais.

          …

  « Refira-se ainda que, por forma a solidificar as conclusões possíveis, em sede de boas práticas, têm sido procuradas soluções para minorar a possibilidade de transferências secundárias sendo procedimento standard que qualquer peça de vestuário seja devidamente preservada e alvo da menor manipulação possível desde o momento da apreensão até ao momento da recolha de vestígios … essas mesmas boas práticas impõem que qualquer manipulação, incluindo a apreensão, tem de ser efectuada com o devido vestuário protector (luvas e fato ou bata descartável).

          …

          Existe uma probabilidade real de transferência secundária de resíduos de disparo de armas de fogo por parte de elementos ou instalações policiais.

          …

          A manipulação das peças de vestuário em causa (blusão e calças), designadamente a sua documentação fotográfica, não está de acordo com as boas práticas estabelecidas, tornando real a probabilidade de uma transferência secundária.» (sublinhado nosso).

            Do exposto resulta que nunca as calças de ganga poderiam alguma vez ter funcionado como amostra de controlo significativa, ao contrário do que se diz naquele parecer do LPC (pág. 90 do acórdão recorrido). Nem como amostra de controlo de qualquer tipo. Porque apesar de terem estado expostas no chão do gabinete da brigada de homicídios, com a sua parte posterior assente no chão, o certo é que, nessa parte posterior, não foram alvo de qualquer exame pericial.

            O que igualmente sucedeu com o blusão.

                       

            Além disso, um dos peritos do LPC que elaborou este parecer que temos vindo a analisar (fls. 3667 a 3669) foi precisamente um dos dois peritos - o outro foi a perita supra mencionada EE – que elaborou o relatório pericial de fls. 719 e ss. como resulta das últimas folhas de cada um desses documentos ( HH).

  Ora, este perito não podia deixar de saber que já havia elaborado o relatório pericial de fls. 719 e ss e que, portanto, as calças de ganga não foram examinadas na sua parte posterior, mas apenas na sua parte anterior, e que, em consequência óbvia, nunca as mesmas poderiam alguma vez ter funcionado como amostra de controlo significativa (ou não significativa...).

            O que, tudo, demonstra o FLAGRANTE ERRO em que incorreu o acórdão recorrido ao não conhecer destas questões cruciais.

           Na verdade, não tomou em consideração nem os esclarecimentos da perita EE acima referenciados nem, mais grave ainda, o próprio relatório pericial de fls 719 e ss na parte em que expressamente se refere que foram feitas recolhas na parte anterior das calças e na parte anterior, mangas e capuz do blusão.

            E só porque não conheceu destas questões é que no acórdão recorrido pôde fazer-se, em jeito de conclusão, a afirmação seguinte (pág. 229, penúltimo parágrafo):

          “Ora não só as calças não apresentavam vestígios como, tal como o blusão, foram estendidas no chão com a parte posterior para baixo. E na parte posterior do blusão não foram encontrados vestígios”.

            Completamente errado!

  As calças não apresentavam vestígios na ZONA ANTERIOR; na ZONA POSTERIOR não foram feitas recolhas no exame pericial;

            E na parte posterior do blusão não foram encontrados vestígios porque... aí não foram feitas recolhas no exame pericial.

            Do exposto resulta que, não havendo amostra de controlo (significativa ou não), há que concluir como se escreveu naquele parecer técnico do LPC: “ A manipulação das peças de vestuário em causa (blusão e calças), designadamente a sua documentação fotográfica, não está de acordo com as boas práticas estabelecidas tornando real a probabilidade de uma transferência secundária.” - (três primeiras linhas de pág 90 do acórdão recorrido).

            E como se disse ainda naquele parecer “... ainda não estão desenvolvidas as ferramentas matemáticas que permitam calcular a probabilidade de cada uma das transferências”. - (penúltimo § de pág. 88 do acórdão recorrido)

         

          Sendo real a probabilidade de uma transferência secundária e não sendo possível calcular o grau de probabilidade, há que concluir que muito bem andou o Tribunal do júri quando afirmou que não é possível determinar o grau de probabilidade de estarmos na presença de uma contaminação primária ou  secundária - cfr. pág. 44 do acórdão ora recorrido.

            Por isso, e bem, não podia decidir a questão em desfavor da arguida, como não decidiu.

            Não tem, pois, razão o Tribunal recorrido quando afirma que a resposta à questão de saber “se aqueles resíduos resultaram ou não de transferência primária” não cabe à perícia.

            Porque o relatório pericial, os esclarecimentos da perita e do consultor técnico (referenciados no acórdão recorrido e nos depoimentos transcritos na resposta da arguida ao recurso do MP) e o supra referido parecer técnico do LPC (excluída que está agora a existência de amostra de controlo) são unânimes em considerar que, no caso dos autos (sobretudo em virtude da exposição no chão da brigada de homicídios daquelas peças de vestuário) há real probabilidade de transferência secundária.

            E ninguém – nem o próprio Tribunal recorrido - pode decidir ou determinar se, no caso dos autos a transferência foi primária ou secundária.

             De todo o exposto resulta que há clara violação das regras sobre a prova vinculada e, nessa medida, verifica-se notório e grosseiro erro na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido.

            O que, desde logo, é do conhecimento oficioso deste STJ.

    De qualquer dos modos, ainda que se considerasse, em hipótese meramente académica e ao arrepio da prova pericial constante nos autos – que apenas por cautela de patrocínio aqui equacionamos -, que as calças e o blusão foram examinados pericialmente também nas suas zonas posteriores, ainda assim,   daquele parecer técnico do LPC – de fls. 3667 – como bem se disse no acórdão do Tribunal do Júri, apenas resultam probabilidades de ter ocorrido transferência primária ou transferência secundária.

            E, sendo real a probabilidade de transferência secundária – não se sabendo em que grau porque ainda não foram desenvolvidas as ferramentas matemáticas para o determinar (como se diz naquele Parecer técnico) - não pode a respectiva determinação ficar a cargo do Tribunal, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido (pág. 52, 2º §).

            E, muito menos, pode essa determinação ser decidida em desfavor da arguida. Pelo simples facto de que, ainda que, sempre em hipótese académica, a probabilidade de transferência secundária fosse em grau muito reduzido, ainda assim, sempre a mesma poderia ter correspondido ao que na realidade se passou. E, nessa medida, era à mesma transferência secundária...

            Bem andou, por isso, o Tribunal do júri.

            O acórdão recorrido, por violação das regras sobre a prova vinculada, também nesta hipótese académica, incorreu em erro notório na apreciação da prova.        

            Como se disse supra, o Tribunal recorrido, igualmente, não conheceu das demais questões que supra ficaram descritas e que, por fundamentais, deveria ter conhecido.

            Nomeadamente,

   Do facto de o gabinete de brigada de homicídios que procedeu à investigação ter sido repetidamente frequentado por pessoas que estiveram no local do crime e aí pisaram o respectivo chão ( inspectores, testemunhas);

     Do facto de, depois da “limpeza” daquele gabinete os inspectores CC e GG (pelo menos) terem pisado o chão do gabinete onde, depois, procederam à sessão fotográfica da roupa;

            Do facto de a mesma brigada de homicídios ter passado também a investigar outro crime de homicídio com arma de fogo ocorrido no mesmo dia do dos autos;

            Do que se diz no Manual de Procedimentos da PJ sobre a preservação da cadeia da custódia da prova, das reais possibilidades de ocorrência de transferência secundária de resíduos, das luvas e fato ou bata como sendo obrigatórios na recolha de peças de vestuário ou outras pelos agentes policiais;

            Do facto de o inspector CC em cota de fls. 417 ter informado que, do exame pericial já realizado, resultaram grandes quantidades de partículas (resíduos) de disparo de arma de fogo no blusão e uma partícula no volante do automóvel da arguida (para além do facto de essa informação ter data anterior ao próprio exame pericial, e de as folhas seguintes a essa cota de fls 417 terem data anterior a 07 de Dezembro de 2012, data esta que, afinal, o inspector CC, branqueando, veio mais tarde informar que deveria ser a data daquela cota. NESTE PONTO DA COTA DE FLS. 417 HÁ QUE REALÇAR QUE O ACÓRDÃO RECORRIDO APENAS QUIS REFERIR-SE A LAPSOS DE NUMERAÇÃO DE FOLHAS (CFR. PÁGS 76 E 77 DO ACÓRDÃO RECORRIDO) E, INEXPLICAVELMENTE, NAO SE REPORTOU AO QUE REALMENTE ERA IMPORTANTE, ISTO É, A INFORMAÇÃO CONSTANTE DESSA COTA QUANTO A QUANTIDADES DE RESÍDUOS ERA TOTALMENTE FALSA; O QUE CONDUZ À FORTE PROBABILIDADE DE SER TAMBÉM REAL A DATA FEITA CONSTAR DA DITA COTA DE FLS. 417...

MAS SOBRE ISTO O ACÓRDAO RECORRIDO NADA MAIS QUIS DIZER, A NÃO SER QUE O DEPOIMENTO DO INSPECTOR CC LHE MERECIA TODA A CREDIBILIDADE...).

            Assim e quanto a esta questão (blusão e resíduos) verifica-se:

- Nulidade do Acórdão recorrido nos termos do artº 379º, nº1, al. c), “ex vi” artº 425º, nº 4 do CPP, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado;

- Violação das regras sobre o valor da “prova vinculada” e seus pressupostos factuais, com clara violação do disposto no artº 163º, do CPP, e consequente

- Erro notório na apreciação da prova, a conhecer, pelo menos, oficiosamente, por este STJ.

            Em consequência, o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relativos a estas questões, nomeadamente os mencionados em 99, 100, 102 e 103 dos Factos Provados (pág. 215 do Acórdão recorrido), o que, pelo menos, é do conhecimento oficioso deste STJ.

            Em consequência, aqueles factos deverão ser dados como não provados.

                                                           *               *

B.2 – LESÃO DA MÃO DA ARGUIDA

            O acórdão recorrido refere-se a esta matéria a páginas 35, 41 e 42; 67 e 68;  77, 78 e 106; 96 e 97; 103; 104 e 105; 107; 157; 167; 175 e 176; 176 e 177; e 233 a 236.

            No que a esta matéria respeita (lesão na mão) o acórdão do Tribunal do Júri tratou-a na sua fundamentação pela forma que o acórdão recorrido transcreveu nas suas páginas 35, 41 e 42;

            A arguida na resposta ao recurso do MP na 1ª instância, tratou desta questão de pág 119 a 128.

            O acórdão recorrido, no que respeita às questões tratadas ali pela arguida, dedicou-lhe, a pág. 13, três linhas dizendo:

           

            Sobre a lesão que apresentava na mão direita diz que a prova demonstrou que ela não resultou, nem podia ter resultado, do manuseamento da arma de fogo. E nada mais.

   Há, todavia, questões fundamentais para a decisão nesta matéria (lesão na mão) que, tendo sido tratadas quer pelo Tribunal do júri quer pela arguida naquelas peças processuais, o Tribunal recorrido não apreciou e sobre as quais dever-se-ia ter pronunciado.

            Além de que usou Prova Proibida.

            Veja-se, antes de mais, o que o Tribunal recorrido escreveu ao descrever as lesões da arguida na mão direita.

“– vestígio cicatricial arredondado com 2 mm de diâmetro, com zona punctiforme centralmente mais escurecida, resultante de traumatismo de natureza perfurante compatível com introdução de cateter de perfusão se soro; vestígio cicatricial oblíquo, para baixo e para dentro, com 2 cm de comprimento, na região dorsal do 1º espaço interdigital da mão direita, que pode ter sido produzido por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal não se podendo excluir inteiramente que fosse resultado de um agente térmico; vestígio de ferimento na metade medial e distal da face dorsal da falange proximal do 2º dedo da mão, disposto transversalmente, de fundo rosado e bordos descamativos, com 4 mm de comprimento por 2 mm de largura e escoriação oblíqua na metade proximal da face dorsal da falange intermédia do 2º dedo da mão, oblíqua para baixo e para dentro, com 6 mm de comprimento, ferimentos estes resultantes de traumatismo de natureza contundente ou actuando como tal”. – (págs. 96 e 97 do acórdão recorrido).

            Desde logo não se percebe por que motivo não usou, pura e simplesmente, a descrição que consta do relatório de exame de perícia de fls. 223 e 225;

   Mas efectiva e verdadeiramente lamentável é que o Tribunal recorrido tenha omitido duas situações que naquele relatório foram expressamente referenciadas, que são absolutamente fundamentais e que a seguir se transcrevem:

Ferimento nº 1 – as suas características levam-nos a admitir que possa ter sido produzida por um instrumento de natureza contundente ou actuando como tal. Não se pode contudo, excluir inteiramente, a acção de um eventual agente térmico (queimadura por contacto com objecto incandescente, com uma semana de evolução)”  - cfr. fls. 226 os autos,  sendo certo que, tratando-se de “prova vinculada”, pode aqui ser invocada (além de que foi expressamente invocada na resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª Instância, a pág. 119);

            “ A informação sobre o evento, a seguir descrita, foi prestada pela examinada.

            …

            “ No dia 19-11-2012, quando se encontrava a cozinhar, refere ter sofrido queimadura na mão direita, ao ter encostado acidentalmente a mesma ao rebordo de uma frigideira que se encontrava ao lume.”  - Cfr. fls. 223 dos autos.

            Ainda a fls. 223 consta que o exame foi realizado a 26 de Novembro de 2012.

            O denominado “Ferimento nº 1” é o referenciado nos autos como tendo atingido a chamada região anatómica tabaqueira da mão.

            Daquela descrição feita no relatório de exame de perícia resulta clara e inequivocamente que a dita lesão pode ter resultado de “queimadura por contacto com objecto incandescente, com uma semana de evolução, ou seja, precisamente, o que, no início do citado relatório, em a “História do Evento”, é referido pela arguida como sendo uma “queimadura” sofrida “ao ter encostado acidentalmente” a mão “no rebordo de uma frigideira que se encontrava ao lume”.

            Sucedendo que esta indicação é feita pela própria arguida, logo no exame médico em causa, em 26 de Novembro de 2012.

            Tudo isto é bem diferente do afirmar-se, singelamente, como se fez no acórdão recorrido, “não se podendo excluir inteiramente que fosse resultado de um agente térmico”, que é apenas uma pequena parte do que se escreveu naquele relatório.

            Porque a arguida desde o início do processo até hoje sempre referiu que se tinha queimado numa frigideira em 19 de Novembro de 2012, dia do seu aniversário de casamento.

 Sobre esta questão, todavia, o Tribunal recorrido não se pronunciou e devê-lo-ia ter feito.

            Por outro lado, o Tribunal recorrido aceitou valorar, para formar a sua convicção, o depoimento da testemunha inspector Cardoso na parte em que este relatou que, no dia 25 de Novembro de 2012,  conversou com a testemunha DD e em que este, alegadamente, lhe terá falado da lesão na mão da arguida, sua mulher (cfr. fls. 77 do acórdão recorrido).

            O crime ocorreu em 21 de Novembro de 2012 e nessa mesma data passou a ser investigado.

            A partir daí, de imediato, passaram a ser realizadas várias diligências de prova que se prolongaram por vários meses, em inquérito.

            Em 22 e 23 de Novembro de 2012, procedeu-se às primeiras inquirições de testemunhas, reduzidas a auto (fls. 22, 29 e 33 dos autos) e às primeiras diligências de prova (fls. 52 dos autos) – não pretendemos aqui, obviamente, usar o conteúdo desses autos, mas apenas referenciar a sua existência.

            Em 24 de Novembro de 2012, a testemunha DD foi ouvida e o seu depoimento consignado em auto de fls. 77 e ss.

            Foi a testemunha inspector CC quem procedeu a essa inquirição.

            Esse auto não foi lido em audiência nem a arguida consentiu na sua leitura.

            Se a testemunha DD, porventura, tivesse tido com o inspector Cardoso qualquer conversa no dia da elaboração daquele auto (24 de Novembro de 2012) que fosse relevante para os autos, tal deveria ter sido consignado no respectivo auto;

  Se, nos dias seguintes a 24 de Novembro de 2012, a testemunha DD tivesse tido qualquer conversa com o mesmo investigador, tal deveria ter sido feito constar de um respectivo auto de inquirição assinado pela testemunha.

            E se ainda assim tivesse sucedido, esse auto de inquirição só poderia ser lido em audiência nos termos do disposto no artº 356º, nºs 2. al. b), 5 e 7, do CPP, isto é, se os intervenientes processuais mencionados naquela al. b), do nº 2, do citado preceito legal, concedessem o seu acordo.

            Não existindo esse acordo na leitura, o auto não pode ser lido.

            Da mesma maneira, os órgãos de polícia criminal (OPC) que tiverem recolhido ou recebido declarações e que cumpram com o seu estrito dever funcional e legal, deverão consignar em auto, nos termos da lei, essas declarações que, assim, ficarão sujeitas às regras legais atrás mencionadas.

            Daí que não seja admissível o depoimento, em audiência, de um OPC sobre declarações que, alegadamente, recebeu de uma testemunha e que, indevidamente, não fez, como devia, consignar em auto cuja leitura seria posteriormente proibida em audiência (salvo o acordo previsto na al. b), do nº 2, do artº 356º do CPP).

            No caso dos autos, a conversa, comunicação ou declarações mencionadas no acórdão recorrido (pág 77) que a testemunha inspector CC, alegadamente, terá tido com a testemunha DD sobre uma lesão da arguida, porque não foi reduzida a auto, não pode ser minimamente valorada, nem em audiência, nem na sentença, nem no acórdão que, em recurso, venha a ser proferido.

            E acaso tivesse sido reduzido a auto, a leitura ou a sua valoração estariam sempre dependentes das condicionantes já referidas e constantes daquele artº 356º, do CPP.

            A sua leitura não consentida, ou a sua reprodução pelo OPC em audiência consubstancia PROVA PROIBIDA nos termos daquele artº 356º, nº2, al. b), 5 e 7 do CPP.

            Há quem entenda que o vício que daí resulta é o da INEXISTÊNCIA e quem entenda que é o da NULIDADE INSANÁVEL.

            Seja como seja, a valoração do depoimento não é válida.

            Nem se diga que tais declarações podem ser usadas em audiência ou na decisão final, uma vez que consubstanciam actos que se incluem na “competência cautelar” dos OPC, nos termos dos artºs 171º, 173º e 249º do CPP, como se disse a pags 70 e 71 do acórdão recorrido;

                                              Porque, na verdade, no caso, a lei não o consente.

                    É que actos do OPC no uso das suas “competências cautelares” deverão, antes de mais, ter natureza “cautelar e urgente” e se o não tiverem são insanavelmente nulos (artº 119º, al. b) do CPP), não podendo ser convalidados pelo Ministério Público;

       Por outro lado, ainda que de natureza urgente e cautelar sempre esses actos deveriam ter passado a constar, de alguma forma, do inquérito;

                                              O que, no caso dos autos, não sucedeu.

              Por conseguinte, o Tribunal recorrido não podia ter valorado o depoimento da testemunha CC no que respeitou à dita alegada informação da testemunha DD.

      Entretanto, o mesmo se diga quanto a todas as informações/conversas a que o acórdão recorrido faz referência e que alegadamente terão ocorrido entre a testemunha inspector CC e a testemunha DD, ou entre esta e a testemunha inspector II (este, referido a pág. 177 do acórdão recorrido como tendo tido uma conversa informal com a testemunha DD que aí vem descrita).

                                              Trata-se de declarações/conversas/informações alegadamente obtidas sem qualquer natureza urgente ou cautelar, sempre depois do dia 22 de Novembro de 2012, não reduzidas a qualquer auto assinado pela testemunha DD.

                                              Também em todas essas outras situações, que se repetiram ao longo de todo o acórdão recorrido, aquelas declarações não podem ser valoradas, consubstanciando prova proibida e o consequente vício (inexistência ou nulidade insanável).

                                              Também assim entendem:

- Conselheiro Maia Costa, em anotação ao artº 249º do CPP, pág. 935 do CPP Comentado, 2014, dos Senhores Conselheiros António Henriques Gaspar e outros, citando P. Albuquerque in comentário do CPP, 4ª ed., pág. 675-676;

- Acórdão do Tribunal Constitucional 1052/96, de 10/10/1966 citado por Conselheiro Oliveira Mendes em comentário ao artº 356º do CPP, in CPP Comentado, 2014, dos Senhores Conselheiros António Henriques Gaspar e outros, pags. 1120 e 1121;

- Acórdão do STJ de 07/01/2004, no Proc. 3111/06;

- Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III vol., pág. 65.

                                              Acaso, porventura, assim não se entenda e se considere legalmente admissível e valorável o depoimento dos OPC em audiência de julgamento nas situações supra mencionadas, desde já se argui aqui a INCONSTITUCIONALIDADE das normas conjugadas dos artº 356º, nº 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171º, nº 2, 173º, e 249º, nºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, na interpretação segundo a qual os órgãos de polícia criminal, que em situações que não possuam natureza cautelar e urgente, tiverem mantido conversas informais ou tenham recebido informações ou declarações de pessoas cujo teor não foi reduzido a auto e cuja leitura, acaso essa consignação em auto tivesse ocorrido como determina a lei, não fosse permitida em audiência nos termos do artº 356º, do CPP, e independentemente de essas pessoas já terem ou não sido ouvidas em correspondente e anterior auto de inquirição, podem ser inquiridas como testemunhas, em audiência de julgamento, sobre o conteúdo daquelas conversas/informações/declarações.

          Como efeito, essa interpretação viola o disposto no artº 32º, nº 1, da CRP, violando fundamentais direitos de defesa do arguido, uma vez que não permite o exercício pleno do princípio do contraditório que, por sua vez, consubstancia a “expressão, ao nível jurídico-processual, do princípio da igualdade” (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, pag. 202); bem como viola o princípio da imediação da prova em audiência, o princípio do Estado de Direito democrático, o princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos, o princípio da prevalência da lei e o princípio das garantias processuais e procedimentais ou do processo justo e equitativo (cfr. artºs 2º, 13º, 16º, 18º, 20º, e 32º, nº 5 da Constituição).

Por outro lado, o acórdão recorrido considerou dever valorar o depoimento de vários inspectores da PJ (GG, JJ, LL e MM) quando estes referiram que a lesão na mão da arguida é compatível ou pode ser uma lesão provocada por má empunhadura de uma arma, nomeadamente a Glock, devido ao movimento da corrediça da arma (cfr. págs, 234 e 235 do acórdão recorrido);

O acórdão recorrido, pelo contrário, entendeu não valorar o depoimento da arguida, da testemunha DD e da testemunha NN quando estes afirmam que não só nunca tiveram lesões provocadas pela empunhadura da arma como nunca viram ou ouviram falar em lesões na mão com essa origem (cfr. pág. 234 do acórdão recorrido). 

     O acórdão recorrido não referenciou nesse exercício de valoração - por certo que por lapso – também a testemunha II que afirmou (pág. 176 e 177 do acórdão recorrido) que nunca se magoou na carreira de tiro com a arma, nem nunca viu colegas fazerem lesões com a arma.

    No que respeita ao Consultor Técnico Professor Doutor OO, quanto a esta questão (lesão na mão), escreveu-se no acórdão recorrido o seguinte:

            «Entretanto o consultor foi confrontado com perguntas relativas a lesões provocadas na mão do atirador por disparo de arma de fogo, devidas ao empunhamento da arma.

          Perguntado se alguma vez, na sua experiência profissional, viu este tipo de lesões respondeu, e reproduzimos: «não são frequentes mas podem acontecer quando uma parte da arma vem para trás, a parte da corrediça, pode prender … “trilhar” … a pele … e deixar uma lesão …».

          Perguntado se já viu lesões resultantes de queimadura provocada por uma peça da arma, nomeadamente da corrediça, disse: «eu disso não tenho experiência. Tenho alguma, pouca, porque, repito, não são muito frequentes essas lesões. Pelo menos eu, da minha experiência profissional, não posso testemunhar isso. Conheço do ponto de vista teórico, tenho alguma na minha experiência profissional. Mas em termos de aquecimento … se der queimadura pode ser de 1º grau, eventualmente de 2º grau …».

 Depois percebe-se que lhe foram mostradas fotografias da mão da arguida e perante elas respondeu «as lesões resultantes da acção da corrediça, quando ela vem atrás e depois vai à frente, normalmente são lesões … padronizadas, desenham um determinado padrão, que é o desenho da parte posterior da corrediça … Não tem que ser necessariamente assim, mas o mais frequente é que assim seja. E o que eu vejo aqui é uma lesão mais ou menos linear. Não sei se se pode considerar». (p. 67 e 68 do ac. recorrido).»

  É absolutamente lamentável que o Tribunal recorrido transcreva pequenos excertos do depoimento do Consultor Técnico e que os descontextualize em absoluto.

                                              Sobretudo quando a arguida transcreveu na respectiva resposta ao recurso do MP todo o depoimento do consultor técnico (juntando, aliás, a essa resposta, novamente a transcrição desses esclarecimentos e de todos os depoimentos prestados em audiência).

                                              É que basta ler a resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª Instância, de págs. 50 a 52, 53 (último §), 54, 120, 121 e 122 – que contêm a transcrição do depoimento do Consultor Técnico quanto a esta parte da lesão na mão da arguida – para se perceber de imediato que o Consultor Técnico tem experiência na matéria e que afirmou que essas lesões em virtude da empunhadura de uma arma de fogo “não são frequentes, mas podem acontecer” (pag. 50 da resposta da arguida) e que conhece bem a arma Glock, 9mm (pág. 51 da mesma resposta) e que achou estranho que houvesse “aquecimento da corrediça”, querendo significar, obviamente, que a corrediça não provoca qualquer queimadura.

   De qualquer modo, mostrou ter vasta e inequívoca experiência na matéria, afirmou qual o tipo de padrão que a lesão com corrediça de arma apresentaria (pág. 121, parte final, da resposta da arguida) e não teve dúvidas em afirmar que a lesão da mão que lhe foi exibida em audiência não é a lesão típica com origem em corrediça de arma (pág. 52, 121 e 122 daquela resposta da arguida).

           

            Sabemos que este STJ não conhece da matéria de facto, nem é isso que aqui pretenderíamos. Exclusivamente se pretendeu, acima, evidenciar como há total contradição com o que foi transcrito e descontextualizado no acórdão recorrido a propósito do depoimento daquele Consultor Técnico e SOBRETUDO DEMONSTRAR como se verifica a OMISSÃO DE PRONÚNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO SOBRE AQUELA PARTE – acima referenciada pelas páginas da resposta da arguida ao recurso do MP – DO DEPOIMENTO DO CONSULTOR TÉCNICO.

Mais: o Consultor Técnico afirmou inclusivamente que o “exemplo de escola” da lesão causada pela corrediça da arma não seria a lesão que a arguida apresentava na mão (pág, 122 da resposta da arguida) e que essa lesão que lhe foi exibida pode ser provocada por qualquer coisa “incluindo lá a tal frigideira” (cfr. pag. 122 daquela resposta da arguida).

  Em suma, o Consultor Técnico pronunciou-se EXAUSTIVAMENTE sobre a lesão em causa;

            Apenas referenciou não ter experiência de lesões dessas, feitas por “aquecimento da corrediça”, ironizando porque, pelos vistos, esse aquecimento não acontece.

            Mas conhece perfeitamente o tipo de lesão causado pela corrediça que é sempre padronizado, tem um determinado desenho correspondente ao formato da corrediça.

            Corrediça essa que examinou em julgamento, tendo afirmado que a lesão não era compatível com o formato da aludida corrediça.

            O Tribunal recorrido tinha que se ter pronunciado sobre esta longa parte do depoimento do Consultor Técnico e não o fez.

            Era essencial que o tivesse feito.

            Até porque o exame de perícia do INML da Figueira da Foz de fls. 223 e ss. dos autos é bem claro quando diz que, como causa da lesão, não pode excluir-se a queimadura por contacto com objecto incandescente. 

   Não o tendo feito, há omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

            Além de que, e por outro lado, era também essencial que o tivesse feito porque, igualmente, a Perita médico-legal do INML do Centro, Srª Drª PP – cujo depoimento, relativo a esta parte da lesão na mão, a arguida também transcreveu naquela resposta ao recurso do MP, a pág. 122 – afirmou peremptoriamente que aquela lesão, já tinha bastante tempo de evolução e que “não me atrevo, acho que ninguém se atreve a dizer o que poderá ter sido...”.

            Mas também quanto a este depoimento o acórdão recorrido manteve um total silêncio; nem uma palavra. O que constitui OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;

            E também era mandatório que se tivesse pronunciado sobre o conteúdo deste depoimento que a arguida invocou expressamente naquela resposta.

            Porque, ao fim e ao cabo, trata-se de dois médicos (o Consultor Técnico, Médico Doutorado a exercer funções de topo de hierarquia no INML do Porto, indicado pelo MP; e a Drª PP, também indicada pelo MP, Perita Médico-legal do INML do Centro) com vasta experiência médico-legal (ela e ele), em balística e em armas (ele), cujos conhecimentos seriam cruciais, mesmo decisivos, para habilitar o Tribunal recorrido a decidir sobre a origem da dita lesão.

            Conhecimentos esses que, de resto, bem estribaram a Fundamentação do Tribunal do Júri.

            Todavia, o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o conteúdo desses depoimentos e, fundamentalmente, sobre a questão, por eles indicada, de que não era possível afirmar-se a origem/causa da dita lesão. Omissão de pronúncia e falta de fundamentação óbvias,

            Ao invés, contudo, o Tribunal recorrido decidiu excluir os depoimentos daqueles dois médicos, ambos com experiência vastíssima nas áreas profissionais aqui em causa, não lhes atribuindo qualquer valoração e,

            Em vez disso, atribuir toda a credibilidade aos inspectores da PJ GG, JJ, LL e MM, atenta a profissão destes (págs. 234, 235 e 236 do acórdão recorrido). 

            E, além disso, com o argumento de que o Consultor Técnico, Professor Doutor OO, afirmara “não ter experiência nessa área”. O que é rotunda e grosseiramente falso, o que o Tribunal recorrido teria podido perceber se tivesse lido com mediana atenção a resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª instância.

            Mas, leia-se e pasme-se com o que se escreveu no acórdão recorrido a págs. 235 e 236 que a seguir se transcreve:

            «Ou tribunal não deu qualquer relevo aos depoimentos destas testemunhas, com comprovada experiência profissional de muitos anos na matéria.

Ao invés, convocou para decidir o depoimento prestado por Agostinho Santos, que teve como a única pessoa ouvida em julgamento com conhecimentos médicos e balísticos suficientes para fazer uma apreciação comparativa de tal lesão com as habitualmente verificadas em virtude de disparos de armas de fogo e que afirmou que tal lesão não é típica do mau manuseamento de arma de fogo, o facto de a arma não potenciar lesões e, ainda, o facto de a arguida ser boa atiradora e ter boa empunhadura.

Considerando que a lesão era uma contusão e que a causa estava reportada ao uso de arma de fogo não vemos como é que a pronúncia sobre isto exigia conhecimentos médico-científicos.

Mas o tribunal foi mais longe. Considerou OO como a única pessoa ouvida em julgamento com conhecimentos balísticos suficientes para fazer uma apreciação da lesão e compará-la com as habitualmente decorrentes de disparos de armas de fogo, isto apesar de ele ter dito, expressamente, não ter experiência nesta área.

Já sobre os demais depoimentos sobre o assunto o acórdão refere, em nota de rodapé, que «as demais testemunhas ouvidas … eram inspectores da polícia judiciária cujo conhecimento demonstrado residia apenas no facto de terem na sua profissão visto lesões nas mãos resultantes da má empunhadura de uma Glock, não tendo qualquer conhecimento médico que suportasse as suas afirmações, sendo, deste modo, meras impressões sem qualquer fundamento médico-cientifico».

Ou seja, para o tribunal a experiência profissional de muitos anos de uso de armas de fogo e de treino de armas de fogo foi irrelevante.

E perante tudo isto o tribunal decidiu que «sendo a arguida uma boa atiradora … dificilmente a mesma teria mantido naquela situação uma má empunhadura donde resultasse uma lesão na mão, tanto mais que a Glock é uma arma ergonomicamente muito segura».

O tribunal retirou do facto de a arguida ser boa atiradora que ela nunca faria uma má empunhadura e que nunca a fazendo nunca poderia ter sofrido uma lesão derivada de disparo de arma de fogo, para além de ter considerado que disparos feitos com Glock não provocam lesões na mão do atirador.» (pág. 235-6 do ac. recorrido).

   Para o Tribunal recorrido, a análise da lesão na mão da arguida e a sua origem deverá basear-se no depoimento daqueles inspectores da PJ e não de dois médicos, um Chefe de Serviço no INML do Porto, outro conceituada Perita do INML do Centro;

  Fez também “tábua rasa” da parte da informação pericial constante no relatório médico-legal efectuado à mão da arguida e que refere a probabilidade da queimadura com uma semana de evolução, coincidindo em toda a linha com a explicação dada pela arguida (queimou-se na segunda-feira, dia 19 de Novembro e foi peritada na segunda-feira seguinte, dia 26 de Novembro. O crime foi a 21 de Novembro, quarta-feira, logo a lesão nunca poderia ter origem num ferimento a 21 de Novembro – cfr. Relatório INML, Delegação da Figueira da Foz, referido na resposta da arguida ao recurso do MP interposto do acórdão proferido pelo Tribunal do júri).

           

 Quando, além disso, também os inspectores da PJ NN e II – como acima se disse e consta do acórdão recorrido – não confirmaram e pelo contrário afirmaram desconhecer lesões nas mãos dos respectivos atiradores causadas por Glock´s .

            É clara a violação das regras sobre a prova, nomeadamente sobre a experiência comum que consabidamente atribui muito maior razão de ciência e, portanto, muito maior credibilidade, ao depoimento de dois médicos daquele calibre e experiência profissionais do que aos citados inspectores da PJ.

            Veja-se ainda o que se escreveu no acórdão do Tribunal do júri (na transcrição constante do acórdão recorrido, a pág. 35) a propósito da lesão na mão da arguida e sendo certo que, se causada por arma de fogo, tal ficar-se-ia a dever a uma má empunhadura por parte da mesma arguida (como disseram todos os acima referidos inspectores da PJ):

           «Com efeito, a testemunha QQ refere ter ouvido três barulhos fortes seguidos por volta das 16H00, sendo que 2 a 5 segundos depois voltou a ouvir um outro barulho idêntico, isolado.

A testemunha RR referiu que ouviu 3 a 4 sons estridentes que julgou serem foguetes, espaçados entre si por 5 segundos.

Por sua vez, a testemunha SS referiu que naquele dia, pouco antes das 16H00, encontrava-se na marquise do seu andar a falar ao telefone quando ouviu vários ruídos fortes e seguidos em número que não consegue quantificar. Mais refere que estava a falar com uma amiga, o que permite fixar por volta das 15H53 tal evento, uma vez que da facturação detalhada junta aos autos a fls. 3374 a 3379 consta que a chamada para o número 271926913 iniciou-se às 15:53:16 tendo durado apenas 46 segundos. Por sua vez, a filha da vítima foi taxativa ao referir que a mãe tinha por hábito ir lavar logo a louça do almoço após a sua saída de casa. Ora, se é certo que a mesma saiu por volta das 15H45 e a louça ficou por lavar, conclui o tribunal que os factos ocorreram logo após a saída daquela.

Estes elementos objectivos, corroborando o depoimento da referida testemunha, convenceram o tribunal de júri que os tiros ocorreram neste espaço temporal com início às 15H53, sendo certo que dos depoimentos supra mencionados também resulta que os disparos não foram todos seguidos mas interpolados por alguns segundos de silêncio. Este facto, em nosso entender, é relevante na medida em que sendo a arguida uma pessoa que nos treinos de tiro denotava ser boa atiradora – o que pressupõe uma boa empunhadura da arma já que esta é essencial para um bom tiro como foi referido de forma taxativa pelas testemunhas MM, JJ (inspectores da policia judiciária e instrutores de tiro) - estas pequenas paragens permitiriam manter uma boa empunhadura ao longo dos disparos ou mesmo corrigir a mesma, tornando menos provável a ocorrência de uma lesão na mão.

Por outro lado, é possível que os diversos depoimentos correspondam a fases distintas dos disparos sendo sequenciais e compatíveis entre si, tanto mais que nenhuma das testemunhas ouviu 14 disparos, sendo provável que os mesmos se somem numa sequência que ocorreu tendo necessariamente como limite aquele lapso temporal.» (pág. 35 do acórdão recorrido). - sublinhado nosso.

            Como se diz nesta passagem do acórdão do Tribunal do Júri, os disparos que as vizinhas da infeliz vítima ouviram “não foram seguidos, mas interpolados por alguns segundos de silêncio”, o que permitiria manter uma boa empunhadura ao longo dos disparos ou corrigi-la, tornando menos provável a lesão na mão.

            Sendo, manifestamente, questão crucial para decidir se a lesão na mão da arguida tem ou não alguma relação com o crime dos autos, impunha-se que o acórdão recorrido sobre ela se tivesse pronunciado.

            Não o fez, porém. E devê-lo-ia ter feito. O que consubstancia OMISSÃO DE PRÓNUNCIA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

            Finalmente, o acórdão recorrido, a pág. 107, faz ainda referência a uma lesão sofrida pelo Director da Directoria do Norte da PJ, Dr. ..., na carreira de tiro pelo uso de arma, tendo-lhe sido explicado que tal ter-se-á ficado a dever à “má colocação da mão”.

            A arguida mencionou na sua resposta ao recurso do MP na 1ª Instância o depoimento, que transcreveu, desta testemunha quanto a esta questão (cfr. pág. 124).

            Resulta de forma patente desse depoimento que a lesão na mão sofrida pela testemunha foi no próprio dedo polegar esquerdo e não na região anatómica tabaqueira (como a lesão que a arguida apresentava na mão);

            Além de que não foi possível observar essa lesão porque, como ali foi referido pela testemunha, “depois ficou marca”, isto é, cicatrizou. Logo não é possível equiparar o que quer que seja...

            O Tribunal recorrido não mencionou nada disto. Lamentável e inexplicavelmente, mais uma vez.

            O certo é que se se deu ao trabalho de mencionar a lesão sofrida pela testemunha, ao Tribunal recorrido impunha-se conhecer a localização da lesão – próprio dedo polegar esquerdo – e consignar, pelo menos, que o local da lesão da arguida era absolutamente distinto e que não era possível comparar as lesões porque não se conhecia a da testemunha.

            O que era determinante para se perceber se a lesão da arguida teve ou não alguma relação com o disparo de arma de fogo.

            Por todo o exposto, e quanto a esta questão (lesão na mão da arguida), verifica-se:

- Nulidade do acórdão recorrido nos termos do artº 379º, nº1, al. a) primeira parte e c), “ex vi” artº 425º, nº 4, do CPP, em virtude de o Tribunal não se ter pronunciado sobre questões – supra identificadas – que deveria ter apreciado e por falta de fundamentação.

