Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1458/21.8T8LOU-B.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
REQUISITOS
ERRO DE JULGAMENTO
SENTENÇA
OFENSA DO CASO JULGADO
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
ABUSO DO DIREITO
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
ESTADO DE DIREITO
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Obrigação/prestação fungível é a que pode ser realizada, quer pelo devedor, quer por outrem sem qualquer prejuízo para o credor.

II - Sendo fungível a obrigação, não é lícito ao tribunal condenar os executados no pagamento de sanção pecuniária compulsória (ut art. 829.º-A, n.º l, do CC). Fazendo-o, temos uma condenação (neste segmento) contra legem.

III - Porém, apesar dessa condenação, mantém-se a eficácia do caso julgado dessa decisão exequenda e do título que a inclui. Ou seja, o erro da decisão não permite pôr de lado a eficácia do caso julgado nos precisos termos em que se decidiu.

IV - Com efeito, constituindo o caso julgado a expressão dos valores da segurança jurídica e certeza imanentes a um Estado de Direito, tal impõe que a parte que logrou obter uma decisão dos tribunais com trânsito em julgado possa confiar cegamente nela, de forma a que não se veja confrontada com uma decisão prolatada por um órgão constitucional mas que não lhe serve para nada.

V - Apesar da força do caso julgado, a sanção pecuniária compulsória deixa de ser exigível dos devedores quando, pela instauração da execução, os credores exequentes manifestam a intenção de que tal prestação de facto positivo a que está associada seja realizada por outrem. É que o pagamento da sanção pecuniária compulsória pressupõe a realização da prestação pelos executados, e não por outrem (não sendo a pretensão da realização da prestação por outrem teleologicamente compatível com a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória).

VI - Visando a sanção pecuniária compulsória compelir o devedor ao cumprimento da obrigação em espécie, esse fim deixou de ser perseguido pelos credores quando pedem, na execução, que seja outrem que não os devedores a cumprir a prestação.

VII - Ao peticionar aquela sanção pecuniária compulsória, os credores abusam do direito, na medida em que não está a ser satisfeito o fim social e económico do direito àquela sanção – o que se toma mais censurável, ainda, quando os exequentes vêm invocar na execução a sanção pecuniária compulsória relativa a 405 dias, no valor de € 81 000,00, e ainda o seu vencimento até à conclusão da obra por terceiro, quando não havia qualquer necessidade, estava ao seu alcance e seria até do seu interesse instaurar a execução da obra por outrem logo que, mais de um ano antes, os réus não a realizaram no prazo de 30 dias fixado para o efeito na sentença, tendo deixado, simplesmente, passar o tempo sabendo que com essa passividade embolsariam dos executados, por cada dia, o montante de € 200 a título daquela sanção.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA e cônjuge, BB, residentes na Rua ..., cidade ..., instauraram execução para prestação de facto, com base em sentença condenatória, contra CC e cônjuge, DD, residentes na Travessa ..., ..., ..., ..., extraindo-se o seguinte do requerimento inicial, com interesse para a decisão do recurso:

«(…)

1-    Por douta sentença datada de 26.06.2019, transitada em julgado no dia 08.03.2020, proferida no âmbito dos autos de Ação de Processo Comum que correu termos pelo Juízo Local Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o nº
100/14...., confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foram os 1.ºsréus, ora executados, condenados, além do mais, “a colocarem a faixa de terreno onde
implantaram o caminho referido nos arts. 11.º a 14.º e o rego identificado no art.16.º da petição, no estado em que se encontravam antes da abertura do caminho”.

2-  Decidiu-se ainda na douta sentença suprarreferida, fixar-se “o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para cumprimento de todas estas prestações”.

3 - Mais se decidiu condenar os 1. ºs réus, ora executados “A pagarem uma sanção pecuniária compulsória de €200 euros por cada dia de atraso no cumprimento das prestações”.

4 - Apesar do tempo já decorrido, os 1. ºos réus, ora executados, não acataram integralmente a douta sentença oportunamente proferida, mantendo-se numa situação de incumprimento quanto às obrigações referidas em 1.

5 - Com efeito, em obediência à sentença proferida, deveriam os executados terem colocado a faixa de terreno onde implantaram o caminho referido nos arts. 11.º a 14.º e o rego identificado no art. 16.º da petição, no estado em que se encontravam antes da abertura do caminho, o que ainda não fizeram.

6 - Resulta de tudo quanto se deixou alegado que os 1. ºs réus, ora executados, mantêm-se numa situação de incumprimento, forçando os exequentes a recorrer à presente execução para prestação de facto.

7 - Nos termos do disposto no artigo 868.º n.º 1 do CPC, porque os executados não prestaram os factos a que estavam obrigados, os exequentes declaram que optam pela prestação de facto por outrem, requerendo que seja nomeado perito que avalie o custo da prestação, seguindo-se os demais termos legais (cfr. Art. 870.º n,º 1 do CPC).

8 - Conforme já supra alegado, os executados foram condenados a pagar uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €200,00 (duzentos euros), por cada dia de atraso
no cumprimento da obrigação.

9 - O prazo para a realização dos trabalhos a que se encontravam obrigados
terminou no dia 8 de abril de 2020.

10 - Tendo em consideração que os executados não realizaram os trabalhos a que foram condenados, mantendo-se a situação de incumprimento desde 8 de abril de 2020 até à presente data, 18 de maio de 2021, devem os mesmos pagar a quantia de €81.000,00 (€200,00 X 405 dias), a título de sanção pecuniária compulsória, sendo metade para os exequentes e metade para o Estado.

11 - Os executados devem ainda pagar a sanção pecuniária compulsória que continuar a vencer-se, no valor de €200,00 por dia, desde a presente data (18.05.2021) até integral cumprimento da prestação de facto, que deverá ser liquidada a final pelo Agente de Execução.


A sentença que constitui o título executivo, proferida no dia 25.6.2019, foi confirmada na Relação do Porto e transitou em julgado, com o seguinte dispositivo:

«Pelo acima recenseado, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, nessa decorrência, condeno os réus a:

a) Reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre os prédios identificados no art. 1.º da petição;

b) Reconhecer o direito de propriedade do autor sobre a água identificada nos arts. 39.º a 48.º da petição:

c) Verem todos os réus obrigados a reconhecer esses direitos;

d) Verem os 1.ºs réus condenados a absterem-se de passar pelo prédio do autor referido no art. 1.º alínea a) da petição e a colocarem a faixa de terreno onde implantaram o caminho referido nos arts. 11. º a 14º e o rego identificado no art. º 16. º da petição, no estado em que se encontravam antes da abertura do caminho;

e) Verem os 1. ºs réus condenados a retirar o tubo referido no art. 52. º da petição de modo a que a água volte a acorrer à Poça da ..., abstendo-se de a derivar para o seu prédio;

f) Ver fixado o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para cumprimento de todas estas prestações;

g) A pagarem uma sanção pecuniária compulsória de € 200 euros por cada dia de atraso no cumprimento das prestações;

h) Verem os 1.°s réus condenados na sanção pecuniária compulsória de € 200 euros, por cada vez que passarem abusivamente nos prédios dos autores e, por cada vez que desviarem a água proveniente do Portal ... e represada na Poça da ....

