Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5870/20.3T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL
DIREITOS DOS SÓCIOS
DIREITO À INFORMAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 11/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Se as solicitações da acionista tendentes à obtenção de certas informações societárias foram feitas a pessoa que, sendo embora acionista maioritária, não era, todavia, administradora da sociedade, não pode dizer-se que houve recusa de informação.
II - O mesmo se diga relativamente a solicitação endereçada à administração da sociedade, mas cuja carta não foi rececionada pelo órgão destinatário.
III - A alegada recusa de consulta de documentos (aprovação de contas e relatório de gestão) no quadro do art. 289.º do CSC (informações preparatórias da assembleia geral) não constitui fundamento para inquérito judicial, mas sim para requerer a anulação de deliberações que possam vir a ser tomadas.
IV - Se o que foi alegado mostrava à partida que a pretensão (realização de inquérito judicial) estava destinada a não poder proceder, nada impedia o indeferimento liminar da petição inicial.
V - O convite ao aperfeiçoamento está legalmente previsto para superar meras irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados, e não para que o tribunal possa dar espaço à criação de uma nova atividade alegatória que de alguma forma possa viabilizar um pedido que não tinha viabilidade.
VI - O art. 1048.º, n.º 1, do CPC impõe que a parte alegue os fundamentos do pedido de inquérito, não competindo ao tribunal proporcionar à parte, a título de um qualquer convite ao aperfeiçoamento, a possibilidade de uma outra alegação apta ao fim visado.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 5870/20.3T8VNG.P1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação .....

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA propôs, pelo Juízo de Comércio de ..., ação especial de inquérito judicial contra Semorsil, S.A., pretendendo ver averiguados os seguintes factos:

- A correspondência entre as remunerações auferidas pelas pessoas que integram os quadros de pessoal/membros dos órgãos sociais da Requerida e as constantes dos mapas mensais, pelo menos nos últimos três anos;

- A correspondência entre as receitas da Requerida e as inscritas na contabilidade oficial, pelo menos nos últimos três exercícios;

- A correspondência entre a contabilidade da Requerida e as suas contas de depósito (que desconhece quais sejam), pelo menos nos últimos três exercícios;

- As despesas dos membros dos órgãos sociais da Requerida, nomeadamente vencimentos, almoços, deslocações, etc., pelo menos nos últimos três anos;

- A situação de todos os colaboradores da Requerida pelo menos nos últimos três exercícios.

Alegou para o efeito, que:

- Em 28/12/2019 faleceu o seu pai, BB, que era acionista maioritário e presidente do conselho de administração da sociedade Requerida (sociedade de estrutura familiar), casado sob o regime da comunhão geral de bens com a sua mãe, também acionista da sociedade Requerida.

- O falecido deixou cônjuge e três filhas, uma das quais é a Requerente, que, tal como outra irmã, também é acionista da sociedade;

- Desde a morte de BB, a sociedade encontra-se sem qualquer administrador nomeado, sendo gerida “de facto” por CC, cunhado da Requerente, que também é acionista;

- A Requerente não tem conhecimento pleno e esclarecido de todos os factos que a habilitem a exercer a sua participação na sociedade;

- A sociedade deixou praticamente de ter qualquer atividade, indiciando-se estar em falência técnica;

- A sociedade apresenta perdas desproporcionais, gastos aumentados de um ano para outro;

- Na sequência de convocatória datada de 06 de maio de 2020, que tinha como primordial objetivo “colocar” o acionista minoritário CC como administrador, a Requerente solicitou, em 14 de maio de 2020 (nos termos do documento n.º 10), o adiamento da respetiva assembleia geral, o que foi deferido (doc. n.º 11), marcando-se a assembleia para 29 de junho de 2020, a qual teve como objetivo designar os órgãos sociais e revisores oficiais de contas para 2020;

- Tendo em vista a preparação dessa assembleia de 29 de junho de 2020, a Requerente solicitou (nos termos do documento n.º 12, carta de 23 de junho de 2020) que lhe fossem facultados todos os elementos informativos e/ou explicativos sobre a situação (contas) negativa da sociedade;

- Gorada que foi tal assembleia geral, a sociedade expediu nova convocatória de assembleia geral para 12 de agosto de 2020 (nos termos do documento nº 13), onde se referia que os documentos estavam disponíveis para consulta;

- Na sequência, em 21 de julho de 2020, a Requerente, acompanhada de dois técnicos/peritos da área económico-financeira, deslocou-se às instalações da sociedade a fim de poder consultar os tais documentos de modo a poder preparar a referida assembleia geral designada para esse dia 12 de agosto de 2020;

- O administrador “de facto” da sociedade, o referido CC não facultou o acesso da Autora aos documentos;

- Em 4 de Agosto de 2020 a Requerente enviou à sociedade carta registada com aviso de receção, pedindo informação alargada sobre a situação empresarial desta, nos termos do documento nº 14;

- Tal missiva não foi levantada pela sociedade, tendo sido devolvida à remetente;

- Em 11 de agosto de 2020 a Requerente retornou à sede da sociedade acompanhada de revisor oficial de contas, tendo aí solicitado presencialmente ao administrador “de facto” CC “um conjunto de informações sobre a sociedade, de modo a poder ir devidamente esclarecida para a Assembleia Geral do dia seguinte”, mas acabou por lhe ter sido negado o acesso a quaisquer documentos e/ou informações.