- Valoração de Prova Proibida (conversas informais, declarações não consignadas em auto) em violação dos disposto nos artºs 356º, nºs 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171º, nº 2, 173º e 249º, nºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, consubstanciando inexistência ou, assim não se entendendo, nulidade absoluta por não haver, nem podendo haver, convalidação desses actos pelo MP em inquérito (artº 119º, al.b), do CPP), ou, assim não se entendendo,

- Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artºs 356º, nºs 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171º, nº 2, 173º e 249º, nºs 1 e 2. al. b), todos do CPP, na interpretação supra mencionada;

- Violação das regras sobre a prova, nomeadamente sobre as regras da experiência comum;

- Consequente erro notório na apreciação da prova, a conhecer, pelo menos, oficiosamente por este STJ;

            Em consequência, o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relativos a estas questões, nomeadamente os mencionados em 72 dos Factos Provados (cfr. pág. 248 do acórdão recorrido), o que, pelo menos, é do conhecimento oficioso deste STJ.

                Factos esses que, por isso, devem ser dados como não provados.

                                                                                                           

B.3 –

ARMA E MUNIÇÕES DO CRIME

SUBTRACÇÃO DA ARMA E CARREGADOR COM 14 MUNIÇÕES

DISTRIBUIDA À INSPECTORA BB

O acórdão recorrido refere-se a esta matéria a páginas 32, 33, 34, 42, 43, 44, 69, 73, 81, 82, 98, 99, 100, 101, 103, 104, 107 a 126 , 157, 195, 204, 209 e 210.

Esta mesma matéria foi tratada pelo acórdão do Tribunal do júri, na respectiva fundamentação, em termos que o acórdão ora recorrido transcreve a páginas 32, 33, 34, 42, 43 e 44.

Na resposta ao recurso do MP na 1ª instância, a arguida tratou a matéria de págs. 128 a 156.

O acórdão recorrido, quanto a essa resposta da arguida, dedicou-lhe 5 linhas, dizendo:

«Relativamente ao furto da arma da inspectora BB alega que o que resultou do processo é que a arma foi perdida. Quanto às munições que municiaram esta arma alega, ainda, que não ficou demonstrado que fossem, todas elas, do lote 09, pois que se apurou, igualmente, que a PJ usava outros lotes para municiar as armas distribuídas aos seus inspectores.»

Todavia, há questões tratadas no acórdão do Tribunal do júri e na referida resposta da arguida que o acórdão recorrido não apreciou apesar de se mostrarem questões essenciais à decisão.

Para além disso, também aqui, o acórdão recorrido violou regras sobre «prova vinculada», concretamente o disposto no art. 163.º do CPP.

Desde logo, o acórdão recorrido deu como provado que a vítima foi atingida por 14 projécteis (cfr. Facto Provado 73, a pág. 249 do ac. recorrido);

O acórdão recorrido não possui elementos, nem os invoca, que lhe permitissem assim decidir.

O acórdão do Tribunal do júri dera como provado que a vítima foi atingida, pelo menos, por 14 projécteis, o que, aliás, fora já alegado pelo MP no ponto 78 da respectiva acusação.

E «pelo menos» porque, no relatório pericial da autópsia médico – legal (fls. 1102 dos autos) e nos subsequentes esclarecimentos (fls. 1370 – 1371 dos autos), a Perita, depois de várias hesitações (que se percebem, pelo menos ao nível dos orifícios do corpo da vítima) considerara, no corpo da vítima, 14 orifícios de entrada de projécteis, entendendo que o orifício n.º3 consubstanciava um orifício de saída de projéctil; logo 14 tiros;

Enquanto o Relatório pericial do exame histopatológico (fls. 1116 dos autos) subscrito pela Sr.ª Prof.ª Doutora TT – relatório que faz parte integrante daquele Relatório de autópsia- classificou o dito orifício n.º3 como sendo orifício de entrada de curta distância, contabilizando, assim, no corpo da vítima 15 orifícios de entrada de projécteis; logo 15 tiros;

Depois, no Parecer do Consultor Técnico indicado pelo MP, Professor Doutor OO – constante do Apenso I, transcrito na íntegra na resposta da arguida ao recurso do MP (de págs. 66 a 89), contabilizaram-se também no corpo da vítima 15 orifícios de entrada de projécteis, classificando o dito orifício n.º3 como de entrada; logo 15 tiros também.

Daí que o Tribunal do júri tenha considerado que a vítima foi atingida por, pelo menos, 14 projécteis provenientes, portanto, de 14 disparos;

Isto, apesar de entendermos que o Relatório histopatológico (que faz parte do Relatório de autópsia, mas é mais especializado) – precisamente por o ser, isto é, por estudar a estrutura e as alterações patológicas nos tecidos orgânicos – é aqui o relatório essencial e que, por isso, se sobrepõe ao relatório, mais geral, de autópsia médico – legal; sobretudo quando reforçado pelo Parecer do Consultor Técnico, Professor Doutor OO, escolhido/ nomeado pelo MP, e que é professor, doutorado, chefe de serviço do INML do Norte e com uma longuíssima experiência na matéria (como consta dos esclarecimentos que prestou em audiência e a arguida transcreveu na resposta ao recurso do MP na 1ª instância).

Em consequência, não pode, sem mais, dar-se como provado – como sucedeu no acórdão recorrido – que a vítima foi atingida por 14 projécteis. Porque tudo indica, até, que terão sido 15.

O acórdão recorrido não fundamenta essa decisão, sendo certo que nada nos autos permite considerar como indubitável que foram disparados sobre a vítima apenas 14 tiros e que a atingiram 14 projécteis.

Rege aqui o já mencionado art. 163.º do CPP, dando-se aqui por reproduzidas as considerações que, a propósito, atrás fizemos.

Sendo assim, porque o juízo científico da prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, e porque o Tribunal recorrido nada disse que pudesse contrariar aquele juízo, há FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, nesta parte, do acórdão recorrido.

O que constitui nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º1, al.a), 1ª parte, «ex vi» art. 425.º, n.º4, ambos do CPP).

Além de que, nessa parte, há flagrante ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova que, pelo menos, é do conhecimento oficioso deste STJ, se assim for entendido.

Já no que concerne às munições e à arma usadas na prática do crime, escreveu-se no acórdão recorrido, a pág. 210, o seguinte:

          «Do exame feito ao invólucro de uma munição verificou-se que esta tinha a seguinte inscrição na base “9x19 S&B 09” (calibre, marca, lote).

          Provou-se, também, que as munições eram de 115 grains.

          Também se concluiu que todas as cápsulas recolhidas foram disparadas pela mesma arma, assim como se concluiu que os projécteis também o foram.

Provou-se, finalmente, que dada a marca feita na cápsula pelo percutor da arma – rectangular -, e dadas as estrias que essas munições apresentavam – poligonais -, a arma utilizada para o cometimento do crime foi uma Glock.»

O que contraria, nesta última parte (arma Glock), os Relatórios periciais que a propósito foram elaborados pelo LPC e que constam dos autos a fls. 551 e segs. e a fls. 781 e 782.

Diga-se, antes de mais, que o acórdão recorrido, a págs. 121 e 122, transcreveu partes do Relatório Pericial de fls. 551 e segs., mas, estranhamente – e lamentavelmente – não transcreveu outras que demonstram que os projécteis encontrados no local do crime e no corpo da vítima são compatíveis com armas de outras marcas que não apenas a GLOCK.

Com efeito, naquele primeiro relatório pericial, a fls. 561 dos autos, no 2º§, a propósito das características dos projécteis examinados (encontrados no local do crime e/ou no corpo da vítima), escreveu-se:

«De referir, ainda, que o exame microscópio permitiu encontrar compatibilidades ao nível das características da classe, nomeadamente ao nível do tipo estriado (poligonal), entre todos os projécteis suspeitos. Refira-se que este tipo de estriado (poligonal) é habitualmente observado em projéteis disparados por pistolas semiautomáticas de marca GLOCK, de origem austríaca e HECKLER & KOCH, de origem alemã, entre outras marcas de aparecimento menos frequente no nosso país.» - Negrito nosso.

Depois, do relatório pericial de fls. 781 e 782 dos autos, de que o acórdão recorrido nada transcreveu, resulta ainda o seguinte:

«1. Conforme descrito no nosso Relatório do Exame Pericial N.º 201224561-FBA [que é o de fls. 551 e segs.], as cápsulas deflagradas suspeitas examinadas apresentam características de classe habitualmente observadas em elementos deflagrados por pistolas de marca GLOCK.

«As características de classe observadas nas cápsulas deflagradas suspeitas examinadas não são exclusivas das pistolas GLOCK , havendo algumas outras marcas com características de classe semelhantes, sendo no entanto, muito raro o aparecimento destas armas no nosso país.

«2. Não é tecnicamente possível estimar o grau de probabilidade das cápsulas deflagradas suspeitas examinadas terem sido deflagradas por uma pistola de marca GLOCK.…» - Negrito e sublinhado nossos.

Não pode, por isso, afirmar-se, como se fez no acórdão recorrido, na pág. 210 supra transcrita, que « a arma utilizada para o cometimento do crime foi uma Glock»;

Porque tal não corresponde à verdade.

O crime dos autos pode ou não ter sido cometido com uma pistola da marca Glock.

Não se sabe. Até porque a arma e o carregador – como consta do acórdão recorrido, nomeadamente do facto provado 110 – usados na prática do crime nunca foram recuperados.

E contra isto não se invoquem os esclarecimentos prestados em audiência pelo perito de balística – um dos que assinou os relatórios periciais supra mencionados – UU, no sentido de que as munições examinadas eram “ JHP 115 grains” e que «perguntado se já tinha analisado munições iguais àquelas…respondeu que não» (cfr. ac. recorrido, pág. 122 e 123);

É que, como resulta do respectivo depoimento transcrito na resposta da arguida ao recurso do MP (págs. 150 e 151) que o acórdão recorrido também omitiu – o perito referiu que das 64.567 munições apreendidas em Portugal (segundo o Relatório Anual de Segurança Interna – RASI, de 2012, que a arguida juntou aos autos em audiência), o LPC terá examinado cerca de 20.000; e em 2013, tendo sido apreendidas 119.249 munições, o LPC terá examinado também cerca de 20.000;

O que significa que o LPC não examinou em cada ano a maior parte das munições apreendidas em Portugal. Logo, os esclarecimentos do perito UU, nessa parte, têm que ser considerados como não elucidativos. Porque em 2012, mais de 40.000 munições apreendidas não foram examinadas pelo LPC e em 2013, o número eleva-se para cerca de 100.000 munições não examinadas.

Nem se invoque, como também faz o acórdão recorrido, o depoimento da testemunha inspector JJ que afirmou que «a marca Sellier & Bellot é a munição mais vendida por ser a de melhor preço, mas isto não incluí as JHP 115 grains tóxicas, que nunca antes examinou no exercício das suas funções nem nunca encontrou no mercado negro ou em mercados de coleccionadores» (cfr. ac. recorrido, pág. 123, 2º§).

Antes de mais, esta testemunha não é nem foi ouvida na qualidade de perito;

Depois, esta testemunha, de quem o acórdão recorrido refere que merece «toda a credibilidade, pelo profundo conhecimento da matéria que revelou ter e pelo depoimento impoluto e cristalino que prestou» - cfr. pág.125, 3º §, do ac. recorrido – é precisamente o autor do «Auto de Exame» de fls. 181 e 182, por si elaborado em 22/11/2012, isto é, logo no dia seguinte ao do da prática do crime, auto de exame esse que a arguida transcreveu a págs. 144 e 145 daquela sua resposta ao recurso do MP;

Ora, nesse auto, examinando as cápsulas de munições encontradas no local do crime dos autos, a testemunha JJ afirmou, entre outras coisas, que a cápsula examinada tem uma marca de formato rectangular na escorva “ característica que é típica das pistolas da marca Glock”, tem na base as inscrições “ 9 x 19 S&B 09 que correspondem às utilizadas nas munições da marca “Sellier & Bellot” no seu modelo de bala expansiva “ JHP” (Jacketed Hollow Point) com 115 grains de massa, sendo que esse tipo, modelo e lote de munições (lote “09”) é um dos que existe na PJ;

E depois, no mesmo “ AUTO DE EXAME”, diz ainda: «Esclareça-se, contudo, que esse lote “09” da marca “ Sellier & Bellot” corresponde a largas centenas de milhares de munições produzidas por aquela fábrica, sedeada na República Checa, durante o ano de 2009, sendo que tais munições foram exportadas e vendidas em diversos locais, não sendo de uso exclusivo por parte da Polícia Judiciária, nem existindo sequer qualquer garantia de que a sua disseminação se tenha cingido ao mercado nacional, o que seria extraordinário, pois é perfeitamente normal que tenham também sido vendidas e comercializadas noutros países.» - o sublinhado é do texto original;

Logo a seguir, no mesmo “Auto de Exame”, examina outro projéctil que identifica também como sendo “ JHP”, dizendo que é idêntico às balas usadas nas munições de “ Sellier & Bellot” que deram origem à cápsula do tal lote “09”, mas, contudo, não é exclusivo deste lote uma vez que o fabricante usou e usa esse mesmo tipo de balas no fabrico de outros lotes de munições de calibre 9 x 19mm;

Finalmente, a dita testemunha escreve ainda ali que este tipo de munições “ Sellier & Bellot” com bala expansiva “ JHP” de 115 grains de massa «são pouco eficientes sobre o ponto de vista de expansão e de perfuração, quando disparados em armas com canos curtos (pistolas), sendo muito frequentes as situações em que, mesmo perante disparos com pistolas a curtas distâncias, não se consegue obter qualquer expansão do projéctil, o que, de certa forma, as distingue por completo das utilizadas nas demais munições com balas expansivas do mesmo calibre mas de diferentes fabricantes.»

É curioso verificar como uma munição – JHP 115 grains – do lote “09” da “ Sellier & Bellot” que corresponde a «largas centenas de milhares» de munições produzidas pela fábrica em 2009, e que foi vendida em diversos locais, e que não é do uso exclusivo da PJ (o que até foi sublinhado no Auto de Exame) e cuja disseminação terá ocorrido em vários países, munição essa – JHP 115 grains que a testemunha, como demonstrou no Auto, conhece muito bem e examinou com frequência,

Curioso, dizíamos, verificar que, afinal, em audiência de julgamento, tal munição é «raríssima», é até exclusiva da PJ, não está disseminada, e nunca a examinou antes nem nunca a encontrou em mais lado nenhum.

E curioso é, mas de modo lamentável e chocante, verificar que o Tribunal recorrido dá acolhimento a um depoimento como este, notoriamente falso, mentiroso e indigno, dizendo, lacónica e surpreendentemente, que a testemunha «depois, no depoimento, esclareceu esta questão» - cfr. pág. 124 do ac. recorrido.

Pena é que o acórdão recorrido não diga como é que essa questão ficou esclarecida. Porque o que aconteceu, foi que, a instâncias do Sr. Juiz Presidente do Tribunal de júri, sobre as discrepâncias enormes supra referidas, a testemunha – como costuma dizer-se - «meteu os pés pelas mãos», dizendo «que eram lapsos de português», pretendendo confundir o Tribunal, mas em vão, obviamente.

Como se diz no acórdão do Tribunal do júri (cfr. nessa parte, pág. 43 do ac. recorrido), daquele Auto de Exame de fls. 181 (repetido a fls. 206/207) resulta que tais munições não têm um carácter tão exclusivo como a acusação quer fazer crer, acusação essa «que motivou até uma alteração no depoimento da referida testemunha em…julgamento tentando fazer uma interpretação do conteúdo da sua própria informação incompatível com o sentido literal da mesmo».

Nem se pretenda – como se pretendeu em audiência de julgamento e resulta do acórdão recorrido – confundir agora tudo, distinguindo entre as munições FMJ e JHP; porque logo no dia seguinte ao crime, isto é, em 22/11/2012, aquele Auto de Exame (fls. 181 dos autos) da testemunha JJ não deixava margem para qualquer dúvida: estava a referir-se precisamente às “JHP” disseminadas, por diversos locais e diversos países, que agora, em audiência, diz que são “ raríssimas” e nunca examinou antes.

De todo o exposto resulta inequivocamente que os relatórios periciais de fls. 551 e segs. e fls. 781 e 782 não foram minimamente postos em causa pelos esclarecimentos do Perito UU nem pelo depoimento da testemunha Vitor Teixeira; além de que esses relatórios periciais saem reforçados no seu conteúdo quando confrontados com o Auto de Exame de fls. 181 e 182 referido.

Daí que, ao dar-se como provado que a arma utilizada para o cometimento do crime foi uma GLOCK, o acórdão recorrido (pág. 210) incorreu em violação das regras sobre «prova vinculada» (porque se trata de um relatório pericial), por violação do disposto no art. 163.º do CPP e, em consequência, em ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova que este STJ pode conhecer oficiosamente acaso entenda que esse vício não pode ser invocado como fundamento do presente recurso, como efectivamente é.

Quanto às munições distribuídas à inspectora BB, deu-se como provado no acórdão recorrido (facto provado 32) que se trata de uma caixa com 50 munições da marca Sellier & Bellot, modelo JHP/ Jacket hollow point, 115 grains, expansivas, lote 09.

Para assim decidir, o Tribunal recorrido fundou-se no depoimento da testemunha JJ (cfr. págs. 98 e 210 do ac. recorrido) – a tal que lhe mereceu toda a credibilidade… – que disse ser o responsável pela distribuição de armas e munições na Diretoria do Norte da PJ e que «toda a gente» que recebe armas Glock recebe aquelas munições, o que se passou também com a inspectora BB;

O Tribunal recorrido fundou-se ainda no relatório pericial de fls. 551 e segs., do LPC, de onde transcreveu APENAS o seguinte:

            De pág. 211 do acórdão recorrido: «Recorde-se que na perícia que consta a fls. 551 e segs., feita pelo LPC, consta que as «14 cápsulas deflagradas suspeitas … são do mesmo calibre … da mesma marca … e do mesmo lote que as munições … distribuídas à inspectora BB …»; (as reticências constam na própria transcrição).

De pág. 122 do acórdão recorrido: «As «14 cápsulas deflagradas suspeitas … são do mesmo calibre (9 mm Parabellum), da mesma marca (SELLIER & BELLOT) e do mesmo lote (09 - produzidas em 2009) que as munições … distribuídas à Inspetora BB … os projéteis suspeitos, recolhidos no local e retirados da vítima … são mesmo tipo que os projéteis constituintes das referidas munições ("hollow-point" - expansivo)»;  (as reticências constam na própria transcrição).

O certo é que o relatório pericial, se lido sem as omissões que aquelas transcrições do acórdão recorrido contêm, não diz que as 14 cápsulas deflagradas suspeitas são do mesmo calibre, da mesma marca e do mesmo lote que as munições distribuídas à inspectora BB, como decorre deste texto acabado de escrever, se lido sem reticências (…);

Diz algo bem diferente.

Com efeito, diz-se nesse relatório pericial, concretamente a fls. 562, o seguinte:

«As catorze (14) cápsulas deflagradas suspeitas enviadas e examinadas são do mesmo calibre (9mm Parabellum), da mesma marca (SELLIER & BELLOT) e do mesmo lote (09- produzidas em 2009) que as munições enviadas e examinadas, descritas em 32. (remetidas com a indicação de terem sido distribuídas à Inspectora VV).»

Ora, as munições «descritas em 32.» constam do mesmo relatório pericial, a fls. 555 dos autos, e aí diz-se:

«Trinta e seis (36) munições, de calibre 9 mm Parabellum (9 x 19 mm ou 9 mm Luger na designação anglo-americana), de marca SELLIER & BELLOT, de origem checa, do lote 09 – produzidas em 2009, com projéctil do tipo “ hollow – point” (expansivo), remetidas em caixas de cartão, da mesma marca, com a indicação de terem sido distribuídas à Inspectora VV.»

O que é bem diferente.

As cápsulas deflagradas suspeitas são do mesmo calibre, marca e lote daquelas 36 munições distribuídas à inspectora Liliana Vasconcelos;

Mas não se sabe, nem aí se diz, nem podia dizer-se, que são do mesmo calibre das outras 14 munições que também foram distribuídas à inspectora BB e que se encontravam no respectivo carregador e que se extraviaram.

Nem a afirmação da testemunha JJ – de que «toda a gente» recebe aquele tipo de munições – é garantia de que efectivamente aquelas outras 14 munições em falta sejam, pelo menos, daquele lote 09.

Na verdade, apesar do que disse a testemunha JJ, veja-se o que se passou com as munições distribuídas aos inspectores DD e XX (este último, referiu até que a arma da inspectora BB «era uma Glock igual à sua e que as munições eram iguais às suas» - cfr. pág. 118 do ac. recorrido):

Ao primeiro (DD), foram distribuídas, além de munições do lote 09, também cinco munições do lote 08 (cfr. relatório pericial de fls.548 – A e 549, e termo de entrega de fls. 348, sendo mencionado no ac. recorrido a pág. 43, 2º§); e

Ao segundo (XX) foram distribuídas, além de munições do lote 09, também cinco do lote 08 (cfr. Pág. 118, 4º §, do ac. recorrido).

A «garantia» da testemunha JJ afinal…nada garante. Foi uma constante, diga-se, no seu depoimento.

E como disse a testemunha XX, as munições da inspectora BB eram iguais às suas…

Em consequência, o acórdão recorrido não podia ter dado como provado que as 50 munições distribuídas à inspectora BB eram, todas, do lote 09, apenas o podendo ter feito relativamente às 32 que foram objecto do exame pericial e do relatório pericial subsequente de fls. 551 e segs.;

Não já quanto às 14 munições que, alegadamente, se encontravam no carregador e que se extraviaram. Porque nunca foram encontradas, e porque há inspectores na Directoria do Norte da PJ a quem foram distribuídas munições de outros lotes que não o lote 09.

Do acabado de expor resulta que o acórdão recorrido violou as regras sobre valoração de «prova vinculada» (o relatório pericial de fls. 551) que se presume subtraído à livre apreciação do julgador e que, no caso em apreço, o acórdão recorrido apreciou erradamente. Além de que há igualmente flagrante ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova.

Há, pois, violação do disposto no art. 163.º do CPP e erro notório na apreciação da prova que, como anteriormente, também se invoca, sendo, porém, igualmente do conhecimento “ex officio” deste STJ, se assim se entender.

No que diz respeito ao extravio da arma, carregador e munições distribuídas à inspectora BB, o Tribunal recorrido deu como provado, além do mais, que «a arguida entrou no gabinete» daquela colega «abriu a gaveta onde a arma, carregador e munições estavam guardados e apoderou-se da arma e do carregador, municiado com 14 munições, que estava inserido na arma» - Facto provado 39 do ac. recorrido, a pág. 246.

Para assim decidir, o Tribunal recorrido invocou o depoimento da própria inspectora BB e sobretudo o facto de esta ter sido «muito veemente» em dizer «que tinha a certeza que não tinha tirado a arma das instalações da PJ»; e, por outro lado, o facto de colegas e chefes da inspectora BB que, relatando conversas que tinham tido com ela, foram unânimes em se afirmarem convictos que a arma fora furtada (cfr. pág. 211, 5º §, do ac. recorrido);

Depois, porque – afirma também o Tribunal recorrido –, apesar de fechado à chave, verificou-se, em exame (que o Tribunal recorrido entende não ser pericial) de fls. 5 do inq. 15497/12.8 TDPRT, que aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta, esta “destrava” o mecanismo da tranca e abre; além de outros métodos de abertura «mais complicados e barulhentos» e virando o módulo de gavetas ao contrário (págs. 211 e 212 do ac. recorrido);

Além disso, o Tribunal recorrido invocou ainda o facto de, à data, a inspectora BB e o colega de gabinete, YY, se encontrarem constantemente ausentes do gabinete, em escutas telefónicas noutros pisos da Directoria do Norte da PJ, e o facto de o gabinete da arguida se situar no mesmo piso e quase em frente ao gabinete da inspectora BB que nunca estava fechado à chave e tornava fácil a entrada ali (pág. 212 do ac. recorrido);

Por outro lado, – diz-se também no acórdão recorrido –, todas as pessoas, com excepção dos directores e inspectores são controladas à entrada e à saída das instalações da Directoria do Norte da PJ, o que significaria que, se a arma saiu do edifício sem ser detectada, terá saído na posse de alguém não sujeito a controlo à saída (pág. 212 do ac. recorrido).

Em toda esta argumentação há erro notório na apreciação da prova e clara violação das regras da experiência comum, vícios que aqui se invocam e que este STJ poderá, se assim entender, conhecer oficiosamente.

Desde logo, o depoimento da testemunha inspectora Liliana Vasconcelos;

Como se diz no acórdão do Tribunal do júri, é claro que esta sabia que a perda da arma e munições acarretar-lhe-ia de «forma quase inevitável uma sanção disciplinar» (fls. 33 do ac. recorrido); é da experiência comum que o inspector, agente policial a quem está distribuída uma arma e munições e a perde ou permite que, de alguma forma, se extravie, não agiu com prudência, zelo e diligência;

Diz-se no acórdão recorrido (págs. 120 e 121):

            «Sobre o depoimento da inspectora BB, a respeito das razões de ter detectado o desaparecimento da arma cerca de 1 mês depois de a ter usado pela última vez, de ter tido férias, folgas, de ter retomado o serviço, segundo supunha, no dia em que detectou o desaparecimento, da sua prática e de muitos colegas de deixarem as armas nos gabinetes e do que disseram YY e ZZ sobre esta última questão o tribunal recorrido nada disse

Ora, no mesmo acórdão recorrido diz-se também, a págs. 117:

          «Deu conta do desaparecimento da arma a 6 de Novembro e a sua preocupação foi saber quando a tinha usado pela última vez, porque na informação que tinha que fazer ao chefe tinha que colocar isto. Como aponta tudo numa agenda foi à agenda ver quando é que tinha usado a arma pela última vez e verificou que a última diligência externa que tinha tido foi uma busca domiciliária em 8 de Outubro, em que a levou. Lembra-se de ter participado nessa diligência e que quando chegou ao gabinete colocou a arma dentro do estojo, no local habitual. Em 6 de Novembro ia ter uma sessão de treino de tiro e quando foi buscar a arma ela não estava. Perguntada disse que neste dia abriu as gavetas com a chave.

            Perguntada se entre 8 de Outubro e 6 de Novembro viu a arma respondeu que de vez em quando abria a gaveta e via o estojo e como o via presumia que a arma estava dentro, mas não verificava.

            Disse que nesse período de tempo não esteve de piquete, não teve nenhuma diligência, esteve de férias na última semana de Outubro e também no feriado de Novembro.

            Perguntada se deixou as gavetas fechadas respondeu que tinha a certeza que sim.

            Perguntada o que é que faltava respondeu que faltava a arma e um carregador com 14 munições. Disse ter a certeza que tinha 14 munições e não 15, as que leva o carregador, porque o carregador era novo e não conseguia meter a décima quinta: há um aparelho para ajudar mas também não conseguia trabalhar com ele. Actualmente tem as 15 munições no carregador porque, como já não é novo, já as consegue meter todas.

            Quando foi de férias não verificou se a arma estava. Quanto ao regresso de férias disse achar que apenas regressou no dia 6 porque para além das férias também houve o feriado, teve folgas e foi testemunha de um julgamento. Sempre que ia de férias deixava a arma na gaveta. Depois disto passou a depositá-la na carreira de tiro.

Perguntada se quando saía das instalações e no final do dia se fechava a porta do gabinete à chave respondeu que nem ela nem o colega o faziam» - págs. 117 do acórdão recorrido.

E, com base nestas declarações, o Tribunal recorrido considerou estarem «cabalmente explicadas as razões que levaram a testemunha BB a ter declarado a falta da arma apenas a 6/11/2012, que não esteve sem se lembrar da arma durante 1 mês» - cfr. Págs. 211, 3º §, do ac. recorrido.

O certo é que a testemunha BB não se lembrava quando tinha usado a arma pela última vez (foi à procura na agenda) – pág. 117 do ac. recorrido, o que não é normal;

Entre 8/10 e 6/11, quando abria a gaveta e via o estojo, «presumia que a arma estava dentro, mas não verificava» - pág. 117 do ac. recorrido; presumia!!...

«Quando foi de férias não verificou se a arma estava» - pág. 117 do ac. recorrido; pasme-se!

«…Estava de férias na última semana de Outubro e também no feriado de Novembro», ou seja, de 27/10 a 4/11 (Domingo);

«Em 6 de Novembro ia ter uma sessão de treino de tiro e quando foi buscar a arma ela não estava» - pág. 117 do ac.recorrido; sendo certo que entrou ao serviço a 5/11 (segunda-feira) e, portanto, só no dia seguinte, 6/11, e porque tinha sessão de treino de tiro, é que procurou pela arma (de contrário não o teria feito…).

E ainda que só tenha entrado ao serviço a 6/11, o certo é que só procurou a arma nesse dia porque teria sessão de tiro.

Toda esta conduta demonstra uma claríssima e evidente displicência, falta de zelo e total negligência na guarda e vigilância de uma arma de fogo que lhe está distribuída e que impõe uma responsabilidade e um zelo absolutos. Por razões óbvias.

Veja-se, a titulo de exemplo, o que declarou a sua colega, inspectora ZZ, a cujo depoimento o ac. recorrido faz referência a págs. 119 e 120:

«Perguntada onde guardava a sua arma quando estava nas instalações da P.J. respondeu que a guardava no módulo de gavetas. Perguntada se levava a sua arma no final do dia respondeu que à data apenas levava a arma à sexta e trazia-a na segunda: disse que todos os dias via a arma, apesar de não o fazer por ter medo de lha tirarem, pois isso nunca lhe passou pela cabeça; abria a gaveta, olhava para a arma e voltava a fechar a gaveta à chave.» - pág. 120 do ac. Recorrido.

            Todos os dias via a arma de segunda a sexta, e levava-a consigo no fim-de-semana; como se exige a um agente policial zeloso e diligente.

As regras da experiência comum impõem considerar que aquele comportamento da inspectora BB foi tudo menos zeloso, diligente e profissional. Como é óbvio.

É por isso chocante ler o que, a propósito, se escreveu no acórdão recorrido, a pág. 211:

          «Primeiro, consideramos que foram cabalmente explicadas as razões que levaram a testemunha BB a ter detectado a falta da arma apenas em 6-11-2012, que não esteve sem se lembrar da arma durante 1 mês…» - Pág. 211 do acórdão Recorrido.

Estas considerações afrontam as mais elementares regras da experiência comum que impõem a conclusão precisamente contrária.

Há que não esquecer que se trata de uma inspectora da PJ!

Bem andou, por isso, o Tribunal do júri quando, sobre esta questão, afirmou no acórdão respectivo (transcrito, nesta parte, a págs. 33 e 34 do ac. recorrido):

«Com efeito, não é crível que uma inspectora da polícia judiciária deixasse por longos períodos a sua arma e munições num módulo de gavetas sem verificar periodicamente se as mesmas aí se encontravam. Como resultou evidente do depoimento de todos os inspectores da polícia judiciária, ouvidos sobre esta matéria, a prática é a de sempre levarem consigo a arma municiada com um carregador de munições, ou, em alternativa, deixarem-na no seu módulo de gavetas verificando periodicamente (diariamente como foi referido pela inspectora ZZ) o seu estado. Deixar durante pelo menos um mês a arma no módulo sem nunca verificar o seu estado, sendo certo que tal módulo é de uso frequente pela inspectora BB, não é compatível com as obrigações funcionais de um inspector e com a responsabilidade inerente à atribuição de uma tal arma de fogo. Ficou o tribunal de júri convencido que a explicação dada pela inspectora BB apenas se pode compreender pelo facto da perda da arma e munições acarretar de forma quase inevitável uma sanção disciplinar. Por outro lado, este comportamento apenas poderia ocorrer se houvesse a firme convicção dos inspectores da polícia judiciária que os referidos módulos não eram passíveis de serem abertos sem a chave, ou, pelo menos, que eram de difícil abertura sem a chave. Com efeito, ninguém deixaria a sua arma de serviço num módulo de gavetas de fácil abertura. Aliás, esta dificuldade de abertura do módulo foi referida pelos inspectores XX e ZZ que, tendo sido questionados sobre se sabiam que tais módulos podiam ser abertos sem a chave, referiram que numa ocasião tiveram de abrir o seu módulo sem chave recorrendo para o efeito aos serviços de manutenção da polícia judiciária, os quais para abrir o seu módulo de gavetas tiveram que voltar a secretária de pernas para o ar e bater fortemente na gaveta. Este método não só é de difícil execução por uma pessoa como não é compatível com a intenção de furtar o que existe dentro do referido módulo, não só pelo tempo que exige, pelo barulho que provoca, como pelo facto de com tal procedimento os objectos existentes nos módulos da gaveta ficarem de tal modo remexidos que facilmente era detectável pela inspectora BB (sendo que a mesma foi sempre peremptória ao referir que nunca deixou o seu módulo aberto quando se ausentava do seu gabinete e que nunca viu nenhum objecto fora do seu lugar).» Págs. 33 e 34 do acórdão recorrido

Não é, pois, verdade que o acórdão do Tribunal do júri não tenha sopesado todas as questões sobre esta matéria, incluindo as razões de o desaparecimento da arma ter levado mais de um mês a ser detectado, com uma semana de férias e um feriado (incluído naquela semana) pelo meio.

As básicas regras da experiência comum impõem concluir como concluiu o Tribunal do júri, por muita «veemência» que a inspectora BB tenha nas suas declarações ao afirmar que «não tinha tirado a arma das instalações da PJ» e por muita «convicção» que os colegas dela possuam no sentido de que a arma fora furtada. Essa «veemência» e essas «convicções», sem mais, só por si, nada podem valer.

Aliás, a ser como diz a inspectora BB, a que propósito é que a mesma «chegou a ir a casa procurar a arma» como disse a inspectora ZZ e consta da pág. 120, antepenúltimo §, do ac. Recorrido?!

Onde está a “veemência”? Foi a falta da imediação e da oralidade que a fizeram notar?

O erro notório é claro, como resulta das regras de experiência comum mais elementares.

Quanto ao módulo da gaveta onde estava guardada a arma da inspectora BB ser de «abertura fácil» com uma simples pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta que assim destrava a tranca e a abre, disse-se no acórdão do Tribunal do júri (transcrito a págs. 33 e 34 do ac. recorrido) o seguinte:

            «Por outro lado, este comportamento apenas poderia ocorrer se houvesse a firme convicção dos inspectores da polícia judiciária que os referidos módulos não eram passíveis de serem abertos sem a chave, ou, pelo menos, que eram de difícil abertura sem a chave. Com efeito, ninguém deixaria a sua arma de serviço num módulo de gavetas de fácil abertura. Aliás, esta dificuldade de abertura do módulo foi referida pelos inspectores XX e ZZ que, tendo sido questionados sobre se sabiam que tais módulos podiam ser abertos sem a chave, referiram que numa ocasião tiveram de abrir o seu módulo sem chave recorrendo para o efeito aos serviços de manutenção da polícia judiciária, os quais para abrir o seu módulo de gavetas tiveram que voltar a secretária de pernas para o ar e bater fortemente na gaveta. Este método não só é de difícil execução por uma pessoa como não é compatível com a intenção de furtar o que existe dentro do referido módulo, não só pelo tempo que exige, pelo barulho que provoca, como pelo facto de com tal procedimento os objectos existentes nos módulos da gaveta ficarem de tal modo remexidos que facilmente era detectável pela inspectora BB (sendo que a mesma foi sempre peremptória ao referir que nunca deixou o seu módulo aberto quando se ausentava do seu gabinete e que nunca viu nenhum objecto fora do seu lugar).

Daqui decorre que se mesmo para os serviços de manutenção a única forma de abrir aqueles módulos exigia um tal esforço físico, não é crível que os demais inspectores da polícia judiciária a exercer funções na Directoria do Norte da Policia Judiciária, incluindo a arguida, soubessem de qualquer outro meio – designadamente o referido na diligência de fls. 5 a 7 do inquérito 15497/12.8TDPRT - para abrir tais módulos.» Págs. 33 e 34 do acórdão recorrido.

Elucidativo.

Mas mais. E sobretudo:

A inspectora BB declarou que no dia em que deu pela falta da arma «abriu as gavetas com a chave» (cfr. pág. 117, linha 15, do ac.recorrido);

Se a arguida tivesse aberto a gaveta com a tal pressão com as mãos, “destravando” o mecanismo da tranca, pergunta-se:

Como é que depois fechou novamente a gaveta à chave?

Isto demonstra bem o clamoroso ERRO NOTÓRIO em que incorreu o acórdão recorrido na apreciação da prova, também nesta parte.

Quanto ao facto de os gabinetes da arguida e da inspectora BB se situarem no mesmo piso e quase em frente um ao outro, a própria inspectora BB afirmou que, do gabinete da arguida, não se consegue visionar o seu gabinete («impossível», afirmou) – cfr. transcrição do depoimento, efectuado na resposta da arguida ao recurso do MP, a pág. 136;

O que foi confirmado pela testemunha ZZ (pág. 119 do ac. recorrido).

Já no que respeita ao controlo efectuado a quem sai da Directoria do Norte da PJ, o acórdão recorrido deu-o como provado (facto provado 44, a pág. 247 do ac. recorrido).

E fê-lo com base no que diz ter sido o depoimento do Director da Directoria do Norte da PJ, a testemunha AAA (cfr. Pág. 108, penúltimo §, do ac. recorrido);

O certo, porém, é que é do conhecimento generalizado de todos quantos frequentam aquelas instalações que nenhuma pessoa é controlada à saída quanto a detecção de metais e revista. Apenas se é sujeito a esse controlo, à entrada.

Exactamente como ocorre nos Estabelecimentos Prisionais.

De qualquer modo, e ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, o Sr. Dr. AAA, no seu depoimento foi bem claro, quando instado pela defesa. E o seu depoimento integral foi junto à resposta da arguida ao recurso do MP na 1ª instância.

Todavia, o acórdão recorrido não atentou – ao que parece – correctamente nas palavras de quem é o próprio Director da PJ do Norte, sendo certo que, o Tribunal recorrido estava obrigado a pronunciar-se sobre esse depoimento, nos seus precisos termos, como é evidente.

Veja-se esse excerto daquela transcrição sobre o qual o Tribunal recorrido não se pronunciou:

Defesa … O Sr. Dr. Referiu, portanto que as pessoas têm, há um controlo de entrada. E eu pergunto: e à saída? Eu digo isso porque quer eu, quer o meu colega e marido, já tivemos várias diligências na Polícia Judiciária, com clientes, não estamos a falar do controlo a nós advogados, estamos a falar de controlo a clientes e já lá estivemos em várias inquirições e nunca nenhum, à saída, foi revistado, passa perfeitamente como quiser.

Batista Romão (BR)    É verdade, é verdade…

Defesa        Portanto, esta é uma experiência nossa, que temos.

BR            Sra. Dra. As pessoas entram e isso, no caso dos…

Defesa     À entrada são.

BR        À entrada são e passam pelo pórtico.

Defesa Sim.

BR        Toda a gente passa pelo pórtico.

Defesa Certo, certo. Mas à saída?