Custas por autores e réus, na proporção, respectivamente, de 5/13 avos e 8/13 avos.».


Na pendência da execução daquela sentença condenatória, o tribunal proferiu despacho fundamentado, com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, ao abrigo do disposto nos arts. 726.°, n.° 2, al. a), e 734.° do NCPC, indefere-se o requerimento executivo, na parte que respeita ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, absolvendo-se os executados da instancia executiva nesta parte.»


*


Inconformados com esta decisão, dela recorreram os exequentes, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a julgar a apelação improcedente e, em consequência, “embora com fundamento diferente”, confirmar a decisão recorrida que absolveu os executados da instância executiva no que respeita à sanção pecuniária compulsória fixada no título executivo.


De novo inconformados, vêm os exequentes, AA e BB, interpor recurso de revista com fundamento no caso julgado, apresentando alegações que rematam com as seguintes


CONCLUSÕES[1]

1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, na improcedência do recurso de apelação oportunamente interposto pelos recorrentes, confirmou, embora com fundamento diferente, a decisão proferida na 1ª instância que absolveu os executados da instância executiva no que respeita à sanção pecuniária compulsória fixada no título executivo.

2. A presente execução tem na sua génese a sentença condenatória, transitada em julgado em 08.03.2020, proferida no âmbito dos autos de ação de processo comum que correu termos pelo Juízo Local Cível ..., Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o nº 100/14.... e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

3. Na referida ação declarativa, foram os 1.ºs réus, ora executados, condenados além do mais, “a colocarem a faixa de terreno onde implantaram o caminho referido nos arts. 11.º a 14.º e o rego identificado no art.º 16.º da petição, no estado em que se encontravam antes da abertura do caminho”.

4. Decidiu-se ainda na douta sentença supra referida, fixar-se “o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para cumprimento de todas estas prestações”.

5. Mais se decidiu condenar os 1.ºs réus, ora executados “A pagarem uma sanção pecuniária compulsória de € 200 euros por cada dia de atraso no cumprimento das prestações”.

6. O prazo para cumprimento das prestações fixadas na sentença terminou no dia 8 de Abril de 2020, sem que os réus as tenham cumprido.

7. Não tendo os réus dado cumprimento ao que lhes foi doutamente ordenado na referida sentença, instauraram os ora recorrentes execução para prestação de facto, na qual invocaram o não cumprimento da sentença e reclamaram, para além do mais, as quantias vencidas e vincendas, a título de sanção pecuniária compulsória.

8. Apesar dos executados não terem questionado a exigibilidade da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, o tribunal de primeira instância indeferiu o requerimento executivo na parte que respeita ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, atenta a alegada natureza fungível da prestação em causa, considerando existir, nessa parte, falta de título executivo.

9. Os recorrentes não se conformaram com o assim decidido, por entenderem que o seu crédito a título de sanção pecuniária compulsória é exigível nos presentes autos de execução e apresentaram recurso de apelação junto do Venerando Tribunal da Relação do Porto.

10. Alegando, em síntese, que a sanção pecuniária compulsória reclamada na presente execução foi fixada por douta sentença proferida em ação declarativa já há muito transitada em julgado, não sendo lícito ao tribunal da execução aquilatar da bondade da decisão, sob pena de clara e intolerável violação do princípio do caso julgado.

11. Tendo em conta o teor da sentença dada à execução e verificado que está o não cumprimento das obrigações em que os executados foram condenados, impõe-se fazer atuar a respetiva sanção pecuniária compulsória, liquidando as quantias vencidas e vincendas devidas a esse título.

12. Argumentando ainda os recorrentes que se assim se não entendesse, sempre teria pelo menos de ser parcialmente revogado o douto despacho proferido pelo tribunal de primeira instância, considerando-se ser devida a quantia liquidada a título de sanção pecuniária compulsória desde o termo do prazo para cumprimento voluntário das obrigações (08.04.2020) até à data da propositura da ação executiva (18.05.2021).

13. Com efeito, ainda que se considere que ao requererem execução para prestação de facto, requerendo a prestação por outrem, os exequentes renunciaram a esse meio de tutela, sempre será pelo menos devida, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia vencida até à propositura da ação executiva.

14. Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 19.09.2019, da 1ª secção, proferido no P. 939/14.6T8LOU-H.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

15. O tribunal recorrido acolheu os argumentos dos recorrentes quanto à violação do caso julgado e considerou não ser defensável a posição assumida na douta decisão proferida em primeira instância.

16. Sucede porém que, não obstante tenha concluído que in casu “há título executivo relativamente à sanção pecuniária compulsória”, não podendo vingar a posição defendida pelo Mmº Juiz da primeira instância, sob pena de violação do princípio do caso julgado, o tribunal recorrido, ancorando-se no instituto do abuso de direito, concluiu que se impõe o indeferimento da execução na parte que respeita ao pedido de pagamento coercivo da sanção pecuniária compulsória fixada no título executivo.

17. Os ora recorrentes não podem conformar-se com a decisão recorrida, por considerarem que a mesma viola o princípio do caso julgado e que não ocorre neste caso qualquer situação de abuso de direito que possa/deva paralisar o direito dos exequentes ao pagamento coercivo da sanção pecuniária compulsória fixada no título executivo.

18. Não pode recair sobre os exequentes o ónus do célere recurso à ação executiva, a fim de evitar que sobre os executados possam vir a recair as consequências financeiras da sua inércia.

19. O respeito devido às decisões judiciais impunha que os réus/executados cumprissem atempadamente as prestações a que se encontram adstritos por força da sentença proferida na ação declarativa. E se o não fizeram, terão de assumir as consequências desse seu comportamento omissivo e inadimplente, nomeadamente o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória.

20. Os exequentes não contribuíram de nenhum modo, por ação ou omissão, para o atraso no cumprimento por parte dos executados das prestações de facto a que estes estavam obrigados, nem praticaram qualquer facto que pudesse criar nos executados a legítima convicção de que não iriam exigir o cumprimento coercivo da obrigação e o pagamento da correspondente sanção pecuniária compulsória.

21. Não resultou demonstrado nos autos qualquer comportamento dos exequentes que possa integrar uma situação de abuso de direito.