- A sociedade remeteu à Requerente nova convocatória, desta feita a designar assembleia geral para 14 de setembro de 2020, nos termos do documento n.º 15;

- Em 25 de agosto de 2020 a Requerente enviou à sua mãe missiva (documento n.º 17) a solicitar, tendo em vista a preparação dessa assembleia geral de 14 de setembro de 2020, as contas referentes ao ano de 2019, devidamente assinadas pelo órgão de gestão, mas a resposta (documento nº 18) foi a de que não poderia ser satisfeito tal pedido por inexistir um administrador nomeado.

                                                                               +

O requerimento inicial foi liminarmente indeferido, com fundamento em o pedido ser manifestamente improcedente.

                                                                               +

Inconformada com o assim decidido, apelou a Requerente.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação .... confirmou a decisão recorrida.

                                                                               +

Mantendo-se inconformada, pede a Requerente revista.

Introduziu o recurso sob o figurino da revista excecional.

A competente formação admitiu o recurso assim interposto.

                                                           +

Cumpre pois conhecer do recurso.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São as seguintes as conclusões que a Recorrente extrai da sua alegação (não se transcrevem as conclusões A. a F., que têm a ver com a admissão excecional da revista, assunto já ultrapassado):

G. Recuperando anterior motivação recursiva, já impetrada, é absolutamente irrefragável que a Recorrente alegou o núcleo essencial de factos que fundamentam o pedido de inquérito judicial à sociedade que impetrou.

H. Aliás, numa situação tão óbvia e manifesta de recusa de informação, em que a Recorrente tomou inúmeras e variadíssimas iniciativas no sentido de interpelar a Recorrida sociedade (fosse junto da Administradora que acabou por ser formalmente nomeada, fosse junto do seu Administrador “de facto”, que assim tiveram pleno conhecimento da pretensão da Recorrente, mas que – empurrando de um para o outro – se recusaram sempre a atender tal pretensão: vide, neste sentido, a certidão comercial permanente da Recorrida sociedade, que ao diante se junta, com o código de acesso ..., e cujo teor se dá aqui por integralmente integrado e reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos) para satisfazer o seu pedido de informações e de consulta de documentos, legítima e devidamente fundamentada, não se compreende que a Recorrente veja negado liminarmente o caminho judicial indicado para colmatar esta situação, com base num argumento puramente formal, num processo que, pela sua natureza, inclusivamente se rege pelos princípios do inquisitório, conveniência e oportunidade.

I. Sendo que, percute-se, ainda que não nos encontrássemos perante um processo de jurisdição voluntária, o NCPC preconiza um papel mais activo do julgador na gestão do processo, mormente dando prevalência à possibilidade de aproveitamento do processado, convidando as partes a aperfeiçoar os articulados (cf., aliás, neste sentido, dispõe o artigo 590º, nº 2, alínea b), nº 3 e nº 4 do CPC).

J. Entende, pois, a Recorrente que o julgador deveria ter tido, num caso tão flagrante como este, um papel mais proactivo na gestão do processo, atenta – como já se disse – atenta a manifesta relevância sócio-jurídica do direito dos sócios à informação quando está em causa a preterição por banda das sociedades que integram do conhecimento da vida e da gestão societária.

K. De resto, como pode a Recorrente conformar-se com a improcedência da sua pretensão, depois do caminho que trilhou, perante os flagrantes atropelos cometidos na Requerida sociedade e de que deu eco nos autos?

L. Aliás, através duma análise dos documentos que a Recorrente, abundantemente, carreou para os autos, demonstra-se inequivocamente os fundamentos da sua pretensão, desde que se faça uma leitura experimentada e isenta dos mesmos, concatenando-os obviamente com a “realidade” da Recorrida sociedade, particularmente no que tange à composição dos seus órgãos sociais e à “familiaridade” (consubstanciada naquilo que sempre foi um menor formalismo) com que funcionavam.

M. Como já se disse no recurso para a Relação, analisar o caso «sub judice» numa perspectiva puramente FORMAL, só vem sancionar o “jogo do gato e do rato” criado por quem não quer prestar as informações, acobertado pela pretensa inexistência de uma nomeação oficial da Administração, sendo ainda que permitir que este “limbo lodacento” justifique e legitime a falta de informação assim como a não permissão de consulta de documentos, contraria tudo quanto o legislador pretende ver salvaguardado nesta matéria, relativa ao direito de informação dos sócios.