BR        As pessoas quando vão à Polícia Judiciária, não andam livremente na Polícia Judiciária, se foi, foi encaminhada para um dado piso, com o seu cliente, e é ouvido por um Inspetor. Por regra, o Inspetor não deixa ficar os arguidos sozinhos dentro do gabinete. Aliás os gabinetes, se eu bem recordo, recordo, conheço bem a minha casa, os gabinetes normalmente são dois a dois, pode, momentaneamente não estar o colega, mas, por regra, está o chefe ao meio, excluindo o ultimo piso, que tem um open space, que aí ainda é mais de ouvirem, está um chefe ao meio, normalmente tem dois vidros e estão dois gabinetes de dois inspetores da cada lado. Portanto as pessoas não estão sozinhas.

Defesa   Exatamente, Sr. Dr.

BR        E quando saem, portanto é muito difícil andarem a mexer seja no que for. Se me disser assim “mas passam pelo pórtico? Não, não passam pelo pórtico à saída”

Defesa Saem livremente, Sr. Dr.?

BR        Não, saem livremente não. Identificam-se, sai a hora do registo, identificam-se junto da segurança, a segurança tem obrigação de olhar para as pessoas e ver, que é assim, confia que se as pessoas vêm, junto do Inspetor, evidentemente que é muito pouco provável, ou quase impossível, andar a mexer nas coisas do Inspetor, a menos que não estivesse lá ninguém. E as pessoas estivessem à vontade, mas têm ao lado, tem em frente. Anda sempre lá gente.

Defesa   Em bom rigor, eu todas as vezes que lá estive e outras colegas, e tem sido falado, há uma preocupação grande em que não sejam introduzidos nenhuns elementos dentro da Polícia Judiciária, mas à saída, portanto, essa, essa…

BR        Mas não é normal…

Defesa …preocupação…

BR        …por esta razão que eu lhe disse, e pela tipologia da própria casa, não é normal que as pessoas tragam alguma coisa, seja do que for. Se conhecer, os pisos são grandes e que é sala a sala, que há sempre gente nos corredores, que há sempre gente e que se não está o colega está o do lado, e está sempre…há sempre gente ali portanto não é pressuposto. E depois é assim, não é pressuposto, o incómodo que são sujeitas e são sujeitas até pessoas minhas amigas, não entra lá ninguém, as instruções que eu dei, não entra lá ninguém sem esses protocolos de segurança. Agora sujeitar mais umas pessoas, outra vez ao coiso…pronto, nunca foi a prática, nem me parece que seja muito razoável, atendendo ao edifício.

É evidente o erro notório na apreciação deste depoimento que não deixa quaisquer margens para dúvidas.

À saída não há qualquer controlo às pessoas.

E sendo questão que o Tribunal estava obrigado a apreciar – mas a apreciar de acordo com o que foi o efectivo (e não outro qualquer) depoimento da testemunha – e não apreciou, verifica-se nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º1, al.c)), 1ª parte, do CPP) e erro notório na apreciação da prova.

Todas estas questões acabadas de abordar relativamente ao «extravio» da arma e concretamente quanto às declarações da inspectora BB, do módulo das gavetas em que estava ou deveria estar a arma, da localização dos gabinetes, e do controlo das pessoas que saem da PJ Norte, foram apreciadas pelo Tribunal com evidente ERRO NOTÓRIO e com clara violação das regras da experiência comum, vícios que se invocam e que, se assim se entender, são do conhecimento oficioso deste STJ;

Além de que há omissão de pronúncia do Tribunal recorrido quanto ao segmento supra transcrito do depoimento da testemunha AAA a quem o Tribunal recorrido atribuiu um depoimento completamente contrário ao que, na realidade, ocorreu;

Quanto ao inquérito aberto na Directoria do Norte da PJ a partir do momento em que se conheceu o desaparecimento da arma da inspectora Liliana:

A propósito do desaparecimento da arma, disse-se no acórdão do Tribunal do júri o seguinte (cfr. págs. 32 a 35 e também 109 e 110 do ac. recorrido):

            «Quanto à alegada subtracção pela arguida da arma pertencente à inspectora BB - … - o tribunal de júri … tem sérias dúvidas, por um lado, que a referida arma tenha sido subtraída (nem que a inspectora tivesse pela última vez colocado na sua gaveta a arma após a referida busca não mais mexendo na mesma), e, por outro, que a existir tal subtracção tenha sido a arguida a autora da mesma …

            Quanto a este ponto, desde logo, se diga que o mesmo encerra em si mesmo um vício lógico-dedutivo que condicionou toda a investigação e, nessa medida, os seus resultados. Com efeito, da análise do processo … é nítido que logo no dia 22.11.2012 a investigação considerou a arguida a principal e única suspeita do homicídio baseando-se fundamentalmente no seguinte raciocínio: se a arma e munições utilizadas no homicídio são compatíveis com a arma e munições utilizadas pela PJ da Directoria do Norte e se aí desapareceu a uma inspectora, que trabalhava num gabinete perto da arguida, uma arma e carregador de munições, então a arma e munições utilizadas são as pertencentes à inspectora BB– passando o desaparecimento a furto – e foi a arguida que não só subtraiu a arma e munições como matou a vítima. Com efeito, só este raciocínio permite justificar que logo no início da investigação - em 22.11.2012 - a mesma tenha sido classificada de nível 4 (cf. fls. 2), classificação dada apenas quando o suspeito seja membro da Polícia Judiciária ou figura relevante da sociedade … sem que nessa altura houvesse qualquer outro elemento que racionalmente a pudesse justificar.

            Ora, este raciocínio enferma de vários vícios relevantes. Em primeiro lugar, as premissas utilizadas neste processo dedutivo não eram à data, como em nosso entender não o são actualmente, indiscutíveis. Com efeito, não havia naquela data qualquer perícia ou sequer estudo balístico donde fosse inequívoco que a arma e munições utilizadas pertencessem à inspectora BB. E não havia naquela data, como não existe presentemente, uma vez que quer do exame efectuado pelo inspector JJ em 22.11.2012 a fls. 181, quer da perícia efectuada e constante a fls.551 e segs. dos autos e da comparação das munições a fls. 698 e segs., apenas é possível concluir pela probabilidade de tal se verificar. Todavia, esta probabilidade será tanto maior ou menor quanto os demais elementos de prova a possam corroborar ou contrariar. Em segundo lugar, da análise do inquérito 15497/12.8TDPRT resulta evidente que até 22.11.2012 a Directoria do Norte da Policia Judiciária considerava que a falta da arma e munições distribuídas à BB haviam sido perdidas por esta. Com efeito, até àquela data, em nenhum momento foi referido como tendo havido o furto das mesmas, nem as diligências tomadas indiciavam sequer tal suspeita. Tendo sempre presente que o furto de uma arma e munições de um inspector da polícia judiciária, ocorrido nas instalações da própria policia judiciária, é algo tão grave que levaria sempre aquela força policial a tomar todas as medidas para encontrar o autor de tal furto e, por outro lado, a auditar os procedimentos de segurança que de algum modo haviam falhado, é evidente que nenhum destes procedimentos foi tomado até 22.11.2012, o que apenas pode levar à conclusão que tal não foi sequer equacionado até àquela data. Leitura diversa da postura da Directoria do Norte da Polícia Judiciária não é sequer equacionável, uma vez que é incompatível com os mais elevados padrões que sempre regeram esta instituição e que são reconhecidos por todos. Não é sequer equacionável que a Polícia Judiciária perante a possibilidade/suspeita de uma arma e munições de serviço terem sido furtadas das instalações em data anterior a 7.11.2012 e, nessa medida, pudessem ser utilizadas no cometimento de crimes graves, não tivesse investigado, durante aqueles primeiros 15 dias, todas as pessoas que naquele período tivessem tido acesso ao local de trabalho da inspectora BB, nem tivesse feito uma aprofundada auditoria às normas de segurança em concreto aplicadas naquela Directoria. Temos assim por inequívoco que até o dia 22.11.2012 tal desaparecimento nunca foi equacionado como furto, sendo certo que tal entendimento era o único credível em face das concretas circunstâncias que rodearam tal desaparecimento.

            Com efeito, não é crível que uma inspectora da polícia judiciária deixasse por longos períodos a sua arma e munições num módulo de gavetas sem verificar periodicamente se as mesmas aí se encontravam … Deixar durante pelo menos um mês a arma no módulo sem nunca verificar o seu estado, sendo certo que tal módulo é de uso frequente pela inspectora BB, não é compatível com as obrigações funcionais de um inspector e com a responsabilidade inerente à atribuição de uma tal arma de fogo … este comportamento apenas poderia ocorrer se houvesse a firme convicção dos inspectores da polícia judiciária que os referidos módulos não eram passíveis de serem abertos sem a chave, ou, pelo menos, que eram de difícil abertura sem a chave. Com efeito, ninguém deixaria a sua arma de serviço num módulo de gavetas de fácil abertura … A isto acresce … que não existia, nem existe, qualquer elemento que ligue a arguida ao alegado furto da arma e munições. Este salto lógico é apenas, e tão só, dado pela ligação do homicídio ocorrido em 21.11.2012 a tal desaparecimento … Esta antecipação da conclusão no início da investigação condicionou, em nosso entender, a mesma não permitindo, por um lado, alargá-la por forma a avaliar outras hipóteses da leitura dos factos ocorridos e, por outro lado, condicionou a própria avaliação dos factos resultantes da investigação. …». Págs. 32, 33, 34 e 35 do acórdão recorrido

Efectivamente, por que motivo é que no dia seguinte ao da prática do crime dos presentes autos foi atribuído à investigação, pela PJ do Centro, o nível 4 (logo a fls.2 dos autos)?

E se a informação de serviço da inspectora BB informando do «desaparecimento» da arma é de 7/11/2012 (cfr. pág. 111 do ac. recorrido – com referência a fls. 180 do processo), por que motivo é que a Directoria do Norte, até 22/11/2012 tratou sempre a questão como do foro disciplinar (UDI)?

E só depois de receber, no Porto, os Director e Sub-Director da PJ Centro em 22/11/2012 – que lhe comunicaram o crime dos autos e ainda o conhecimento do desaparecimento de uma arma a uma inspectora da PJ Norte – é que ordenou o envio do processo ao competente DIAP para abertura de inquérito criminal por crime de furto? Porquê?

É que em 22/11/2012 a única informação existente era o Auto de Exame da testemunha JJ que referia a compatibilidade dos invólucros encontrados no local do crime com a arma Glock usada na PJ Norte;

E a informação do desaparecimento da arma Glock no Porto, que o marido da arguida, testemunha DD, deu à investigação na noite de 21 para 22/11/2012.

De resto, em 22/11/2012, a investigação dos presentes autos nada mais tinha;

Não tinha a perícia balística de fls. 551 e segs., que é de 18/12/2012;

Não tinha a perícia balística de fls. 698/699, que é de 21/12/2012,

Nada que apontasse que a arma usada no crime fosse com toda a certeza uma Glock – como ainda hoje sucede – ou a arma da inspectora BB. Nada.

Assim como, na Directoria do Norte, até 22/11/2012, não se agiu em função de suspeitas de crime de furto; sempre e só em função de «desaparecimento»  ou de «extravio» de arma, aliás, na sequência das informações da testemunha JJ que foi informando que, outrora, outros « desaparecimentos» acabaram por ficar solucionados com o « aparecimento» das armas em causa.

E só em 22/11/2012, depois de reunião com os colegas da Directoria do Centro, é que o Director do Norte da PJ, efectivamente, ordena a remessa dos autos para o DIAP por suspeita de crime de furto.

O certo é que, partindo destes pressupostos precipitados e errados, a investigação deteve a arguida, foi ordenada a sua prisão preventiva, e, para a investigação, trilhou-se um caminho sem regresso;

Não havia como voltar atrás, como recuar.

O que explica a sonegação do auto de inquirição da testemunha BBB na manhã do dia do primeiro interrogatório judicial  da arguida;

A cota de fls. 417 referenciando falsamente grandes quantidades de partículas de resíduos de disparo no blusão e até uma no volante;

A não junção aos autos da factura telefónica detalhada da testemunha SS,

E outras condutas menos próprias de uma investigação digna desse nome.

Não se diga, por isso, como pretende o acórdão recorrido, que no dia 20/11/2012, o Director da PJ Norte, em despacho, já havia colocado «a hipótese de o desaparecimento poder ser, afinal, furto» - cfr. pág. 113 do ac. recorrido;

Porque o certo é que mesmo aí continua a falar, fundamentalmente, em «desaparecimento», e mesmo aí não proferiu o despacho que só viria a proferir em 22/11/2012 no sentido da remessa do expediente ao DIAP para inquérito por furto…

Em consequência, é PATENTE o ERRO NOTÓRIO em que incorreu o Tribunal recorrido nesta matéria ao considerar como provado o furto da arma da inspectora BB e, sobretudo, praticado pela arguida.

Não há a mínima prova consistente que se consiga retirar nesse sentido da leitura do acórdão recorrido e que, sequer ao de leve, ponha em causa o raciocínio supra descrito do acórdão do Tribunal do júri (transcrito a pág. 32 e 33 do acórdão recorrido).

Também aqui se invoca, pois o ERRO NOTÓRIO na apreciação de prova e, entendendo-se que esse vício não pode consubstanciar fundamento do presente recurso, sempre deverá este STJ do mesmo conhecer ex officio, já que a apreciação do direito, para cumprir os objectivos do procedimento justo e equitativo, sempre deverá ocorrer relativamente a factos devida e correctamente  analisados e dados por assentes sem pressupostos errados.

Em consequência, o Tribunal recorrido errou notoriamente ao dar como provados os factos relacionados com todas estas questões nomeadamente os constantes dos n.ºs 30, 32, 33, 36, 38, 39, 44, 67, 70, 73, dos FACTOS PROVADOS do acórdão recorrido, os quais deverão, por isso, considerar-se não provados.

                                                                                                    

B.4 – TELEMÓVEL DA ARGUIDA DESLIGADO

          AVARIA – CONTRADIÇÃO DE CARTAS DE DD          CÓDIGOS TMN

          FIM-DE-SEMANA E DIA 19/11/2012

            O acórdão do tribunal do júri tratou destas questões na respectiva fundamentação nos termos transcritos no acórdão recorrido a pág. 39.

            Na resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª Instância, a  arguida reportou-se a estas questões nas respectivas págs. 166 a 173, a que o acórdão recorrido faz uma brevíssima referência, a pág. 13, dizendo em 3 linhas, o seguinte:

            «Sobre o facto de ter desligado voluntariamente o seu telemóvel alega que este facto não ficou provado e que mesmo que se tivesse provado tal sempre seria irrelevante para o desfecho do processo.»

          O acórdão recorrido trata destas questões ainda a páginas 153, 154, 155, 159, 163, 169, 170, 208 e 209.

            O acórdão recorrido deu como provado que, no dia 21/11/2012, a arguida desligou o telemóvel para não ser localizada e assim o manteve pelo menos entre as 13H22m e as 19H24m21s (facto provado n.º 64, pág. 248 do acórdão recorrido).

            Para assim decidir, o tribunal recorrido considerou que «não é lógico que durante 19 dias o telemóvel da arguida tenha estado desligado 5 vezes, 4 das quais durante a tarde do dia 21-11-2012; de ele ter tido alegadamente problemas pela primeira vez apenas neste dia 21; que tenha retomado o normal funcionamento sem que nenhuma explicação tenha sido avançada para a  sua recuperação espontânea.» - cfr. pág. 209 do acórdão recorrido.

            A este respeito, consta também do acórdão recorrido (págs. 163, 169 e 170) o que a arguida e o marido (testemunha DD) afirmaram a respeito da avaria do telemóvel da arguida: que o marido entornou um copo de vinho sobre aquele telemóvel que, em consequência,  deixou de funcionar bem, desligando-se.

            A arguida referiu-o em audiência, dizendo que tal sucedera no dia 19/11/2012, dia de aniversário de casamento do casal (cfr. pág. 165 e 169 do acórdão recorrido);

            O marido referiu em audiência que tal sucedera em 19/11/2012; e nas cartas que estão referenciadas no acórdão recorrido disse que tal terá sucedido no fim de semana anterior aos factos (cfr. pág. 163 do acórdão recorrido).

            O tribunal recorrido, entendendo que o fim-de-semana  foi nos dias 17 e 18 de Novembro de 2012 (como efectivamente foi) e que o dia 19 correspondeu a uma segunda-feira, concluiu que as declarações da testemunha DD são contraditórias.

            Todavia, não o são.

            Bastava que o Tribunal recorrido tivesse atentado no que a arguida disse na respectiva resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª Instância. Aí se disse que não havia qualquer contradição, uma vez que no dia 19 de Novembro foi o dia de aniversário de casamento do casal e que, por isso, o marido não foi trabalhar, tirando um dia de férias nesse dia, ficando com a arguida, e passando o dia juntos a celebrar o dito aniversário.

   Daí que DD tenha considerado o dia 19, segunda-feira, como incluído no fim-de-semana que assim foi, efectivamente, um fim-de-semana alargado.

            Daí que a referência nas cartas ao fim-de-semana como sendo a altura em que ocorreu o episódio do copo de vinho mais não foi do que a tradução dessa ideia que, como  é da experiência comum, ocorre com todos nós. Sempre que na sexta-feira ou na segunda-feira, por um ou outro motivo não trabalhamos, falamos sempre em fim-de-semana, abrangendo os três dias.

            O acórdão recorrido não se pronunciou sobre esta questão referenciada expressamente na resposta da arguida ao recurso do Ministério Público (cfr. págs. 166 e 167), apesar de, a pág. 230 (3 últimas linhas), o mesmo acórdão recorrido referir expressamente o dia 19/11 como dia do aniversário do casamento que o casal celebrou.

            As regras da experiência comum impunham que o Tribunal recorrido tivesse considerado o dia 19 como integrado no fim-de-semana e que, portanto, não visse nas cartas e no depoimento em audiência qualquer contradição.

            É ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova, que aqui se invoca e que, acaso se entenda que não pode fundamentar este recurso, este STJ poderá, se assim o entender, conhecer oficiosamente.

            Por outro lado, o acórdão recorrido, a págs. 153 e 154, referenciou também os documentos de fls.545 (factura detalhada do número de telemóvel da arguida) e o de fls. 1231 (ofício da TMN contendo a explicação do que significam os códigos usados naquela factura – nomeadamente em 21/11/2012 - «BSC_CBR2L» e «N/E»).

            Dali se infere que o código «BSC_CBR2L» aparece quando é efectuada uma comunicação e o equipamento está desligado, não sendo possível detectar a célula; e o código «N/E» que significa célula não especificada. É o que consta do ofício da TMN de fls. 1231.

            Analisando a facturação detalhada de fls. 545, verifica-se que no dia 21/11/2012, pelas 15h28m37s, o telemóvel da arguida encontrava-se LIGADO, já que o código que surge ali, naquele dia e hora, é o «N/E».

            Ou seja, o telemóvel estava ligado, detecta uma célula, mas não conseguiu especificá-la. É o que sucede quando se diz que o telemóvel está «sem rede».

            Daí que a questão que o acórdão recorrido acolhe de que não é lógico que durante 19 dias o telemóvel da arguida tenha estado desligado 5 vezes, 4 das quais durante a tarde do dia 21/11/2012, e de ter problemas pela primeira vez apenas neste dia 21 e que tenha retomado o normal funcionamento sem qualquer explicação,

            É, aqui e para o efeito, absolutamente irrelevante.

            Na verdade, não interessa saber se o telemóvel esteve ou não desligado no dia 21/11 às horas referidas no acórdão recorrido a págs. 208, porquanto o fundamental é que o telemóvel, nesse dia, de tarde, às 15h28m37s, esteve LIGADO.

            Se a arguida tivesse ido a Coimbra matar a avó do marido e tivesse desligado o telemóvel para aí não ser detectada, por que razão iria ligá-lo a uma hora em que estaria em Coimbra ou a chegar a Coimbra?

            Mais: como diz o acórdão do tribunal do júri (nesta parte, transcrita a pág. 39 do acórdão recorrido), a que propósito sequer teria levado consigo o telemóvel a Coimbra e não o deixaria em casa, na Maia, ligado?

            Do exposto resulta que o tribunal recorrido laborou em ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova que aqui se invoca expressamente, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, por resultar da decisão recorrida, por si e conjugada com as regras da experiência comum e que, acaso se entenda não poder fundamentar o presente recurso, deverá, pelo menos, ser do conhecimento oficioso deste STJ;

            Além de que ocorre ainda omissão de pronúncia sobre as questões supra mencionadas que foram expressamente suscitadas pela arguida na respectiva resposta ao recurso do Ministério Público  na 1.ª Instância, e no acórdão do tribunal de júri, questões que o tribunal recorrido não apreciou e deveria ter apreciado por se revelarem cruciais para a decisão da matéria de facto em causa.

            O que constitui NULIDADE nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), «ex vi» art. 425.º, n.º 4, do CPP.

            Em consequência, deverão considerar-se como não provados os factos que o tribunal recorrido deu como provados relacionados com as questões supra referenciadas, nomeadamente os factos constantes do n.º 64 dos factos provados (pág. 248 do acórdão recorrido).

            O que, aliás, deverá suceder em qualquer caso, porquanto de um telemóvel desligado nunca poderá inferir-se, sem mais, que se tenha “ido a Coimbra matar a avó do marido”.

            B.5 – TRAJECTO ENTRE MAIA / COIMBRA / MAIA

            O acórdão do tribunal do júri tratou esta questão na respectiva fundamentação que o acórdão recorrido transcreveu (cfr. nomeadamente págs. 35, 36 e 37, do acórdão recorrido);

            A arguida tratou desta matéria nas págs. 170 a 173 da resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª Instância;

            O acórdão recorrido, a págs. 13, referencia essa parte da resposta da arguida dedicando-lhe 4 linhas, em que se afirma apenas que foi alegado que, encontrando-se na localidade onde reside às 14H30 nunca seria possível estar em Coimbra à hora a que o tribunal fixou a prática do crime.

            O acórdão recorrido trata ainda desta questão do «trajecto» a págs. 173, 174, 177, 215 e 216.

            Escreveu-se no acórdão recorrido (págs. 215 e 216) o seguinte:

          «Sobre a deslocação a Coimbra por parte da arguida o tribunal recorrido disse: «se atentarmos ao facto de a arguida estar calmamente em casa por volta das 14H30 é expectável que ainda demorasse algum tempo – 10 a 20 minutos - a aprontar-se para sair. Por outro lado, se atentarmos que entre as cidades da Maia e Coimbra distam pelo menos 134 km o que implica sempre um mínimo de viagem de cerca de 01H25 (por auto-estrada) – sem contar com o facto de a arguida sair da sua casa na Maia e a casa da vítima situar-se na rua ...., o que implica que àquele tempo de viagem entre as cidades se tenha de acrescentar o tempo passado no trânsito interno de cada uma das cidades nunca inferior a 20 minutos no total dos dois trajectos …».

Independentemente de reconhecermos a validade do argumento há que realçar, primeiro, que não se provou que o encontro entre a arguida e a vizinha tenha sido às 14h30, que não se provou, nem se indiciou, que naquela concreta situação uma pessoa demore entre 10 a 20 minutos a arranjar-se, tal como não se provou que no trajecto em cada uma das cidades se demore mais de 20 minutos. Quanto a este último pormenor remetemos para o que consta do auto de cronometragem do percurso.

Para além disso também não foi considerada a outra hipótese, talvez mais óbvia, de a viagem ter sido feita por auto-estrada. Já vimos que o argumento invocado pela arguida, de que a querer cometer o crime nunca faria a viagem por auto-estrada porque isso deixaria “rasto”, não é verdadeiro.

Finalmente, diga-se que não se provou a hora em que o crime ocorreu e nem a hora aproximada, apenas constando da motivação que diz que o crime teria ocorrido no máximo entre as 15H53 e as 16H19.» - págs. 215 e 216 do ac. recorrido

                       

            Desde logo, o encontro entre a arguida e a vizinha, às 14H30, no prédio onde residem na cidade da Maia;

            Trata-se da testemunha BBB, a tal testemunha cujo depoimento a investigação sonegou e não levou ao JIC no dia do primeiro interrogatório judicial de arguido detido (cfr. acórdão do Tribunal do Júri, transcrito, nesta parte, a pág. 37 e 38 do acórdão recorrido).

            É um depoimento que incomodou, muito, a investigação. Por causa da hora, precisamente.

            E agora, no Tribunal da Relação, de novo, este mesmo depoimento – só que, repetido em audiência – não tem qualquer valor.

            É estranho e chocante.

            Obviamente que o tribunal do júri não referenciou como provado o encontro com a vizinha. Porque é um facto instrumental que permitiu ao tribunal do júri, juntamente com outros factos instrumentais e não instrumentais, alcançar a decisão que alcançou.

            Depois, na exposição dos motivos que conduziram a considerar como provados ou não provados factos essenciais, o tribunal deverá explicar por que decidiu como decidiu. E aí sim, invocará depoimentos, documentos, circunstâncias de tudo o mais que se revele necessário a explicar aos intervenientes processuais, à comunidade em geral e a si próprio, tribunal, os motivos da decisão.

            Foi o que sucedeu no caso do acórdão do tribunal do júri. O tribunal considerou não provado que, nomeadamente, a arguida se tivesse deslocado a Coimbra no dia do crime; e para assim decidir, fundou-se em factos instrumentais que retirou dos meios de prova que, em audiência, foram sendo produzidos. Como o caso do depoimento da testemunha BBB que o tribunal do júri, na fundamentação do acórdão, descreve até com algum pormenor, atribuindo-lhe, expressamente, total credibilidade. Leia-se a transcrição dessa fundamentação do acórdão do tribunal do júri que o acórdão recorrido fez a págs. 36:

           

          «Por fim, o facto de o homicídio ter ocorrido no máximo entre as 15H53 e as 16H19 é relevantíssimo para aferir da possibilidade da arguida ter sido a autora do mesmo porquanto resultou do depoimento da testemunha BBB (moradora no prédio onde reside a arguida e que foi totalmente coerente e credível no seu depoimento, não suscitando quaisquer dúvidas ao tribunal de júri sobre a veracidade do mesmo) que a arguida por voltas das 14H30 encontrava-se calmamente no hall do seu prédio na Maia a ler a correspondência que havia retirado da sua caixa de correio, não denotando qualquer pressa ou agitação que seriam próprias de quem estaria prestes a deslocar-se para Coimbra para cometer um homicídio. A fixação deste horário não suscitou ao tribunal de júri quaisquer dúvidas uma vez que sendo a testemunha advogada, a mesma referiu que consultou a agenda tendo a certeza que foi nessa hora que saiu de casa. Por outro lado, foi referido por esta testemunha que a mesma estava vestida com umas calças que poderiam ser de pijama, confirmando na íntegra, e nesta parte, o declarado pela arguida que referiu que estava de pijama tendo ido ao correio apenas com um casaco por cima do pijama.» Pág. 36 do ac. recorrido

   Que dúvidas é que estas palavras directas, rigorosas e indubitáveis podem ter suscitado ao Tribunal da Relação de Coimbra ?

            Que dúvidas há, como o tribunal do júri considerou, que «por volta das 14H30» a arguida estava na cidade da Maia?

            Não se entende por que motivo o depoimento desta testemunha sempre suscita mal-estar.

            Depois, encontrando-se a arguida no hall de entrada do prédio, calmamente a ler a correspondência, é perfeitamente curial que leve entre 10-20 minutos a arranjar-se para sair, e depois que leve cerca de 20 minutos no trânsito interno de cada cidade (ao sair da Maia e ao entrar em Coimbra); as regras da experiência comum assim o determinam; todos sabemos que assim é.

Tendo em atenção, depois, a facturação detalhada da testemunha SS (de fls. 3374 a 3379) que o acórdão do tribunal do júri refere (cfr. pág. 35 do acórdão recorrido), e a hora em que a dita testemunha estava ao telefone com uma amiga quando ouviu os disparos (desde as 15:53:16 e durante 46 segundos), fácil foi fixar a hora dos primeiros disparos.

            Ao contrário, portanto, do que diz o tribunal recorrido, o crime não ocorreu entre as 15H53 e as 16H19. Durante esse período vários vizinhos da infeliz vítima foram ouvindo os disparos. Que foram, pelo menos,14. E que, por isso, foram espaçados.

            É o que decorre da fundamentação do acórdão do tribunal do júri (cfr. pág. 35 do acórdão recorrido) quando se refere às várias vizinhas.

De qualquer forma, a testemunha SS, indubitavelmente, através da sua facturação detalhada referida no acórdão recorrido coloca o início do crime às 15:53:16 (pág. 35 do acórdão recorrido).

            O que significa que a essa hora a arguida tinha que estar no local do crime.

            Ora, ainda que tivesse usado a auto-estrada, nunca a arguida poderia estar em Coimbra, NO INTERIOR DA CASA DA VÍTIMA, às 15:53, tendo saído de casa, na Maia, entre as 14H40 e as 14H50;

            A cumprir as regras de trânsito, nomeadamente e sobretudo a velocidade (para não ser apanhada em nenhum radar da polícia ou interceptada).

            E contando com o tempo para sair da cidade da Maia e, depois, para entrar na de Coimbra.

            Não utilizando a auto-estrada era completamente impossível efectuar aquele percurso sem ultrapassar sistematicamente os limites de velocidade, como o demonstra o RDE de fls. 404 a 406 de onde resulta um percurso, mesmo rodando por vezes a 130Km/hora, de cerca de duas horas (cfr. pág. 36 do acórdão recorrido, transcrevendo acórdão do tribunal do júri).

            Apesar do exposto, e sobretudo apesar do referido depoimento de BBB, vizinha da arguida, que a coloca na Maia por volta das 14H30,

            E apesar da facturação telefónica detalhada da testemunha BBB que situa, sem dúvidas, o início do crime entre 15:53:16 e os 46 segundos seguintes (o depoimento desta testemunha foi lido em audiência – cfr. págs. 148, último §, e 149, do acórdão recorrido),

            O acórdão recorrido deu como provado, além do mais, que no dia 21/11/2012, antes das 14H30, a arguida deslocou-se a Coimbra a casa da vítima.

            O que está em completa contradição com a prova produzida em audiência, supra referida, e considerada pelo tribunal do júri. Tudo como resulta do próprio acórdão recorrido conjugado com as regras da experiência comum.

            É ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova, o que aqui expressamente se invoca (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP), sendo que, acaso se entenda que o presente recurso não pode ter esse fundamento, sempre o apontado vício – porque evidente e notório – é do conhecimento oficioso deste STJ;

            Para além de que o tribunal recorrido não fundamentou minimamente aquela decisão factual: «antes das 14H30» com que fundamento?

            A falta de fundamentação consubstancia NULIDADE do acórdão recorrido que aqui se argui expressamente (art. 379.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, «ex vi» art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP).

            Finalmente, ao não se pronunciar sobre as supra citadas questões que a arguida suscitou na sua resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª Instância,

            Sendo certo que, como se viu, se trata de questões cruciais para uma decisão justa e equitativa da matéria de facto,

            Que, por isso, impunham que o tribunal recorrido as apreciasse,

            O acórdão recorrido está ferido de NULIDADE que aqui se invoca expressamente (art. 379.º, n.º 1, al. c), «ex vi» art. 425.º, n.º 4, do CPP).

  Em consequência de quanto se expôs acima, devem considerar-se não provados os factos que o tribunal recorrido deu como provados que contrariem o supra exposto, nomeadamente os referidos no n.º 66, 67, 69, 70 e 71 dos Factos Provados (págs. 248 e 249 do acórdão recorrido).

            B.6 – ESTADO DE SAÚDE DA ARGUIDA

     O acórdão do tribunal do júri trata desta questão na fundamentação, transcrita no acórdão recorrido a págs. 37, 38 e 39.

            Na resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª Instância, a arguida tratou da questão nas págs. 173 a 208, o que o acórdão recorrido referenciou brevemente  (pág. 13, última linha e pág. 14, duas primeiras linhas) dizendo que aí foi alegado que o estado de saúde da arguida não lhe permitia fazer viagens.

     Acolhendo a argumentação do Ministério Público, o acórdão recorrido considerou que o fundamental não era saber se a arguida estava em perfeitas condições de saúde, mas se as suas condições de saúde lhe permitiam fazer a viagem da Maia a Coimbra, a conduzir;

            E concluiu afirmativamente (cfr. págs. 179 e 214 do acórdão recorrido).

            Mais uma vez com ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova.

            Na verdade, desde que, em 13/11/2012, foi sujeita a intervenção cirúrgica em que foi suturada com cerca de 100 PONTOS, a arguida teve em sua casa, os pais até ao dia 17 seguinte para a apoiarem nas lides da casa, foi recuperando paulatinamente nas suas rotinas diárias, mas, ainda no dia 19/11 viu ser-lhe prolongada a baixa médica por mais 15 dias – cfr. págs. 19, 37 e 142 do acórdão recorrido, transcrevendo fundamentação do acórdão do tribunal do júri e referenciando o depoimento da testemunha DD.

            De qualquer forma, a arguida só voltou a conduzir pela primeira vez em 20/11/2012 – cfr. factos provados 42 a 57 do acórdão do tribunal do júri a pág. 20 do acórdão recorrido.

            Por outro lado, os depoimentos dos médicos (págs 151 e 152, e 180 e 181, do acórdão recorrido), do marido da arguida DD (pág. 141 do acórdão recorrido), as declarações médicas e hospitalares referidas a pág. 179 do acórdão recorrido, tudo conjugado com as regras da experiência comum, impõem considerar que a arguida, no dia seguinte, 21/11, não tinha condições de saúde que lhe permitissem fazer a viagem da Maia a Coimbra, a conduzir, entrando e saindo do carro, deslocando-se a casa da vítima em elevado estado de agitação emocional e de stress, contra ela disparando PELO MENOS 14 tiros, dali saindo depois, novamente em viagem, conduzindo até à cidade da Maia.

            Qualquer cidadão comum sabe que nestas circunstâncias de saúde ninguém estaria em condições de fazer aquela viagem, a conduzir.

            Acrescendo ainda as condições medicamentosas que também os dois médicos ouvidos em audiência referiram e que eram muito limitativas – cfr. resposta da arguida ao recurso do MP a págs. 176 e 177 e acórdão recorrido a págs. 151 e 152, e 180 e 181.

            Assim não tendo entendido, e não conhecendo das questões suscitadas pelo tribunal do júri (cfr. págs. 37, 38 e 39 do acórdão recorrido), e das questões acima referidas e invocadas pela arguida na sua resposta ao recurso (págs. 173 a 208), o tribunal omitiu a pronúncia sobre matérias que estava obrigado a conhecer, o que traduz NULIDADE do acórdão recorrido (art. 379.º, n.º 1, al. c), «ex vi» art. 425.º, n.º 4, do CPP).

            Por outro lado, resultando do acórdão recorrido, conjugado com as regras da experiência comum, o ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova no que concerne às matérias acima mencionadas, a arguida invoca esse vício (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP) que, acaso se entenda que não pode fundamentar o presente recurso, deverá, pelo menos, ser do conhecimento oficioso deste STJ.

                                                                         

            Em consequência, deverão considerar-se como não provados todos os factos que contrariem o acima exposto e que foram dados como provados, nomeadamente os mencionados nos n.ºs 49, 66, 67, 69, 70, 76 e 77 do acórdão recorrido (pág. 247, 248 e 249 do acórdão recorrido).

                                                                        

B.7 – AS «CARTAS» DA TESTEMUNHA DD E AS «TRÊS POSIÇÕES QUE ASSUMIU NO PROCESSO»

O acórdão recorrido trata essa questão a págs. 140 a 150, 159 a 164, 201 a 208, 217, 218 e 237.

As «cartas» estão transcritas de págs. 159 a 164 do acórdão recorrido que, por sua vez, as referencia no processo a fls. 789 – 793 e 809 – 813.

Acresce dizer que as «cartas» têm exactamente o mesmo conteúdo, embora sejam dirigidas a entidades diferentes (MP e Jic).

Pretende-se no acórdão recorrido que a testemunha DD teve três posições no processo – cfr. 3º § de pág. 237 que a seguir se transcreve:

«Por tudo isto, e repetindo, a testemunha DD teve três posições no processo: primeiro, de informador, ao prestar informações à P.J. sobre a autoria do crime; depois, assumiu alguma precipitação no depoimento prestado em 24-11-2012 e, por isso, escreveu as cartas a esclarecer o que se tinha passado; finalmente, em julgamento assumiu-se em confronto com toda a investigação, imputando a esta a autoria dolosa de toda a história contada na acusação.» - P. 237 do ac. recorrido

Ora, isto é rigorosamente falso; e, sobretudo, não resulta da prova mencionada no acórdão recorrido, excepto na parte em que se pretende usar pretensas e inexistentes «conversas», «declarações» ou «diálogos» mantidos entre 22 e 24 de Novembro de 2012, entre a testemunha DD e os inspectores CC e II;

Na verdade, como se deixou já dito supra, essas conversas, a terem existido, o que não se concede, consubstanciam «prova proibida» que não pode ser valorada em julgamento ou posteriormente;

Além de que, lendo o acórdão recorrido e a prova que aí se quis deixar consignada, percebe-se nitidamente que até à madrugada de 25/11/2012, a arguida e o marido sempre estiveram juntos e sempre se apoiaram reciprocamente;

E que no dia 19, dia de aniversário de casamento, o marido não foi trabalhar, metendo um dia de férias, para celebrar a data com a mulher, como celebrou especialmente, e, além disso, para acompanhá-la à consulta médica, pós-operatória, na Trofa;

E que após o homicídio, até 25/11/2012, estiveram sempre juntos, dormindo inclusivamente em casa do amigo CCC de 23 para 24/11;

E que só em 25/11 é que DD se separou da arguida, saindo de casa, quando o inspector CC lhe disse que a mulher era a responsável pelo homicídio da sua avó.

Isso porque, em 24/11, quando é inquirido pelo inspector CC, este fala-lhe nas localizações celulares e diz-lhe que a arma do crime era a da inspectora BB.

Mas até aí, dia 24/11, nunca DD sequer equacionou a possibilidade de a mulher ser a homicida.

O que, portanto, não permite acreditar que, até aí, DD tenha dito o que quer que fosse à investigação sobre a relação da mulher com o homicídio.

Porque nada sabia que o pudesse levar a, sequer ao de leve, equacionar tal pensamento.

É o que claramente resulta da leitura do acórdão recorrido e da prova que aí se quis deixar consignada.

Daí que, mais uma vez, estejamos em presença de um clamoroso erro notório na apreciação da prova que decorre claramente do próprio acórdão recorrido.