22. Tendo em conta os contornos do caso concreto, o recurso ao instituto do abuso de direito, nos moldes em que foi interpretado e aplicado, mais não é do que um subterfúgio para fazer tábua rasa do que fora decidido na sentença que constitui o título executivo, no que concerne à sanção pecuniária compulsória, logrando obter na prática o mesmo desiderato da decisão proferida em primeira instância:

considerar inexequível a sanção pecuniária compulsória oportunamente fixada por douta sentença transitada em julgado.

23. Se se faz recair sobre os exequentes o ónus de intentar a ação executiva imediatamente após o termo do prazo para o cumprimento voluntário da prestação e se entende que se deve obstar ao efeito da sanção pecuniária compulsória desde o momento em que os exequentes podiam ter instaurado a execução para prestação de facto de outrem, ou seja, desde que se iniciou o seu vencimento, tal equivale a considerar absolutamente inexequível a sanção pecuniária compulsória fixada na sentença declarativa.

24. Desta forma vedando em absoluto o recurso à execução da sentença na parte em que fixou a sanção pecuniária compulsória, esvaziando de sentido útil este segmento da sentença, o que em termos práticos equivale a “alterar/revogar” a sentença nesta parte e constitui uma clara ofensa do caso julgado.

25. Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, na expressão “caso julgado”, cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.

26. Sendo que a autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado. A autoridade de caso julgado visa impor os efeitos de uma decisão já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade).

27. Ora, o tribunal recorrido ao considerar, sem que se verifiquem in casu circunstâncias supervenientes que o justificassem, que a sanção pecuniária compulsória é, desde o primeiro dia em que seria devida, inexequível, está, no nosso modesto entendimento, a eliminar/neutralizar os efeitos da decisão judicial, já transitada em julgado, que fixou a sanção pecuniária compulsória, impedindo que a mesma faça valer a sua força e autoridade, violando dessa forma a autoridade do caso julgado.

28. Ao decidir indeferir a execução, na parte que respeita ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, violando, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 10.º, n.º 5, 580.º, 619.º, n.º 1, 621.º, 628.º, 726.º, n.º 2, al. a), 734.º e 868.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art. 334.º do Código Civil.

29. Impondo-se, por isso, revogar o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que ordene o prosseguimento da execução para pagamento coercivo da sanção pecuniária compulsória, nos termos supra expostos.


Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução para pagamento coercivo da sanção pecuniária compulsória, nos termos supra expostos, seguindo-se os demais termos legais.


*


Os recorridos/Executados CC e DD apresentaram contra-alegações, nelas concluindo pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção do acórdão recorrido.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O recurso de revista é admissível, na medida em que se funda na ofensa do caso julgado (cfr. arts. 629º, nº2, a.l a), 671º/1 e 854º, todos do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir é a seguinte:

§ Saber se o trânsito em julgado da sentença condenatória que constitui o título executivo, onde se decidiu condenar os RR. executados numa sanção pecuniária compulsória (€ 200,00 por cada dia de atraso no cumprimento das prestações correspondentes à realização de obras - al.s d), e) e f) do dispositivo), obsta, nessa matéria e no caso concreto, ao indeferimento do requerimento executivo, designadamente, com sustento no abuso de direito.


III. 1. FACTOS PROVADOS

A matéria relevante é essencialmente de natureza processual e consta do relatório que antecede, aqui se dispensando de repetir.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Analisemos, então, a questão suscitada na revista, que consiste, como visto, em saber se, uma vez sentenciada, com trânsito em julgado, a condenação dos RR./executados numa determinável sanção pecuniária compulsória pela não realização de obras no prazo também fixado para efeito, pode o tribunal da execução negar, total ou parcialmente, a execução daquela sanção, maxime com fundamento em abuso de direito.


A presente execução tem na sua génese a sentença condenatória, transitada em julgado em 08.03.2020, proferida no âmbito dos autos de ação de processo comum que correu termos pelo Juízo Local Cível ..., Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o nº 100/14.... e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Na referida ação declarativa, foram os 1.ºs réus, ora executados, condenados além do mais, “a colocarem a faixa de terreno onde implantaram o caminho referido nos arts. 11.º a 14.º e o rego identificado no art.º 16.º da petição, no estado em que se encontravam antes da abertura do caminho”.

Decidiu-se ainda na sentença, fixar-se “o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para cumprimento de todas estas prestações”.

Mais se decidiu condenar os 1.ºs réus, ora executados “A pagarem uma sanção pecuniária compulsória de € 200 euros por cada dia de atraso no cumprimento das prestações”.

O prazo para cumprimento das prestações fixadas na sentença terminou no dia 8 de Abril de 2020, sem que os réus as tenham cumprido.

Porém, apesar de a situação de incumprimento dos executados se manter desde aquela data de 08.04.2020, apenas em 18.05.2021 vieram os Exequentes/Recorrentes instaurar execução para prestação de facto, ali declarando que “optam pela prestação de facto por outrem, requerendo que seja nomeado perito que avalie o custo da prestação”, e reclamando, para além do mais, as quantias vencidas a título de sanção pecuniária compulsória, no montante de €80.000,00 (€200,00 x 405 dias), bem assim as vincendas a tal título, desde aquela data de 18.05.2021, no valor de €200,00/dia.


A 1ª instância indeferiu o requerimento na parte que respeita ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, atenta a alegada natureza fungível da prestação em causa, considerando existir, nessa parte, falta de título executivo. Para tal, trouxe a 1ª instância à colação a opinião do Prof. TEIXEIRA DE SOUSA em comentário a um acórdão do STJ, acerca do caso julgado (onde este Professor concluiu que “o que está fora do ordenamento jurídico não entra neste processo através do caso julgado. (…). Neste contexto, a ideia de que o caso julgado faz do branco, preto, e do recto, curvo (e vice-versa), já fez o seu tempo”), daí rematando que não existindo base legal para aplicação da sanção pecuniária compulsória (dado se tratar de prestação de natureza fungível), a sentença que aplica tal sanção é ineficaz.

Mas mesmo que se aceitasse que o caso julgado abrange esse segmento da decisão, ainda assim a sanção pecuniária compulsória nunca seria exigível a partir da instauração da execução, pois os exequentes optaram pela prestação de facto por outrem, dessa forma renunciando à prestação pelos executados a partir daí.

No entanto, considerou a 1ª instância que, in casu, nunca seria exigível a prestação pecuniária até à instauração da execução, na medida em que tal sempre consubstanciaria uma situação de abuso de direito.