N. Entende, pois, a Recorrente, com todo o devido respeito, que os pressupostos para que o presente processo possa prosseguir se encontram reunidos, sendo que, na eventualidade de assim não se entender, o que só por mero exercício de raciocínio se admite, ainda se dirá que o processo de inquérito judicial à sociedade é um processo de jurisdição voluntária, no qual prevalece o princípio do inquisitório sobre o princípio da atividade dispositiva das partes, pelo que, nessa medida, a Mma Juiz «a quo» deveria, no mínimo, convidar a Requerente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, melhor delimitando os pontos concretos que pretende ver esclarecidos.

O. Sendo que, percute-se, ainda que não nos encontrássemos perante um processo de jurisdição voluntária, o NCPC preconiza um papel mais activo do julgador na gestão do processo, dando prevalência à possibilidade de aproveitamento do processado, convidando as partes a aperfeiçoar os articulados (artigo 590º, nº 2, alínea b), nº 3 e nº 4 do CPC).

P. Donde, e à guisa de conclusão, assim se entendendo, como se entende, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a notificação da Recorrente/Requerente para aperfeiçoar o seu articulado, determinando-se a baixa do processo para a primeira instância, tendo em vista o prosseguimento dos autos, até final.

Q. Ao decidir nos termos em que o fez, o douto Tribunal «a quo» violou, designadamente, o disposto nos artigos 21º, nº 1, alínea c) e 288º do CSC., 1048º e seguintes, 986º, nº 2 e 590º, nº 2, alínea b), nº 3 e nº 4, todos do CPC).

Termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida, “substituindo-se a mesma por outra que determine o prosseguimento dos autos, ou, subsidiariamente, determine a notificação da Recorrente/ Requerente para aperfeiçoar o seu articulado inicial, de acordo com o thema decidendum e nos termos expostos e requeridos no presente recurso, tudo com todas as consequências legais”.

                                                           +

Não se mostra oferecida contra-alegação.

                                                           +

Em face do teor das conclusões, são questões a conhecer:

- Se o pedido não é manifestamente improcedente;

- Se devia ter havido convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

Plano factual

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima expostas.

Plano jurídico-conclusivo

O presente inquérito judicial é requerido sob invocação (artigo 45.º da petição inicial) dos art.s 216.º (que regula mais especificamente para as sociedades por quotas, o que não é o caso da sociedade ora Requerida), 288.º e 292.º do CSComerciais (Código das Sociedades Comerciais).

Percorrendo o que foi alegado pela Requerente na sua petição inicial e examinando as cartas a que faz referência e que juntou (carta de 23 de junho de 2020, doc. n.º 12; carta de 4 de agosto de 2020, doc. n.º 14; carta de 25 de agosto de 2020, doc. n.º 17) vemos que as solicitações da Requerente tendentes a ser informada nos termos visados na primeira e terceira cartas foram feitas à sua mãe, que, sendo embora acionista maioritária, não era, à data, administradora da Requerida. Aliás, resulta do alegado que não existia sequer uma administração designada ou nomeada, fazendo a Requerente referência a uma administração “de facto” que (e se bem se entende, pois que o que foi alegado não é particularmente esclarecedor) estaria a ser assegurada pelo acionista CC. E a carta de 4 de agosto de 2020, esta sim dirigida à administração da sociedade, não foi pura e simplesmente rececionada pelo órgão destinatário.

Deste modo, não vemos como se possa dizer que à Requerente foi efetivamente recusada (ato de vontade da sociedade, manifestada por quem a devia representar) a concreta informação que solicitou através de tais missivas, na certeza de que (e no que respeita pelo menos à primeira e à terceira missivas) - e como resulta do art. 291.º do CSComerciais - a entidade de quem se podia exigir essa informação era o conselho de administração da sociedade. Compreende-se, por isso, o teor da carta da mãe da Requerente (doc. n.º 18), carta de 4 de setembro de 2020 (que é resposta à carta da Requerente de 25 de agosto de 2020): “Como é sobejamente conhecido por si, a empresa Semorsil SA não tem administrador nomeado, pelo que não é possível atender ao seu pedido”.

No respeitante à consulta (presencialmente, nas instalações da sociedade, segundo o alegado) que a Requerente quis ver realizada em 21 de julho de 2020 (tratava-se da consulta dos documentos - aprovação de contas e relatório de gestão - a que aludia a convocatória da assembleia geral designada para 12 de agosto de 2020) e aos “documentos e informações” que a Requerente visou obter (presencialmente, nas instalações da sociedade, segundo o alegado) em 11 de agosto de 2020, há a dizer o seguinte:

- No tocante à referida consulta, a invocada recusa de acesso à mesma não constitui fundamento para inquérito judicial. Tal consulta é a que está prevista no art. 289.º do CSComerciais, determinando a violação desse direito do acionista um caso de invalidade da deliberação que venha a ser tomada (art. 58.º do CSComerciais)[1]. Já o inquérito judicial está reservado para as situações em que tenha havido recusa de informação pedida ao abrigo dos art.s 288.º e 292.º do mesmo Código.