Como se infere ainda da própria fundamentação do acórdão do Tribunal do júri, transcrito, nessa parte, na pág. 40 do acórdão recorrido e que a seguir se transcreve:

«A isto acresce que o marido da arguida referiu desconhecer que a mesma tivesse sequer sapatilhas de cor clara. Se é certo que a relação de proximidade entre ambos não permite ao tribunal afastar a natural parcialidade do seu depoimento, a verdade é que não pode deixar de se atender ao facto de a vítima ser sua avó e o mesmo à data dos factos ter com esta uma relação de forte proximidade afectiva. Daqui decorre que dificilmente o marido da arguida aceitaria mentir para encobrir a mulher, sabendo que a mentira desta poderia ser um forte indício de a mesma ser responsável pela morte da sua avó, tanto mais que sendo o mesmo inspector da polícia judiciária facilmente conseguiria perceber o sentido das “mentiras” da esposa. E, recorde-se, que quando o mesmo julgou que a esposa era a responsável pelo homicídio da avó – no dia 25.11.2012 – separou-se de facto da arguida. Aliás quanto a este ponto sempre se dirá que não ficou o tribunal de júri minimamente convencido que o mesmo tivesse tido antes do dia 24.11.2012 várias conversas com o inspector CC nos termos em que este referiu em audiência de julgamento de forma quase obsessiva de incriminação da arguida. Com efeito, atento o facto de o casal ainda no dia 19.11.2012 ter estado a comemorar o seu aniversário de casamento, não é crível que o mesmo tivesse tal comportamento que denota uma clara animosidade para com a esposa. A isto acresce que entre os dias 21 e 25 manteve-se junto da esposa havendo entre ambos um apoio recíproco. Quanto a esta matéria ficou o tribunal de júri convencido que o estado emotivo do marido da arguida podendo levar a um discurso menos coerente não ocorreu antes do dia 24 conforme foi referido pelo inspector CC e o que foi por aquele dito foi interpretado pela investigação nos termos mais coincidentes com uma conclusão que já no dia 22.11.2012 estava fixada.» (negrito e sublinhado nossos) – Pág. 40 do acórdão recorrido.

Erro notório que, resultando da própria decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, por isso, mais uma vez aqui se invoca e que, acaso se entenda que não pode fundamentar este recurso, sempre deverá ser do conhecimento oficioso deste STJ, atenta a impossibilidade de se pretender aplicar o direito a matéria de facto clamorosa e notoriamente errada (cfr. arts. 410.º, n.º 2, al. c), e 434.º, do CPP).

Daqui decorre desde logo que não existe esta primeira posição, dita de «informador» que o acórdão recorrido pretende atribuir a DD – cfr. pág. 237 do acórdão recorrido.

E, sendo assim, essa primeira alegada posição não pode ser confrontada com qualquer outra posição que o mesmo tenha assumido no processo. Porque aquela posição de «informador» não existiu

Depois, quanto a declarações prestadas em inquérito em autos de inquirição, ou mesmo em quaisquer pretensas e alegadas conversas informais a partir de 24/11/2012, com o inspector CC, ou o inspector II ou com qualquer outra pessoa ligada à investigação, como já se disse supra, e repetimos, não podem ser aqui valoradas.

Porque prova proibida.

Já quanto ao conteúdo das «cartas», e como se diz no acórdão recorrido (pág. 237), a testemunha DD não pretendeu aí mais do que prestar alguns esclarecimentos sobre o que se lembrava daquilo que havia sido consignado em auto de inquirição de 24/11/2012;

Auto esse cuja leitura não é permitida e que portanto não se usou em audiência, nem usará aqui (art.356.º, do CPP);

E não consentiu que se usasse, nem consente, porque, como disse em julgamento, não tem a mínima confiança na investigação efectuada no inquérito dos presentes autos. Atento tudo o que já, exaustivamente, referiu supra sobre o assunto.

Portanto e desde logo, não podendo confrontar-se o conteúdo dessas cartas com o conteúdo daquele auto de inquirição, não pode retirar-se qualquer conclusão de tal confronto.

Resta, pois, o confronto das «cartas» com o depoimento prestado pelo seu autor em julgamento.

O acórdão recorrido diz que «a versão das cartas e a versão do julgamento são muito diferentes» - cfr. pág. 202 do ac. recorrido, 1ª linha.

E nas páginas subsequentes, quando se pensa que nos iremos deparar com o confronto entre aquelas duas versões … não se encontra nenhuma discrepância e sobretudo percebe-se que o Tribunal recorrido quase nunca comparou a versão das cartas com a «versão» do julgamento.

Na verdade, o acórdão recorrido confrontou o conteúdo das cartas com o depoimento de outras testemunhas que não a testemunha DD.

Comparou-as com o depoimento de DDD,

Do assistente EEE

Da mulher do assistente, FFF,

            Mas com a versão de DD quase nunca o fez.

E quando o fez, encontrou o que o acórdão recorrido disse serem versões contraditórias, mas que de contraditórias NADA TÊM.

É o caso da situação económica do casal; comparando-se pág. 202 com pág. 205 do acórdão recorrido, não se encontra qualquer contradição. Basta ler e comparar.

Quanto às conversas do casal sobre as contas bancárias tituladas pela avó compare-se pág. 202 com págs. 206 e 207 do acórdão recorrido: invoca-se o depoimento de…EEE, assistente, e não o da testemunha DD e depois compara-se o que aquele assistente afirmou com o conteúdo das «cartas» (??!!);

E não consegue apontar-se uma única contradição entre as «cartas»/ contas da avó e o depoimento de DD em julgamento/ contas da avó.

Nem uma!

Depois, invoca-se, a págs. 207 e 208 do acórdão recorrido, a perícia efectuada às contas da arguida e do marido.

Apenas uma certeza: essa perícia não é da autoria de DD; não foi invocada nas cartas; nem tão-pouco no depoimento que fez em julgamento.

   Mais uma vez: nenhuma contradição entre as «cartas» e o depoimento em julgamento.

Depois, o acórdão recorrido encontra a contradição quanto ao episódio do copo de vinho entornado sobre o telemóvel da arguida.

E aqui, comparando as «cartas» (pág. 203, linhas 6 a 12, do ac. recorrido) com o depoimento em julgamento (pág. 208, §§ 3º, 4º e 5º, do ac. recorrido), o acórdão encontrou a contradição.

Dia 19/11 não corresponde a fim-de-semana, porque foi uma segunda-feira.

Já noutra parte deste recurso nos referimos à questão (cfr. supra B.4 - «Telemóvel») e damo-la aqui por reproduzida na íntegra para todos os efeitos legais, por razões de economia e celeridade processuais.

Não há efectivamente qualquer contradição: dia 19, segunda – feira, foi o dia do aniversário do casamento do casal, o marido tirou um dia de férias e prolongou o fim-de-semana que, por isso, integrou a segunda-feira, dia 19…

Fim-de-semana prolongado.

Não há qualquer contradição.

Dizem-no as regras da experiência comum.

Finalmente, pretende-se ainda comparar o depoimento de DD em julgamento com o que…não consta das «cartas» (cfr. pág. 218, 1º a 5º §§, do acórdão recorrido).

Nas cartas não se falou da amiga que se atrasou no dia de entrega das armas, nem de contactos com inspector CC antes de 24/11/2012, nem da limpeza do automóvel, nem…;

Como se houvesse aqui alguma contradição…

Quando as cartas pretenderam apenas prestar esclarecimentos a uma inquirição ocorrida anteriormente; como se diz no acórdão recorrido.

E esquecendo-se que, em julgamento, não é, muitas vezes, a testemunha que escolhe as questões que o seu depoimento aborda. Depende das instâncias.

Portanto, não pode pretender comparar-se o depoimento em julgamento com o que não consta das cartas. Muitos outros assuntos foram abordados no depoimento de DD em julgamento que não constam das «cartas».

O que é perfeitamente natural.

Ou seja:

Afinal não há três posições da testemunha DD.

Há uma única.

A do julgamento; que as «cartas» em nada contrariam, antes confirmam ou, quando muito, apenas complementam.

De todo o exposto resulta à evidência o absoluto ERRO NOTÓRIO do acórdão recorrido na apreciação da prova, também neste segmento, o que aqui expressamente se invoca nos termos do disposto no art. 410.º, n.º2, al. c), do CPP, ou que, pelo menos, este STJ deverá conhecer oficiosamente atento o clamoroso e evidente erro em que incorreu o acórdão recorrido também aqui. Sendo certo que tal vício resulta da própria decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum.

           

B. 8 – AS AMEAÇAS E A INVESTIGAÇÃO IMPOLUTA

    Não podemos concluir esta parte do recurso sem nos reportarmos às “AMEAÇAS” que, em tom irónico, o tribunal recorrido menciona no 2º § da pág. 237.

 Com efeito, reportando-se ao depoimento de DD em julgamento, o acórdão recorrido ironiza com o facto de esta testemunha ter declarado que, por intermédio do tio – o assistente EEE –, soube que a investigação não tinha gostado nada de uma carta que tinha enviado para o processo e que “estavam muito zangados”, “piurços, doidos” “e que também lhe disseram”, a ele, tio, para o sobrinho “ter cuidado com o emprego que ainda o ia perder”. – (cfr. págs. 236, dois últimos §§ do ac. recorrido).

            O certo, porém, é que, poucos dias passados sobre a prolação do acórdão condenatório ora recorrido, o marido da arguida, a testemunha Carlos Coelho, foi notificado do início de um PROCESSO DISCIPLINAR, contra si instaurado, e que, consultado o processo, contém apenas, e para já, o acórdão ora recorrido.

            Curiosamente...

            E mais curioso é perceber que, quando foi proferido o acórdão absolutório do Tribunal do Júri, a “instituição” não teve igual postura – e não a adoptou até hoje – relativamente aos inspectores CC, GG e outros contra quem a arguida, em plena audiência de julgamento, requereu que fosse instaurado inquérito criminal pela prática de vários ilícitos criminais praticados no decurso da investigação dos presentes autos (cfr. Resposta ao recurso do MP em 1.ª instância – págs. 211 e segs.) - assistindo-se, ainda hoje, à passividade incompreensível e inadmissível do MP perante os indícios claros da prática de crimes públicos -  e isso apesar de o próprio acórdão absolutório do Tribunal do Júri, por diversas vezes, verbalizar as “inexplicável omissão” do depoimento da testemunha BBB (pág. 37 do acórdão recorrido) por parte da investigação ou a “forma quase obsessiva de incriminação da arguida” patenteada pelo inspector CC (pág. 40 do ac. recorrido);

            Regista-se e lamenta-se a dualidade de critérios e de posturas;

            Porque se trata de factos supervenientes e ocorridos depois da prolação do acórdão recorrido, junta-se agora a este recurso a cópia do expediente relativo a esse Processo Disciplinar instaurado pela instituição Polícia Judiciária contra o Inspector DD, o que faz nos termos do disposto nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CP Civil aqui aplicável por força do consignado no art.º 4º do  CPP (doc. 2 anexo).

            Afinal, as “ameaças” não eram invenção.

            Pelos vistos, o emprego de DD está mesmo em perigo.

           

            Por outro lado, e também a propósito da seriedade e do rigor da investigação dos presentes autos, a arguida pretende ainda juntar a este recurso (nos termos das disposições legais atrás citadas) a acta de audiência de julgamento e transcrição de depoimentos prestados na audiência de julgamento do proc. 1579/13.2TAMAI, a correr termos na Comarca do Porto, Instância Local da Maia, Secção Criminal – J2, em que é assistente a aqui arguida, e arguidos alguns jornalistas e o antigo presidente do sindicato dos agentes da Polícia Judiciária, Sr. GGG, de onde resulta que, logo em 26/11/2012 – cinco dias após a prática do crime dos autos – a cópia do auto da inquirição da testemunha DD, lavrado em 24/11/2012, estava integralmente na redação do jornal “O Correio da Manhã” e na redacção do “Jornal de Notícias”, onde os arguidos naquele processo tiveram acesso ao respectivo conteúdo que depois deram a conhecer, em diversos dias, no programa televisivo “Querida Júlia” da estação de televisão “TVI” (doc. 3 anexo).

Quando, como é consabido, o processo tinha 5 dias de existência e se encontrava em segredo de justiça.

7.º

– Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 379º, n.º 1, al. a), 1ª parte, e al. c), 1ª parte, e n.º 2, 414º, n.º 4, “ex vi” art.º 425º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação normativa infra descrita

          À data da prática dos factos em causa nestes autos (21/11/2012) o art.º 379.º, do CPP tinha a seguinte redacção:

          “Artigo 379.º
          Nulidade da sentença

            1 - É nula a sentença:

            a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

            b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

            c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

            2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”

            Actualmente, com a redacção resultante da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a ter a seguinte redacção:

          “Artigo 379.º
          Nulidade da sentença

            1 - É nula a sentença:

            a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

            b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

            2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º

            3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”

            O n.º 4 do art.º 414 e o n.º 4 do art.º 425, do CPP mantiveram a mesma redacção nos dois momentos e determinam o seguinte:


“Artigo 414.º
 Admissão do recurso
(...)
4 - Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.”

 “Artigo 425.º
Acórdão
(...)
4 - É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.”

.             Naquela primeira redacção do art.º 379º, do CPP, era “lícito ao Tribunal” suprir as nulidades;

            Na actual redacção, o Tribunal deve supri-las.

            Independentemente da redacção aplicável (e tendo sempre em atenção o disposto no art.º 5º, do CPP), a aplicação conjugada das referidas normas, viola, desde logo, o princípio geral do esgotamento imediato do poder jurisdicional do tribunal logo que proferida a sentença (cfr. art.º 613.º, n.º 1, do CP Civil).

           

            Com efeito, o referido princípio geral processual surge claramente violado quando o n.º 2 do art.º 379º, do CPP, conjugado com as demais citadas normas do CPP, seja aplicado (ou porque o tribunal pode ou porque o tribunal deve suprir as nulidades referidas).

            Na verdade, o tribunal que proferiu a sentença, para além dos casos previstos no art.º 380º do CPP, apenas poderá suprir as respectivas nulidades se a mesma não for susceptível de recurso ordinário. De outro modo, a segurança e a certeza jurídicas que, num Estado de Direito, devem nortear a aplicação da lei, serão gravemente postas em causa (cfr. Paulo P. Albuquerque, em anotação n.º 9, ao art.º 379º, do CPP – 2.ª edição – e transcrito na motivação supra).

           

            No presente recurso, por diversas vezes, vão arguidas as nulidades do acórdão recorrido previstas no referido art.º 379º, n.º 1, al. a) e al. c), do CPP, ambas na sua primeira parte, por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia.

            Entendemos, no entanto, que o tribunal da relação não poderá, antes de ordenar a remessa do processo a este STJ, suprir as arguidas nulidades porquanto, depois de proferido o acórdão ora recorrido, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal “a quo”.

            Antes deverá o tribunal recorrido ordenar a remessa dos autos ao tribunal “ad quem” por ser este o competente para, em recurso, conhecer daquelas nulidades, suprindo-as ou mandando supri-las nos termos que só este Tribunal “ad quem” poderá, obviamente, determinar.

            A não ser assim, a insegurança e a incerteza jurídicas contidas nas sentenças proferidas serão uma constante, o que contraria as mais elementares regras processuais de um Estado de Direito, nomeadamente as garantias de defesa do arguido.

            Acaso porventura assim não venha a entender-se, e o tribunal ora recorrido venha a, por qualquer modo, conhecer ou até a suprir aquelas nulidades previamente à remessa dos autos a este STJ, desde já se argui expressamente a INCONSTITUCIONALIDADE das normas conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, al. a), e al. c), primeira parte de ambas as alíneas, e n.º 2 – quer na redacção da Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto, quer na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro – 414º, n.º 4 e 425º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, depois de proferida a sentença/acórdão, e interposto recurso deste, o Tribunal “a quo” pode ou deve conhecer ou mesmo suprir quaisquer nulidades da decisão recorrida, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, tudo por violação do disposto nos art.ºs 2º, 20º, n.ºs 1 e 4, 27º, n.º 1 e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) bem como do art.º 6º, § 1º, da CEDH e do art.º 14.º, 1º, do PIDCP (aqui aplicáveis por força do disposto no art.º 8º da CRP).

8.º       

– Violação do príncipio «in dubio pro reo» (matéria de direito)

Do exposto supra, resulta que, não fora os sucessivos erros notórios na apreciação da prova e o erro notório que a decisão recorrida, globalmente, representa;

E não fora a violação das regras sobre «prova vinculada» em que reiteradamente incorreu o acórdão recorrido;

E a referida violação das regras sobre a prova, nomeadamente e sobretudo a violação das regras da experiência comum;

E tivesse o acórdão recorrido conhecido das partes elencadas no presente recurso que devia ter apreciado e não apreciou,

Com toda a certeza que o Tribunal recorrido teria chegado à mesmíssima conclusão a que, anteriormente, chegara já o tribunal do júri, isto é, a «muito reduzida probabilidade de a arguida ter cometido os crimes que lhe são imputados»  e um imenso estado de dúvida que impunha, como impõe, a ABSOLVIÇÃO da arguida.

O acórdão recorrido violou, assim, o princípio do «in dúbio pro reo».

Nessa medida, porque ressalta evidente do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que o tribunal «a quo» só não reconheceu aquele estado de dúvida em virtude do erro notório na apreciação da prova – do conhecimento oficioso deste STJ – e das demais deficiências supra descritas, este STJ pode e deve sindicar a apreciação do princípio do «in dúbio pro reo».

Como se escreveu no Acórdão deste STJ, no Proc. n.º 4006/ 05 – 3ª Secção, de 25/1/2006 (cujo sumário vai transcrito na motivação supra).

É o que sucede no caso da decisão recorrida.

Em consequência, deverão considerar-se provados apenas os factos que o Tribunal do júri como tal considerara,

Declarando-se como não provados todos os factos que o tribunal da relação, na decisão recorrida, considerou como provados em clara oposição ao princípio «in dúbio pro reo» e em oposição ao que fora decidido na primeira instância.

TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE CONCEDER-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO, MANTENDO-SE A ABSOLVIÇÃO DA ARGUIDA NOS PRECISOS TERMOS ANTERIORMENTE DECIDIDOS PELA PRIMEIRA INSTÂNCIA, COMO SUPRA SE INVOCOU E COMO É DE TOTAL

                                       JUSTIÇA.”

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            Respondeu o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto junto daquela Relação à motivação do recurso apresentando as seguintes:

I. CONCLUSÕES:

1) Dispondo o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, que resultou da alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, não é admissível recurso da pena parcelar de 4 anos de prisão aplicada à arguida pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, tendo o recurso de ser restringido ao conhecimento da pena única, devendo rejeitar-se o recurso relativamente a todas as questões colocadas pela recorrente em relação ao crime de peculato, que se encontra em concurso com o crime de homicídio qualificado;

2) O STJ, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, de 12/11, fixou jurisprudência no sentido de que a norma da alínea e), do n.º1, do art.º 400.º do Código de Processo Penal na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21/02, é uma norma interpretativa, que portanto se integra na norma interpretada, ou seja, a anterior redacção do preceito (da Lei n.º 48/2007, de 29/08), e, nessa medida, não são recorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena não superior a 5 anos de prisão;

3) E, o mesmo STJ, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, de 18/02, fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data do acórdão proferido na 1.ª instância;

4) No seguimento destes dois acórdãos, o STJ vem entendendo, quase unanimemente, que a decisão do Tribunal da Relação, que aplique ou confirme pena parcelar inferior a 5 anos de prisão, é irrecorrível;

5) Mas, contra este entendimento decidiu em contrário a senhora Conselheira Helena Moniz, no acórdão de 22/05/2014, proferido a 22/05/2014, acolhendo a decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 45/2014, de 15/01/2014, que julgou inconstitucional a norma resultante da conjugação dos preceitos do art.º 400.º, alíneas e) e j) e art.º 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdãos da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena de prisão decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão;

6) O crime de peculato praticado pela recorrente foi praticado em Novembro de 2012, antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21/02, que sucedeu em 23/03/2013, tendo os acórdãos, quer da 1.ª instância quer do Tribunal da Relação de Coimbra, sido proferidos posteriormente;

7)  Nesta conformidade, seguindo o entendimento do acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória n.º 14/2013, de 22/11, e da jurisprudência quase unânime do STJ, e uma vez que ainda não foi proferida sobre esta matéria acórdão do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral, não deve ser admitido o recurso quanto à pena parcelar de 4 anos de prisão relativa ao crime de peculato, por ser irrecorrível nesta parte a decisão, por força do art.º 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal;

8) Não há, por isso, fundamento, para que as normas que a recorrente aponta na 3.ª conclusão sejam consideradas inconstitucionais;

9) Os poderes de cognição do STJ estão fixados no art.º 434.º do Código de Processo Penal, estabelecendo que sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito;

10) Segundo esta norma, reexaminando apenas matéria de direito, pode conhecer da falta de observância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (n.º 3, do art.º 410.º do CPP), ou de erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (n.º 2, do art.º 410.º do CPP);

11) Ora, a matéria de facto dada por não provada pela 1.ª instância, pelo Tribunal de Júri, foi toda ela sindicada e revista pelo Tribunal da Relação, após recurso interposto pelo Ministério Público visando toda a matéria de facto, e a arguida exerceu o seu legítimo direito de defesa, respondendo detalhadamente a todos os itens dos fundamentos do recurso sobre essa matéria, utilizando todos os argumentos que agora invoca no presente recurso, os quais foram lapidar e fundamentadamente rejeitados pela douta decisão recorrida;

12)  Por isso, tendo o Tribunal da Relação procedido à revisão da matéria de facto, está fora dos poderes de cognição do STJ voltar a reexaminar a matéria de facto;

13) O STJ apenas tem poderes para reexaminar aqui matéria de direito, mas se ao reexaminar alguma das questões de direito for confrontado com qualquer dos vícios do n.º 2 do art.º 410.º, que inviabilize a correcta decisão de direito, não está impedido de afirmar oficiosamente a verificação;

14) Mas só nestas circunstâncias, como decidiu o Tribunal Constitucional, no acórdão de 07/05/2014, no Processo n.º 296/14, 2.ª secção, em que foi relator o senhor Conselheiro Cura Mariano, e não me parece que se configure na douta decisão recorrida tal circunstância em nenhum dos factos indicados pela recorrente, em que alega vício de erro notório na apreciação da prova, pois nem tal resulta do texto ou das regras da experiência comum;

15) Neste mesmo sentido, o STJ tem decidido uniformemente;

16) No recurso que o Ministério Público interpôs do acórdão absolutório do Tribunal da 1.ª instância, como resulta da respectiva motivação, suscitou generalizadamente o vício de erro notório na apreciação de toda a prova e nalguns casos os vícios de contradição e insuficiência da matéria de facto para a decisão e a violação grosseira e generalizada das regras da lógica e da experiência comum;

17) Esses vícios foram reconhecidos e reparados pela agora douta decisão recorrida, que, por esta circunstância, também não é recorrível, como é jurisprudência uniforme do STJ, recentemente reafirmada no acórdão de 09/04/2015, proferida no processo n.º 353/2013, citado na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 125, Abril 2015, pág. 54;

18) Não há, por isso, fundamento, para que as normas que a recorrente aponta na 6.ª conclusão sejam consideradas inconstitucionais;

19) Como também não há qualquer fundamento, sobre a alegada violação do princípio in dubio pro reo, alegada na 8.ª conclusão pela recorrente com o fundamento que perante a prova produzida o tribunal devia ter ficado na dúvida relativamente a determinados factos que indica, e que, por isso, os deveria ter dado como não provados;

20) Suscitando uma verdadeira e pura questão de facto, que é a de saber se a prova produzida é ou não suficiente para que tenha dado como provado esses factos, tal questão está fora dos poderes cognitivos do STJ;

21) Suscitar-se-ia uma questão, que poderia configurar uma questão de direito se alegasse que a decisão recorrida tinha resultado de uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos, resolvendo-o contra a arguida;

22) Mas, claramente, da leitura do douto acórdão não se enxerga que ao tribunal recorrido se tenha suscitado qualquer dúvida, bem pelo contrário, e muito menos dúvida insanável, em relação aos factos alegados pela recorrente;

23) O Tribunal da Relação não proferiu uma decisão surpresa, bem pelo contrário, decisão surpresa foi a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal de Júri, que embarcou, desde o início do julgamento, num erro clamoroso, que inquinou toda a decisão sobre a matéria de facto, que felizmente foi revertida pelo douto acórdão recorrido, que prestigia altamente a Magistratura Judicial Portuguesa;

24) Pretende a arguida, na motivação do presente recurso fazer passar a ideia que a sua condenação foi urdida por uma cabala para a “tramar”, mas sem o mínimo de fundamento;

25) As provas coligidas no processo e produzidas em julgamento, foram todas apreciadas conjugadamente, com um irrepreensível respeito pelas regras da legalidade, da lógica, da coerência, da experiência comum e da livre apreciação da prova;

26) As decisões do Tribunal de Júri sobre matéria de facto não são dogmáticas e insusceptíveis de serem reparadas, como defende a arguida, quando, como foi o caso, incorreu desde início em grave erro notório na apreciação da prova sobre os vestígios examinados e recolhidos no blusão, que alastrou a toda a decisão que proferiu, contra toda a prova produzida e contra as mais elementares regras da lógica e da experiência comum, a exigir que o Tribunal da Relação tivesse procedido à revisão completa da matéria de facto e proferido decisão condenatória, após recurso do Ministério Público em que impugnou detalhadamente todos os factos dados por não provados, nos termos do n.º 2 e n.º 3 do art.º 412.º e n.º 2, alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º, ambos do Código de Processo Penal;

27) Não há, por isso, fundamento, para que as normas que aponta na 4.ª conclusão sejam consideradas inconstitucionais;

28) Quanto à prova pericial feita ao blusão e aos vestígios examinados, não houve omissão de pronúncia em relação a qualquer questão, já que o juízo crítico foi desfavorável à tese da arguida, pelo que a resposta dada prejudicou os seus argumentos e opiniões;

29) A decisão recorrida analisou detalhada e, profundamente, todas as provas relacionadas com as questões do blusão e dos resíduos de disparos da arma nele detectado, não incorrendo, claramente, em omissão de pronúncia nem em erro notório na apreciação desta prova ou violação das regras sobre prova vinculada;

30) Custa-lhe admitir o que consta do relatório e das conclusões retiradas dos esclarecimentos prestados pelos peritos e testemunhas que sobre esta questão foi tomada e que, na prática, é relevantíssimo, porque, conjugada esta prova com as restantes “coloca” a arguida no local do crime;

31) Quanto à lesão na mão, arguida alega que pela decisão recorrida foi usada prova proibida, que incorreu em erro notório na apreciação da prova, que houve questões que não apreciou, que houve falta de fundamentação, e invoca a inconstitucionalidade de algumas normas;

32) Não tem qualquer razão, o tribunal procedeu à análise das provas, procedeu ao juízo crítico, fundamentou devidamente a sua decisão, não usou prova proibida, analisou todas as questões, e as normas que cita são conformes à Constituição;

33) O exame médico-legal não excluiu que a lesão examinada na região tabaqueira anatómica da mão direita da arguida pudesse ter sido provocada por instrumento contundente, nem o consultor técnico Prof. OO, a excluiu, afirmando, inclusive, que já observou lesões no dedo que prime o gatilho, além de admitir não ser especialista em armas, e os instrutores de tiro GG e JJ, com largos anos de experiência, confirmaram que já verificaram esse tipo de lesão, e reconhecerem serem relativamente frequentes, provocada nos atiradores pelo movimento da corrediça da arma durante os disparos devido à má empunhadura da arma;

34) A arguida, apesar de ter dado provas anteriormente de ser boa atiradora, não é motivo suficiente para que se exclua que a lesão examinada não tenha sido provocada pela corrediça da arma na consumação do crime. Na verdade, não tinha muita experiência em exercício operacional e é muito mais fácil em estado de tensão que tal possa acontecer e perante a necessidade de se retirar rapidamente do local do crime para não ser apanhada, aliada ao facto de ter feito 14 disparos, descarregando completamente o carregador o que potencia o erro na empunhadura, já que a corrediça se movimenta 14 vezes;

35) A versão da arguida, que a lesão resultou da queimadura numa sertã, surgiu tardiamente no processo, só em 02/05/2013, e só depois de ter tido acesso ao processo, como um remédio muito fraco que encontrou, mas que não justifica que no velório da infeliz vítima tenha escondido a mão na gola da camisola e, dias depois em ambiente aquecido, na manga da camisola perante os inspectores da PJ;

36) Muito menos é verosímil que esta lesão, como diz, tenha sido provocada na festa do aniversário do seu casamento, no dia 19/11/2012, em que, além desta “desgraça”, ainda lhe sucedeu entornar vinho para cima do telemóvel, o mesmo que, na sua versão, que não é minimamente credível, a partir daí, passou a desligar-se estrategicamente;

37) As informações prestadas pelo marido aos inspectores, sobre esta e outras matérias, logo no início do inquérito e quando ainda não havia arguido constituído, são muitíssimo incómodas para a defesa da arguida, mas não constituem qualquer nulidade, já que ele foi chamado a depor e teve várias oportunidades de sobre elas se pronunciar, tendo sido cumprido o disposto no art.º 129.º, n.º1, do CPP, por se tratar de depoimento indirecto, tendo a decisão sido tomada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art.º 127.º do CPP);

38) Os inspectores mais não fizeram que dar cumprimento ao art.º 249.º, n.º 1, e 2, alínea b) do CPP, pois compete aos OPC, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, entre eles, nomeadamente, colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;

39) O posterior depoimento prestado em auto de inquérito, não foi lido em julgamento, pelo que argumentar também com uma hipotética nulidade é um exercício irrelevante e sem qualquer conteúdo, mas não se pode ignorar, e foi relevado pela decisão recorrida, que o marido da arguida, DD, afirmou, no aniversário do 7.º dia da morte da avó e depois por altura do Natal/2012, a familiares seus, e que depuseram em julgamento, que tinha 99,9% de certeza que tinha sido a arguida a matar a sua avó e, certamente, esta questão era um dos muitos fundamentos da sua certeza, já que no jantar de aniversário do seu casamento ele não deu conta de se ter queimado que, a ser verdade que tivesse sucedido, seria doloroso e perceptível por ele;

40) O marido prestou estes informações, quando ainda não havia arguido constituído nem se sabia quem fosse, sobre factos que ainda não eram conhecidos dos investigadores da PJ, e que se verificaram mais tarde serem verdadeiros, apesar de posteriormente não as ter confirmado nos depoimentos que prestou, mas é licito e permitido que sejam valoradas no contexto geral da prova produzida em julgamento, o que a não ser assim seria uma aberração que não seria compreendida pelos cidadãos;

41) Depois da constituição da mulher como arguida, podia recusar-se no processo a prestar depoimentos ou a prestar mais informações, mas não exerceu esse direito previsto no art.º 134.º do CPP, apesar de advertido que podia recusar-se a depor, e, mesmo assim, dispôs-se a falar sobre os factos, dando ao julgador a possibilidade de apreciar e de emitir juízo sobre as várias versões que foi apresentando dos factos ao longo do processo, socorrendo-se das regras da livre apreciação da prova e da experiência comum, podendo constatar-se que utilizou um raciocínio lógico e coerente, depois de as apreciar conjuntamente com as demais provas produzidas no processo e em audiência de julgamento;

42) Quanto à questão da arma e munições do crime, subtracção da arma e carregador com 14 munições distribuída à inspectora BB, apesar do que atrás ficou dito sobre a inadmissibilidade de recurso sobre a matéria que se prende com o crime de peculato, levanta que merecem ser esclarecidas;

43) A arguida alega falta de fundamentação, nulidade do acórdão e erro notório na apreciação da prova na parte em que a douta decisão recorrida deu como provado que a arguida disparou sobre a vítima 14 tiros, quando foram detectados 15 orifícios de entrada no corpo;

44) O próprio Tribunal de Júri, deu como provado que a vítima foi atingida por pelo menos 14 disparos, manifestando dúvida que um dos orifícios de entrada correspondesse a mais um tiro, já que apenas aparecerem 14 cápsulas de bala na casa da vítima;

45)  Em obediência ao princípio in dúbio pro reo, havendo dúvida que um dos orifícios corresponde a um disparo, teria de dar como provado que foram disparados 14 tiros e não 15, como fez;

46) Mas o que não há dúvida é que foi a arguida a disparar esses 14 tiros, pois na casa da vítima apareceram 14 cápsulas de calibre, marca e lote exactamente iguais às 36 das 50 balas que foram distribuídas à inspectora BB numa mesma caixa, e todas do mesmo tipo, e exclusivamente distribuídas à PJ por um único fornecedor autorizado em Portugal para as importar, a firma “Antero Lopes, Lda.”, que em ofícios de fls. 3380, 3381 e 3392, informou e esclareceu que no período de 01/01/2012 a 31/12/2012, apenas tinham fornecido munições da marca Sellier & Bellot, calibre 9 mm Parabellum, com projéctil JHP, à Polícia Judiciária, e que nesse período não as tinham fornecido a mais nenhuma outra força de segurança em Portugal;

47) E o agente do crime só podia ter sido alguém que era conhecido da vítima e que lhe abriu a porta ou por alguém que teve acesso a uma chave que desapareceu, o que encaixa na pessoa da arguida; 

48) O relatório pericial de fls. 551 e seguintes diz que as marcas examinadas são compatíveis com as armas de marca Glock e marca Heckler & Koch, mas que estas últimas aparecem muito raramente em Portugal, e é facto público e notório que aos inspectores da PJ são distribuídas as armas da marca Glock;

49) O facto de o perito em balística UU ter dito no seu depoimento em julgamento, em complemento ao seu relatório pericial, que nunca antes no LPC tinha examinado munições “JHP 115 grains”, não é novidade nenhuma, pois não há notícia em Portugal que outro inspector alguma vez tivesse assassinado alguém com a arma e as munições exclusivas distribuídas à própria PJ;

50) Não há qualquer estranheza que o relatório de fls. 562 não tenha dito que as 36 munições (e não 32 como refere a recorrente) são do mesmo calibre das distribuídas à inspectora BB;

51) Isso resulta do resultado da perícia às munições enviadas para exame que evidenciam serem de calibre 9 mm, ou seja, o mesmo calibre das munições (cápsulas e projécteis recolhidos no local do crime), agora o que não podia dizer é que todas elas tinham sido distribuídas à inspectora BB, pois isso resultou da restante prova, sobretudo testemunhal, que foi produzida;

52) Nem há qualquer dúvida que eram do lote 09, pois as examinadas eram todas da caixa das 50 munições distribuídas à inspectora BB, que inquestionavelmente eram todas do lote 09 e, qualquer que fosse o lote, sempre do exclusivo uso da PJ;

53) Como não há qualquer dúvida que as partículas detectadas no blusão eram do mesmo tipo das partículas características/consistentes detectadas nas munições enviadas para exame (cfr. fls. 392 e exame do LPC de fls. 786), tal como os sinais de percussão e de arrasto do percussor, conjugado com o estriado poligonal impresso nos projécteis recolhidos no local do crime e no corpo da vítima;

54) A facilidade do acesso pela arguida ao gabinete da inspectora BB, está por demais demonstrado, segundo as regras da experiência comum como, por exemplo, quando ia à casa de banho, ou se ausentava para ir ao gabinete de algum outro colega ou fazer qualquer outra coisa que necessitasse de fazer dentro das instalações da Directoria do Norte da PJ.

