Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RIJO FERREIRA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA REVISTA EXCECIONAL PRESSUPOSTOS OFENSA DE CASO JULGADO OBJETO DO RECURSO ARGUIÇÃO DE NULIDADES FUNDAMENTOS DESPACHO SANEADOR CONHECIMENTO NO SANEADOR CASO JULGADO FORMAL | ||
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Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. A ‘ofensa de caso julgado’, enquanto fundamento excepcional de admissibilidade do recurso (art.º 629º, nº 2, al. a), do CPC) basta-se com a verosimilhança da ofensa (por contraponto à ‘ofensa de caso julgado’ enquanto fundamento do mérito do recurso, em que releva antes a efectividade da ofensa). II. Nos casos de admissibilidade excepcional dos recursos o objecto do recurso é restrito à matéria que constitui o fundamento da sua admissibilidade. III. E nesses casos, entendendo-se que a invocação de nulidades enquanto fundamento da revista (artigo 674º, nº 1, al, c), do CPC) tem carácter acessório, haverá ainda de considerar-se só serem susceptíveis de invocação e conhecimento aquelas nulidades que se relacionem com o objecto do recurso. IV. As declarações genéricas constantes do despacho saneador, porque não correspondem a questões concretamente apreciadas, não estão dotadas de força de caso julgado (artigo 595º, nº 3, do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE HERANÇA INDIVISA DE AA († 04AGO2017) (aqui patrocinada por ..., adv., com procuração emitida por todos os herdeiros)
Autora / Apelante / Recorrente
CONTRA
BB e mulher CC (aqui patrocinados por ..., adv.)
Réus / Apelados / Recorridos
A Autora intentou acção de reivindicação do U-6228/13...02 pedindo que seja declarada proprietária do referido imóvel e a condenação dos Réus a reconhecerem essa propriedade e a absterem-se de praticar actos ofensivos da mesma (designadamente utilizar o prédio da Autora para instalar conduta de gás e aceder, a pé e de carro à via pública, com a qual, aliás, o prédio dos Réus também confronta) bem como a proceder à remoção do tubo de gás e portão que nela instalaram e a proceder à reconstrução do muro divisório; a, ainda, a pagarem-lhe as quantias de 5.000 € e 2.500 € a título de indemnização por danos, respectivamente, patrimoniais e não patrimoniais. Os Réus contestaram por impugnação e, em reconvenção, pedem a condenação da Autora a reconhecer uma servidão de passagem de carro e conduta de gás. Pedem, também, a condenação da Autora como litigante de má-fé. Houve tréplica na qual se propugnou pela inadmissibilidade e improcedência da reconvenção e se pede a condenação dos Réus como litigantes de má-fé. Foi proferido despacho saneador tabelar, que não foi alvo de qualquer impugnação. Foi proferida sentença que, começando por afirmar não ter a Autora personalidade e capacidade judiciária, considerou irrelevante tal circunstância por ser manifesta, dado ter por não demonstrado o direito de propriedade invocado, a inviabilidade da pretensão deduzida, julgou a acção improcedente; considerando verificados os respectivos pressupostos, julgou procedente a reconvenção; não condenou nenhuma das partes como litigante de má-fé. Inconformada, apelou a Autora, concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto (com repercussão na decisão quanto à reconvenção), não ter sido providenciada a sanação da irregularidade, violação do contraditório e violação do caso julgado. A Relação não conheceu da impugnação da matéria de facto por a considerar prejudicada pelo facto de não vir questionada a consideração de o direito de propriedade estar inscrito a favor de terceiro, o que sempre levaria à improcedência da acção, julgando a apelação improcedente. Irresignada veio a Autora interpor recurso de revista nos termos “dos artigos 629.º, n.º 2, alínea a), 674.º, 675.º e 676.º, todos do Código de Processo Civil” concluindo, em síntese, por padecer o acórdão recorrido das nulidades de falta de fundamentação, ambiguidade/inintelegibilidade, omissão e excesso de pronúncia, por ofender o caso julgado formado com o despacho saneador e, subsidiariamente, que concluindo-se pela falta de personalidade e capacidade judiciária não pode haver lugar à sua condenação no pedido reconvencional. Não houve contra-alegação.