A Relação, discordando, embora, da fundamentação da 1ª instância no que tange à ali considerada ineficácia do caso julgado (por se ter considerado que a condenação em sanção pecuniária compulsória não tem base legal) – antes entendendo ser o julgado plenamente eficaz, dado que as partes não lançaram mão (como podiam) dos meios de impugnação das decisões facultados pela nossa lei adjectiva civil, sendo que o erro na aplicação da lei não pode impedir o trânsito em julgado da decisão – , e, como tal, considerando existir título executivo relativamente à sanção pecuniária compulsória, considerou, porém, que tal sanção deixa de ser exigível dos devedores quando na instauração da execução os credores optem pela realização da prestação por outrem que não pelos executados/devedores (aqui concordando a Relação com a 1ª instância, de que a opção pela prestação por outrem significa uma renúncia dos exequentes à prestação pelos executados a partir da instauração da execução).

Entendeu, ainda, a Relação que ao aguardarem 405 dias, após o terminus do prazo (de 30 dias) fixado na sentença para a realização da prestação em falta, para instaurarem a execução (ali optando pela prestação por outrem), os exequentes agiram em claro abuso do direito, pois, deixando decorrer esse (imenso) tempo sem instaurar a execução, fizeram que daí resultasse um benefício para si e um prejuízo para os RR/executados “de modo manifestamente desproporcional correspondente ao aumento sucessivo da sanção pecuniária compulsória até um valor manifestamente elevado e iníquo que podiam e deviam ter evitado totalmente”.

Assim, com este fundamento do abuso do direito, a Relação confirmou a decisão da 1ª instância que absolveu os executados da instância executiva no que respeita à sanção pecuniária.


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Francamente (e adiantando solução), cremos que o acórdão a Relação não nos merece qualquer censura: 1. Quer quanto ao entendimento do caso julgado (sua eficácia, in casu no que tange à condenação em sanção pecuniária compulsória); 2. Quer no que respeita ao abuso do direito (este que, na economia dos factos ostentados nos autos, se nos afigura perfeitamente evidente).


Apenas algumas notas.

§ Quanto ao caso julgado:

Dúvidas não há quanto à natureza da obrigação exequenda, na prestação de facto em causa nos autos: é fungível, dado que pode ser realizada, quer pelo devedor, quer por outrem sem qualquer prejuízo para o credor. Ou seja, para o legítimo interesse dos Exequentes/credores, é jurídica e economicamente indiferente que a prestação seja realizada pelos devedores/ora executados ou por outrem à custa deles.

Foi precisamente essa fungibilidade da prestação que os exequentes consideraram verificar-se, pois na execução vêm, precisamente, requerer a prestação de facto por outrem (“os exequentes declaram que optam pela prestação de facto por outrem”, dizem no requerimento executivo).


Sendo fungível a obrigação, não era lícito ao tribunal condenar os executados no pagamento da sanção pecuniária compulsória (“de €200 euros por cada dia de atraso no cumprimento das prestações” - ou seja, por cada dia decorrido após os 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sem que as prestações se mostrassem cumpridas pelos devedores/ora executados).

Tal resulta claro do artº 829º-A, nº1 do CC.

Temos, assim, uma condenação (neste segmento) sem base legal.


A questão que as instâncias abordaram tem a ver com o caso julgado dessa decisão (na parte em que aplicou a sanção pecuniária compulsória): mantém-se a eficácia do julgado – como entende o acórdão recorrido? Ou (como considerou a 1ª instância) assim não deve ser, pois (como ali se diz), não pode, a coberto do instituto caso julgado, assumir-se que o “branco é preto” apenas porque está escrito na sentença.


Como dão conta as instâncias, a questão foi tratada pelo Professor TEIXEIRA DE SOUSA (em Blog do IPPC, de 17/02/2020, com a referência “Jurisprudência 2019, em comentário ao Ac. do STJ de 19.09.2019[2]).

Neste comentário, o distinto Professor, apelando à doutrina processualista alemã, traz à colação o conceito da doutrina alemã de “decisões ineficazes”, concluindo que o que está fora do ordenamento jurídico não entra neste através do caso julgado, ou seja, o caso julgado, só porque o é, não pode fazer do branco, preto, e do recto, curvo (e vice-versa); ou seja – e reportando-nos ao caso sub judice – , porque a obrigação exequenda traduz uma obrigação de prestação de facto fungível e, quanto a esta natureza de obrigações, inexiste base   legal   para   a   aplicação   de   sanção   pecuniária   compulsória,   a decisão, na acepção da doutrina alemã, seria ineficaz.


A 1ª instância, com recurso ao comentário do aludido professor, rematou que a sentença exequenda é, por si só, ineficaz/inexequível relativamente à condenação em sanção pecuniária compulsória, sem que desta violação decorra violação do caso julgado.


Já o acórdão recorrido considerou que título executivo há: é, precisamente, a sentença condenatória, a qual delimita os limites e os fins da acção executiva (artº 10º, nº5 do CPC), a qual foi invocada como base para a execução e foi junta aos autos.

E assim é, de facto.


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Permitimo-nos discordar do entendimento sufragado pelo Ilustre Professor quanto à eficácia do caso julgado relativamente à condenação havida na sentença (quanto à sanção pecuniária compulsória).

Em causa está, efectivamente, a eficácia/autoridade do caso julgado.

Ora, reza o art. 613.º, n,º 1, do Cód. Proc. Civil, que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. O que significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.

Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível”[3].

Ou seja, prolatada a sentença, e transitada que seja, a mesma torna-se imodificável. Sendo certo que não tendo transitado, pode sempre ser “atacada” por via do recurso ordinário, ou, não havendo lugar a este, por via da reforma (arts. 616º, nº2, al. a) e 627º, do CPC).

Assim, portanto, decorrido o prazo de recurso ou (não sendo este admissível) da reforma da decisão, ficou esgotado o poder jurisdicional, daí decorrendo dois efeitos: um negativo – representado pela insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar; um positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão por ele proferida[4].  

Como ensina AMÂNCIO FERREIRA[5], A razão do princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional, por uma razão de ordem pragmática, encontra-se na necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais

E, como em tempos idos já em observa ALBERTO DOS REIS[6], “q[Q]ue o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão. Claro que, em julgamentos futuros, o magistrado pode sustentar e adoptar doutrina jurídica diferente da que tenha estabelecido. Mas no mesmo processo, a decisão que proferir vincula-o”[7].

Portanto, o efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.

Ainda parafraseando M. TEIXEIRA DE SOUSA[8], «o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão.»[9].

E como tem sido dito reiteradamente reafirmado na doutrina e jurisprudência, o caso julgado constitui a expressão dos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica, enquanto uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que obsta a que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, evita que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.


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Regressemos aos autos.

É certo que a 1 instância esteve mal ao condenar na sanção pecuniária compulsória, pois, tratando-se de prestação fungível, não o deveria ter feito.

Ou seja, nesta parte há, de facto, uma decisão errada.

Não cremos, porém, que o erro da decisão permita pôr de lado a eficácia do caso julgado, nos sobreditos termos.