55) Os gabinetes de ambas ficavam no mesmo piso; os gabinetes ficavam quase em frente um do outro; só deu conta do desaparecimento da arma quando dela necessitou para uma sessão de treino de tiro e abriu o estojo; e não se especule com o facto de não levar consigo a arma para casa, pois não estava afecta à investigação de homicídios, mas sim à investigação do crime económico, dela não necessitando no dia-a-dia, nem tinha tal hábito como o colega de gabinete YY que por força de anteriormente ter integrado uma unidade de combate ao banditismo, adquiriu o hábito de levar a pistola para casa aos fins-de-semana;

56) A Unidade Disciplinar da PJ, arquivou o processo disciplinar instaurado à inspectora BB considerando que ao deixar a arma guardada na gaveta da secretária, sem que diariamente verificasse se ali permanecia, não incorreu na violação de qualquer dever funcional;

57) Por isso é despropositado querer a recorrente que o tribunal, substituindo-se à entidade administrativa competente em matéria disciplinar, censure o seu comportamento, quando censurável foi o comportamento da arguida que lhe subtraiu a arma para com ela matar uma cidadã completamente indefesa;

58) A possibilidade de a arguida ser encontrada a sair das instalações com a arma da colega era nula, também segundo as regras da experiência, pois os inspectores não são revistados à saída;

59) E, especular com a hipótese de poder ter sido um terceiro estranho ao serviço a tirar a arma é um mero exercício inútil, apenas explicável com a intenção de confundir, esquecendo que foi o próprio marido da arguida a informar os investigadores da PJ de Coimbra que tinha desaparecido a arma da inspectora BB na PJ do Porto e a fazer a associação da esposa ao desaparecimento da arma com a morte da avó, quando estes nem sabiam do desaparecimento da pistola;

60) E é sintomático o facto de, no dia 06/11/2012, quando a inspectora BB deu conta do desaparecimento da pistola da gaveta da sua secretária, uma das primeiras colegas a quem participou o caso foi à arguida e é curioso que, foi a única que nunca, posteriormente, perguntou à inspectora BB se a pistola tinha aparecido;

61) Com a doença de uma colega mostrou-se solidária, mas com a colega a quem desapareceu a pistola não;

62) Assim, sobre a problemática da arma e da gaveta, também não incorreu a douta decisão recorrida em qualquer nulidade, erro notório na apreciação da prova, falta de fundamentação, ou omissão de pronúncia em relação a qualquer questão que devesse conhecer, como diz a recorrente;

63) Quanto às alegadas avarias no telemóvel que o desligavam  e às alegadas contradições de cartas do marido da arguida, DD, e aos Códigos TMN e ao fim- de-semana e dia 19/11/2012, invocadas pela recorrente, alega erro notório na decisão da prova, nulidade da decisão  e omissão de pronúncia;

64) Sobre esta matéria recorreu o Ministério Público da decisão do Tribunal de Júri, invocou erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto, como resulta de fls. 3871 a 3876, que foi reparada pela decisão recorrida;

65) Importante era saber se durante a tarde de 21/11/2012, dia da prática do crime, o telemóvel da arguida esteve desligado ou não;

66) A resposta só pode ser que foi desligado propositadamente pela arguida, perante os esclarecimentos que foram prestados por quem tem conhecimento sobre os códigos das operadoras e experiência sobre a matéria, mas bem mais esclarecedor é o facto de o próprio marido da arguida, desde a primeira hora, ter dado conta das várias tentativas infrutíferas para contactar nessa tarde com a arguida, quer para o telemóvel, quer para o telefone fixo de casa;

67) Não incorreu, por isso, também a douta decisão recorrida, sobre esta matéria, em erro notório na apreciação da prova, em qualquer nulidade ou em omissão de pronúncia como alega a recorrente;

68) Quanto ao trajecto Maia/Coimbra, o Ministério Público no recurso que interpôs da decisão do Tribunal de Júri invocou erro notório na apreciação da prova, como resulta de fls. 3876 a 3883, por não ter apreciado a prova de acordo com as regras da experiência comum, ao concluir que muito dificilmente a arguida poderia estar à hora em que ocorreu o homicídio em casa da vítima, quando isso era perfeitamente plausível, o que é contestado pela arguida;

69) A vizinha da arguida, a advogada BBB disse ter visto a arguida no átrio do prédio da sua casa na Maia cerca das 14h30, a qual reapareceu na Maia cerca das 19h35/19h40, quando foi buscar a filha ao infantário;

70) A arguida em julgamento disse que esteve a dormir e que acordou às 18 horas quando o despertador tocou;

71) Mas esta versão colide com o que era habitual fazer, pois essa era a hora a que ia buscar a filha ao infantário, e não o fez, dizendo que foi a uma loja de conveniência do Continente (Bonjour) com o intuito de comprar mangas, mas que não comprou, acabando só por volta das 19h30/19h40 ir buscar a filha, quando sabia que o infantário fechava às 19h30;

72) Para quem se diz mãe-galinha, este atraso é injustificável pelo padrão da normalidade de ir buscar a filha sempre por volta das 18 horas, e não é minimamente credível, por a excepção ter sucedido logo na tarde da morte da avó, sendo mais um elemento que ligado a todos os outros levou a que fosse dado por provado que se deslocou a Coimbra;

73) E tendo acordado como diz às 18 horas, e demorava tanto a arranjar-se, não tem explicação que às 18h17 já não estivesse em casa, pois o marido ligou para o telefone fixo de casa e não atendeu, e ainda menos tem qualquer justificação que não tivesse logo ido buscar a filha ao infantário e tivesse preferido ir passear para o Hipermercado Continente;

74) Sobre esta matéria a decisão recorrida pronunciou-se a páginas 212 a 213, 215 e 216, não dando como provado que a arguida tenha sido avistada no átrio do prédio cerca das 14h30 nem deu como provada a hora do crime, aceitando que o crime teria ocorrido no máximo entre as 15h53 e as 16h19, no seguimento de igual decisão nesta matéria pelo Tribunal de Júri, manifestando a decisão recorrida dúvida sobre a versão da advogada vizinha da arguida, não confirmada por qualquer outro meio, e aceitando a versão da testemunha SS, vizinha da vítima, confirmada pela facturação telefónica, já que disse em julgamento estar ao telefone quando ouviu o que poderá ter sido o primeiro disparo;

75) Também não deu como provado que, naquela concreta situação, uma pessoa demore entre 10 a 20 minutos a arranjar-se, nem que demore mais de 20 minutos no percurso urbano das cidades da Maia e Coimbra, remetendo para o auto de cronometragem, de fls. 404 a 406, feito sem utilizar qualquer lanço de auto-estrada, o qual atesta ser possível, e que foi percorrido pelos inspectores MM e II, e também para a possibilidade de ter utilizado a auto-estrada sem deixar rasto, como resulta da informação da Ascendi, concessionária da A7 e A11, a fls. 3 e 4 do Dossier 2, da informação de fls. 2204 a 2207, da informação da Brisa, de fls. 31, do Dossier 2, da informação da Via Verde, de fls. 1434, e da informação da Via Verde, de fls. 9 a 11, do Dossier 2;

76) A acrescer está a informação do marido sobre o gasto desmesurado de combustível que detectou no carro do casal na madrugada de 21 para 22 de Novembro quando se deslocou para Coimbra na sequência da notícia da morte da avó e a forma como a tentou “remediar”, o que a nível da convicção sobre a culpabilidade da arguida é mais um elemento a acrescentar a todos os outros;

77) Tal como é esclarecedor o esforço que fez em desmentir, o que inicialmente tinha dito aos inspectores sobre a limpeza do carro feita pela arguida antes de se deslocarem ambos no dia seguinte ao crime, à Directoria do Norte da PJ, para entregarem as armas que lhes estavam distribuídas, como realçou o Ministério Público no seu recurso, a fls. 3888 a 3893, desacreditando a “emenda” em que se envolveu em prejuízo da sua primeira versão;

78) Por isso, quando a arguida invoca erro notório na apreciação da prova, mais uma vez, não tem qualquer fundamento;

79) Quanto ao estado de saúde da arguida, o Ministério Público no seu recurso alegou também erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal de Júri, como resulta de fls. 3883 a 3888, erro esse que também foi reparado pela decisão recorrida;

80) A arguida alega no recurso o mesmo que alegou na resposta ao recurso do Ministério Público, ou seja, que as suas condições de saúde não lhe permitiam fazer a viagem da Maia a Coimbra;

81) A própria recorrente dá a resposta quando confessa que depois da operação a que foi submetida no dia 13/11/2012, voltou a conduzir no dia 20/11/2012, tal como no dia 21/11/2012, quando admite ter ido levar e buscar a filha ao infantário;

82) Os próprios médicos, referidos pela recorrente, não excluem a possibilidade de poder conduzir embora com limitações;

83) O Tribunal de Júri, como expressamente referiu o Ministério Público, a fls. 3885 e 3886, no recurso que interpôs, deu como provado que a partir de 17/11/2012, a arguida, paulatinamente, foi retomando as suas rotinas diárias, e, assim, no dia 20/11/2012, retomando as suas rotinas normais, como habitualmente fazia no seu dia-a-dia, conduzindo o seu veículo Golf, a arguida levou a sua filha, pelas 9h30, ao infantário, onde a deixou - continuando depois a relatar as voltas que deu pelo Centro Comercial Maia Jardim, pelo Hipermercado Continente Maia Jardim e na loja Well`s Maia Jardim, pelo McDonald`s da Maia, pelo infantário para recolher a filha, e pelo Hospital Privado da Boa Nova, em Perafita, Matosinhos, para uma consulta de pediatria da filha;

84) Este comportamento é bem demonstrativo da vida hiperactiva da arguida, dos hábitos consumistas de que o marido a acusou, tal como é uma demonstração que estava apta fisicamente a conduzir e a fazer o percurso e a cometer o crime em Coimbra;

85) Impressionante como no dia 20/11/2001, durante toda a manhã e toda a tarde não parou;

86) Portanto, segundo as regras da experiência, também esta matéria de facto se encontra bem apreciada e julgada e a douta decisão recorrida não incorreu nem em erro notório na apreciação da prova nem na nulidade que a recorrente lhe aponta;

87) Quanto às cartas do marido da arguida e das posições que assumiu no processo e as pretensas ameaças, é mais uma prova do esforço empreendido pelo marido que de marido receoso da mulher, e convicto da sua culpabilidade a 99,9%, passou a encobridor e a defensor da cabala, acusando os seus colegas de serem os culpados da acusação que foi feita à arguida pelo Ministério Público, esquecendo que no 7.º dia do aniversário da morte da avó, perante os tios ainda estava convencido dessa culpabilidade, que se prolongou até ao Natal de 2012, onde repetiu o seu convencimento aos seus familiares, “esquecido” das informações que prestou aos seus colegas investigadores, que no decorrer posterior da investigação se mostraram correctas e conformes às regras da experiência comum;

88) Compreende-se o porquê deste volte face, mas a um agente da PJ fica-lhe mal fazer o papel a que se prestou, quando foi a sua avó que foi morta pela sua mulher, a qual gostava muito dele como referiram em julgamento os familiares e a quem até ajudou monetariamente;

89) Este comportamento, eventualmente, é passível de lhe acarretar alguma punição por infracção disciplinar, não podendo o facto de lhe ter sido instaurado processo disciplinar, ser entendido como uma ameaça, como a recorrente sem qualquer razão faz;

90) Com este comportamento, conjugado com os demais elementos de prova, segundo as regras da experiência comum, é mais uma confirmação/certeza de que a arguida foi a autora dos crimes de peculato e homicídio pelos quais foi condenada;

91) Qualquer das nulidades invocadas pela arguida no n.º 7 das suas conclusões não se vê como possam vir a ser reparadas pelo tribunal recorrido, quando não incorreu em nenhuma delas, tal como não incorreu em qualquer dos vícios apontados ou na violação de qualquer princípio e quando as normas que invoca são constitucionais;

92) Praticamente todos os crimes têm por trás uma motivação e uma explicação e, neste caso, não foge à regra;

93) A morte da vítima foi provocada por uma reacção explosiva do seu inconformismo de se ver privada de mais uma fonte de receita através dos empréstimos da avó, e com o intuito de não devolver o dinheiro emprestado, e de deitar a mão à herança, pois com a sogra seria mais fácil consegui-lo;

94) A arguida mantinha uma relação distante com a família do marido, tem uma personalidade dominadora e muito determinada, às vezes com reacções violentas, conforme relato do próprio marido, e, na ocasião do crime passava uma fase de depressão, ingerindo por vezes antidepressivos com álcool, e o casal atravessava por algum aperto devido à vida que levavam, não se privando de nada;

95) Também o estado depressivo que atravessava teve algum relevo nesta decisão criminosa, pois é consabido que esta doença leva a que a realidade seja encarada de forma desfocada, podendo levar a que acontecimentos sem grande importância se materializem em reacções e comportamentos exacerbados e violentos, quando, como é o caso, se tem uma personalidade determinada e violenta, aliada a um consumismo compulsivo, e se quer manter uma vida acima das possibilidades;

96) A arguida não só teve os meios como teve um móbil para praticar os factos dados por provados, explicando o porquê de tanta raiva expressa exuberantemente, quando podendo matar com um tiro ou dois, despejou o carregador completo de uma arma de grosso calibre, mas que, apesar de ter preparado bem os crimes, na conjugação de todas as provas, foi feita inteira justiça.

   97)      Com a motivação do recurso junta vários documentos, não cumprindo o que dispõe o art.º 165.º, n.º 1, do CPP, que determina que os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, até ao encerramento da audiência;

                 98)      A grande maioria deles já os conhecia, mesmo antes de ser proferida decisão pelo Tribunal de Júri, e que não juntou, pelo que não o pode agora fazer;

                99)     Os que ainda não haviam sido produzidos antes dessa decisão e da decisão agora recorrida, apesar de a arguida lhes querer dar relevância dentro da estratégia da alegada “cabala” contra si urdida, nenhuma relevância têm para a decisão do presente recurso, pois a justiça faz-se no local próprio, que são os Tribunais.

Assim, por tudo o que fica alegado, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a douta decisão recorrida.
Mas, V.as Ex.as, como sempre, irão fazer, JUSTIÇA

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             O assistente EEE não respondeu à motivação do recurso.

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            Neste Supremo a Dig,ma Magistrada do Ministério Público, emitiu douto Parecer onde, nomeadamente alega:           

            “Questões prévias:

1.         Na resposta ao recurso interposto pela arguida o M. P. junto do tribunal da relação suscita a irrecorribilidade do acórdão quanto ao crime de peculato por a pena aplicada ser de 4 anos de prisão conforme dispõe a al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP.

Independentemente de haver acórdãos do Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade desta alínea e) nº 1 do art. 400º, depois das suas alterações, não me parece que em concreto e diretamente a arguida vise este crime, uma vez a questão colocada em crise no recurso tem outra dimensão que estará para além da condenação do crime de peculato.

É que tal como o MP refere, o peculato foi um crime meio ao ter sido utilizado uma arma que nunca foi encontrada mas que era do mesmo tipo dos utilizados pelos agentes da PJ, pelo que será imprescindível a sua análise para poder ser apreciado/discutido o crime de homicídio, designadamente quanto ao número de disparos e as circunstâncias em que se verificaram, os dias e os locais em que foram sendo encontrados sucessivamente os “invólucros” e os “projéteis”, conjugados com os meios de prova designadamente o relatório de autópsia.

E ainda porque até ao dia 21.11.2012 não tinha havido “furto” da arma o que só terá sido despoletado porque o homicídio foi cometido com uma arma tipo “Glock”. Aliás da fundamentação da alteração da matéria de facto resulta exatamente que as provas demonstraram que tendo o furto da arma da inspetora ocorrido entre 08.10 e 06.11.2012 e sido usada pela arguida em 21.11.2012, só puderam concluir que “aquela arma foi furtada com a intenção de poder vir a ser usada” (fls. 242 do acórdão).

 2. Os recursos dos acórdãos das relações interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito sobre decisões recorríveis que forem objeto do recurso e já não sobre matéria de facto incluindo os vícios p. no art. 410º do CPP.

           Sem prejuízo e excecionalmente o STJ, como tribunal de revista, por sua iniciativa (oficiosamente), conhecerá dos vícios dos nºs 2 e 3 do art. 410º do CPP que possam verificar-se no acórdão da relação e que não foram objeto do recurso interposto do acórdão pela arguida.    

           Algumas das considerações defendidas pela arguida/recorrente envolvendo diretamente matéria de facto não poderão ser objecto de recurso interposto do acórdão do tribunal da relação por ser irrecorrível nessa vertente.

2.1 A arguição de nulidades sobre matéria de facto provada terá de integrar uma qualquer nulidade absoluta p. no art. 119º do CPP e referida no nº 3 do art. 410º do CPP, para poderem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.

            E as nulidades do acórdão da relação suscitadas ao abrigo dos arts. 374º e 379º do CPP, pelo mesmo fundamento podem também ser objecto do recurso para o STJ.

Só não poderiam estas nulidades ser objeto de recurso se a decisão condenatória fosse irrecorrível por ter sido aplicada uma pena igual ou inferior a 8 anos de prisão na 1ª instância e tivesse sido mantida essa decisão condenatória no recurso no tribunal da relação.

Mas sobre estas questões de direito só nos podemos pronunciar na audiência.

3. Independentemente das questões suscitadas pela arguida/recorrente, parece-nos que o acórdão recorrido será demasiado extenso sobre questões anteriores e posteriores ao crime de homicídio da vítima e demasiado sucinto quando no crime em si e as suas consequências directas na vítima visada – pontos 69 a 71 e 73 a 75, pois quanto às causas da morte apenas são referidas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, toráxicas e abdominais que estão descritas no relatório de autópsia de fls. 1102 a 1115 que é dado como reproduzido.

Se se considerar como suficiente esta circunstância então surgem algumas questões que deverão ser suscitadas porque da matéria de facto resultam vícios p. no nº 2º do artº 410º do CPP e não só entre os factos como entre estes e a fundamentação que oficiosamente poderão ser conhecidos como resulta do artº 434º do CPP e da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça.

3.1 - Segundo nos parece há um erro notório quando está dado como provado que quando a arguida disparou 14 tiros sobre a vítima estavam de frente uma para a outra, uma vez que do relatório autópsia em que estão incluídas as fotografias resulta que a existência de localizações de orifícios de entrada tanto anteriores como posteriores e até laterais no corpo da vítima.

Só poderá resultar da leitura e apreciação do relatório da autópsia que os tiros foram disparados contra a vítima enquanto a mesma se encontrava de frente, de lado (certamente enquanto se virava) e de costas.

A sequência dos disparos e a posição da vítima tal como foram dados como provados – na sala, de frente uma para outra, próximas e empenhou a arma que levou com a mão direita, não se mostram devidamente balizados, tendo erradamente sido considerados em desacordo com o que resultou do relatório da autópsia – constatou-se a existência de localizações de orifícios de entrada tanto anteriores, como posteriores, a diversos níveis e das próprias fotocópias (fls. 1109 a 1113) ou até da informação inicial do relatório da mesma médica forense que esteve no local, que logo localizou diversos orifícios dispersos na parte posterior como anterior do tronco, membro superior esquerdo e membro inferior direito (fls. 1102).

A fundamentação dos factos provados é omissa quanto à posição da vítima no momento dos disparos.

E o relatório da autópsia resulta de uma exame pericial da responsabilidade da equipa da médica que também havia estado presente no local do crime.

3.2 – Não resulta, também segundo nos parece, que seja fundamentado devidamente o número de 14 projéteis que tenham atingido a vítima.

Em primeiro lugar os projéteis e as cápsulas não foram encontrados no momento da revista ao local no dia 21/11/2012, depois de ter sido retirado o corpo da vítima, pelos elementos da P.J..

O que está dado como provado é que nesse dia 21 e no dia 22 de Novembro foram encontrados 13 cápsulas (que até são mais pequenas que os projéteis).

Depois só no dia 23/11/2012, dois dias depois, foram encontrados 7 projéteis.

E curiosamente a capsula para o n.º 14, terá sido encontrada 6 dias depois do cometimento do crime, “atrás de um móvel”, sem ser referido o seu tamanho, mas que se encontrava na parede oposta à varanda.

Também está dado como provado que além dos 7 projéteis, encontrados 2 dias depois, foram recolhidos outros no corpo da vítima sem ser dito o seu número.

No entanto também resulta do relatório da autópsia que foram encontrados no corpo da vítima 4 projéteis (fls. 1103v, 1104 e dois a fls. 1105v), 2 fragmentos de chumbo proveniente de um projétil e mais três fragmentos de blindagem, provavelmente proveniente de blindagem que não foram enumerados no ponto 86 dos factos provados.

E também consta do mesmo relatório que o corpo da vítima tinha 24 orifícios mas no p. micro 7 e macro 7 fls. 1105v verifica-se a entrada de 2 projéteis no mesmo orifício da nadegueira a que leva a ter de corresponder pelo menos a 15 disparos com que a vítima foi atingida, independentemente das versões sustentadas pelos vários peritos sobre entrada e saída das balas e que não terá sido coincidente.    

Haveria pois, além da falta de fundamentação, contradição entre os factos provados e/ou erro notório.                

3.3 - Foi também dado como provado fls. 34,39,41 e 42 do acórdão/recorrido que a arma Glock da BB estava na última gaveta fechada à chave, que entre 8/10/2012 e 6/11/2012 a arguida AA entrou no gabinete daquela e apoderou-se da arma e carregador  com 14 munições (p. 39), e apesar do “módulo estar fechado à chave, aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta o mecanismo da tranca destrancava e as gavetas abriam(p. 42).

No entanto em 6/11/2012 a “inspectoraBB” foi buscar a arma “abriu a gaveta com a chave e verificou que a arma não estava no estojo(p. 41)”

3.3.1 - Ora destes factos dados como provados resulta que a gaveta estava fechada à chave no dia que a BB foi buscar a arma e a mesma não se encontrava lá, o que suscita contradição com o facto de arguida para ir matar a avó do marido, ter aberto a gaveta (p. 39) o que consegui segundo o p. 42 “aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos”

Se a gaveta foi aberta desta maneira nesse estado ficou e a BB não a podia ter encontrado fechada como a encontrou.

Dos factos provados não se pode concluir que a BB alguma vez tenha encontrado aberta a gaveta onde se encontrava a sua arma, nem que a gaveta se fechava com a pressão das mãos.

Haverá também um vício do n.º 2 do art. 410.º sobre o facto da arguida ira apoderar-se da arma da colega agente para ira “matar” a avó do seu marido, sem ficar apurado o motivo de tal homicídio.

3.4 – Ainda se encontra mais outra matéria de facto (ponto 64) que tal como as acima referidas foi também levante para considerar que a arguida Ana se deslocou a Coimbra, em hora indeterminada mas antes das 14h e 30, para falar com a vítima (ponto 66) e disparar com o propósito de tirar a vida (p. 104) e se ter ficado determinado qual a hora ainda que provável em que o fez.

Ficou provado primeiro que a arguida depois de deixar a filha (no infantário) pelas 9h 30m e 50s, ligou para o marido e a partir desse momento, “desligou” o telemóvel para não ser localizada e assim manteve pelo menos entre as 13h e 22m e as 19h e 24m e 21s.

Não se percebe como é que o telemóvel foi desligado pelas 9h 30m 50s depois de falar com o marido para se mostrar provado também que o manteve entre as 13h e 22m e o fim a tarde.

Ou bem que esteve desligado o telemóvel desde as 9h 30m e 50s ou bem que esteve desligado pelo menos das 13h e 22m às 19h 24m e 15 s.

4 - Todas estas questões que não foram suscitadas pela arguida/recorrente AA podem ser decididas oficiosamente pelo Supremo Tribunal de Justiça por constituírem vícios p. no art. 410.º, n.º 2 do CPP, conforme é jurisprudência unanime deste Supremo Tribunal, pois a sua incongruência, não passa despercebida à observação normal de um homem médio, havendo alguma incompatibilidade no espaço, tempo e até de circunstâncias entre os factos, não podendo ser possível apreciar por projecções de probabilidade.

E também a contradição insanável da fundamentação porque através de um raciocínio lógico se verifica que a decisão não ficou suficientemente esclarecida, dada a contradição entre os fundamentos.

Segundo nos parece verifica-se um conflito inultrapassável entre os factos provados, tornando todos eles inviável a decisão da condenação da arguida pelo crime de homicídio (seguindo de perto o Comentário do Cons. Pereira Madeira e os acórdãos do STJ indicados na anotação ao art. 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, Comentado).

5 – Sobre as questões de direito suscitadas pela arguida/recorrente AA, como inicialmente referimos só nos podemos pronunciar em audiência de julgamento, enquanto as que suscitamos só poderão ser conhecidas prévia e oficiosamente bem como outras que os Exmos. Conselheiros reconheçam e apreciem (arts. 410.º, n.º 2 e 3, 431.º, al. e) 434.º do CPP).”

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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.

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            Foi a requerida audiência oportunamente designada pelo Exmo Presidente, e, cumpridos os vistos, realizou-se de harmonia com as formalidades legais.

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Consta do acórdão recorrido:

            “IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

            Cumpre, agora, decidir a matéria de facto.

A - Factos provados:

- mantêm-se inalterados os factos constantes dos pontos 1 a 9 da matéria provada; [que têm a seguinte redacção::

1 - A arguida é licenciada em Direito, exercendo as funções de Inspectora da PJ desde 27.10.2005, tendo sido admitida na Escola de Polícia Judiciária em 23.10.2003 e como estagiária em 22.10.2004.

2 - Desde Janeiro de 2006 que está notada com a classificação de Muito Bom.

3 - Está colocada na Directoria do Norte, sita no Porto, desde 20.11.2007. Pelo menos a partir de Março de 2008 que aí sempre tem exercido funções em Secções tendo por objecto a investigação da criminalidade económica, designadamente na 1ª Secção da Secção Regional de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica Financeira e na 1ª Brigada da Secção Regional de Investigação da Corrupção.

4 - Em termos disciplinares, no âmbito do PD nº 50/2011-UDI, foi aplicada à arguida a pena de repreensão escrita, ficando o registo suspenso pelo período de um ano, por factos praticados no exercício das suas funções em 22.6.2011, consubstanciados em violação do dever de correcção, medida que foi aplicada por decisão do Director Nacional da PJ de 31.5.2012, da qual foi interposto recurso hierárquico, sendo este indeferido por despacho da Ministra da Justiça de 3.12.2012, mantendo-se inalterado o acto recorrido.

5 - A arguida é casada com DD, também Inspector da PJ, a exercer funções na Directoria do Norte, sendo este neto da vítima HHH.

6 - A arguida e seu marido têm residido na avenida ..., local onde moravam à data da morte da HHH, ocorrida em 21.11.2012.

7 - Têm apenas uma filha, com eles residente, nascida em 11.3.2009.

*

I - Da situação económica da arguida e de seu marido

8 - Entre Julho e Dezembro de 2012, a arguida e seu marido, nas contas bancárias n.º 0-3791501, do BPI (ambos titulares), n.º ..., do ActivoBank - Millennium BCP (Carlos Coelho titular) e n.º 0131000120800, da CGD (arguida titular), tiveram os seguintes fluxos financeiros:

Valores do Total do Período (Julho a Dezembro de 2012)

Descritivo                                           Entradas €                              Saídas €

Remunerações                                              19.138,12     

Depósitos                                          4.150,00       

Transferências                                              637,25                                               3.674,23

Levantamentos                                                                                             2.530,00

Pagamento cartões de crédito                                                                     10.202,00

Empréstimo Habitação                                                                                 2.793,98

Cheques                                                                                           406,36

Subscrição Poupança                                                                        300,00

Pagamento Serviços                                                                         785,59

Compras                                                                                           1.789,43

Pagamentos                                                                                      910,95

Juros Devedores                                                                               63,53

Seguro                                                                                                          59,40

Total                                                   23.970,37                              23.515,47

9 - No dito período o total das entradas, € 23.970,37, foi superior ao total das saídas, € 23.515,47, resultando uma diferença de € 454,90. Contudo, tal só ocorreu em resultado de ter havido entradas adicionais de depósitos e transferências nos valores totais de € 4.150,00 e € 637,25, respectivamente.

- o ponto nº 11 passa a ser o ponto nº 10;[que tem a seguinte redacção

10 -No que respeita a cartões de crédito, por referência à mencionada conta que possuíam no BPI, a arguida e marido eram titulares dos cartões Visa Universo n.ºs .... (antes cartão ...) e .... (antes cartão ....), associados às contas cartão n.ºs ... e ..., respectivamente.]

- alteram-se os pontos 11 e 12, que passam a ter a seguinte redacção:

11 - Parte dos depósitos referidos em 9, no montante de € 1.670,00, teve proveniência em levantamentos efectuados nas contas sedeadas no BPI e na CGD através do cartão de crédito nº ... e quanto ao restante montante depositado, no total de 3.117,25 €, não foram identificados os levantamentos ou somas de levantamentos que estiveram na sua origem, tento ele proveniência de contas não pertencentes ao casal.

12 - Os cartões de crédito eram utilizados para pagamento de despesas correntes no nosso país, mas também em deslocações, estadias e despesas ao estrangeiro (vd. designadamente pagamentos de 17.7.2012 - viagem de avião e 23.8.2012 - restaurante em Barcelona (cartão DD); 16.9.2012 à Logitravel (cartão AA).

- mantêm-se inalterados os factos constantes dos pontos 13 a 26.[que têm a seguinte redacção:

13 - Possuía ainda a arguida, por referência à conta n.º ...., da CGD, de que era titular, o cartão Visa Soma n.º ..., que também utilizava.

14 - O seu marido, relativo à conta DO n.º ..., que possuía no ActivoBank, tinha o cartão Visa Classic n.º ..., que usava, como fez designadamente em 24.8.2012 em Barcelona.

15 - O valor mensal dos pagamentos com todos os cartões de crédito supra descritos representava cerca de 50% do valor das remunerações que o casal auferia.

16 - Suportavam ainda o reembolso mensal de um crédito hipotecário que haviam contraído perante o BPI para aquisição da casa onde residiam, efectuado através de débito na referida conta à ordem de que eram titulares, o qual ascendia em 2012 ao valor médio mensal de cerca de 465,00.

17 - Em 1.11.2012, o casal tinha em dívida perante a administração do condomínio do prédio onde morava o montante de € 134,23, ascendendo já a dívida a € 574,30, isto em 1.2.2013.

18 - Durante o ano de 2012, o marido da arguida recorreu pelo menos 2 vezes aos préstimos da sua avó HHH para que lhes emprestasse dinheiro.

19 - Assim, a esse título, em 2012, a avó do DD entregou-lhe, pelo menos, as seguintes quantias:

- em data não apurada, € 500,00 (quinhentos euros);

- em 20.2.2012 a vítima preencheu e assinou o cheque n.º ..., no montante de € 1.000,00 (mil euros), sacado sobre a conta n.º ..., do Santander Totta, de que era titular, cheque que emitiu à ordem do neto e lho entregou.

20 - Em poder desse cheque, o DD depositou-o na conta n.º ..., do BPI, de que era co-titular com a arguida, o qual foi apresentado no Serviço de Compensação em 23.2.2012, tendo recebido a quantia nele titulada.

21 - Para amortização de todos estes empréstimos, conforme havia combinado com a avó, o DD e a arguida foram entregando mensalmente à HHH determinadas quantias em dinheiro, mediante transferência bancária de contas que o casal possuía para a conta de DO n.º ..., do Santander Totta, de que aquela era titular, perfazendo o montante global de € 500,00, nas datas e do modo a seguir discriminado:

- 23.5.2012 - € 50,00 - proveniente da conta nº ...., domiciliada no ActivoBank, de que era único titular o DD, mediante ordem de 22.5.2012;

- 22.6.2012 - € 50,00 - proveniente da referida conta nº ..., domiciliada no ActivoBank, mediante ordem dada nesse mesmo dia;

- 25.7.2012 - € 50,00 - proveniente da mesma conta nº ..., domiciliada no ActivoBank, mediante ordem de 24.7.2012;

- 7.9.2012 - € 50,00 - proveniente da conta nº..., do BPI, de que a arguida e marido eram titulares, ordem dada em 6.9.2012;

- 28.9.2012 - € 150,00 - proveniente da conta nº ..., do BPI, de que a arguida e marido eram titulares, ordem dada em 27.9.2012;

- 25.10.2012 - € 150,00 - proveniente da conta nº ...., do BPI, de que a arguida e marido eram titulares, ordem dada em 24.10.2012.

22 - Em 17.8.2012 o DD depositou na conta nº ..., do BPI, de que era titular com a arguida, em caixa automática, sita na avenida Calouste Gulbenkian, em Coimbra, pelas 15h37m desse dia, mediante utilização do cartão multibanco n.º ...., por si titulado a quantia de 1.000,00 Euros em numerário.

*

II - Da situação pessoal e económica da vítima HHH

23 - A HHH, nascida em ...., residia sozinha num apartamento, sua propriedade, sito na rua ....

24 - À data do seu óbito, ocorrido em 21.11.2012, a vítima, NISS ..., então com 80 anos, auferia uma pensão de velhice processada pelo Centro Nacional de Pensões, no montante mensal de € 379,04, sendo pensionista desde 31.10.1995.

25 - Em tempos, a vítima explorou um talho no Marcado Municipal de Coimbra, de onde retirou consideráveis proveitos económicos.

26 - Por ser uma pessoa muito económica, dos rendimentos que foi obtendo ao longo da sua vida logrou amealhar um elevado pecúlio monetário, pelo que tinha, à data do seu óbito, as seguintes poupanças nas instituições bancárias infra indicadas:

Santander Totta (As contas DP e DO eram co-tituladas pela vítima e sua filha III). A quantia total de € 111.211,64, assim discriminada:

• Seguro Rendimento Campeão - € 35.000,00 (Era tomadora do seguro a HHH e beneficiária em caso de morte a filha III, seguro constituído em 10.7.2007 e termo em 30.10.2015);

• Seguro Financeiro Premium - € 25.000,00 (Era tomadora do seguro a HHH, sendo beneficiários em caso de morte os seus herdeiros legais, em conjunto, na proporção do respectivo título sucessório, seguro que foi constituído em 28.4.2008.

Esta apólice, que tinha o prazo de 5 anos, encontra-se anulada por termo do contrato desde 28.4.2013, tendo o seu valor sido creditado na conta DO nº ..., de que vítima e filha eram co-titulares.

• Depósito a Prazo Garantido, correspondente à conta DP nº ...., associada à conta DO nº ... - € 50.000,00 (constituído em 13.11.2012).

Este DP foi liquidado em 30.4.2013, tendo o seu valor sido transferido para a conta DO nº ..., de que são titulares a III e marido.

• Conta Rendimento Poupança nº ...., que possuía em 21.11.2012 a quantia de € 1.000,00.

• Conta Depósito à Ordem nº ...., que possuía em 21.11.2012 o saldo de € 211,64.

Montepio Geral (contas co-tituladas pela vítima e filho JJJ). A quantia total de € 67.310,18, assim discriminada:

• Depósito a Prazo - Montepio Aforro Prémio 2012 1a Série, correspondente à conta n.º ...., no montante de € 35.000,00, constituído em 30.1.2012.

Este DP foi mobilizado e transferido o seu valor em 10.1.2013 para a conta DO n.º.....

• Conta Depósito à Ordem nº ...., a qual possuía o saldo de € 1.396,69 à data da sua morte.

Esta conta foi liquidada em 10.1.2013 e transferida nessa data a quantia de € 36.374,08 (resultante do mencionado montante de € 35.000,00 + saldo de € 1.378,24 - despesas de transferência e imposto), para a conta ...., de que era titular o referido JJJ, na qualidade de herdeiro.

• Seguro de capitalização - Montepio Rendinvest 2007, correspondente à Apólice nº 02.000.341, conta fundo nº ..... com início em 30.7.2007 e com termo previsto para 30.7.2015, no qual a pessoa segura era a HHHH e beneficiário o filho JJJ, com o capital inicial de € 28.490,00, que em 31.10.2012 ascendia a € 30.913,49, o qual foi liquidado por falecimento daquela e paga a indemnização ao beneficiário JJJ em 28.1.2013, no montante de € 29.237,78.

- alteram-se os factos constantes dos pontos 27, inclusive, e seguintes, nos termos que se seguem:

27 - Em 1-8-2011 a arguida passou a ser seguida pelo psiquiatra dr. ...., do Hospital de Dia da Maia, que lhe diagnosticou sintomatologia compatível com o diagnostico de síndrome depressiva.

28 - A arguida foi seguida até 18-10-2012, teve 9 consultas na totalidade, e nesta data estava medicada com Escitalopram - 20 mg/dia, Lorazepam - 1 ou 2 mg/dia, Loflazepato de etilo - < ou = 6 mg/dia.

29 - HHH tinha avultados recursos económicos, que a arguida e o marido conheciam.

30 - O gabinete da arguida era no mesmo piso do gabinete da inspectora BB e quase em frente.

31 - Em 20-9-2011 foi distribuída à inspectora BB, como arma de serviço, 1 Glock calibre 9x19 mm, também chamado calibre 9 Luger ou 9 Parabellum, modelo 19, com o n.º de série PBW136, no valor de € 316,32.

32 - Também lhe foram distribuídos dois carregadores, de 15 munições cada, e uma caixa com 50 munições da marca Sellier & Bellot, modelo JHP/jacket hollow point, 115 grains, expansivas, lote 09.

33 - Estas eram as munições distribuídas pelos inspectores da P.J. para uso operacional.

34 - A arma estava sempre guardada, com um carregador metido, o outro carregador e as munições na última gaveta do módulo de gavetas da secretária de BB, dentro do respectivo estojo, e as gavetas estavam fechadas à chave.

35 - Ao tempo BB municiava os carregadores com 14 munições e o carregador que estava inserido na arma estava municiado com 14 munições.

36 - A inspectora só tirava a arma quando saía para uma situação operacional ou quando ia à carreira de tiro.

37 - A última vez que BB tirou a arma para a levar para uma diligência foi em 8-10-2012.

38 - Quando regressou guardou a arma no local habitual.

39 - Entre 8-10-2012 e 6-11-2012 a arguida entrou no gabinete de BB, abriu a gaveta onde a arma, carregadores e munições estavam guardados e apoderou-se da arma e do carregador, municiado com 14 munições, que estava inserido na arma.

40 - No dia 6-11-2012 a inspectora BB tinha sessão de treino na carreira de tiro e foi buscar a arma, para a utilizar.

41 - Abriu a gaveta com a chave e depois abriu o estojo e verificou que a arma não estava nem estava o carregador que estava inserido na arma.

42 - Durante a diligência de recolha de impressões digitais no módulo de gavetas atribuído à inspectora BB, e onde ela guardava a arma, carregadores e munições, verificou-se que, com o módulo fechado à chave, aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta o mecanismo de tranca destrancava e as gavetas abriam.

43 - Na época BB e o colega de gabinete, XX, partilhavam dois inquéritos com muitas escutas telefónicas e ambos passavam grande parte do dia na sala das intercepções, situada dois pisos acima do piso onde se situava o seu gabinete.

44 - As pessoas que frequentam as instalações da Directoria do Norte da P.J., são controlados à saída das instalações.

45 - A arguida foi intervencionada no Hospital Privado da Trofa no dia 13-11-2012 pela equipa cirúrgica chefiada pelo médico dr. ..., a um mioma uterino, tendo sido submetida a uma miomectomia via vaginal (ressectoscopia) e colporrafia posterior e teve alta no mesmo dia.

46 - Até ao dia 17-11-2012 os pais da arguida estiveram em casa da filha para prestarem apoio a ela e à família.

47 - Paulatinamente a arguida foi retomando as suas rotinas diárias.

48 - No dia 19-11-2012 o marido da arguida, DD, não foi trabalhar.

49 - De manhã a arguida levou a filha ao infantário por volta das 9h30, às 11h41m38s encontrava-se em local servido pela célula da TMN Nogueira Porto-3 (célula dominante na zona do Centro Comercial Maia Jardim) e pelas 12h42m51s encontrava-se em local servido pela célula Trofa Centro-1.

50 - A arguida teve uma consulta no Hospital Privado da Trofa com o médico que lhe fez a cirurgia, foi acompanhada do marido e foram no automóvel da arguida, Volkswagen Golf, de cor cinzenta, matrícula ...-ZJ.

51 - No regresso almoçaram no Hotel Internacional do Porto e estiveram na cidade entre as 14h00m13s e as 17h06m18s.

52 - Depois, ainda no veículo da arguida, foram buscar a filha ao infantári..., onde a menina anda, pelas 17h30m.

53 - No dia 20-11-2012 o marido da arguida foi trabalhar e deslocou-se para as instalações da Directoria do Norte no Metro do Porto, como era habitual, fazendo uso do cartão n.º ..., dos Transportes Intermodais do Porto (TlP): entrou na estação Fórum da Maia, pelas 7h55m, mudou de linha na estação da Trindade, pelas 8h26m e saiu na estação de Salgueiros, ambas no Porto.

54 - Regressou a casa já depois das 18h, voltando a utilizar os TlP, entrando na estação de Salgueiros pelas 17h33m e na da Trindade pelas 17h45, seguindo em direcção à do Forum da Maia.

55 - Nesse dia a arguida, retomando as suas rotinas normais, como habitualmente fazia foi levar a filha ao infantário, no seu veículo Golf, pelas 9h30m.

56 - Depois dirigiu-se ao Centro Comercial Maia Jardim, sito na Maia, ao volante do veículo, onde permaneceu pelo menos entre as 10h08m55s e as 12h59m45s.

57 - Aqui a arguida efectuou compras no hipermercado Continente Maia Jardim e na loja Well's Maia Jardim, onde utilizou o cartão de Cliente Continente nº ...., relativo à conta nº ...., titulado pelo seu marido, isto pelas 11h38 e 12h11 (Continente) e 12h42m (Well's).

58 - Nas aquisições realizadas pelas 12h11 e 12h42, nos montantes de € 28,41 e € 8,27, a arguida utilizou como meio de pagamento o seu cartão Visa Electron Universo, do Banco BPI, emitido em seu nome, relativo à conta que aí possuía n.º ..., de que era titular com seu marido.

59 - Depois de sair do centro comercial dirigiu-se ao McDonald's da Maia, ao volante do seu veículo Golf, onde pelas 13h06m, no McDrive, adquiriu produtos aí comercializados, que pagou com o seu cartão multibanco relativa à conta n.º ..., da CGD, de que era titular.

60 - Após abandonou o local sempre a conduzir a sua viatura

61 - Cerca das 15h30m a arguida foi buscar a filha ao infantário e depois dirigiu-se ao Hospital Privado da Boa Nova, sito em Perafita, Matosinhos, onde a filha tinha agendada uma consulta de pediatria.

62 - Em 21-11-2012 o marido da arguida foi trabalhar, deslocou-se para as instalações da Directoria do Norte da PJ no Metro do Porto, fazendo mais uma vez uso do cartão nº ..., dos Transportes Intermodais do Porto, entrou na Estação Fórum da Maia, pelas 7h52m, mudou de linha na estação da Trindade, pelas 8h26m e saiu na estação de Salgueiros, ambas no Porto.