A situação tributária mostra-se regularizada. O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC), bem como, formalmente, mostram-se satisfeitos os ónus de indicação dos elementos específicos de recorribilidade (artigo 637º do CPC). Sendo o valor da causa inferior à alçada da Relação o recurso de revista estaria, por regra, vedado, nos termos do nº 1 do artigo 629º do CPC. Porém, o nº 2 do mesmo normativo estabelece algumas excepções a essa regra, sendo uma delas (al. a)) a ofensa de caso julgado; o que é expressamente invocado pela Recorrente como fundamento do recurso. A ‘ofensa de caso julgado’, enquanto fundamento de admissibilidade do recurso basta-se, em nosso modo de ver, com a verosimilhança da ofensa (por contraponto à ‘ofensa de caso julgado’ enquanto fundamento do mérito do recurso, em que releva antes a efectividade da ofensa). E em termos de aparência ocorre uma disparidade de posição entre o acórdão recorrido e o despacho saneador, pelo que se tem por verificado o invocado fundamento da revista. Haverá, no entanto, de fazer notar que, conforme é entendimento consolidado, nos casos de admissibilidade excepcional dos recursos o objecto do recurso é restrito à matéria que constitui o fundamento da sua admissibilidade; no caso presente, o objecto do recurso cinge-se à verificação ou não da invocada ofensa do caso julgado. Por outro lado, entendendo-se que a invocação de nulidades enquanto fundamento da revista (artigo 674º, nº 1, al, c), do CPC) tem carácter acessório, haverá de considerar-se só serem susceptíveis de conhecimento na presente revista aquelas que se relacionem com o objecto do recurso. O que não é o caso das nulidades invocadas pela Recorrente, pelo que as mesmas devem ser apreciadas na Relação, em conformidade com o disposto no artigo 617º, nº 5, do CPC, como se ordenará a final. Termos em que se admite a revista nos termos gerais, embora restrita à questão da ‘ofensa do caso julgado’. Atento o disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, o recurso sobe nos próprios autos com efeito meramente devolutivo. Destarte, o recurso merece conhecimento. Vejamos se merece provimento.
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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a única questão a resolver por este tribunal é a de saber se o acórdão recorrido incorre em violação de caso julgado.
A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete. Haverá ainda de ter em conta: - o teor do despacho saneador:
- o seguinte trecho da fundamentação da sentença:
- o seguinte trecho do acórdão
Sumária, mas suficientemente, se dirá não ocorrer a invocada ofensa de caso julgado por duas ordens de razões. A primeira porquanto não existe caso julgado que possa ter sido ofendido. Com efeito a declaração de as partes se acharem dotadas de personalidade e capacidade judiciária constante do despacho saneador não resulta de uma apreciação concreta dessas questões sendo antes uma mera declaração genérica, pelo que, conforme o disposto no nº 3 do artigo 595º do CPC, não constitui caso julgado formal. A segunda porquanto do acórdão Recorrido não resulta que a Recorrente tenha sido considerada destituída de personalidade ou capacidade judiciária, pelo que seria insusceptível de ofender um eventual reconhecimento prévio com força de caso julgado dessa personalidade e capacidade judiciária. Tal acórdão, pelo contrário, é expresso em afirmar que entendeu a referência a essa circunstância feita na sentença como um lapso, pois o que relevava como ratio decidendi era ter ficado provado que o prédio em causa não pertencia à Recorrente (questão que, aliás, esta não havia posto minimamente em causa no recurso e, consequentemente, estava excluída do seu objecto) e não a falta daqueles pressupostos processuais.
Termos em que se nega a revista. Custas pela Recorrente.
Baixem os autos à Relação para aí serem conhecidas, se possível pelos mesmos desembargadores, as nulidades invocadas.
Lisboa, 02FEV2023
Rijo Ferreira (Relator) Cura Mariano Fernando Baptista |