A apontada segurança jurídica imanente a um Estado de Direito impõe, a nosso ver, que a parte que logrou obter uma decisão dos tribunais com trânsito em julgado, possa confiar cegamente nela, de forma a que não se veja confrontada com uma decisão prolatada por um órgão constitucional mas que não lhe serve para nada.

Ou seja, se erro na decisão houve (e houve, de facto), quem terá de arcar com as consequências desse erro não deve ser a parte, pois a ele é, de todo, alheia. O mesmo é dizer que o erro na aplicação da lei, tal como não impede que a parte que se vê afectada com o mesmo recorra aos meios de impugnação para rever a decisão, também não impede o trânsito em julgado nos precisos termos em que se decidiu.

É certo que em certos casos, como bem se observou no Ac. do STJ que vimos citando, a exigência de justiça é susceptível de conflituar com a exigência de segurança feita ao Direito. Como ocorre no presente caso, em que, de facto, há uma relação de tensão dialética existente entre os dois valores.

Temos, porém, por correcto o entendimento (que o mesmo aresto do STJ seguiu – em situação idêntica à dos presentes autos) de que nestas situações a segurança prevalece sobre a justiça. Pois não podemos olvidar que institutos como o do caso julgado, visando colocar um ponto final nos litígios e assegurar a paz jurídica, são, fundamentalmente, inspirados pelo valor da segurança[10].


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Porém, como se observa no acórdão recorrido, o pagamento da sanção pecuniária compulsória pressupõe, de acordo com a sentença, a realização da prestação pelos recorridos, e não por outrem, ainda que à custa deles. É isso, de facto, que está subjacente à decisão condenatória dos RR, ora executados, no pagamento daquela sanção. Ou seja, existe uma correlação teleológica entre a condenação dos executados no cumprimento da prestação (no pressuposto, portanto – na perspectiva da sentença – da realização da prestação por eles e não por outrem) e a sua condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória, pois que a primeira condiciona e determina a segunda, fundindo-se em síntese normativa concreta[11]. É que a sanção compulsória apenas existe – ou só tem razão de ser – enquanto e na medida em que pode ter como pressuposto a intervenção e participação pessoal dos executados, em função do atraso que revelem na realização da prestação, e não por outrem à custa destes.


Entendimento este que também resulta do facto de a sentença proferida em processo judicial constituir um verdadeiro acto jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos (art. 295º C. Civil) – pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença, o que determina que a sentença deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, ainda que menos perfeitamente (arts. 236º-1 e 238º-1 C. Civil)[12]. É claro que esta conclusão genérica não pode olvidar a especificidade dos actos jurisdicionais relativamente aos negócios jurídicos[13]).

Como se refere no acórdão do STJ de 26.4.2012[14], «Em qualquer caso, interpretar o conteúdo de uma sentença de mérito é pressuposto indispensável da determinação do âmbito do caso julgado material, naturalmente»[15].

Assim, é através da interpretação que se obtém o sentido da sentença dada à execução (que é título executivo) e o alcance do caso julgado.


Bem a propósito e incidindo sobre um caso muito idêntico ao destes autos, escreveu-se no Ac. do STJ de 19.9.2019:

« A condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória encontra-se intimamente ligada à condenação do devedor na realização da prestação de facto, na medida em que visa compeli-lo a adotar a conduta devida, até então por si omitida. Tem, outrossim, em vista assegurar a observância da sentença condenatória. No caso em apreço, os Recorrentes, no requerimento executivo, optaram pela prestação por outrem - e não pelos Recorridos. Deste modo, verifica-se que o requerimento do pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que os Recorridos foram condenados, não encontra respaldo na sentença exequenda. É que a condenação nesse pagamento pressupõe, de acordo com a sentença, a prestação pelos Recorridos e não por outrem à custa destes. O caso julgado formou-se nestes precisos termos, de um lado e, de outro, a execução tem de respeitar o título executivo. A pretensão da realização da prestação por outrem não é teleologicamente compatível com a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória. Os Recorrentes como que renunciaram a este meio de tutela quando requereram a prestação por outrem.

Não se cura, nesta sede, de apreciar o caráter (in)fungível da prestação e a compatibilidade material da condenação no seu comprimento com a medida compulsória em causa. A sede própria para esta discussão era a ação declarativa. Não se reaprecia e nem se descura, pois, o que já foi decidido. O efeito preclusivo das exceções alegáveis na ação declarativa dissolveu-se no efeito geral do caso julgado.

Pode afirmar-se a existência de uma correlação teleológica entre a condenação dos Recorridos no cumprimento da prestação – e a realização da prestação pelos Recorridos e não por outrem - e a sua condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória, porquanto a primeira condiciona e determina a segunda, “fundindo-se em síntese normativa concreta”[16].

Este sentido da sentença resulta igualmente da consideração do disposto art. 829.º-A, n.º 1, do Cód. Civil.

A sentença exequenda, como decorre da respetiva interpretação, pronunciou-se sobre o pedido respeitante à fixação de uma quantia a título de sanção pecuniária compulsória formulado pelos Recorrentes no pressuposto da intervenção e participação pessoal dos Recorridos, do atraso da realização da prestação pelos Recorridos e não por outrem à custa destes.

Não podem, por isso, os Recorrentes, no caso sub judice, obter a cobrança coerciva dos montantes previamente fixados, em sede declarativa, a título de sanção pecuniária compulsória correspondente ao lapso de tempo compreendido entre 9 de setembro de 2009 e a data da realização da prestação de facto.

Em jeito de conclusão, pode dizer-se que não se verifica ofensa do caso julgado no que toca ao afastamento do pagamento desta sanção compulsória no período subsequente a 9 de setembro de 2009: data da propositura da ação executiva em que os Recorrentes requerem a realização da prestação por outrem. Enquanto meio de coerção, a sanção pecuniária compulsória deixou então de produzir efeitos. Desapareceu o pressuposto da sanção em apreço e, por isso, não pode continuar a pressionar-se os Recorridos, dada a irrelevância da sua vontade»[17].


Assim também entendeu o acórdão recorrido (seguindo a posição daquele aresto do STJ): “Apesar da força do caso julgado, a sanção pecuniária compulsória deixa de ser exigível dos devedores quando, pela instauração da execução, os credores exequentes manifestam a intenção de que tal prestação de facto positivo a que está associada seja realizada por outrem, ao abrigo do art.º 868º, nº 1, do Código de Processo Civil. Instaurada a execução para aquele efeito, assim optando os exequentes pela prestação de facto por terceiro, ainda que à custa dos executados, a sanção pecuniária deixa de ser admissível, ocorrendo como que uma renúncia do credor a este meio de tutela.[18] Isto não significa que a natureza da prestação de facto se alterou ou que em algum momento foi infungível; significa apenas a necessidade de fazer cumprir, até onde deve ser considerado devido, as obrigações exequendas, não descurando nem se reapreciando o que já foi decidido.”.