63 - Também como era habitual a arguida levou a sua filha ao infantário ... no seu automóvel, entre as 9h00 e as 9h30.

64 - Depois de deixar a filha, pelas 9h30m50s, em local servido pela célula GSM Nogueira-Porto 3, a arguida ligou do seu telemóvel n.º .... para o de seu marido, n.º ...., e a partir deste momento desligou o telemóvel para não ser localizada e assim o manteve pelo menos entre as 13h22m e as 19h24m21s.

65 - No dia 21-11-2012 III e o marido tinham almoçado com a vítima, como era habitual às 4ª feiras e sábados, e às 15h45 a filha já tinha ido para o ACM, onde tinha uma sessão de sauna às 16h, e o genro para sua casa, sita na rua ...., Coimbra.

66 - Neste dia, antes das 14h30, a arguida deslocou-se a Coimbra para falar com a vítima, envergando o blusão cinzento, comprido, marca In Extenso, e dirigiu-se a casa da vítima sita na rua ....

67 - Na deslocação a arguida trouxe consigo a arma e o carregador, municiado com 14 munições, de BB.

68 – Estavam distribuídas à arguida e ao marido duas armas Glock, calibre 9 mm Parabellum (9x19 mm ou 9 mm Luger), modelo 19, respectivamente com os nºs de série PBW133 e LZF467.

69 - Chegada a Coimbra a arguida dirigiu-se a casa da vítima, tocou a campainha e quando a vítima viu de quem se tratava abriu a porta.

70 - A arguida entrou na habitação e a certa altura empunhou a arma que levou com a mão direita e disparou sobre a vítima 14 tiros.

71 - Na altura arguida e vítima estavam na sala, de frente uma para a outra, próximas, e a vítima estava de costas para a porta-janela existente.

72 - Devido à forma como empunhou a arma e devido ao número de tiros a corrediça da arma provocou na mão direita da arguida ferimento na face dorsal da região do primeiro espaço interdigital da mão, oblíquo para baixo e para dentro, mais profundo a nível da sua metade distal e mais superficial na porção proximal, medindo 2 cm de comprimento por 3 mm de maior largura, ferimento na metade medial e distal da face dorsal da falange proximal do 2º dedo da mão direita, disposto transversalmente, medindo 4 mm de comprimento por 2 mm de largura e ferimento na metade proximal da face dorsal da falange intermédia do 2º dedo da mão direita, oblíquo para baixo e para dentro, medindo 6 mm de comprimento.

73 - A vítima foi atingida pelos 14 projécteis, que lhe causaram lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas e abdominais, descritas no relatório de autópsia de fls. 1102 a 1115, que aqui se dá por reproduzido, que foram causa necessária e directa da sua morte.

74 - A arguida sabia que as zonas do corpo visadas com os projécteis deflagrados continham órgãos vitais que, sendo atingidos, lhe poderiam causar a morte, como causaram;

75 - Com o impacto dos projécteis a vítima foi sendo projectada para trás e ficou caída no chão, na posição de sentada, com o tronco direito, encostada à porta-janela.

76 - De seguida a arguida saiu e fechou a porta de entrada da casa à chave.

77 - Depois a arguida dirigiu-se ao seu veículo conduziu até à Maia, dirigiu-se ao infantário ... e pegou a filha pelas 19h35/19h40.

78 - A hora normal de a arguida buscar a filha é pelas 18h.

78 - Na ocasião a arguida vestia o blusão comprido cinzento, marca ln Extenso, e calçava umas sapatilhas claras.

80 - Desde cerca das 20h30 do dia 21-11-2012 a filha da vítima tentou contactar telefonicamente a sua mãe diversas vezes, ligando para o seu telefone fixo n.º ..., mas nunca foi atendida e por isso ela decidiu ir a casa da mãe, com o marido, ver se alguma coisa se passava.

81 - Saíram antes das 21h30, quando chegaram a casa da vítima tocaram à campainha ela não atendeu e pediu à vizinha da mãe que também tinha uma chave da casa desta para lhes abrir a porta e quando entraram encontraram a vítima sem vida.

82 - Às 21h29m56s telefonaram para o 112, foi accionada a emergência médica e a comparência das autoridades.

83 - No decurso das investigações efectuadas pela P.J. em 21 e 22-11-2012 foram encontradas na sala onde a vítima estava 13 treze cápsulas deflagradas.

84 - Em 23-11-2012 foram apreendidos 7 projécteis na mesma sala.

85 - Em 27-11-2012, por detrás de um móvel existente na parede oposta à varanda, foi encontrada mais 1 cápsula deflagrada.

86 - No âmbito da autópsia realizada foram recolhidos mais projécteis no corpo da vítima, bem como fragmentos de munições.

87 - Em 22-11-2012 a arguida e seu marido, quando estavam em casa, foram contactados pelo inspector CC, cerca das 17h30, para se deslocarem à Directoria do Norte para entregarem as armas que lhes estavam distribuídas.

88 - Antes de seguirem para a Directoria a arguida foi buscar a filha ao infantário, tendo-a pegado pelas 19h.

89 - De 24 para 25-11-2012 a arguida e o marido foram à Maia, em veículo da P.J. e na companhia de CC e LLL.

90 - CC pediu à arguida se ela podia entregar a roupa que tinha usado no dia 21.

91 - A arguida anuiu e dirigiu-se a um quarto, acompanhada pelo inspector CC, e tirou de um cabide que estava ao fundo da cama o blusão cinzento, marca In Extenso, que entregou.

92 - Depois foi a outro local buscar umas calças de ganga azul, marca Mango, e umas sapatilhas pretas, marca Nike, que também entregou.

93 - As sapatilhas foram colocadas num saco de plástico, de supermercado, que a arguida disponibilizou, o saco foi atado e foi colocado dentro de um saco PEB, por cima do saco de plástico contendo as sapatilhas foram colocadas as calças dobradas e por cima foi colocado o blusão dobrado.

94 - Depois o inspector CC fechou o saco PEB fazendo duas dobras no saco e pôs-lhe fita cola.

95 - O saco foi colocado na bagageira do veículo e foi de lá retirado por CC, quando chegaram às instalações da Directoria do Centro da P.J.

96 - CC guardou o saco no armário do gabinete, onde guardam os processos da brigada, e foi retirado no dia 27-11-2012, cerca das 20h, e GG tirou fotografias ao material apreendido.

97 - CC retirou o saco do armário, abriu o saco e retirou o blusão, depois as calças e depois o saco de plástico que continha as sapatilhas e tirou as sapatilhas.

98 - Colocou tudo no chão do seu gabinete, tendo o blusão sido colocado com as costas apoiadas no chão, as calças com a parte de trás e as sapatilhas com as solas.

99 - Decidiram colocar o material no chão porque no local não são depositadas armas nem munições apreendidas, não são disparadas armas, e o chão é diariamente varrido, limpo com esfregona e com cera, entre as 18h e as 19h.

100 - No [dia]27-11-2012 o chão do gabinete de CC teve esta limpeza.

101 - Depois de tirarem as fotografias CC voltou a arrumar o material, colocando as sapatilhas dentro do saco de plástico e este dentro do saco PEB, por cima as calças dobradas e por cima o blusão dobrado, fez dobras no saco, como tinha feito da primeira vez, e arrumou-o no mesmo armário.

102 - Feito exame pericial ao blusão e calças apreendidas no LPC resultou que as calças não continham vestígios de resíduos de disparos de arma de fogo e no blusão foram recolhidas cinco partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão, constituídas por chumbo, antimónio e bário, do mesmo tipo das detectadas nos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains.

103 - Os resíduos depositaram-se no blusão quando a arguida disparou sobre a vítima.

104 - A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente ao disparar as 14 munições sobre o corpo da vítima HHH e com o propósito de lhe tirar a vida.

105 - A arguida sabia que as zonas do corpo visadas com os disparos continham órgãos vitais que, sendo atingidos, lhe poderiam causar a morte.

106 - A arguida agiu de modo deliberado e consciente ao apoderar-se da pistola Glock distribuída a BB, do carregador e das 14 munições que o municiavam, integrando-os no seu património.

107 - A pistola tem o valor de € 316,32 e cada uma das munições custa € 0,20.

108 - A pistola, carregador e munições eram propriedade da P.J. e estavam distribuídas a BB por razões de serviço.

109 - A arguida agiu com intenção de fazer sua a arma e munições, ciente que o estava a fazer contra a vontade da proprietária das mesmas e da respectiva utilizadora.

110 - A pistola e carregador nunca foram recuperados.

111 - A arguida sabia que todas as condutas eram proibidas e punidas por lei.

112 - AA é a primogénita de dois descendentes nascidos na constância do casamento dos progenitores, sendo a dinâmica da família descrita como normativa e salientada a coesão, o diálogo e as relações de afecto entre os seus elementos.

113 - O percurso académico da arguida decorreu sem problemas, tendo concluído o curso de Direito com 23 anos.

114 - Posteriormente efectuou estágio de advocacia, com a duração de 18 meses e passou então a exercer esta actividade, abrindo o seu próprio escritório, o qual manteve dois anos.

115 - Em paralelo colaborava com uma empresa de energias renováveis, onde prestava apoio jurídico, actividade que manteve após o encerramento do seu escritório.

116 - Em 2003 integrou a Polícia Judiciária, tendo frequentado o respectivo curso durante um ano.

117 - Depois passou a inspectora estagiária durante igual período, exercendo funções em Lisboa e Coimbra.

118 - Em 2005 foi colocada na directoria do Porto mas fez uma comissão de serviços nos Açores, onde permaneceu até Novembro de 2007, conjuntamente com o marido, com quem havia casado em Novembro de 2005.

119 - De volta ao continente integrou a Directoria do Norte, onde exerceu funções até à sua reclusão, ocorrida em 26-11-2012 e durou cerca de 6 meses.

120 - Depois foi suspensa de funções, advindo os proventos da família do trabalho do cônjuge, também inspector da polícia judiciária, o qual aufere € 1371.56.

121 - Quando regressou dos Açores o casal fixou residência na cidade da Maia, onde adquiriu habitação.

122 - Da união existe uma descendente.

123 - A arguida é descrita como responsável, zelosa pelo bem-estar dos que lhe são próximos, designadamente da descendente, sendo que com a família alargada da própria mantém relações de proximidade afectiva sendo frequente o contacto e convívio com os mesmos.

124 - Desde a suspensão da arguida o agregado beneficia da colaboração económica dos pais de AA, os quais assumem o pagamento do infantário da descendente, cujo valor mensal oscila entre 300 e 350 €, assegurando o casal as despesas de habitação e subsistência, tendo encargos mais significativos com o crédito hipotecário da ordem dos 451 € mensais.

125 - Na vertente social são-lhe atribuídas características de respeito pelas regras de civilidade e prestabilidade, sendo-lhe ainda assinalado o envolvimento em causas de solidariedade, designadamente de angariação de fundos para apoio a uma amiga que sofreu de doença oncológica.

B - Factos não provados:

1) O pedido de empréstimo à vítima feito pelo marido da arguida deveu-se às dificuldades económicas que o casal ia sentindo para equilibrar as suas contas em 2012.

2) O marido da arguida recorreu por três vezes aos préstimos da sua avó para que lhe emprestasse dinheiro.

3) A vítima emprestou em 17.8.2012, a quantia de € 1.000,00, em numerário.

4) A arguida, decorrente das dificuldades económicas que ela e o cônjuge iam sentindo para fazer face a todas as despesas do seu dia-a-dia, não se conformava com a circunstância da avó de seu marido não os ajudar mais em termos financeiros, ainda por cima obrigando-os a pagar mensalmente prestações por conta do dinheiro que lhes havia emprestado.

5) Por isso decidiu matá-la, quer para evitar terem de continuar a pagar-lhe o dinheiro emprestado, quer na expectativa que com a sua morte parte do dinheiro que aquela possuía viesse a chegar ao casal, por intermédio do marido.

6) A arguida acreditava que assim o dinheiro que a vítima possuía seria partilhado entre os seus dois únicos filhos e que sua sogra, uma vez recebida a sua parte na herança, ao passar a dispor de recursos financeiros que antes não tinha começaria a ajudá-los economicamente, tanto que seu marido DD era filho único.

7) Na sequência do propósito formulado decidiu não utilizar nem a pistola que lhe estava distribuída a si nem a que estava distribuída ao marido para não ser relacionada com o crime de homicídio que tinha resolvido cometer.

8) Depois de ter retomado as rotinas diárias a arguida decidiu pôr em prática o seu plano já antes traçado de matar a avó de seu marido.

9) Na sequência do desígnio criminoso já antes tomado a arguida decidiu que no dia 21-11-2012 se deslocaria a Coimbra, a fim de matar a avó de seu marido.

10) Nesse dia, antes de ir buscar a filha ao infantário arguida levou o seu veículo a local não apurado, onde providenciou pela sua lavagem exterior e aspiração interior.”

-

            Há que apreciar para decidir.

            A recorrente suscita as seguintes questões:

- Inconstitucionalidade do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, nas interpretações normativas que descreveu:

Inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, e art.º 432.º , n.º 1, al. c), ambos do CPP, e do art.º 13º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual aquele art.º 400, n.º 1, al. e) do CPP, com a redacção conferida por aquela lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redacção anterior – ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto –  sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, atento o disposto no n.º 1, do art.º 13.º do Código Civil - “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada”; tudo por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29º, n.º 1, e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa)

  Inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, nº 1, alínea e), na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e 432º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, revogando acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tudo por violação do efectivo direito a recurso consignado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP como uma das fundamentais garantias de defesa do arguido e do princípio de Estado de Direito democrático (art.ºs 2º e 3º da CRP), bem como dos seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento.

    Inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e) na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21/02, 61º, n.º 1, al. h) e 5º, n.º 2, al. a), todos do CPP, segundo a qual o segmento do corpo do n.º 2, do art.º 5º do CPP “processos iniciados anteriormente” deve ser entendido como reportando-se a cada fase ou momento da sequência processual, motivo por que aquele art.º 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada por aquela Lei n.º 20/2013 – lei nova – será de aplicar se já vigorava quando teve lugar a notificação da decisão condenatória do Tribunal da Relação que, revogando a decisão absolutória da 1.ª instância, condenou o arguido a uma pena de prisão inferior a 5 anos, apesar de o respectivo processo se ter iniciado antes da entrada em vigor daquela lei nova.

            –Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na interpretação normativa que descreveu:

 Inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual o Tribunal da Relação, em recurso interposto do acórdão absolutório do Tribunal do Júri, pode em conferência, proceder a um novo e segundo julgamento da matéria de facto e, na sua sequência, formando uma convicção diametralmente oposta à do Tribunal do Júri, alterar a decisão deste no sentido condenatório, apesar de os elementos de prova analisados não o imporem e sem que se invoque qualquer um dos vícios previstos no n.º 2, do art.º 410º do CPP, tudo por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2º, 3º e 20º, nºs 1 e 4 da CRP), em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento;

- Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434º do CPP, na interpretação normativa que descreveu:

Inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação dos art.ºs 400º “a contrario”, 410º, n.ºs 2 e 3, 432º, n.º 1, al. b) e 434º do CPP, na redacção actual, segundo a qual o recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido pela Relação que revogou o acórdão absolutório do Tribunal do Júri apenas pode ter fundamento o reexame de matéria de direito, estando-lhe vedado invocar os vícios previstos no n.ºs 2 e 3 do art.º 410º do CPP; tudo por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente o efectivo direito a recurso ao menos uma única vez (art.º 32.º, n.º 1 da CRP), e por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2º e 3º da CRP), da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º, n.º 1 da CRP), do procedimento justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.

- Nulidade do acórdão recorrido, violação das regras sobre a prova, e vícios do n.º 2 do art.º 410º do CPP a conhecer, pelo menos, oficiosamente por este STJ

- Nulidade do acórdão “a quo” por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (art.º 379.º, n.º 1, al. c) aqui aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º ambos do CPP).

– Nulidade do acórdão “a quo” por falta de fundamentação (art.º 379.º, n.º 1, al. a) aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º, ambos do CPP);

– Violação, pelo acórdão “a quo”, das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras da experiência comum; valoração de provas proibidas, traduzindo inexistência ou nulidade absoluta

- Erro notório na apreciação da prova e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 356.º, n.ºs 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171.º, n.º 2, 173.º, e 249.º, n.ºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, na interpretação normativa que descreveu:

  Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artº 356º, nº 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171º, nº 2, 173º, e 249º, nºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, na interpretação segundo a qual os órgãos de polícia criminal, que em situações que não possuam natureza cautelar e urgente, tiverem mantido conversas informais ou tenham recebido informações ou declarações de pessoas cujo teor não foi reduzido a auto e cuja leitura, acaso essa consignação em auto tivesse ocorrido como determina a lei, não fosse permitida em audiência nos termos do artº 356º, do CPP, e independentemente de essas pessoas já terem ou não sido ouvidas em correspondente e anterior auto de inquirição, podem ser inquiridas como testemunhas, em audiência de julgamento, sobre o conteúdo daquelas conversas/informações/declarações.

 

            - Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), 1ª parte, e al. c), 1ª parte, e n.º 2, 414.º, n.º 4, “ex vi” art.º 425.º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação normativa que descreveu:

Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, al. a), e al. c), primeira parte de ambas as alíneas, e n.º 2 – quer na redacção da Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto, quer na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro – 414º, n.º 4 e 425º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, depois de proferida a sentença/acórdão, e interposto recurso deste, o Tribunal “a quo” pode ou deve conhecer ou mesmo suprir quaisquer nulidades da decisão recorrida, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, tudo por violação do disposto nos art.ºs 2º, 20º, n.ºs 1 e 4, 27º, n.º 1 e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) bem como do art.º 6º, § 1º, da CEDH e do art.º 14.º, 1º, do PIDCP (aqui aplicáveis por força do disposto no art.º 8º da CRP).

            - Violação do principio «in dubio pro reo», na vertente que consubstancia matéria de direito.

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            O artº 434º do Código de Processo Penal (CPP), refere a propósito dos “Poderes de cognição” do Supremo Tribunal de Justiça:

            “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.”

           

            Antes de mais, importa resolver a questão da existência ou não de vícios a que aludem as alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP. uma vez que, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, somente pode considerar-se definitivamente fixada, perante a inexistência de vícios ou nulidades, -v. também nº 3 do preceito.

            Ainda que este Supremo tenha o entendimento explanado no acórdão de fixação de jurisprudência nº 14/2013, no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal relativamente a penas inferiores a cinco anos de prisão, ficando garantido o direito ao recurso - artº 32º nº1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - com o recurso interposto para a Relação em que o arguido sempre foi ouvido sobre o mesmo, assim se garantindo o exercício do contraditório, sendo que o referido artº 32º nº 1, da CRP, consagra o direito ao recurso,  mas não um duplo grau de recurso, há que considerar que os factos relativos ao peculato se inserem na amplitude estrutural do homicídio, donde dever ser, por isso sindicada tal factualidade.

            Sendo certo, por outro lado, que, o Código de Processo Penal não faz distinção entre tribunal colectivo e tribunal do júri, para efeitos do direito ao recurso, atento aliás, o disposto nos artºs 399º, 400º e 432º do CPP, possibilitando a lei um efectivo recurso em matéria de facto nos termos permitidos pelo artº 412º nºs 3 e 4, do CPP., dando assim garantia ao disposto no artº 32º nº1, da CRP.

            O conhecimento da existência ou não de vícios é ainda prioritário em relação ao conhecimento da existência ou não de nulidades, face à natureza das consequências jurídicas, pois que, enquanto as nulidades invalidam a decisão até seu suprimento, já os vícios implicam um novo julgamento, total, ou, parcial (reenvio). - v. artºs 122º e 426º do CPP.

            Somente após a decisão definitiva sobre os factos, se pode decidir o direito.

            Analisando:

Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do nº 2 do referido artigo 410º, em recurso interposto para o Supremo Tribunal, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.

Trata-se, na realidade, de vícios ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão jurídico-factualmente correcta e, por isso, configuram vícios da própria decisão e não do julgamento, mas não se trata de vícios de lógica jurídica.

A lógica jurídica é matéria de consonância de argumentação juridicamente relevante, que não apuramento de matéria de facto,

È certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º do CPP:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3.

Mas isto é interpretado no sentido de que, sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

Isto significa que, constituindo os vícios constantes da alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP, matéria de facto, e não sendo o Supremo Tribunal de Justiça, um tribunal que por via de regra seja ainda um tribunal de recurso em matéria de facto, um tribunal do facto, pois que a CRP não confere um segundo grau de recurso, em matéria de facto, somente no uso da chamada revista alargada, pode e deve conhecer, oficiosamente da existência ou não de tais vícios.

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir ao tribunal da Relação, que conhece de facto e de direito, como determina o artº 428º do CPP.

O Supremo, como tribunal de revista, pode usar a revista alargada, quando oficiosamente detecte os referidos vícios oficiosamente, ao ir aplicar a lei aos factos, verifique que estes não são bastantes para a decisão de direito, ou não estão em consonância lógico-factual, por haver contradição de fundamentação ou entre esta e a decisão, ou ainda, quando de forma notória, são contrários às regras da experiência e às regras da lógica, sem que haja excepção que os corrobore.

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432.º, fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é. (v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.ª Secção)

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores, e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como se decidiu v. g. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, proc. n.º 3102/06- desta 3ª Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Na verdade, os factos relevantes para a decisão da causa são necessariamente factos que importam consequências jurídicas, e por isso, em tal âmbito, a matéria de facto é sempre juridicamente relevante. 

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. – arts. 427º e 428º do CPP.

A reforma do Código de Processo Penal operada quer pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, quer por Leis posteriores, não alterou esse entendimento.

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A recorrente questiona a valoração da prova ao aludir ao erro notório da apreciação da prova.

Ora, cumpre dizer que, a apreciação da prova é um juízo valorativo, de raciocínio objectivo, de ponderação do que é revelado por cada prova produzida, e em conjugação com as demais.

 Eventual erro que daqui derive é um erro de julgamento na credibilidade probatória de determinada prova, que não o vício constante da alínea c) do nº 2 do artº 310º do CPP, erro notório na apreciação da prova,

Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.

É o caso dos autos, em que a recorrente questiona a matéria de facto provada, assacando-lhe o vício de erro notório na apreciação da prova, por entender que a factualidade provada não resulta da prova produzida.

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, quanto a impugnação de matéria de facto, apenas exerce um controlo de legalidade – não de valoração - das provas, sindicando se houve lugar a provas proibidas ou preterição do direito de defesa, por omissão de provas permitidas, apresentadas e não produzidas, que acarretariam nulidade da decisão da Relação que conheceu de recurso em matéria de facto.

O vício constante da alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP, erro notório na apreciação da prova, tem de resultar, necessariamente, quando exista, exclusivamente “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.”, concretizando-se em situações contrárias à lógica ou às regras da experiência comum, constitutivas de erro patente ou evidente, detectável por qualquer leitor, que, ao ler a decisão, entenda o texto da mesma, compreenda o que ela diz.

As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se assim, em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º, CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito - artº 434º do CPP., já supra citado.

Também a violação do princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Por outro lado, a violação do principio «in dubio pro reo», na vertente que consubstancia matéria de direito, significa que: “Em caso de dúvida sobre o significado das normas, deve, com efeito, o intérprete socorrer-se de todos os elementos que permitam a averiguação da verdadeira vontade do legislador.

Mal se compreende, depois disso, que se continue em face de duas interpretações contrárias de valor igual» - Eduardo Correia, Direito Criminal I, com a colaboração de Figueiredo Dias, Livraria Almedina , Coimbra 1971, pág. 150 e segs, nota 34.

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Volvendo à situação concreta dos autos, verifica-se, desde logo, que o acórdão recorrido é, como salienta a Digma Magistrada do MºPº em seu douto Parecer: “demasiado sucinto quando no crime em si e as suas consequências directas na vítima visada – pontos 69 a 71 e 73 a 75, pois quanto às causas da morte apenas são referidas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, toráxicas e abdominais que estão descritas no relatório de autópsia de fls. 1102 a 1115 que é dado como reproduzido.

 Se se considerar como suficiente esta circunstância então surgem algumas questões que deverão ser suscitadas porque da matéria de facto resultam vícios p. no nº 2º do artº 410º do CPP e não só entre os factos como entre estes e a fundamentação que oficiosamente poderão ser conhecidos como resulta do artº 434º do CPP e da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça.”

A mesma Dig.ma Magistrada apresenta algumas situações fácticas em que refere:

“3.1 - Segundo nos parece há um erro notório quando está dado como provado que quando a arguida disparou 14 tiros sobre a vítima estavam de frente uma para a outra, uma vez que do relatório autópsia em que estão incluídas as fotografias resulta que a existência de localizações de orifícios de entrada tanto anteriores como posteriores e até laterais no corpo da vítima.

Só poderá resultar da leitura e apreciação do relatório da autópsia que os tiros foram disparados contra a vítima enquanto a mesma se encontrava de frente, de lado (certamente enquanto se virava) e de costas.

A sequência dos disparos e a posição da vítima tal como foram dados como provados – na sala, de frente uma para outra, próximas e empunhou a arma que levou com a mão direita, não se mostram devidamente balizados, tendo erradamente sido considerados em desacordo com o que resultou do relatório da autópsia – constatou-se a existência de localizações de orifícios de entrada tanto anteriores, como posteriores, a diversos níveis e das próprias fotocópias (fls. 1109 a 1113) ou até da informação inicial do relatório da mesma médica forense que esteve no local, que logo localizou diversos orifícios dispersos na parte posterior como anterior do tronco, membro superior esquerdo e membro inferior direito (fls. 1102).

A fundamentação dos factos provados é omissa quanto à posição da vítima no momento dos disparos.

E o relatório da autópsia resulta de uma exame pericial da responsabilidade da equipa da médica que também havia estado presente no local do crime.

3.2 – Não resulta, também segundo nos parece, que seja fundamentado devidamente o número de 14 projéteis que tenham atingido a vítima.

Em primeiro lugar os projéteis e as cápsulas não foram encontrados no momento da revista ao local no dia 21/11/2012, depois de ter sido retirado o corpo da vítima, pelos elementos da P.J..

O que está dado como provado é que nesse dia 21 e no dia 22 de Novembro foram encontrados 13 cápsulas (que até são mais pequenas que os projéteis).

Depois só no dia 23/11/2012, dois dias depois, foram encontrados 7 projéteis.

E curiosamente a cápsula para o n.º 14, terá sido encontrada 6 dias depois do cometimento do crime, “atrás de um móvel”, sem ser referido o seu tamanho, mas que se encontrava na parede oposta à varanda.

Também está dado como provado que além dos 7 projéteis, encontrados 2 dias depois, foram recolhidos outros no corpo da vítima sem ser dito o seu número.

No entanto também resulta do relatório da autópsia que foram encontrados no corpo da vítima 4 projéteis (fls. 1103v, 1104 e dois a fls. 1105v), 2 fragmentos de chumbo proveniente de um projétil e mais três fragmentos de blindagem, provavelmente proveniente de blindagem que não foram enumerados no ponto 86 dos factos provados.

E também consta do mesmo relatório que o corpo da vítima tinha 24 orifícios mas no p. micro 7 e macro 7 fls. 1105v verifica-se a entrada de 2 projéteis no mesmo orifício da nadegueira a que leva a ter de corresponder pelo menos a 15 disparos com que a vítima foi atingida, independentemente das versões sustentadas pelos vários peritos sobre entrada e saída das balas e que não terá sido coincidente.    

Haveria pois, além da falta de fundamentação, contradição entre os factos provados e/ou erro notório.                

3.3 - Foi também dado como provado fls. 34,39,41 e 42 do acórdão/recorrido que a arma Glock da Liliana estava na última gaveta fechada à chave, que entre 8/10/2012 e 6/11/2012 a arguida AA entrou no gabinete daquela e apoderou-se da arma e carregador  com 14 munições (p. 39), e apesar do “módulo estar fechado à chave, aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta o mecanismo da tranca destrancava e as gavetas abriam(p. 42).

No entanto em 6/11/2012 a “inspectora BB” foi buscar a arma “abriu a gaveta com a chave e verificou que a arma não estava no estojo(p. 41)”

3.3.1 - Ora destes factos dados como provados resulta que a gaveta estava fechada à chave no dia que a BB foi buscar a arma e a mesma não se encontrava lá, o que suscita contradição com o facto de arguida para ir matar a avó do marido, ter aberto a gaveta (p. 39) o que consegui segundo o p. 42 “aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos”

Se a gaveta foi aberta desta maneira nesse estado ficou e a BB não a podia ter encontrado fechada como a encontrou.

Dos factos provados não se pode concluir que a BB alguma vez tenha encontrado aberta a gaveta onde se encontrava a sua arma, nem que a gaveta se fechava com a pressão das mãos.

Haverá também um vício do n.º 2 do art. 410.º sobre o facto da arguida ira apoderar-se da arma da colega agente para ira “matar” a avó do seu marido, sem ficar apurado o motivo de tal homicídio.

3.4 – Ainda se encontra mais outra matéria de facto (ponto 64) que tal como as acima referidas foi também levante para considerar que a arguida Ana se deslocou a Coimbra, em hora indeterminada mas antes das 14h e 30, para falar com a vítima (ponto 66) e disparar com o propósito de tirar a vida (p. 104) e se ter ficado determinado qual a hora ainda que provável em que o fez.

Ficou provado primeiro que a arguida depois de deixar a filha (no infantário) pelas 9h 30m e 50s, ligou para o marido e a partir desse momento, “desligou” o telemóvel para não ser localizada e assim manteve pelo menos entre as 13h e 22m e as 19h e 24m e 21s.

Não se percebe como é que o telemóvel foi desligado pelas 9h 30m 50s depois de falar com o marido para se mostrar provado também que o manteve entre as 13h e 22m e o fim a tarde.

Ou bem que esteve desligado o telemóvel desde as 9h 30m e 50s ou bem que esteve desligado pelo menos das 13h e 22m às 19h 24m e 15 s.

4 - Todas estas questões que não foram suscitadas pela arguida/recorrente AA podem ser decididas oficiosamente pelo Supremo Tribunal de Justiça por constituírem vícios p. no art. 410.º, n.º 2 do CPP, conforme é jurisprudência unanime deste Supremo Tribunal, pois a sua incongruência, não passa despercebida à observação normal de um homem médio, havendo alguma incompatibilidade no espaço, tempo e até de circunstâncias entre os factos, não podendo ser possível apreciar por projecções de probabilidade.

E também a contradição insanável da fundamentação porque através de um raciocínio lógico se verifica que a decisão não ficou suficientemente esclarecida, dada a contradição entre os fundamentos.

Segundo nos parece verifica-se um conflito inultrapassável entre os factos provados, tornando todos eles inviável a decisão da condenação da arguida pelo crime de homicídio (seguindo de perto o Comentário do Cons. Pereira Madeira e os acórdãos do STJ indicados na anotação ao art. 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, Comentado).”

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Sendo pertinentes as situações fácticas expostas, reveladoras de vícios constantes do nº2 do artº410º do CPP, examinando o texto factual da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, verifica-se o seguinte:

Vem provado que:

“27 - Em 1-8-2011 a arguida passou a ser seguida pelo psiquiatra dr. ...., do Hospital de Dia da Maia, que lhe diagnosticou sintomatologia compatível com o diagnostico de síndrome depressiva.

28 - A arguida foi seguida até 18-10-2012, teve 9 consultas na totalidade, e nesta data estava medicada com Escitalopram - 20 mg/dia, Lorazepam - 1 ou 2 mg/dia, Loflazepato de etilo - < ou = 6 mg/dia.”

Porém, não consta da factualidade apurada quais os efeitos da síndrome depressiva da arguida bem como quais os efeitos dos medicamentos com que estava medicada, nomeadamente se produziam efeitos asténicos ou esténicos.

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Vem provado que

 “30 - O gabinete da arguida era no mesmo piso do gabinete da inspectora BB e quase em frente.

31 - Em 20-9-2011 foi distribuída à inspectora ..., como arma de serviço, 1 Glock calibre 9x19 mm, também chamado calibre 9 Luger ou 9 Parabellum, modelo 19, com o n.º de série PBW136, no valor de € 316,32.

32 - Também lhe foram distribuídos dois carregadores, de 15 munições cada, e uma caixa com 50 munições da marca Sellier & Bellot, modelo JHP/jacket hollow point, 115 grains, expansivas, lote 09.

33 - Estas eram as munições distribuídas pelos inspectores da P.J. para uso operacional.”

Porém, não consta da factualidade apurada se essas munições, referentes a tal arma, e distribuídas aos inspectores da P.J. para uso operacional eram exclusivamente desse lote  09.

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Vem provado que

“34 - A arma estava sempre guardada, com um carregador metido, o outro carregador e as munições na última gaveta do módulo de gavetas da secretária de BB, dentro do respectivo estojo, e as gavetas estavam fechadas à chave.

35 - Ao tempo BB municiava os carregadores com 14 munições e o carregador que estava inserido na arma estava municiado com 14 munições.

36 - A inspectora só tirava a arma quando saía para uma situação operacional ou quando ia à carreira de tiro.

37 - A última vez que BB tirou a arma para a levar para uma diligência foi em 8-10-2012.

38 - Quando regressou guardou a arma no local habitual.”

            Porém, não consta da factualidade apurada se ao guardar a arma na gaveta, a inspectora BB fechou ou não a gaveta à chave.

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Vem provado que:

“39 - Entre 8-10-2012 e 6-11-2012 a arguida entrou no gabinete de BB, abriu a gaveta onde a arma, carregadores e munições estavam guardados e apoderou-se da arma e do carregador, municiado com 14 munições, que estava inserido na arma.”

Porém, não consta da factualidade apurada como foi aberta a gaveta pela arguida, com que meio ou de que modo, uma vez que vem provado que:

“40 - No dia 6-11-2012 a inspectora BB tinha sessão de treino na carreira de tiro e foi buscar a arma, para a utilizar.

41 - Abriu a gaveta com a chave […]

 E que:

“42 - Durante a diligência de recolha de impressões digitais no módulo de gavetas atribuído à inspectora BB, e onde ela guardava a arma, carregadores e munições, verificou-se que, com o módulo fechado à chave, aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta o mecanismo de tranca destrancava e as gavetas abriam”

Também não consta da factualidade apurada:

 - Se alguém tinha conhecimento, nomeadamente a arguida, que aplicando pressão com as mãos nos bordos laterais externos da gaveta o mecanismo de tranca destrancava e as gavetas abriam.

- Se a chave da gaveta ficava sempre na posse da BB.

- Se havia outra chaves que abriam mesma gaveta.

Também não consta da factualidade apurada qual o resultado da diligência de recolha das impressões digitais. no módulo de gavetas atribuído à inspectora BB, e onde ela guardava a arma, carregadores e munições, nem que tipo de munições, e de que lote, estava inserido o carregador da mesma arma,

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Vem provado que:

“43 - Na época BB e o colega de gabinete, XX, partilhavam dois inquéritos com muitas escutas telefónicas e ambos passavam grande parte do dia na sala das intercepções, situada dois pisos acima do piso onde se situava o seu gabinete.”

Mas, não consta da factualidade apurada se BB e o colega de gabinete, XX, quando se ausentavam para a sala das intercepções, situada dois pisos acima do piso onde se situava o seu gabinete, o deixavam aberto ou fechado, nomeadamente se o deixavam ou não fechado à chave,

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Vem provado que:

“ 44 - As pessoas que frequentam as instalações da Directoria do Norte da P.J., são controlados à saída das instalações.”

Mas, não consta da factualidade apurada se esse controlo era apenas referente a pessoas estranhas à PJ, que se dirigissem às instalações da Directoria do Norte da P.J, ou se abrangia qualquer pessoa, mesmo as que trabalhavam na mesma Instituição, incluindo os inspectores da PJ.

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Vem provado que:

“62 - Em 21-11-2012 o marido da arguida foi trabalhar, deslocou-se para as instalações da Directoria do Norte da PJ no Metro do Porto, fazendo mais uma vez uso do cartão nº 39632, dos Transportes Intermodais do Porto, entrou na Estação Fórum da Maia, pelas 7h52m, mudou de linha na estação da Trindade, pelas 8h26m e saiu na estação de Salgueiros, ambas no Porto.

63 - Também como era habitual a arguida levou a sua filha ao infantário ... no seu automóvel, entre as 9h00 e as 9h30.

64 - Depois de deixar a filha, pelas 9h30m50s, em local servido pela célula GSM Nogueira-Porto 3, a arguida ligou do seu telemóvel n.º .... para o de seu marido, n.º ..., e a partir deste momento desligou o telemóvel para não ser localizada e assim o manteve pelo menos entre as 13h22m e as 19h24m21s.”

:

       Porém,

Desligar o telemóvel para não ser localizada e assim o manteve pelo menos entre as 13h22m e as 19h24m21s, é mera conclusão que há-de resultar ou não de factos:

- Houve telefonema ou telefonemas em tal período de tempo para o telemóvel da arguida?

- As células da TMN ou GSM, não detectaram o telemóvel da arguida nesse período temporal?

_

Vem provado que:

 “65 - No dia 21-11-2012 III e o marido tinham almoçado com a vítima, como era habitual às 4ª feiras e sábados, e às 15h45 a filha já tinha ido para o ACM, onde tinha uma sessão de sauna às 16h, e o genro para sua casa, sita na rua .....

66 - Neste dia, antes das 14h30, a arguida deslocou-se a Coimbra para falar com a vítima, envergando o blusão cinzento, comprido, marca In Extenso, e dirigiu-se a casa da vítima sita na rua ...”

Mas, não consta da factualidade apurada se a arguida deixou de ser vista na Maia, nomeadamente na área da sua residência ou dos seus percursos habituais, antes das 14h 30m,

Nem consta que assunto ou assuntos – qual a motivação – que levavam a arguida a deslocar-se a Coimbra para falar com a vítima, tanto mais que a arguida tinha telemóvel e a vítima tinha o seu telefone fixo n.º ....

_

Vem provado que:

“67 - Na deslocação a arguida trouxe consigo a arma e o carregador, municiado com 14 munições, de BB

68 – Estavam distribuídas à arguida e ao marido duas armas Glock, calibre 9 mm Parabellum (9x19 mm ou 9 mm Luger, modelo 19, respectivamente com os nºs de série PBW133 e LZF467.

69 - Chegada a Coimbra a arguida dirigiu-se a casa da vítima, tocou a campainha e quando a vítima viu de quem se tratava abriu a porta.

70 - A arguida entrou na habitação e a certa altura empunhou a arma que levou com a mão direita e disparou sobre a vítima 14 tiros.

71 - Na altura arguida e vítima estavam na sala, de frente uma para a outra, próximas, e a vítima estava de costas para a porta-janela existente.”

Porém, não consta da factualidade apurada:

-Que meio de transporte foi utilizado pela arguida nessa deslocação, ou de que forma conseguiu transportar-se, e a que horas terá chegado a Coimbra;

- De que forma se dirigiu a casa da vítima

-Se tivesse sido em seu  veículo automóvel, onde o deixou estacionado.