Nessa senda, tal como entendeu aquele aresto do STJ de 19.9.2019, também rematou a Relação que “pelo menos a partir do momento em que é instaurada a execução (em 21.5.2021) para que o facto – a realização da obra – seja praticado por terceiro, a sentença exequenda torna-se ineficaz na matéria da sanção pecuniária compulsória”.


Concorda-se inteiramente.

Na verdade, se os credores optam pela prestação de facto por outrem é porque já não querem que sejam os RR/Executados a levar a cabo essa prestação. Pelo que, tendo a condenação em sanção pecuniária compulsória tido lugar com base no pressuposto de que fossem os RR/condenados a realizar a prestação de facto, com aquela opção dos credores/exequentes deixa de haver “base” para que os RR/executados continuem a ser responsáveis pelo pagamento dessa sanção.

Assim, portanto, a exigir-se dos executados o pagamento de sanção pecuniária compulsória, a mesma nunca podia ser exigível, pelo menos, a partir do momento em que os exequentes declaram (sabe-se lá porquê), que (a final) já não querem que sejam aqueles executados a realizar a prestação, mas, sim, que a mesma seja levada a cabo por terceira(s) pessoa(s)).


Atento o explanado, a conclusão a tomar é que os Recorrentes/Exequentes nunca poderiam obter a cobrança coerciva de montantes a título de sanção pecuniária compulsória, pelo menos após a propositura da ação executiva em que os Recorrentes requereram a realização da prestação por outrem.

Ou seja, não há ofensa do caso julgado na rejeição do pedido de pagamento desta sanção compulsória no período subsequente a tal data da propositura da ação executiva, pois que enquanto meio de coerção, a sanção pecuniária compulsória deixou de produzir efeitos a partir dessa opção dos exequentes na realização da prestação por outrem, desaparecendo, então, o pressuposto dessa mesma sanção e, por isso, não pode continuar a pressionar-se os Recorridos, dada a irrelevância da sua vontade.


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Assim, portanto, temos que, em abstracto, se poderia dizer ser exigível pelos Exequentes, dos Executados, o pagamento dos montantes liquidados a título de sanção pecuniária compulsória desde o termo do prazo judicialmente fixado para a realização da prestação pelos Recorridos (30 dias após o trânsito da sentença – momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória decretada começa a produzir efeitos) e a data da instauração da acção executiva, do requerimento da prestação por outrem.

Nesta parte não há qualquer ofensa do caso julgado, já que poderá dizer-se que até ao requerimento da prestação por outrem os Recorrentes aguardavam o cumprimento da prestação pelos Recorridos.


Entra, porém, aqui em “cena” a figura do abuso do direito.

    • QUANTO AO ABUSO DO DIREITO

Antes de mais, e porque os recorrentes se “agarram” ao referido Ac. do STJ, de 19.9.2019 (que vimos citando e em que se considerou ser devido aos  exequentes o pagamento dos montantes devidos a título de sanção pecuniária compulsória até à instauração da execução, com a opção aí declarada pelos exequentes de realização da prestação por outrem que não pelos executados), é bom que se recorde, desde já, que, naquele caso, o lapso temporal decorrido entre o momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória decretada começou a produzir efeitos (8 de agosto de 2009 – termo do prazo judicialmente fixado para a realização da prestação pelos Recorridos) e a data da instauração da acção executiva (do requerimento da prestação por outrem - 9 de setembro de 2009) era de (apenas) cerca de um mês, estando, como tal, ali em causa uma sanção pecuniária compulsória liquidada no montante de (apenas) €7.920.

Foi, portanto, relativamente ao pagamento aos exequentes deste montante (repete-se, devido pelo atraso dos executados de apenas um mês na realização da prestação) que, nesta parte, entendeu (a nosso ver bem) o Supremo que havia ofensa de caso julgado, nas decisões das instâncias (que consideraram não ser devido o valor da sanção pecuniária compulsória).


No presente caso, porém, a situação é muito, muito diferente: apesar de a sentença ter transitado em julgado em 08.03.2020 e um mês depois ter terminado o prazo nela concedido para que os aí RR, ora Executados, realizassem a obra, os Credores, ora Exequentes, apesar de bem saberem que a prestação era fungível e que os RR a não cumpriram no prazo concedido pelo tribunal, deixaram passar bem mais de um ano sem nada dizerem ou fazerem, apenas vindo instaurar a acção executiva em 21.05.2021, ali consignando, expressamente, que “declaram que optam pela prestação de facto por outrem”.

É claro que, tendo deixado passar o tempo – que, obviamente decorria a seu favor (dessa forma mostrando que, afinal, não estavam muito interessados na realização célere da prestação, nem pouco mais ou menos) –, acabaram por deixar acumular uma quantia relativa a 405 dias, de (veja-se só) €81.000,00, pedindo, aliás, ainda o pagamento da sanção pecuniária até à conclusão da obra por terceiro!


A 1ª instância havia considerado esta situação como de claro abuso do direito (tal como a Relação veio a sustentar).


Escreveu-se na 1ª instância:

Se os credores/exequentes acabam por reconhecer a fungibilidade da obrigação, é lógico que se abstenham de requerer o pagamento de algo que se associa, de forma exclusiva, a obrigações infungíveis, tanto mais que, estando em causa obrigações fungíveis, os credores poderiam requerer a prestação por outrem logo após a produção de efeitos da sentença, sem necessidade de aguardar qualquer período temporal e sem fazer recair sobre os devedores da prestação o pagamento de quantia diária que, uma vez decorridos meses ou anos, se pode tornar manifestamente desproporcionada. E, em rigor, a conduta dos credores que, de forma contraditória, reconhecem a fungibilidade da obrigação e, mesmo assim, pretendem impor aos obrigados o pagamento de quantia diária até ao cumprimento da obrigação ou, que seja, até à interposição da execução, pode mesmo enquadrar-se na atuação em abuso de direito, nos termos do art. 334.º do CC, especialmente quando o credor, sem necessidade (pois a obrigação poderia ser logo obtida através de outrem), aguarda tempo suficiente para se criar uma obrigação desproporcionada (com o avolumar diário de sanção pecuniária compulsória) para os devedores.».


O que foi reforçado pela Relação:

«Como resulta da decisão recorrida (apesar de não ter tomado tal argumento como fundamento direto da decisão), é manifestamente abusivo da parte dos exequentes aguardar o decurso de tão longo período de tempo para criarem uma obrigação desproporcionada para os executados – note-se que o valor da sanção foi fixado em € 200,00 por dia – quando, na realidade, não tinham necessidade de o fazer, podendo executar rapidamente a prestação de facto por outrem.