-Se os 14 tiros disparados sobre a vítima foram espaçados ou seguidos (sem interrupção);

-Se ficaram vestígios e quais, da presença da arguida, no local do homicídio.

Por outro lado, a expressão “Chegada a Coimbra a arguida dirigiu-se a casa da vítima, tocou a campainha e quando a vítima viu de quem se tratava abriu a porta.”

Se não é mera conclusão, resulta de que factos, mesmo indiciários?

_

Vem provado que:

“72 - Devido à forma como empunhou a arma e devido ao número de tiros a corrediça da arma provocou na mão direita da arguida ferimento na face dorsal da região do primeiro espaço interdigital da mão, oblíquo para baixo e para dentro, mais profundo a nível da sua metade distal e mais superficial na porção proximal, medindo 2 cm de comprimento por 3 mm de maior largura, ferimento na metade medial e distal da face dorsal da falange proximal do 2º dedo da mão direita, disposto transversalmente, medindo 4 mm de comprimento por 2 mm de largura e ferimento na metade proximal da face dorsal da falange intermédia do 2º dedo da mão direita, oblíquo para baixo e para dentro, medindo 6 mm de comprimento.”

       Porém não consta da factualidade apurada:

 - De que forma a arguida empunhava a arma;

- Se a arguida com a arma que estava distribuída ou outra idêntica, já tinha disparado alguma vez 14 tiros sucessivos, nos treinos de tiro,

 - Se a corrediça da arma alguma vez lhe provocou lesão na mão,

- Se a arma Glock tem aba de protecção que impede qualquer lesão

Sendo certo que a fls 67 e 68 da motivação da decisão em matéria de facto, consta:

“Entretanto o consultor [OO] foi confrontado com perguntas relativas a lesões provocadas na mão do atirador por disparo de arma de fogo, devidas ao empunhamento da arma.

Perguntado se alguma vez, na sua experiência profissional, viu este tipo de lesões respondeu, e reproduzimos: «não são frequentes mas podem acontecer quando uma parte da arma vem para trás, a parte da corrediça, pode prender … “trilhar” … a pele … e deixar uma lesão …».

Perguntado se já viu lesões resultantes de queimadura provocada por uma peça da arma, nomeadamente da corrediça, disse: «eu disso não tenho experiência. Tenho alguma, pouca, porque, repito, não são muito frequentes essas lesões. Pelo menos eu, da minha experiência profissional, não posso testemunhar isso. Conheço do ponto de vista teórico, tenho alguma na minha experiência profissional. Mas em termos de aquecimento … se der queimadura pode ser de 1º grau, eventualmente de 2º grau …».

Depois percebe-se que lhe foram mostradas fotografias da mão da arguida e perante elas respondeu «as lesões resultantes da acção da corrediça, quando ela vem atrás e depois vai à frente, normalmente são lesões … padronizadas, desenham um determinado padrão, que é o desenho da parte posterior da corrediça … Não tem que ser necessariamente assim, mas o mais frequente é que assim seja. E o que eu vejo aqui é uma lesão mais ou menos linear. Não sei se se pode considerar».

_

Vem provado que:

“83 - No decurso das investigações efectuadas pela P.J. em 21 e 22-11-2012 foram encontradas na sala onde a vítima estava 13 treze cápsulas deflagradas.

84 - Em 23-11-2012 foram apreendidos 7 projécteis na mesma sala.

85 - Em 27-11-2012, por detrás de um móvel existente na parede oposta à varanda, foi encontrada mais 1 cápsula deflagrada.

86 - No âmbito da autópsia realizada foram recolhidos mais projécteis no corpo da vítima, bem como fragmentos de munições. “

Porém, não consta da factualidade apurada quantos projécteis foram recolhidos no corpo da vítima, e que fragmentos de munições e qual a composição dos fragmentos de munições e de que tipo e lote eram estas.

Vem provado que:

“76 - De seguida a arguida saiu e fechou a porta de entrada da casa à chave.

77 - Depois a arguida dirigiu-se ao seu veículo conduziu até à Maia, dirigiu-se ao infantário ... e pegou a filha pelas 19h35/19h40.”

Porém, da factualidade apurada nada consta onde e como se muniu a arguida da chave da casa: já a levava consigo, encontrava-se na fechadura da porta, subtraiu-a à vítima?

Tinha a arguida ou seu marido duplicado da chave da porta de entrada da residência da arguida?

       E que destino deu à chave?

_

Vem provado que:

“78 - A hora normal de a arguida buscar a filha é pelas 18h.

 - Na ocasião a arguida vestia o blusão comprido cinzento, marca ln Extenso, e calçava umas sapatilhas claras.

[…]

83 - No decurso das investigações efectuadas pela P.J. em 21 e 22-11-2012 foram encontradas na sala onde a vítima estava 13 treze cápsulas deflagradas.

84 - Em 23-11-2012 foram apreendidos 7 projécteis na mesma sala.

85 - Em 27-11-2012, por detrás de um móvel existente na parede oposta à varanda, foi encontrada mais 1 cápsula deflagrada.

86 - No âmbito da autópsia realizada foram recolhidos mais projécteis no corpo da vítima, bem como fragmentos de munições.

90 - CC pediu à arguida se ela podia entregar a roupa que tinha usado no dia 21.

91 - A arguida anuiu e dirigiu-se a um quarto, acompanhada pelo inspector CC, e tirou de um cabide que estava ao fundo da cama o blusão cinzento, marca In Extenso, que entregou.

92 - Depois foi a outro local buscar umas calças de ganga azul, marca Mango, e umas sapatilhas pretas, marca Nike, que também entregou.

93 - As sapatilhas foram colocadas num saco de plástico, de supermercado, que a arguida disponibilizou, o saco foi atado e foi colocado dentro de um saco PEB, por cima do saco de plástico contendo as sapatilhas foram colocadas as calças dobradas e por cima foi colocado o blusão dobrado.

94 - Depois o inspector CC fechou o saco PEB fazendo duas dobras no saco e pôs-lhe fita-cola.

95 - O saco foi colocado na bagageira do veículo e foi de lá retirado por CC, quando chegaram às instalações da Directoria do Centro da P.J.

96 - CC guardou o saco no armário do gabinete, onde guardam os processos da brigada, e foi retirado no dia 27-11-2012, cerca das 20h, e GG tirou fotografias ao material apreendido.

97 - CC retirou o saco do armário, abriu o saco e retirou o blusão, depois as calças e depois o saco de plástico que continha as sapatilhas e tirou as sapatilhas.

98 - Colocou tudo no chão do seu gabinete, tendo o blusão sido colocado com as costas apoiadas no chão, as calças com a parte de trás e as sapatilhas com as solas.

99 - Decidiram colocar o material no chão porque no local não são depositadas armas nem munições apreendidas, não são disparadas armas, e o chão é diariamente varrido, limpo com esfregona e com cera, entre as 18h e as 19h.

100 - No [dia] 27-11-2012 o chão do gabinete de CC teve esta limpeza.

101 - Depois de tirarem as fotografias CC voltou a arrumar o material, colocando as sapatilhas dentro do saco de plástico e este dentro do saco PEB, por cima as calças dobradas e por cima o blusão dobrado, fez dobras no saco, como tinha feito da primeira vez, e arrumou-o no mesmo armário.

102 - Feito exame pericial ao blusão e calças apreendidas no LPC resultou que as calças não continham vestígios de resíduos de disparos de arma de fogo e no blusão foram recolhidas cinco partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão, constituídas por chumbo, antimónio e bário, do mesmo tipo das detectadas nos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains.”

Porém, a factualidade apurada nada esclarece sobre:

- Que investigações foram efectuadas pela P.J. em 21 e 22-11-2012 na área do crime, e, sobre a vítima, nomeadamente na data do homicídio.

- Se foram encontradas na sala onde a vítima estava 13 treze cápsulas deflagradas, porquê só em 23-11-2012 foram apreendidos 7 projécteis na mesma sala.

- Exame pericial nas sapatilhas, nem se estas correspondiam ás sapatilhas usadas apela arguida no dia dos factos letais.

_

Vem provado que:

“103 - Os resíduos depositaram-se no blusão quando a arguida disparou sobre a vítima.”

         Porém, esta asserção é conclusiva, pois que:

- Qual o tempo de permanência dos resíduos para ser detectada a respectiva composição?

- Quando feita a perícia no blusão, os resíduos eram contemporâneos dos disparos na vítima?

         - Resultavam de exposição directa à nuvem de fumo resultante de disparo, ou não?

- Da exposição directa à nuvem de fumo resultante de disparo, somente podia gerar depósito de resíduos no blusão, ou também teria abrangido outras peças de vestuário?

        

Por outro lado, é temerário concluir-se que, resultando do recurso que a consagração na matéria assente que o blusão que a arguida usou no dia 21-11-2012 continha resíduos de disparo de arma de fogo, “é evidente e essencial para alterar a decisão final, o que determinará a alteração de vários factos dados como não provados, nomeadamente os constantes dos pontos 20, 21, 24, 26 e 32, com a consequente alteração da decisão final.” (fls 48 do acórdão recorrido), pois que, como se refere a fls 54 do mesmo acórdão: “foram prestados os esclarecimentos de fls. 1441 e 1442 dos quais, para além do que já havia sido referido, consta mais o seguinte:

«1. … A quantidade de resíduos depositados, seja da referida composição, seja de outra, é essencialmente função do tipo de arma, tipo de munição, condições ambientais e número de disparos.

Após o(s) disparo(s) o padrão é perturbado por toda e qualquer actividade, dando lugar à perda de partículas em função dessa actividade. Assim, a possibilidade de detectar resíduos de disparos numa peça de vestuário irá depender do número de partículas depositadas e do intervalo de tempo decorrido entre o(s) disparo(s) e a recolha de vestígios (ou da altura em que a peça de vestuário deixou de ser usada e ficou ao abrigo da exposição aos elementos atmosféricos).

A maioria dos estudos sobre persistência de resíduos de disparos em peças de vestuário apontam para um intervalo de tempo de cerca de vinte e quatro horas após os disparos, havendo referências a intervalos de tempo superiores (cerca de quarenta e oito horas).

2. A composição das partículas características de resíduos de disparos de armas de fogo referida (chumbo, antimónio e bário) não é exclusiva dos elementos municiais deflagrados da marca e calibre descritos. Aparece em resíduos de disparos originados pela deflagração de munições de diversas marcas e calibres”

E, a fls 55:

            “Por via destes esclarecimentos conclui-se que os resíduos encontrados no blusão da arguida não resultaram de disparos feitos na carreira de tiro interna da P.J., porque as munições ali usadas não contém chumbo, antimónio e bário na composição primária.

            Para além disso também ficamos a saber que a composição desses resíduos encontrados – chumbo, antimónio e bário -, não é exclusiva dos elementos municiais deflagrados da marca e calibre descritos.”

Acresce que, como resulta do acórdão recorrido:

 “Em 23-5-2013 o Ministério Público solicitou ao director da Delegação do Centro do INML a indicação de um consultor técnico especialista em medicina legal na área de morte com arma de fogo/resíduos de disparo e se possível do quadro do instituto.

            Por ofício de 27-5-2013 foi indicado OO, director de serviço de patologia forense da Delegação do Norte do INMLCF, IP, para exercer as referidas funções.

            Mais tarde a arguida requereu que se oficiasse àquele instituto no sentido de este indicar um perito especialista na área da física/balística/resíduos de disparos e também da tanatologia forense. O tribunal decidiu não dar seguimento ao requerido uma vez que o Ministério Público já havia decidido nomear um consultor técnico para o processo, cuja identidade até já era conhecida.

            E em 10-7-2013 OO foi nomeado consultor técnico no processo tendo-lhe sido enviados, para além do mais, os exames periciais e esclarecimentos dos peritos constantes do processo, bem como as questões colocadas pela arguida, no requerimento acima referido, e pelo Ministério Público” – Fls 56

            […]

      “considerando que o blusão foi apreendido às 2h de 25-11-2012, que foi enviado para análise em 30-11-2012 e que o exame foi iniciado em 5-12-2012”

      […]

            questões colocadas pela arguida (muitas das quais visam os factos e não o objecto da perícia)

· os procedimentos seguidos estão conformes aos dos manuais

- considerando que a arguida diz que o blusão, calças e sapatilhas foram colocados no mesmo saco e que o saco foi colocado na bagageira do veículo utilizado pela PJ sem cuidados e que não se sabe onde e em que condições as peças estiveram até à entrega no laboratório, os procedimentos não estão de acordo com o manual “Inspecção Judiciária - Manual de Procedimentos”;

- considerando o que a arguida diz as desconformidades resultam da recolha dos resíduos, que o manual diz que no vestuário deve ser efectuada até cerca de 24 horas depois e através de kites, que deve ser adequadamente acondicionamento em sacos de papel, separadamente, de modo a que os resíduos não possam contaminar outras áreas, e do acondicionamento e armazenamento, que devem ser feito de modo a evitar contaminação e que quem procede à apreensão deve usar um par de luvas e um avental novos por cada objecto recolhido, mas o processo não dá informação a propósito disto;

· se foi colhida amostra padrão do local onde o blusão esteve, isto é, da casa da arguida, da bagageira do veículo e dos demais locais onde esteve até chegar ao laboratório para fazer a despistagem de eventual contaminação e se a cadeia de custódia de preservação da prova foi observada

- não há elementos para saber se foram colhidas amostras padrão

- a colheita de amostra-padrão visa despistar eventuais casos de contaminação da amostra-problema, no caso o blusão, e na ausência daquela não é possível excluir por completo eventual contaminação da amostra estudada por transferência secundária a partir do local onde o blusão estava e/ou dos locais por onde passou até entrar no laboratório;

            - sobre a cadeia de custódia o Manual de Procedimentos determina que é fundamental registar com precisão e minúcia o momento e local em que o vestígio foi encontrado, descrever todas as operações de manipulação e tratamento do vestígio, explicitando-se as técnicas usadas, que o acondicionamento, armazenamento e transporte do vestígio devem ser feitos em condições que garantam o seu isolamento e inviolabilidade, usando receptáculos e sistemas de fecho e etiquetagem adequados, que as operações que envolvam abertura e encerramento do receptáculo onde está o vestígio e a sua manipulação ou tratamento devem ser descritas, com registo do momento e local das mesmas e respectivo operador. A cadeia de custódia, sendo um protocolo contínuo, deve fixar todas as fases do processo para garantir a integridade do vestígio e seu valor probatório;

            - se estes elementos não existirem a demonstração dos pressupostos para assegurar que a cadeia de custódia da preservação da prova foi integralmente verificada no que respeita ao acondicionamento da prova, à ausência de problemas entre a apreensão das peças e a sua entrada no laboratório pode ser prejudicada;

· considerando que foi esclarecido que os resíduos se mantêm cerca de 24 horas após os disparos, se a arguida tivesse vestido o referido blusão nos dias 21, 22 e 23 de Novembro os resíduos de disparo persistiriam

- a literatura refere que qualquer manipulação de uma peça de vestuário acarreta perda de partículas de resíduos e um estudo concluiu que a persistência de partículas sobre punhos está directamente relacionada com a actividade realizada e se a actividade for moderada detectam-se partículas características até 6 horas depois do disparo, se for intensa até 3 horas depois;

· considerando a forma como foi feita a recolha se pode ter havido contaminação por transferência secundária

- em teoria a contaminação/transferência secundária de vestígios pode acontecer pelo contacto do indivíduo com o autor do disparo, com superfícies contaminadas ou pelo manuseamento de objectos contaminados (arma, munição);

            - se as peças foram acondicionadas juntas, em saco fornecido pela arguida, não é possível excluir a possibilidade de contaminação do blusão, quer pelo contacto com outras peças eventualmente contaminadas, com saco de transporte eventualmente contaminado, ou pela manipulação pelos agentes policiais” fls 61 e 62

[…]

“Também o consultor técnico refere que a presença de partículas características numa amostra pode resultar de disparo de arma de fogo, de permanência nas proximidades da arma no momento do disparo, do contacto com superfície/objecto contaminado ou do contacto com arma/munição contaminadas”.- fls 63

[…]

EE, especialista superior do Laboratório de Polícia Científica da P.J., declarou, além do mais, que fez as perícias de pesquisa de resíduos de disparos e deu os esclarecimentos e que o primeiro exame foi iniciado de 5-12-2012.

            […]

[…] Os exames foram feitos por si mas os resultados foram analisados, como sempre, por outro perito.

            No início do exame a primeira coisa que fazem é o recebimento do material e ou é recebido em kit (stub) ou é o próprio material que é recebido.

            Relativamente ao resultado positivo, o do blusão, foi a depoente quem abriu o saco onde ele estava: o blusão estava dentro de um saco PEB, que é um saco de papel com uma janela, usado na polícia para transporte de evidências. A acompanhar o saco ia, como sempre, um ofício de pedido de exame, onde consta todo o material enviado para exame. Perguntada se nesse ofício constava alguma referência aos elementos que estivessem dentro do saco PEB respondeu que, conforme consta do relatório pericial (de fls. 719 e segs. e que leu na altura), o blusão, umas calças de ganga e um par de sapatilhas, estas dentro de um saco de plástico, iam dentro do mesmo saco PEB. Se tivesse analisado estas sapatilhas teria descrito o saco de plástico dentro do qual elas estavam.”

            […]

            OO declarou que se a peça tiver estado em local contaminado para se eliminar a possibilidade de ter havido contaminação tem que se caracterizar os ambientes em que ela podia ter ocorrido. Para despistar a possibilidade de transferência tem que se ter amostras controlo daqueles ambientes para saber que partículas há, de que tipo são, qual a composição, qual a morfologia. Não havendo amostra e sabendo que a peça andou no veículo da polícia, que esteve nas instalações da polícia, etc., não poderia excluir a possibilidade de contaminação.

Perguntado se é possível transferência secundária entre peças de vestuário respondeu que sim. Perguntado se é possível mobilização das partículas na mesma peça de vestuário respondeu que sim e que para isso suceder basta que as diferentes zonas entrem em contacto directo umas com as outras. É fácil haver transferência de resíduos de um lado para o outro por isso se recomenda o embalamento separada das peças e que sejam manipuladas o mínimo possível. Perguntado se era possível a transferência de partículas entre um blusão, umas calças de ganga e umas sapatilhas colocados num mesmo saco respondeu afirmativamente. Perguntado se era possível a transferência de partículas de algo que estivesse na bagageira do carro onde o saco atado foi introduzido para o que estava no interior do saco respondeu que não e que a possibilidade de contaminação era para o exterior do saco. Se o saco estivesse aberto era possível a transferência para o interior”

Aliás, a testemunha CC, inspector da PJ, na Directoria de Coimbra, que fez a investigação do  processo em determinado passo do seu depoimento refere:

“Chegados à Maia estacionaram o veículo junto ao prédio e antes de irem para o apartamento da arguida retiraram de um dos compartimentos do trolei um saco PEB – police evidence bag -, usado para a guarda de vestígios recolhidos nas buscas, e levou o saco.

Perguntado se põem tudo no mesmo saco ou não disse que se os elementos recolhidos forem todos do mesmo suspeito são todos colocados no mesmo saco. Esta é a prática, mas há excepções: se, por exemplo, houver elementos com manchas hemáticas ou com sinais de disparos são colocados em saco diferente” – fls 74.

E, a fls 75:

“Disse que o chão onde as peças foram colocadas, que se vê na fotografia, é do seu gabinete. Disse saber que o chão não seria o local ideal mas que ali não se fazem disparos. Perguntado como é que podia garantir que o chão não tinha resíduos de disparo de arma disse que ele é limpo diariamente, entre as 18h e as 19h, e que as empregadas da limpeza limpam o pó, limpam o chão e passam a esfregona com cera A fotografia foi tirada depois da limpeza, por volta das 20h. Para além de que os resíduos resultam do fulminante e a sua recolha é sempre feita com uma fita-cola.

Perguntado porque é que não tirou uma amostra do chão disse que não o fez porque o espaço era apropriado e estava limpo e que normalmente não eram feitas amostras de controlo.

Disse que quando abriu o saco verificou que as peças estavam como as tinha deixado. Tirou o blusão, as calças e as sapatilhas. Pousou as peças no chão e o blusão esteve sempre como se vê na fotografia, com as costas assentes na madeira. Depois colocou as peças no saco, dobrou o saco como tinha feito pela primeira vez e colocou-o no armário. Depois enviou o saco para o laboratório no dia 3-12-2012, embora o ofício seja de 30/11.”

_

Não consta da matéria de facto apurada se foi colhida amostra padrão do local onde o blusão esteve, isto é, da casa da arguida, da bagageira do veículo e dos demais locais onde esteve até chegar ao laboratório.

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Por outro lado e quanto à personalidade da arguida:

Vem provado que:

“112 - AA é a primogénita de dois descendentes nascidos na constância do casamento dos progenitores, sendo a dinâmica da família descrita como normativa e salientada a coesão, o diálogo e as relações de afecto entre os seus elementos.

113 - O percurso académico da arguida decorreu sem problemas, tendo concluído o curso de Direito com 23 anos.

114 - Posteriormente efectuou estágio de advocacia, com a duração de 18 meses e passou então a exercer esta actividade, abrindo o seu próprio escritório, o qual manteve dois anos.

115 - Em paralelo colaborava com uma empresa de energias renováveis, onde prestava apoio jurídico, actividade que manteve após o encerramento do seu escritório.

116 - Em 2003 integrou a Polícia Judiciária, tendo frequentado o respectivo curso durante um ano.

117 - Depois passou a inspectora estagiária durante igual período, exercendo funções em Lisboa e Coimbra.

118 - Em 2005 foi colocada na directoria do Porto mas fez uma comissão de serviços nos Açores, onde permaneceu até Novembro de 2007, conjuntamente com o marido, com quem havia casado em Novembro de 2005.

119 - De volta ao continente integrou a Directoria do Norte, onde exerceu funções até à sua reclusão, ocorrida em 26-11-2012 e durou cerca de 6 meses.

120 - Depois foi suspensa de funções, advindo os proventos da família do trabalho do cônjuge, também inspector da polícia judiciária, o qual aufere € 1371.56.

121 - Quando regressou dos Açores o casal fixou residência na cidade da Maia, onde adquiriu habitação.

122 - Da união existe uma descendente.

123 - A arguida é descrita como responsável, zelosa pelo bem-estar dos que lhe são próximos, designadamente da descendente, sendo que com a família alargada da própria mantém relações de proximidade afectiva sendo frequente o contacto e convívio com os mesmos.

124 - Desde a suspensão da arguida o agregado beneficia da colaboração económica dos pais de AA, os quais assumem o pagamento do infantário da descendente, cujo valor mensal oscila entre 300 e 350 €, assegurando o casal as despesas de habitação e subsistência, tendo encargos mais significativos com o crédito hipotecário da ordem dos 451 € mensais.

125 - Na vertente social são-lhe atribuídas características de respeito pelas regras de civilidade e prestabilidade, sendo-lhe ainda assinalado o envolvimento em causas de solidariedade, designadamente de angariação de fundos para apoio a uma amiga que sofreu de doença oncológica. “

Não consta, porém, da factualidade apurada sobre as características da sua personalidade, advinda de exame psicológico ou, de exame psiquiátrico, além do constante dos pontos 123 e 125, supra acabados de enumerar, nomeadamente:

- Se a arguida sofria à data dos factos, de alguma patologia mental anterior e porventura causal à síndrome depressiva; ou subsequente a esta, e porventura dela decorrente.

- Se a arguida sofria à data dos factos de alguma psicopatia ou de alguma sociopatia.

- Se havia alguma relação de conflito entre a arguida e a vítima, ou vice-versa.

_

Por outro lado, note-se que:

Vem provado:

74 - A arguida sabia que as zonas do corpo visadas com os projécteis deflagrados continham órgãos vitais que, sendo atingidos, lhe poderiam causar a morte, como causaram”

Mas esta factualidade é insuficiente para integrar qualquer tipo de dolo, mesmo o eventual, pois encontra-se incompleta, atento o disposto no artº 14º do Código Penal.

Sendo que foi dado como não provado que

“3) A vítima emprestou em 17.8.2012, a quantia de € 1.000,00, em numerário.

4) A arguida, decorrente das dificuldades económicas que ela e o cônjuge iam sentindo para fazer face a todas as despesas do seu dia-a-dia, não se conformava com a circunstância da avó de seu marido não os ajudar mais em termos financeiros, ainda por cima obrigando-os a pagar mensalmente prestações por conta do dinheiro que lhes havia emprestado.

5) Por isso decidiu matá-la, quer para evitar terem de continuar a pagar-lhe o dinheiro emprestado, quer na expectativa que com a sua morte parte do dinheiro que aquela possuía viesse a chegar ao casal, por intermédio do marido.

6) A arguida acreditava que assim o dinheiro que a vítima possuía seria partilhado entre os seus dois únicos filhos e que sua sogra, uma vez recebida a sua parte na herança, ao passar a dispor de recursos financeiros que antes não tinha começaria a ajudá-los economicamente, tanto que seu marido DD era filho único.

[…]

8) Depois de ter retomado as rotinas diárias a arguida decidiu pôr em prática o seu plano já antes traçado de matar a avó de seu marido.

9) Na sequência do desígnio criminoso já antes tomado a arguida decidiu que no dia 21-11-2012 se deslocaria a Coimbra, a fim de matar a avó de seu marido.”

É patente a contradição insanável entre a factualidade na decisão em matar – ponto 74 dos Factos Provados e pontos 5,8 e 9 dos Factos Não Provados.

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            Também se evidencia nos autos uma discrepância evidente e insanável entre o termo de entrega de fls 116, e o constante do auto de inquirição, a fls 125, dos autos, sobre a mesma matéria, pois a fls 116 se declara que:

“Pelas 13h00 do dia vinte e seis do mês de Novembro de dois mil e doze, nesta Directoria do Centro, perante mim, ...., inspector, compareceu DD […] que de livre e espontânea vontade procedeu à entrega do computador portátil de marca “Asus”, modelo X59SL, com a inscrição 8AN0AS463750435, com carregador de marca “Asus”, com número de série OZW0831662362, propriedade sua e por ambos utilizado.”,

No auto de inquirição de DD, em 26/11/2012, pelas 19h10, na Directoria do Centro, perante ...., inspetor, - v. fls 124, vem assinalado a fls 125:

“Nesta acto entrega de livre e espontânea vontade o computador portátil de marca “Asus” modelo X59SL, com a inscrição 8AN0AS463750435, com carregador de marca “Asus”, com número de série OZW0831662362, propriedade do casal e por ambos utilizado.”

Sendo que, como do mesmo auto consta: “A diligência foi concluída às 20h 40, certificando-se que o auto foi integralmente revisto e vai ser assinado”, como aliás, foi, por ambos, quer no auto, quer no referido termo de entrega.

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Por outro lado ainda, não consta da factualidade apurada se havia alguma relação de conflitualidade entre a vítima e outros seus familiares directos e afins, ou com outras pessoas que eventualmente, por ela, tivessem sido financeiramente ajudadas.

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Refere a decisão recorrida:

“A alteração da decisão sobre a matéria de facto pode derivar não só do controlo da concordância entre a decisão tomada com a prova produzida, interpretada de acordo com as regras legais sobre a matéria, mas também por via da verificação de algum dos vícios descritos no nº 2 do art. 410º do C.P.P.

Nos termos desta norma pode sempre conhecer-se dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou do erro notório na apreciação da prova desde que tais vícios resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. O conhecimento destes vícios é próprio do modelo de revista alargada adoptado pelo nosso código de processo, permitindo o conhecimento das contradições insanáveis entre as comprovações constantes da sentença e a prova registada, dos erros notórios ocorridos na apreciação da prova ou, em geral, das dúvidas sérias suscitadas contra os factos tidos como provados na sentença recorrida.

Na medida em que estes vícios têm que resultar do texto da decisão significa que lhe são intrínsecos, que são vícios da decisão e não erros de julgamento. Daí que a sua constatação tenha que resultar da leitura, sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe sejam exteriores, mesmo se constantes do processo, com excepção das regras da experiência.

Conceptualmente, o vício do erro notório na apreciação da prova acontece quando o tribunal dá como provado um facto logicamente inaceitável, notoriamente errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro facto

Quanto ao carácter notório do erro, o que se diz é que ele deverá ser interpretado nos termos do conceito de facto notório em processo civil: haverá erro notório quando o homem médio o detecte com facilidade, quando, para a generalidade das pessoas, seja evidente que a conclusão é contrária à opção do tribunal [1].

            O Ministério Público invoca várias vezes a ocorrência do vício do erro notório na apreciação da prova.

            No entanto, considerando o alegado no recurso e tudo o que antes referimos, entendemos que o que sucede é que a decisão da matéria de facto está em desconformidade com a prova produzida.”

            Mas se “a decisão da matéria de facto está em desconformidade com a prova produzida”, deve ter-se em atenção que:

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso, e às provas que impõem decisão diversa, e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.

Aliás, percorrido o acórdão, não se vislumbra qualquer referência a um depoimento ou declaração reportado a uma efectiva passagem da gravação.

Note-se que no recurso para a Relação se impugnava matéria de facto nos termos do artº 412º nº s 3 e 4, do CPP, e para se ficar convencido de que a vinculação temática foi observada, observando a transparência, seria de expressar as passagens concretas que foram ouvidas e analisadas.

Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.

Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas.

Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)

Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova- ( Ac. do STJ de 17-05-2007, Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).

Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência -v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção.

O exame crítico das provas, é a ponderação de forma crítica e congruente que traduz os motivos de facto que justificam que os factos probandos resultaram provados ou não provados.

Somente os factos enumerados – provados e não provados - implicam a exposição da motivação de facto e de direito, e balizam o objecto do processo, constituído em audiência, pela acusação ou despacho de pronúncia se o houver, pela contestação ou defesa e pelos factos que o tribunal considerar relevantes para a discussão e decisão da causa.(v.art. 340º do CPP).

Isto significa, por outro lado, que devem ser submetidos ao crivo do contraditório, em audiência, todos os factos relevantes, necessários a definir uma decisão de direito segura para um juízo absolutório ou condenatório, sem prejuízo do juízo de dúvida pro reo se de toda a factualidade relevante, não for possível chegar a um juízo seguro de absolvição ou de condenação e que tal dúvida persista sem ser possível supri-la.

Na verdade, determina o artº 355.º do CPP, sobre proibição de valoração de provas:

“1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.” 


O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (v. já remotamente o Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (v. vg. Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)

Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.

Como decidiu este Supremo e Secção, no  Ac. de 3-10-07, proc. 07P1779, a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

Neste aspecto, salienta a propósito, a decisão recorrida:

“Finda a apreciação da prova há que exteriorizar o juízo feito: este juízo, esta apreciação crítica das provas, tem que ser exteriorizada para que os destinatários directos da decisão e os cidadãos em geral tenham acesso ao processo decisório.

Daí ser indispensável que o juiz cumpra o dever constitucional de fundamentação adequada, consagrado no nº 1 do art. 205º, explicitando os motivos que o levaram a decidir.

É a motivação que constitui o mecanismo de controlo do processo de formação da convicção do tribunal, é a motivação que legitima a decisão, ou seja, é a motivação que legitima o poder judicial num Estado de Direito, pois que o que se exige é que o seu destinatário e a comunidade em geral percebam a decisão proferida, isto mesmo que com ela não concordem.

Sobre a fundamentação dispõe o art. 374º, nº 2, do C.P.P., que versa sobre os requisitos da sentença, que ela consiste na enumeração dos factos provados e não provados e na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Esta norma não se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados, exigindo ainda a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal. É preciso que o tribunal demonstre como chegou a determinado resultado, sem que isso signifique, porém, que tenha que responder pormenorizadamente a cada argumento.

Conforme já decidiu o Tribunal Constitucional a norma citada impõe uma obrigação de fundamentação completa, de molde a assegurar a transparência do processo e da decisão: «"a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório"» [2].

Como a motivação da decisão não é um acto de fé, nem um puro exercício de íntima convicção, ela tem que ser exposta com absoluto respeito pelas regras e princípios legais de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, tem que indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado [3].

O tribunal tem que indicar os factos que se provam, os que não se provam e a forma como alcançou essa conclusão, explicando porque deu relevo a umas provas e o negou a outras.

Ao fim e ao cabo a fundamentação é uma questão de transparência.”

A integração das noções de exame crítico e de fundamentação de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação, ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60)

Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se  a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

Mas se a Relação altera a decisão em matéria de facto, encontra-se vinculada aos termos do recurso em matéria de facto, sobre pontos determinados e precisos, de harmonia com o disposto no artigo 412º nº3 do CPP.:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas

Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 312/2012, in DR, II série, de 7-1-2013).”Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 410º, nº1, 412º, nº3, e 428º, conjugados com os artigos 339º, nº4, 368º, nº2, e 374º, nº2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objecto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto de prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.”

Sendo certo que, conforme artº 431º do CPP, referente à modificabilidade da decisão recorrida:

“Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova.

Em síntese e, parafraseando o Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção.

O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento em matéria de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância.

No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º).

Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo.

Um novo julgamento – total, ou parcial - do objecto do processo implicará sempre o reenvio, quando houver vícios nos termos do artº 410º nº 2 do CPP, que não seja possível suprir

Ainda que em caso de renovação da prova o tribunal da relação possa modificar a matéria de facto, pois que “Quando deve conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos ns alíneas do nº 2 do artigo 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo”- nº 1 do artº 430º do CPP -, a renovação da prova deve obedecer ao disposto no nº 2 deste mesmo preceito, que determina: - “A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada” (negrito nosso)

Como referia Maia Gonçalves, Código de Processo Penal – Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p.1012):

“De salientar que a renovação da prova é um reexame da matéria de facto pelas relações e não corresponde a um total segundo julgamento como se não tivesse havido um julgamento anterior. Este reexame visa antes a correcção de eventuais erros da 1ª instância. Por isso se impõe que o(s) recorrentes(s) especifiquem os pontos de facto que entendem incorrectamente julgados e indiquem as provas que em relação a cada facto conduzam a um veredito diferente.”

Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório

Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se, que, como se referiu, que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP.

O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.

No nosso sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.- artº 125º do CPP

            Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.

Refere a decisão recorrida:

            “A prova pretende comprovar a realidade dos factos, a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica, criar no juiz o convencimento da existência de certos factos.

            Na perspectiva da acusação o que se pretende é criar a convicção de que os factos imputados foram praticados pela acusada e nos termos indicados.

            E produzidas as provas pode acontecer:

- que se prova que os factos alegados na acusação ocorreram;

- que se prova que os factos não aconteceram;

- que não se prova que os factos aconteceram;

- ou o tribunal fica confrontado com uma dúvida inultrapassável quando à participação nos factos.

No primeiro caso sobrevém a condenação e em todos os demais, embora por razões muito diversas, segue-se a absolvição.

 Sendo certo que é a 1ª instância que tem o contacto directo, imediato, com as provas, que é a 1ª instância que decide o caso, no âmbito das decisões proferidas em recurso os tribunais superiores analisam a decisão que decidiu o caso e, quando esteja em causa a decisão de facto, analisam as provas convocadas, o cumprimento das regras de produção e apreciação das provas, a sindicância da conformidade entre a decisão de facto e as provas relevadas, a fundamentação da decisão recorrida e procede à alteração da decisão da 1ª instância quando ela não se apresente como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência.

Na segunda instância, exactamente como na 1ª, a condenação tem que assentar na certeza da prática, pelo agente, do crime imputado.

Como dissemos, a absolvição pode resultar da prova da inocência do agente, de não se ter provado que cometeu os factos ou de o tribunal ficar na dúvida se os cometeu.

Neste último caso o desfecho do processo obtém-se por intervenção do princípio in dubio pro reo, que constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação, inscrito no art. 127º do C.P.P., que impõe a orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos.

 Ao nosso direito processual penal preside o princípio da investigação: cabe ao tribunal investigar e esclarecer o facto submetido a julgamento não no sentido de indagar, autónoma e exaustivamente, tudo o que hipoteticamente possa ter rodeado o crime, mas investigar as circunstâncias que o possam ter rodeado quando a sua verificação seja invocada ou quando o tribunal suspeite da sua existência, sendo que na sua actividade de esclarecimento do facto não está limitado pelo material aduzido pelos demais sujeitos processuais. Isto porque o processo penal persegue a verdade material [4].

            Competindo ao juiz, em ultima instância, o dever de esclarecer o facto isto significa que quando, não obstante a prova recolhida, ele não alcance esse esclarecimento então os factos desfavoráveis não esclarecidos não poderão considerar-se provados: «un non liquet na questão da prova … tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» [5].

A dúvida que determina a decisão “pro reo” é uma dúvida positiva, racional, que elide a certeza contrária, é uma dúvida que impede a convicção do tribunal: «são a face e a contra face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva …

Ao ordenar que a dúvida seja resolvida a favor do réu, o princípio que analisamos funciona também como complemento irrenunciável do princípio da prova livre. O facto de existir uma orientação vinculativa para os casos duvidosos limita a liberdade de apreciação do juiz. Impede-o de decidir com o seu critério pelo menos uma parte do objecto da prova: os factos duvidosos desfavoráveis ao arguido …» [6].

A convicção que determina a condenação tem que ser ainda mais clara, objectiva e objectivável, assente numa justificação clara da certeza da perpetração do crime pelo agente.

E a esta é indispensável a fundamentação clara do decidido

Por isso nos detivemos longamente sobre os aspectos essenciais, sobre as provas decisivas.

Mas para além dos factos provados na decisão da matéria de facto releva, ainda, a falta de prova de contra-indícios que poriam em causa as provas positivas, ou seja, aquelas que apontam no sentido de o acusado ser o autor do crime.

No caso temos que não se provou que o blusão apreendido no processo fosse de uso corrente pela arguida, porque não foi reconhecido por pessoas que com ela conviviam, não se provou que a arguida o tivesse usado depois do dia 21, não se provou que as condições de saúde impedissem a deslocação da arguida nem se provou que não tivesse tido tempo para cometer o crime.

E porque o que vale na apreciação da prova é o conteúdo da prova apreciado segundo as regras de produção da prova, as leis de proibição de prova, as regras da experiência, a lógica, entendemos que o furto da arma da inspectora BB foi levado a cabo pela arguida.

A arguida teve possibilidades de o fazer, dia após dia. O gabinete da inspectora BB era quase em frente ao gabinete da arguida, esteve, durante muito tempo, vazio durante grande parte do dia, mesmo se fechado à chave era possível abrir o módulo de gavetas onde a inspectora BB guardava a arma sem chave e nem sempre ele estava fechado à chave.

Depois, só os directores e inspectores da casa não eram controlados quando saíam das instalações.

            A arma furtada foi uma Glock calibre 9x19 mm, também chamado calibre 9 Luger ou 9 Parabellum. Também foi furtado um carregador, que estava no interior da arma, e que estava municiado com 14 munições.

            Quanto às munições, as munições que lhe haviam sido distribuídas em 2011 foram 50 munições Sellier & Bellot, modelo JHP/jacket hollow point, 115 grains, expansivas, lote 09.

A vítima morreu atingida por 14 projécteis da marca Sellier & Bellot, 115 grains, de calibre 9 mm Parabellum (9x19 mm ou 9 mm Luger), lote 09 e foram disparados por uma arma Glock.

            Estes projecteis tinham as mesmas características dos restantes 36 que tinham permanecido na gaveta onde a inspectora ... a guardava a arma e munições.

            Constata-se, ainda, que a arguida tinha um ferimento na mão direita decorrente da forma como empunhou a arma e do número de disparos efectuados.

            Também se provou que no blusão da arguida foram recolhidas cinco partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão, constituídas por chumbo, antimónio e bário, do mesmo tipo das detectadas nos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains, partículas estas compatíveis com as detectadas nas cápsulas deflagradas recolhidas no local do crime e que resultaram de transferência primária.

            Provou-se, para além disso, que a arguida não tinha disparado a sua arma desde há muito tempo.

Depois, e quanto à situação do gabinete onde as fotografias foram tiradas, por tudo quanto já relatámos não resulta possível que tenha havido, naquele momento, contaminação secundária, como não resulta que ela pudesse ter ocorrido na viagem da Maia para Coimbra.

Então, e perante todo este quadro, temos que concluir que a contaminação com resíduos de disparo de arma de fogo que o blusão da arguida revelou ocorreu quando ela disparou contra a vítima, durante a tarde do dia 21-11-2012.

Provou-se que a situação física da arguida lhe permitia fazer a viagem Maia-Coimbra-Maia e que a viagem era possível ser feita desde cerca das 14h30 até ao cometimento do crime e chegar ao infantário, para buscar a filha, às 19h30.

Estes são os factos essenciais.

Tudo o mais já não é.

Já não é, por exemplo, a motivação para o crime. O Ministério Público avançou com o desejo que a arguida tinha de receber, rapidamente, o dinheiro que integrava a conta que a vítima partilhava com a sogra.

Entendemos que esta motivação não se provou. No entanto, sendo certo que entre a arguida e a vítima não havia uma relação de proximidade/intimidade que justificasse uma tal visita, que a vítima tinha avultadas quantias em dinheiro, que a arguida conhecia esse facto, que o marido já lhe tinha pedido dinheiro o que resulta é que a arguida se deslocou com um objectivo relacionado com a obtenção de dinheiro.

Depois, em concreto, já quanto ao que despoletou o crime, nada se apurou.

E de tudo quanto deixamos exposto resulta, ainda, uma outra coisa que ainda não foi referida.

O furto da arma distribuída à inspectora BB ocorreu entre 8-10-2012 e 6-11-2012 e em resultado das provas, demonstrou-se que foi usada pela arguida em 21-11-2012.

Não podemos deixar de concluir que aquela arma foi furtada com a intenção de poder vir a ser usada.

*

            […]      

            Como sabemos a actividade de cognição do tribunal está limitada pelo objecto do processo, que coincide com o objecto da acusação. É perante o conteúdo da acusação que o arguido se tem de defender, uma vez que ele sabe que o conteúdo da acusação deduzida esgota o mundo fáctico desfavorável que pode vir a ser conhecido em julgamento.

            Mas o que é o “facto”, jurídico-penalmente falando?

            Depois da doutrina naturalística, para a qual o facto era a acção naturalística unificada por critérios psicológicos, surgiu o conceito de Eduardo Correia, para o qual o facto é o comportamento referenciado a um quadro de valores, os valores jurídico-penais. Então para este autor o facto será o comportamento pensado como, e enquanto, violador dos valores protegidos pelas normas jurídico penais.

Já para Figueiredo Dias o conceito processual do facto não se esgota na referência normativa. Para a sua determinação deve atender-se ao contexto em que surgiu e, assim, o facto passa a ser um pedaço da vida que se destaca da realidade e é dessa forma, como pedaço da vida social, cultural e jurídica, que se submete à apreciação judicial.

Então, o facto processual não é um facto mas uma pluralidade de factos que, como refere Frederico Isasca [7], se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores que permitem a sua compreensão, de um ponto de vista social, como um comportamento que encerre em si um conjunto de elementos que tornam possível identificá-lo e individualizá-lo como um pedaço autónomo de vida.”

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Cumpre porém esclarecer:

            Seguindo de perto Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Intervenção no Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Macau em 30 de Novembro de 201, publicada na Revista Julgar (Maio- Agosto, 2012):

“Qualquer facto, relevante para a decisão da causa, seja provado ou não provado, há-de necessariamente resultar da prova que lhe subjaz, e constar da enumeração dos factos provados ou não provados, como impõe o artº 374º nº 2 do CPP.

            A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios.

Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.

            A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência

O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.  –  acórdão deste Supremo de 11 de Julho de 2007.

            A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.

Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra-indícios é imperioso o recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras palavras, o funcionamento do contra-indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo. –  acórdão deste Supremo, de 2 de Abril de 2011

Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida á sua verificação, precisão e avaliação:

Facto indiciário – convergência ou concordância indiciária –presunção entre o facto indiciante e o facto probando. Salvo se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.

O processo de inferência supõe factos concludentes de indícios comprovados e não descredibilizados por outros indicios e não excludentes de conclusão razoável de harmonia com a lógica da experiência comum no discernimento humano.”

Como esclarece o mesmo Autor, na intervenção citada, “a prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza. Todavia, a transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos indiciados para a certeza sobre o facto, ou factos probandos, que consubstanciam a responsabilidade criminal do agente é uma operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do juiz. Convicção sustentada, e motivada

[…]Na verdade, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como afirma Tonini, como uma possibilidade mais ou menos ampla.

A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos, consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza.

 […]

o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.

[…]

Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base, ou indícios, que se considere provados e que vão servir de fundamento á dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.

[…]

Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste ás objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indicio quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou, como refere Tonini corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas

Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista estas áridas matéria na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. “

             

Na prova indiciária, como também salienta o mesmo Autor, “devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; á combinação ou síntese dos indícios; á indiciárias combinação das inferências indiciárias; e á conclusão das mesmas.

Assim

1 ) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa[…]

2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida á sua verificação, precisão e avaliação […]

3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto. […]

4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários [...]

Porém quando o indício mesmo isolado é veemente, embora único, e eventualmente assente apenas na máxima da experiência o mesmo será suficiente para formar a convicção sobre o facto.

5) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, conjugar-se entre sí, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias24 [Os indícios podem referir-se á integração dos elementos materiais do tipo legal (indicio do delito) ou á autoria material do crime.]

[…]

6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas e a ligação entre o facto base e a consequência que dele se extrai deve ajustar-se ás regras da lógica e ás máximas da experiência.

7)- Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.

O contra-indicio destina-se a infirmar a força da presunção produzida e, caso não tenha capacidade para tanto, pela sua pouca credibilidade, mantém-se a presunção que se pretendia elidir.”

Note-se que, como esclarece o mesmo Autor em notas de rodapé:

26 Uma questão importante que se suscita a propósito da concordância de indícios é da suficiência de um único indicio para fundamentar o facto probando.estamos em crer que nada impede que um único indicio possa fundamentar tal conclusão desde que a prova indiciária conjugada com os restantes elementos pernita inferir sobre a certeza da conclusão.

27 Deve afirmar-se que concordância e convergência são conceitos distintos. Como afirma Dellapiene .

A primeira refere-se aos indícios ou factos indiciadores a segunda ás deduções ou inferências judiciárias “

Também Euclides Dâmaso Simões, Prova indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente), in Revista Julgar, nº 2 e referindo o Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha n.º 392/2006, de 6 de Abril de 2006, também citado por Santos Cabral, refere:

“1 — A prova indiciária, circunstancial ou indirecta é suficiente para determinar a participação no facto punível sempre que se reúnam os requisitos seguintes:

1.1 — De carácter formal:

a) que na sentença se expressem os factos — base ou indícios que se considerem plenamente comprovados, os quais vão servir de fundamento à dedução ou inferência;

b) que na sentença se explicite o raciocínio através do qual, partindo dos indícios, se chegou à convicção da verificação do facto punível e da participação do acusado no mesmo. Essa explicitação, que pode ser sucinta ou enxuta, é imprescindível no caso de prova indiciária, precisamente para possibilitar o controlo, em sede de recurso, da racionalidade da inferência.

1.2 — De carácter material:

a) os indícios devem estar plenamente comprovados, através de prova directa,

 b) devem ser de natureza inequivocamente acusatória,

c) devem ser plurais ou, sendo único, deve possuir especial força probatória,

d) devem ser contemporâneos do facto que se pretenda provar,

e) sendo vários devem estar interrelacionados, de modo a que se reforcem mutuamente.

2 — Requisitos do juízo de inferência:

a) que seja razoável, isto é, que não seja arbitrário, absurdo ou infundado e que responda às regras da lógica e da experiência;

b) que dos factos–base comprovados flua, como conclusão natural, o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso e directo, segundo as regras do critério humano”

            Como se sumariou no Acórdão deste Supremo de 07-04-2011, proc. nº 936/08.0JAPRT.S1

I -A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.

II - Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens – uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciam a possibilidade de afirmação, a favor do acusado, de uma explicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indício que aniquilem a sua força à face das regras de experiência.

III - Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras palavras, o funcionamento do contra indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo.

IV - Como vimos afirmando em anteriores decisões, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como uma possibilidade mais ou menos ampla.

V - A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos. Consequentemente, origina um juízo de probabilidade e não de certeza.

VI - As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição.

VII - Em matérias que impliquem especiais competências técnicas cientificas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa à certeza da afirmação científica.

VIII - Como refere Dellepiane, só quando a premissa maior é uma lei, que não admite excepções, a inferência que consubstancia a prova indiciária revestirá a natureza de uma dedução rigorosa. A inferência só é certa, por excepção, quando se apoia numa lei geral e constante, ou seja, quando deixa de ser uma inferência analógica para passar a ser uma dedução rigorosa.

IX - Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno, La Prueba de Indícios, pág. 15, a teoria dos indícios reduz-se à teoria das probabilidades e a prova indiciária resulta do concurso de vários factos que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. A concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante.

X - O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.

XI - Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.

XII - Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária, quando é este tipo de prova que está em causa, pode alicerçar a convicção do julgador.

XIII - Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer.

XIV - Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.

XV - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para além do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerentes aos princípios da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indício e a presunção que dele se extrai.

XVI - Em relação à prova indiciária, o funcionamento e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno, é preciso o indício quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado.

XVII - Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão do facto indiciante.

XVIII - Porém, ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.

XIX - Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

XX - Assim, em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida, tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios.

XXI - Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena, os autores exigem, uniformemente, a concordância de todos os indícios, pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstâncias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma, a que cada indício esteja obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito.

XXII - Em última análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido.

XXIII - O terceiro momento radica no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção – em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade

Por outro lado, como ensina Luiz Guilherme Marinoni, Simulação e Prova, no âmbito do processo civil, mas cabal e reflexamente, correspondentemente pertinente em processo penal:

“5. Presunção, indício e prova indiciária: distinções.

Com efeito, é preciso frisar a distinção entre presunção – que muitos pensam ser uma modalidade de prova -, indício e prova indiciária.

A presunção é um processo mental, uma forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um fato indiciário, isto é, da prova indiciária, para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o fato principal.

A presunção, portanto, não pode ser confundida com o fato indiciário, que somente poderia ser comparado com o fato principal. É que o indício é, como o fato principal, um mero fato.

Carnelutti dizia que a presunção é o resultado do raciocínio do juiz (Francesco Carnelutti, La prova civile, Roma, Edizione Dell’Ateneo, 1947, p. 235).

 Contudo, parece mais adequado pensar que o resultado do raciocínio do juiz é o juízo, ao passo que a presunção indica apenas uma maneira de raciocinar: o dito raciocínio presuntivo.

“Verificando o legislador ou o magistrado que a prova de certo fato é muito difícil ou especialmente sacrificante, poderá servir-se da ideia de presunção para montar um raciocínio capaz de conduzi-lo à conclusão da ocorrência do fato, pela verificação do contexto em que normalmente incidiria aquele fato. Este poderoso instrumento, como se observa, é importante aliado do processo para a prova de fatos de difícil verificação […]

O indício não é prova; a prova indiciária, como qualquer tipo de prova, recai sobre uma afirmação de fato. A particularidade da prova indiciária está nela recair em um fato que é indiciário, isto é, em um indício.

6. A distinção entre prova e juízo.

Outra questão importante, para o nosso discurso, é o da diferença entre prova e juízo.

Ora, o juízo é formado a partir do raciocínio do juiz, que recai sobre a afirmação do fato, a prova produzida, e as peculiaridades da situação do caso concreto (por exemplo, a dificuldade de se demonstrar a alegação e a sua credibilidade, dentro das regras de experiência do magistrado).

Pode haver juízo suficiente para que seja proferida uma sentença de procedência, pouco importando se a prova na qual o julgador se baseia é direta ou indiciária. O que é preciso verificar é se o indício, a prova indiciária e a presunção permitem ou não um juízo de procedência. É apenas desta forma que é possível tutelar o direito do autor protegendo-se, igualmente, a posição de réu.

7. A admissão da presunção e os critérios para um adequado controle do juízo do julgador.

Como o raciocínio judicial fundado na presunção deve ser admitido para que o direito substancial não seja negado pelo processo, e como deve haver uma forma de controle sobre o juízo do julgador, evitando-se a arbitrariedade e garantindo-se o réu, não há, conforme dito, como não distinguir juízo e a prova em que o juiz se baseia para a sua formação.

É interessante perceber que o fato indiciário não precisa ser alegado, já que ele é um fato destinado a demonstrar o fato essencial. Esse, sim, necessariamente deve ser alegado pelo autor, já que representa a própria causa de pedir.

Para que a presunção possa ser utilizada, é necessário, em primeiro lugar, verificar se o fato que se pretende demonstrar por meio da prova indiciária é um fato pertinente e relevante para a definição do mérito.

Referindo-se ao juízo do magistrado, assim ensinava o ilustre Devis Echandía: "El juez debe valorar o apreciar esas pruebas, de acuerdo com las reglas de la sana crítica, para saber cuál es la fuerza de convicción que contienen y si gracias a ella puede formar su convicción sobre los hechos que interesan al proceso; pero ese acto del juez no es probatorio, sino decisorio, puesto que se trata de adoptar la decisión que sea procedente." (Hernando Devis Echandía, Teoria General del Proceso, Buenos Aires, Editorial Universidad, 1997, p. 416).

O fato indiciário é pertinente quando ele tem relação direta com o fato essencial, ao passo que será ele relevante quando, uma vez demonstrado, for efetivamente capaz de evidenciar o fato essencial e assim influir no julgamento.

Caso verifique-se que o fato essencial não é uma consequência do fato indiciário, ou melhor, que de nada adianta provar o fato indiciário já que dele não decorre o fato essencial, o juiz deve indeferir a produção da prova indiciária.

Se o fato essencial pode decorrer do fato indiciário, mas também pode decorrer de um outro fato, a prova deve ser realizada, já que a demonstração do fato pode colaborar, quando somada a outras provas, para formar o juízo do magistrado. Neste último caso, avulta a importância da motivação para a explicação do juízo; note-se que o juízo precisa ser explicado, e isto é feito através da fundamentação ou da motivação das decisões judiciais.

[…]

Como está claro, é necessário que seja valorada a credibilidade das presunções e a racionalidade do juízo. Somente assim é possível a tutela efetiva dos direitos e a proteção da posição de réu”

            Na verdade, nada impede que a verdade dos factos seja deduzida pelo tribunal de forma racional a partir da prova indiciária ou por concurso de circunstâncias, quando confrontado com inexistência de prova directa, sendo que, contudo, essa prova indiciária não pode abdicar, por regra, das seguintes características: - Existência de várias circunstâncias indiciárias que sejam plenamente provadas, ou sejam absolutamente credíveis; existência de obtenção da inferência obtida, de forma racional, no sentido de que o facto consequencial resulte dos factos-base, em termos naturais e de lógica dedutiva, com fundamento nas regras da experiência.

 Porém, como escreve Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, pág. 86, (referindo em nota de rodapé, Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1986, pág. 206): “O tema da prova não consiste exclusivamente, ou pelo menos directamente nos factos que formam o objecto do processo, mas são também tema da prova os factos com base nos quais se pode inferir a existência dos factos que constituem objecto do processo ou factos que revelem a idoneidade de meios de prova.”

Nesta ordem de ideias, refere: “Na enumeração dos factos provados e não provados, não se suscitam dificuldades: eles são todos os constantes da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art. 359.º, n.º 2”.- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994,pág. 288.

            “O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões” - acórdão deste STJ e da 3ª secção, de 06-10-2010

  Na estrutura processual metodológica de apuramento e apresentação dos factos relevantes para o objecto do processo, concordamos com Sérgio Poças, Da Sentença Penal- fundamentação de facto, in Revista Julgar, Setembro-Dezembro 2007, p. 24 e segs, quando explicita:

“(Como se sabe, os factos internos, v. g. relativos à intenção criminosa, na normalidade das situações, não resultam provados através de prova directa, mas de prova indiciária. É da prova de factos materiais e objectivos (factos indiciários) que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que o tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência comum, dará ou não como provados os factos integradores do tipo subjectivo de ilícito.)

 2.4. É nosso entendimento, como já se insinuou no ponto anterior, que para além dos factos essenciais, também os factos circunstanciais ou instrumentais — inequivocamente relevantes para a prova dos factos probandos — devem ser objecto de pronúncia por parte do tribunal. Assim, se v. g. o tribunal dá como provados os factos probandos integradores do tipo subjectivo recorrendo à prova indiciária nos termos acima expostos, parece claro que devem ser dados como provados — e como tal enumerados — os factos indiciários dos quais resultou, por inferência, a prova daqueles factos

Do mesmo modo relativamente a factos indiciários para a prova dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito

Não uns quaisquer factos, mas só os (factos) inequivocamente relevantes para a prova dos factos probandos.

Por exemplo, estando em causa a prática de um crime de homicídio doloso (morte causada por disparo de pistola), se o arguido não presta declarações ou nega a prática dos factos, será da prova de factos contemporâneos ou próximos do facto-delito que resultará ou não a prova dos factos integradores do tipo de culpa. Assim terão importância, entre outros, factos como o número de disparos efectuados, a distância a que o arguido se encontrava da vítima quando disparou, a região atingida, a existência ou não de ameaças anteriores, a existência ou não de conflito(s) do arguido como a vítima ou familiares desta. Será da prova destes factos que devidamente analisados e conjugados de acordo com as regras da experiência e de conhecimentos científicos e técnicos que resultará ou não prova dos factos integradores do tipo de culpa. respeito das regras da lógica e da experiência, dará ou não como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão

Ora se foi porque se provaram determinados factos indiciários — necessariamente uma pluralidade — que por inferência resultaram provados os factos probandos integradores do tipo objectivo, é para nós claro que aqueles decisivos factos indiciários devem ser enumerados na matéria de facto provada.

. De facto, não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar por que é que determinados factos resultaram provados e outros não, não parece que se possam misturar realidades substancialmente diferentes: factos e provas. Parece lógico e de inequívoca clareza que o tribunal primeiro identifique, enumere, os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, parta para o exame crítico das provas. Mas há ainda um aspecto que não deve ser desprezado: se os factos indiciários não estão enumerados na matéria de facto e apenas são invocados no discurso argumentativo da motivação, há sério risco de incerteza sobre quais os factos indiciários que efectivamente o tribunal deu como provados, inquinando-se deste modo todo o processo de justificação. Como se sabe, pressuposto do juízo inferencial é que os factos indícios estejam provados. De facto, não se constrói nenhum processo dedutivo sobre a incerteza dos factos de que se parte. Mas perguntamos: Se devem ser enumerados os factos relevantes para a decisão, como podem deixar de ser enumerados aqueles factos que possibilitaram a decisão, sem desrespeitar o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP? Como poderá o tribunal na motivação justificar a prova dos factos fundamentais ou essenciais que resultaram provados através da prova indiciária, se não tiver enumerado os concretos factos indiciários relevantes na matéria de facto provada? Como poderá o recorrente impugnar a matéria de facto (atente-se nos requisitos do n.º 3, al. a), do artigo 412.º do CPP), se o facto que considera incorrectamente julgado não está expressamente enumerado na matéria de facto? Note-se que a razão da discordância muitas das vezes consiste precisamente em ter-se dado como provado determinados factos indiciários dos quais, por inferência, se deram como provados factos essenciais — os factos integradores do tipo de ilícito.

2.5. A enumeração dos factos provados — e não juízos de valor e/ou conceitos de direito — deve ser clara.”

“São admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei” (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, “as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, conforme art. 349.º do CC).

Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir “prova directa” não contraria o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, perante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de “firmar um facto desconhecido”.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade; no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que “não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido”, mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida.” “Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais”. Enfim, “a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” - v. Acórdão do Supremo de 28-06-2007, Proc. n.º 1409/07 - 5.ª Secção: e, Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997

            Não pode haver porém dúvida negativa, cuja convocação ou interpelação se assuma em valoração contra o arguido; não pode convocar-se presunção conducente a convicção não objectivada, de que não constem elementos objectivados nos autos, sob pena de arbitrariedade, afrontando-se a sua razoabilidade objectivável, ou indiciariamente justificativa, e que iria anular a razão de ser do princípio de “in dubio pro reo.”

Por outro lado, em termos de prova indiciária, não pode haver juízo de inferência, sem que estejam demonstrados os factos que servem de suporte necessário a essa inferência.

A motivação da decisão de facto, é mera fundamentação da convicção sobre os factos enumerados.

Mas que factos são fundamentados pela motivação?

Somente os factos apurados em audiência de discussão e julgamento que resultarem como provados e não provados, art- 355º e 374º nº 2, do CPP.

Os factos provados e não provados só podem ser fundamentados, obviamente, depois do seu apuramento, traduzido na enumeração como factos provados ou não provados.

Só os factos provados e não provados fixam a decisão em matéria de facto, e somente após esta ficar determinada, se pode efectuar a subsunção jurídica,  

As realidades circunstanciais quer integrem ou não os indícios-base, desde que sejam relevantes para a decisão da causa, devem submeter-se ao contraditório na audiência de discussão e julgamento, para se saber se resultam provados ou não provados.

De igual forma quanto aos contra-indícios.

A motivação da convicção da decisão sobre a matéria de facto, não se destina a fixar ou decidir os factos, mas apenas expõe as razões porque se consideraram provados ou não, os factos enumerados na decisão em matéria de facto, após a audiência de discussão e julgamento, relativamente a factos necessários, suficientes – e, por isso essenciais - à decisão da causa.

A motivação da convicção da decisão sobre a matéria de facto é a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão em matéria de facto.- v. nº 2 do arº 374º do CPP.

Se a motivação, no raciocínio do exame da prova indiciária, fixasse os factos, não era preciso haver decisão sobre os mesmos na estrutura processual da sentença.

Os motivos de facto na fundamentação constituem - são apenas - a exposição resultante do exame crítico das provas que serviram para firmar a convicção do tribunal, após a discussão da causa, relativamente aos factos decididos pelo julgamento, que ficou  espelhada na enumeração  dos factos provados e não provados.

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Na causalidade factual da prática do evento letal concretizado na morte da vítima HHH, a decisão recorrida não se basta a si própria, ao fixar desde logo como provadas conclusões ou ilações de que a arguida se deslocou a Coimbra e que na deslocação a arguida trouxe consigo a arma e o carregador, municiado com 14 munições, de BB e que “A arguida entrou na habitação e a certa altura empunhou a arma que levou com a mão direita e disparou sobre a vítima 14 tiros”.

Sem prejuízo dos vícios apontados no douto Parecer da Dig-ma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo, há manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente à imputada acção causal da arguida na prática do facto criminoso.

A motivação da decisão recorrida, ao examinar criticamente as provas, extrai ilações de factos - podendo integrar indícios-base, com vista a saber que inferência possam possibilitar, se for caso disso -  que não alcançam a devida amplitude factual, sem serem submetidos ao exercício do contraditório, para que possam traduzir-se na enumeração de factos provados ou não provados, necessários à formulação de um juízo decisório,  sem prejuízo  dos motivos de facto que os fundamentem após o seu apuramento como provados ou não provados.

Na verdade, do texto da decisão recorrida, conjugando os factos provados e não provados, e respectiva motivação, verifica-se que não consta da enumeração dos factos provados ou não provados factos relevantes para a decisão da causa, que da mesma devem constar:

            Assim, e conexionados com as omissões na factualidade apurada já supra referidas, e lendo a motivação da decisão de facto apresentada no acórdão recorrido, importa apurar:

- No dia do homicídio de HHH, a arguida por voltas das 14H30 encontrava-se calmamente no hall do seu prédio na Maia a ler a correspondência que havia retirado da sua caixa de correio, vestida com umas calças que poderiam ser de pijama?

- As cidades da Maia e Coimbra distam pelo menos 134 km entre si?

- No trajecto entre a casa da arguida e casa da vítima, o tempo passado no trânsito interno de cada uma das referidas cidades nunca é inferior a 20 minutos no total dos dois trajectos?

- Entre a arguida e a vítima não havia, nem houve à data dos factos, quaisquer contactos directos, sendo principalmente por intermédio do marido da arguida, neto da vítima, que aquele agregado familiar contactava com a vítima?

- Nos dias anteriores ao homicídio de HHH, não há qualquer registo que a arguida e a vítima tivessem sequer falado?

- A arguida e a vítima que tipo de relação tinham entre si?

- A arguida sabia das rotinas da vítima e que, na data dos factos, depois das 14h 30m, a vítima se encontrava na sua residência, sozinha?

- A miomectomia via vaginal e a colporrafia posterior a que foi sujeita a arguida, têm consequências físicas, dada a zona afectada, que a impediam de fazer esforços físicos, de andar a ritmo normal (exigindo andar com passos curtos e pausados), de estar durante longos períodos sentada?

- A arguida na semana em que ocorreram os factos sentava-se de lado para evitar forçar os pontos (cerca de 100), tendo levado o médico em consulta de rotina de 19.11.2012 a prolongar a baixa médica por mais 15 dias em virtude de a achar debilitada?

- Apresentava a arguida uma astenia (falta de forças) e ainda tinha dores na cicatriz operatória na região perineal?

           

- E necessitava de mais repouso para uma convalescença adequada?

- A medicação que a arguida estava a tomar, recitada pelo médico, tinha um efeito sedativo na paciente, sendo inibidora da impulsividade?

- Na tarde do dia do homicídio a arguida estava a descansar na sua residência e o seu telemóvel estava com problemas técnicos?

- Cerca das 15 horas do dia 21.11.2012, o telemóvel da arguida esteve ligado mas sem capacidade de estabelecer ligação?

- Houve localizações celulares da arguida em Coimbra na tarde do dia do homicídio de HHH?

- Nessa mesma tarde a arguida recebeu sms em Coimbra?

- A composição das partículas características de resíduos de disparos de armas de fogo que incluem chumbo, antimónio e bário, não é exclusiva dos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains, que maioritariamente armam os inspectores da PJ?

- As partículas consistentes com resíduos de disparo são as associadas a disparos de arma de fogo mas que podem ter origem noutras fontes ambientais: tintas, ligas metálicas, canalizações, combustíveis fósseis, fogo de artifício, airbags, discos de travão?

- A presença destas partículas numa amostra pode resultar de disparo de arma de fogo, de permanência nas proximidades aquando do disparo, do contacto com superfície/objecto contaminado, do contacto com arma/munição contaminada ou de fontes ambientais referidas?

- Os tiros disparados sobre a vítima ocorreram por voltas das 16h, mas nunca antes das 15h 53m?

- Foram recolhidas cinco partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão, constituídas por chumbo, antimónio e bário, do mesmo tipo das detectadas nos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains?

- Partículas estas compatíveis com as detectadas nas cápsulas deflagradas recolhidas no local do crime?

- Todas as cápsulas recolhidas, bem como os projécteis. foram disparadas pela mesma arma?

- As munições eram de 115 ‘grains’?

- Dada a marca feita na cápsula pelo percutor da arma – rectangular -, e dadas as estrias que essas munições apresentavam – poligonais -, a arma utilizada para o cometimento do crime foi uma Glock?

- Já tinha havido anteriormente desaparecimento de armas Glock e respectivas munições na Directoria do Norte da Polícia Judiciária?

- As munições de calibre 9x19mm disponíveis na Polícia Judiciária para uso em carreira de tiro interna, como a existente na Directoria do Norte da Polícia Judiciária, são do tipo Sintox?

- Por definição este tipo de munições Sintox, não contém chumbo, antimónio ou bário na composição primária?

- Quando ocorre a deflagração de uma munição numa arma de fogo são produzidos vestígios dessa deflagração?

 

- Que se depositam isotropicamente sobre o autor do disparo e sobre as zonas limítrofes, até uma distância de 2m, fixando-se mecanicamente pela sua dimensão e termodinamicamente pela sua temperatura?

- Na Directoria do Norte da Polícia Judiciária, também foram distribuídas munições do lote 08 aos inspectores daquela Directoria?

- As 50 munições distribuídas à inspectora BB eram todas do lote 09?

- A arma de fogo Glock é uma arma que também se encontra de forma algo frequente na posse de particulares?

- O tipo de munição arma de fogo Glock é actualmente facilmente adquirida na internet sem qualquer constrangimento legal?

- Em Portugal, o tipo de munições encontradas no local do crime era usado apenas pela Polícia Judiciária?

- Os projécteis encontrados no local do crime e no corpo da vítima são compatíveis com armas de outras marcas que não apenas a Glock?

- A munição – JHP 115 grains – do lote “09” da “ Sellier & Bellot” corresponde a «largas centenas de milhares» de munições produzidas pela fábrica em 2009?

- As 14 cápsulas deflagradas suspeitas são do mesmo calibre, da mesma marca e do mesmo lote que as munições distribuídas à inspectora ...?

- A arguida era uma pessoa que nos treinos de tiro denotava ser boa atiradora, tendo  estado na carreira de tiro em 5.11.2012 onde disparou 90 tiros?

– O que pressupõe uma boa empunhadura da arma?

- Pequenas paragens ao disparar, permitem manter uma boa empunhadura ao longo dos disparos ou mesmo corrigir a mesma, tornando menos provável a ocorrência de uma lesão na mão?

- No âmbito das suas funções a arguida não fez disparos operacionais pelo menos durante o ano de 2012?

- A lesão que a arguida apresentava na mão direita não é típica do mau manuseamento de arma de fogo, ainda que tal possibilidade não possa também ser excluída?

- Quantos disparos são necessários para atingir o grau de probabilidade de uma GlocK 9, “morder a mão”, ou seja, causar lesão na mão?

- O vestígio cicatricial na região rosal do primeiro espaço interdigital da mão direita é passível de ter sido produzida por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, não se podendo excluir a acção de um eventual agente térmico (queimadura por contacto com objecto incandescente?

- A arguida já havia trabalhado nos Açores em brigadas responsáveis pela investigação de crimes de homicídio?

- A arguida tinha perfeita consciência que qualquer disparo poderia contaminar a roupa utilizada com resíduos dos disparos ou de sangue da própria vítima?

- O blusão da arguida e as calças foram colocados no chão da brigada de homicídios da PJ, com a parte posterior para baixo?

- No gabinete da brigada de homicídios em causa – dos inspectores CC e FF – diariamente entram, repetidamente, arguidos, testemunhas, outros inspectores, que, muitas vezes, estiveram no local dos crimes de homicídio praticados com arma de fogo?

 - Havendo uma forte probabilidade de se encontrarem contaminados no seu vestuário, nos seus sapatos, nos objectos que aí utilizaram?

- No dia do homicídio objecto dos autos e nos dias subsequentes, vários inspectores e testemunhas que estiveram no local do crime e nomeadamente pisaram o respectivo chão, estiveram também no gabinete dos inspectores CC e FF (que haviam estado inúmeras vezes no local do crime);havendo, por isso, grande possibilidade de contaminação?

- No próprio dia do homicídio dos autos, ocorreu outro homicídio com arma de fogo que a mesma brigada de homicídios dos presentes autos também investigou?

- O blusão, as calças e um saco de plástico contendo umas sapatilhas foram acondicionadas num único saco PEB, contrariamente às regras constantes do Manual de Procedimentos da PJ?

- A  presença de partículas características numa amostra pode resultar de disparo de arma de fogo, de permanência nas proximidades da arma no momento do disparo, do contacto com superfície/objecto contaminado ou do contacto com arma/munição contaminadas?

- O blusão e as calças de ganga não foram objecto de qualquer perícia na sua parte posterior, mas apenas na sua parte anterior?

-A manipulação das peças de vestuário em causa (blusão e calças), designadamente a sua documentação fotográfica, não está de acordo com as boas práticas estabelecidas, tornando real a probabilidade de uma transferência secundária?

- Quantos orifícios de entrada de projécteis existiam no corpo da vítima – 14, 15 ou 16?

- O exame microscópio permitiu encontrar compatibilidades ao nível das características da classe, nomeadamente ao nível do tipo estriado (poligonal), entre todos os projécteis suspeitos?

- Este tipo de estriado (poligonal) é habitualmente observado em projécteis disparados por pistolas semiautomáticas de marca GLOCK, de origem austríaca e HECKLER & KOCH, de origem alemã, entre outras marcas de aparecimento menos frequente no nosso país?

- Não é tecnicamente possível estimar o grau de probabilidade das cápsulas deflagradas suspeitas examinadas terem sido deflagradas por uma pistola de marca GLOCK?

- A vítima tinha, à data da morte, as quantias de 111.211,64 € e 67.310,18 € em contas bancárias, a primeira co-titulada pela filha e a segunda co-titulada pelo filho?

 - Contas estas que, apesar de geridas exclusivamente por si, se destinavam a cada um dos filhos?

-  A arguida tinha conhecimento da situação patrimonial da vítima?

-A arguida sabia que se uma situação inopinada ocorresse e que conduzisse a gastos extra a avó do marido sempre os poderia ajudar, que sempre ajudou economicamente quando foi solicitada para o efeito?

-Mas nunca se disponibilizava a emprestar ou dar dinheiro sem que a pessoa interessada lho pedisse e sem que justificasse o pedido: ajudava mas a pessoa tinha que pedir e dizer para que precisava do dinheiro?

           

- Se o motivo da visita da arguida a Coimbra era a obtenção de dinheiro, estaria com esperança de ser bem sucedida?

            - E não queria deixar esse papel ao marido, o neto de sua avó, que já tinha conseguido performances positivas, embora com a natural obrigação de restituição do emprestado?

- A relação da arguida com a avó do marido, era de molde a que fosse, de alguma forma expectável alguma receptividade a um pedido da arguida?

- Mas terá previsto que a resposta da avó do marido seria um não por não estar de acordo com uma eventual comparticipação nos gastos do casal?

            - E face a esse quadro, a resposta da arguida seria simplesmente o assassinato, de forma incontornável?

- A mãe do marido recebedora directa dos dinheiros da conta conjunta do Santander estaria disposta a colaborar, ajudaria, efectivamente, o casal em dificuldades financeiras, uma vez definido o exacto contexto dessas dificuldades?

- Haveria expectativas nesse sentido, fundadas ou não, alguma vez verbalizadas no seio do casal?

- Em contacto com os pais do marido?

- As despesas da arguida eram sempre realizadas para aquisição de bens para a filha e para a casa, não realizando gastos pessoais com a conta do casal?

- A arguida e marido viajaram para Barcelona, E.U.A., Canadá, Brasil?

- No aniversário e Natal HHH dava sempre uma lembrança aos netos?

- Quem, da família, contactava mais com a vítima eram os filhos, o genro, a irmã ...., e o marido desta, .... irmã da vítima, e por vezes o ...., também irmão?

- Havia mais 2 ou 3 senhoras amigas e vizinhas da vítima, com quem esta tomava café, com quem fazia caminhadas?

- A vítima era uma pessoa reservada e que se tornou desconfiada perante o que foi ouvindo nas notícias sobre assaltos a idosos e roubos por esticão?

- Quando tocavam a campainha, a vítima falava sempre pelo intercomunicador e muitas vezes não abria a porta?

- Era ou não hábito da vítima deixar a chave na fechadura do lado de dentro?

- A vítima tinha uma personalidade muito forte, estava em perfeitas condições, sabia gerir a sua vida?

- A grande ligação da vítima era com a irmã ....?

- Há cerca de 40 anos a vítima teve problemas com o irmão ....?

- Depois de se terem esclarecidos os conflitos passou a haver uma relação normal de família?

Proximamente à data dos factos, a arguida tinha a expectativa de promoção na carreira?

À luz da lógica da experiência comum, negando a arguida a prática dos factos delituosos, se a arguida já tivesse trabalhado nos Açores em brigadas responsáveis pela investigação de crimes de homicídio, e tivesse a perfeita consciência que qualquer disparo poderia contaminar a roupa utilizada com resíduos dos disparos ou de sangue da própria vítima, como compreender que após o inspector CC lhe ter pedido que entregasse a roupa que ela tinha usado no dia 21 (o dia da prática do homicídio), fosse buscar e entregar ao inspector CC o blusão cinzento marca In Extenso, no qual foram recolhidas partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo do mesmo tipo das detectadas nos elementos municiais deflagrados das munições Sellier & Bellot calibre 9 mm Parabellum, JHP 115 grains?

O blusão entregue pela arguida ao inspector CC era efectivamente o blusão da arguida?

As características de resíduos de disparo de arma de fogo nas mangas e uma partícula características de resíduos de disparo de arma de fogo na parte anterior do blusão entregue pela arguida, poderiam resultar da posição de assentamento das mangas na parte anterior do blusão, quando este foi dobrado, depois de ter sido exposto na parte posterior, no chão da brigada de homicídios?

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A decisão recorrida, além dos vícios apontados pela Dig.ma Magistrada do Ministério Público, enferma ainda de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada que constitui o vício constante da alínea b) do nº 2 do artº 410º do CPP.

 Vícios esses que ao Supremo é possível conhecer, mas não é possível suprir, por contender com a determinação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.

Sem suprimento de tais vícios não é possível decidir a causa, obrigando, por isso, ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP.

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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em decretar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º, nºs 1 e 2, e sem prejuízo do disposto no artº426º-A, ambos do CPP.

Fica, por isso, prejudicado o conhecimento do demais objecto de recurso.

Sem custas.

Baixem os autos, após trânsito, ao Tribunal da Relação de Coimbra.

            Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Março de 2016

                                               Elaborado e revisto pelo relator       

                                 
Lisboa, 17 de Março de 2016

Pires da Graça (Relator)
Raúl Borges

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[1] Simas Santos-Leal Henriques, C.P.P. anotado, II, 2ª ed., pág. 737 e acórdãos do S.T.J. 6-4-1994, processo 046002, e de 20-4-2006, processo 06P363,
[2] Acórdão do T.C. nº 504/94.

[3] Acórdão da Relação do Porto de 27-1-2010, proferido no processo 42/05.0GAVF
[4] Figueiredo Dias, obra citada, pág. 191 a 193.
[5] Figueiredo Dias, obra citada, pág. 211 a 213
[6] Cristina Líbano Monteiro, obra citada, pág. 24, 53 e 54.
[7] A Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo PenalPortuguês,pág.96.