Como assim, os exequentes abusam de direito ao invocarem na execução a sanção pecuniária compulsória relativa a 405 dias, no valor de € 81.000,00, e ainda o seu vencimento até à conclusão da obra por terceiro, quando não havia qualquer necessidade, estava ao seu alcance e seria do seu interesse instaurar a execução da obra por outrem logo que, mais de um ano antes, os RR. não a realizaram no prazo de 30 dias fixado para o efeito na sentença.

É certo que os executados poderiam ter realizado as obras naquele período de tempo, estando a tal obrigados, mas foi aos exequentes que o decurso do tempo serviu, quando a isso podiam ter obstado em qualquer momento, fazendo resultar daí um benefício para si e um prejuízo dos RR./executados de modo manifestamente desproporcional correspondente ao aumento sucessivo da sanção pecuniária compulsória até um valor manifestamente elevado e iníquo que podiam e deviam ter evitado totalmente.

(…).

Ocorre uma situação típica de abuso do direito, quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural, bem como da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

É o que acontece no caso concreto, devendo assim obstar-se ao efeito da sanção pecuniária compulsória desde o momento em que os exequente podiam ter instaurado a execução para prestação de facto de outrem, ou seja, desde que se iniciou o seu vencimento, o que também atesta o erro na decisão declarativa que a fixou e a sua falta de fundamento quando está em causa a prestação de facto fungível; pois que, após o decurso do prazo fixado na sentença para o devedor prestar o facto objeto da condenação não faz sentido compeli-lo ao cumprimento, por o credor/exequente dispor da possibilidade imediata de recorrer à prestação do facto por terceiro.».


*


Vejamos melhor.

Abuso do direito é o exercício de um direito de forma ilegítima por se exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé [19], pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.  Abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências decorrentes desse exercício.

Assim, há abuso do direito, segundo a concepção objectiva consagrada no artigo 334.º do C.C., sempre que o titular do direito o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito.  Não é necessário provar que o agente quis exercitar esse modo ilegítimo o seu direito, bastando que, objectivamente, se excedam tais limites.

Dito de outra forma: o exercício abusivo do direito traduz‑se no “comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica — por não contrariar a estrutura formal — definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde — e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto — materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício” [20].

O instituto do abuso do direito tutela, deste modo, situações em que a aplicação de um preceito legal, normalmente ajustada, numa concreta situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante.

Em suma, verifica‑se abuso do direito quando se exerce de modo anormal um direito próprio, respeitando a sua estrutura formal, mas violando a sua afectação substancial, funcional e teleológica, isto é, contrariando o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

Temos, assim, o art. 334.º do CC a funcionar como uma válvula de segurança do sistema jurídico, como forma de travar certas actuações que apesar da aparência de licitude e de exercício de direito, traduzem uma não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e a negação de interesses sensíveis de outrem [21].

Tal instituto, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial, são meios de que os tribunais devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.

Como refere Fernando Cunha Sá[22], a sanção do abuso do direito é variável, embora consista sempre numa recusa de tutela, devendo, contudo, ser determinada caso a caso. Para este autor, abre‑se ao julgador uma panóplia de sanções que permitem impedir que “o titular do direito abusivamente exercido obtenha ou conserve as vantagens que obteve com a prática do acto abusivo”, paralisando o direito exercido.  Mas, como põe em relevo Coutinho de Abreu[23], “as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito”.


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Analisando o caso sub judice.


A pergunta que, antes e mais, se impõe é esta: qual o fim (social e económico) do direito à sanção pecuniária compulsória?

A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A do CC destina-se, exclusivamente, a compelir o devedor ao cumprimento em espécie de prestação de facto positivo ou negativo infungível, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar (n.º 2 do mesmo artigo).

“A sanção pecuniária compulsória não é medida executiva ou via de condenação da obrigação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado[24].

Assim, portanto, a sanção pecuniária compulsória tem, assim, em vista, não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

Efectivamente, como escreve LURDES VARREGOSO MESQUITA[25], “a sanção pecuniária compulsória tem por função forçar o devedor a cumprir, procurando vencer a resistência ao cumprimento de uma obrigação, bem como o desrespeito por uma decisão judicial e, consequentemente, pela Justiça. É uma forma de pressão sobre a vontade do devedor, cujo instrumento se consubstancia na ameaça de um «mal». No nosso caso, essa ameaça de prejuízo recai sobre o património do devedor e esgota-se na eminência do pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção cometida, consoante o caso”.

E é nos direitos reais que a sanção pecuniária compulsória encontra o seu campo de aplicação privilegiado e tem como fim último e específico forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença, ou negligência, constrangendo-o a obedecer à decisão condenatória[26].


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Em sintonia com o aludido artº artigo 829.º-A do CC, o artigo 868.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, prevê que o credor instaure execução para prestação de facto fungível, desde logo, a prestar por outrem que não o devedor.


Ora, numa primeira linha, cremos poder dizer-se que na hipótese dos autos – em que estamos perante uma prestação de facto positivo fungível, mas em que, erradamente, foi aplicada uma sanção pecuniária compulsória por decisão transitada em julgado e em que se vem a requerer a prestação por outrem – , não parece colocar-se, sequer, afinal, a aplicação da referida sanção compulsória.

De facto, tratando-se de facto positivo fungível, segundo o título executivo, o credor poderia instaurar, desde logo - como instaurou – execução para a sua prestação por outrem ao abrigo da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 868.º do CPC.

Mas, a ser assim, que sentido faz cumular essa pretensão de prestação de facto…por outrem com a execução da sanção compulsória também constante do título?


Ou seja, o exequente peticionou uma sanção pecuniária compulsória para levar os executados ao cumprimento da prestação de facto a que foram condenados na sentença.

O que quer dizer que tal sanção está indelevelmente ligada aos mesmos executados, à prestação por eles (foi essa a vontade expressa pelos AA ao peticioná-la ao tribunal).

Ora, o que se verifica é que, afinal, os exequentes dirigiram a sua pretensão de realização da prestação a terceiros que não aos executados. É isso que expressam no requerimento executivo: a prestação por outrem.

Como tal, parece que, desde logo, se torna incompatível a exigência aos executados da sanção pecuniária compulsória com a desejada realização da prestação por outrem que não por eles.


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Como quer que seja, a conduta dos AA/Exequentes sempre consubstanciaria uma situação de abuso do direito.

Efectivamente, cremos que o direito não pode tutelar o direito dos exequentes/credores a executar a pretendida sanção compulsória, muito menos no peticionado montante, não apenas ponderando a passividade daqueles exequentes ao longo de 405 dias sem dirigir nos autos uma palavra que fosse, como ainda, e principalmente, tendo em conta o aludido fim social e económico do direito à sanção pecuniária compulsória, supra enunciado, que é, como dito, compelir o devedor ao cumprimento da obrigação em espécie, fim esse que deixou se ser perseguido na medida em que os próprios credores vieram pedir que fosse outrem que não os devedores a  cumprir a prestação.

Ou seja, é claramente incongruente e abusivo que os AA/exequentes venham pretender também a execução da sanção compulsória para compelir o devedor ao cumprimento, quando não foi esta a pretensão por si deduzida. Nestas circunstâncias, a sanção compulsória não serviria para a consecução do fim declaradamente pretendido pelo credor exequente (nem pode ser considerada com qualquer fim indemnizatório, que não tem).

Como vimos, os recorrentes, bem sabendo que a prestação em causa era claramente fungível (que podia ser levada a cabo por outrem), como tal não carecendo de aguardar que os executados tomassem a iniciativa de a realizar – aliás, até era do interesse dos exequentes a realização por pessoa(s) por si escolhidas e, como tal, da sua confiança e dessa forma lograr obter a realização melhor e mais rápida da prestação de facto – , preferiram deixar passar o tempo, até porque sabiam (estão patrocinados por advogado) que o tempo corria a seu favor, pois cada dia de abstenção sua em instaurar a execução “enchia” a sua bolsa em €200, um rendimento extraordinariamente elevado por simplesmente…nada fazerem, apenas deixar correr o tempo.

É claro que, desta forma, os exequentes estavam – sabiam que estavam – a empobrecer significativamente os executados, pois em cada mês (e sem, sequer, mexeram uma “palha”) embolsariam a quantia de €6.000,00 - €72.000,00 anuais!

Portanto, decorrido o prazo fixado na sentença para que os executados realizassem a prestação ali arbitrada e sem que os mesmos o fizessem, os exequentes, sabendo que não tinham de esperar mais para que a execução pudesse avançar, na medida em que podiam recorrer à prestação de facto por terceiro, preferiram nada fazer (mostrando que, afinal, a grande preocupação manifestada na acção declarativa de que os RR cumprissem a pretensões ali veiculadas não era tão real como ali fizeram crer), antes optando por ficar quedos e mudos durante 405 dias, assim deixar engordar os seus réditos com tal passividade, só ao fim desse longo prazo vindo peticionar ao tribunal uma sanção pecuniária compulsória (já vencida) de €81.000,00, mas acentuando que, afinal (em contradição, portanto, com o fim daquela sanção) não queriam que fossem os RR condenados/executados a realizar a prestação.

Assim, portanto, virem os exequentes agora exigir o pagamento de tais montantes, no contexto factual descrito, consubstancia uma conduta que, clara e objectivamente, e atenta a especificidade do caso, consubstancia uma conduta que não está em sintonia com o fim social e económico do direito à sanção pecuniária compulsória, para além de conduzir a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.

Dessa forma, a decisão recorrida merece o desiderato da confirmação.

Assim claudicam as conclusões das alegações.


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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação do Porto.

Custas da revista a cargo dos Recorrentes.


Lisboa, 27 de outubro de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

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[1] Que, em boa verdade, não contêm, propriamente (como se impunha), uma conclusão sintética dos fundamentos por que os recorrentes pedem a alteração da decisão, ut artº 639º, nº1 CPC. E só não convidamos à sua sintetização para não retardar mais o desfecho da demanda.
[2] Proc. 939/14.6T8LOU-H.P1.S1.
[3] ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civil Anot. 1981, p. 126.
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 572.
É claro que tal não obsta a que o juiz mantenha ainda o exercício do poder jurisdicional para resolver os incidentes e questões que surjam no desenvolvimento posterior do processo, contanto que não se repercutam na sentença ou no despacho que proferiu, designadamente competindo-lhe apreciar o requerimento de interposição de recurso contra a sua decisão e prover à sua expedição para o tribunal superior.
[5] Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª edição, Almedina, p. 41.
[6] Ob cit., pp 127.
[7] Destaque nosso.
[8] Estudoscit, pág. 567.
[9] Destaque nosso.
[10] Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1996, pp.55-57.
[11] Assim também o cit. ac. do STJ de 19.09.2019.
[12] Cfr., entre outros, o Ac. de 3/2/2011, proferido pelo STJ no P. 190-A/1999.E1.S1.
[13] Cfr. ac. do STJ de 22/3/07, proc. 06A4449.

Importa, assim, ter em consideração, não só que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito, como também a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o dispositivo decisório e este, tudo à luz da sua estrita conexão, desenvolvimento e interdependência (Cfr. ac. STJ de 28/01/97, CJ V-I-83).

[14] Revista n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 - Disponível na Base de Dados Jurídicas da DGSI

[15] Acrescenta este aresto: «E sabe-se que, para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação (“é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715, como se recorda no acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. n 102/2001.L1.S1), o contexto, os antecedentes da sentença e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Para além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB».

[16] Cfr. António Castanheira Neves, RLJ 110.º, 1977/78, pp. 289-305.

[17] Destaques nossos.

[18] Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.9.2019, comentado pelo Prof. Teixeira de Sousa.

[19] O princípio da boa fé, que é de aplicação geral a todos os domínios do jurídico, vale para todo o comportamento juridicamente relevante das pessoas” (Coutinho de Abreu, “Do Abuso de Direito”, p. 61) e pressupõe, necessariamente, uma “específica relação inter‑pessoal (embora não necessariamente negocial, ou sequer, pré ou circum‑negocial), fonte de uma específica relação de confiança — ou, pelo menos, expectação de conduta — cuja frustração ou violação seja particularmente clamorosa” (Orlando de Carvalho, “Teoria Geral do Direito Civil”, Centelha, Coimbra, 1991, p. 56).

A boa fé, na sua vertente de princípio geral de direito, constitui um “critério que deve presidir e orientar todo o comportamento” (Fernando Cunha Sá, “Abuso do Direito”, p. 172) e que consiste num agir caracterizado pela correcção, lealdade e honestidade.  Efectiva­mente, segundo Coutinho de Abreu (“Do Abuso de Direito”, p. 55) o princípio da boa fé significa “que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal nomeadamente, no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”.

[20] Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, p. 391.

[21] Cfr. Coutinho de Abreu, citado na sentença de 18 de Junho de 1985 do Juiz do 7.º Juízo Cível do Porto, in CJ, Ano X, T. 5, p. 247.

[22] “Abuso do Direito”, p. 646.

[23] “Do Abuso do Direito”; p. 76.

[24] Ver CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1995, pág. 407.
[25]Sanção pecuniária compulsória – meios coercitivos: modelo português, in Scientia Iuridica, Tomo LVII, 2008, n.º 316, pp. 741-770 – destaque nosso.
[26] Cfr, Acórdão do STJ de 9 de Outubro de 2001 (ARAÚJO de BARROS), http//dgsi..