- No tocante aos “documentos e informações”, não expressa a Requerente que informações e documentação (a Requerente fala simplesmente da obtenção de “um conjunto de informações sobre a sociedade”) é que, em concreto, estariam em causa e foram recusados. Todavia, radicando tal pretensão da Requerente na preparação da assembleia geral a ter lugar no dia seguinte (como ela própria alega), o que poderia ser legitimamente objeto de informação era aquilo que está mencionado no art. 289.º do CSComerciais, mas, como acaba de ser dito, a respetiva recusa não autoriza o recurso ao inquérito judicial.

As demais ocorrências relatadas pela Requerente, como seja (artigo 81º da petição inicial) a frustração do pedido de obtenção da «acta da “não reunião”» da assembleia geral marcada para 12 de agosto de 2020 (pedido que, de resto, também não foi rececionado) ou a não disponibilização (artigo 78º da petição inicial) das “pastas da contabilidade”, não constituem legalmente fundamento para inquérito judicial. O acionista tem direito ao acesso à ata da reunião da assembleia geral que teve lugar como tal, e não a qualquer “acta” de uma “não reunião” (reunião da assembleia geral que não existiu como tal); e os documentos consultáveis são apenas os enumerados nas alíneas do n.º 1 do art. 288.º e nas alíneas do n.º 1 e no n.º 2 do art. 289.º do CSComerciais, não sendo consultável aquilo que simplesmente possa respeitar à escrituração, livros e documentos sociais[2].

Deste modo, o que foi alegado na petição inicial não satisfazia à previsão do art. 292.º do CSComerciais, razão pela qual a pretensão da Requerente se revelava à partida como destinada a não poder proceder.

O que significa que o indeferimento liminar que teve lugar não é passível de censura.

A Recorrente, porém, traz à discussão a questão de se estar perante um processo de jurisdição voluntária, pretendendo a partir daí que o tribunal havia de a ter convidado “a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, melhor delimitando os pontos concretos que pretende ver esclarecidos”. Mais afirma que, independentemente da natureza (de jurisdição voluntária) do processo, sempre seria dever do tribunal, nos termos gerais, convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado.

Mas não pode ser subscrito um tal ponto de vista.

Desde logo observe-se que a petição inicial não foi liminarmente indeferida com fundamento em deficiência dos pontos concretos que se queriam ver esclarecidos, mas sim com fundamento em que, perante o alegado, não era caso de se poder enveredar pelo inquérito judicial. Mas, à parte isso, é de referir que o convite ao aperfeiçoamento está legalmente previsto para superar meras irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados, e não para que o tribunal possa dar espaço à criação de uma nova atividade alegatória que de alguma forma possa viabilizar um pedido que não tinha à partida viabilidade.

Ora, no caso vertente nada havia a aperfeiçoar relativamente aos fundamentos do pedido de inquérito judicial que foi apresentado. O que se passa, simplesmente, é que o que foi alegado não se apresentava legalmente apto em ordem a justificar o visado inquérito judicial. Qualquer “aperfeiçoamento” só poderia servir para desenvolver uma outra (nova) atividade alegatória.

O artigo 1048.º, n.º 1, do CPCivil impõe que a parte alegue os fundamentos do pedido de inquérito, não competindo ao tribunal proporcionar, a título de convite ao aperfeiçoamento, a possibilidade de uma outra alegação subsequente apta ao fim visado. Diz bem o acórdão recorrido quando diz que “Entender que, por ser um processo de jurisdição voluntária, o processo de inquérito permitiria que o tribunal pudesse encontrar outros fundamentos não alegados para decidir o pedido pela parte, seria postergar a imposição da alegação prevista no artigo 1048.º, n.º 1, do C. P. C. que o legislador pretendeu, como que atenuando neste caso a liberdade que aquele tipo de processo de jurisdição voluntária em geral permite ao mesmo tribunal (artigo 987.º, do C. P. C.). O que seria permitido efetuar, se disso fosse caso, era convidar a requerente a suprir insuficiências/imprecisões de alegação (artigo 590.º, n.º 4, do C. P. C.) ou eventualmente, mesmo sem recorrer a esse convite, avançar para a fase seguinte, procurando o próprio tribunal o esclarecimento dessas imprecisões. Mas no caso presente não está em causa a existência de imprecisões ou falta de concretização de factos alegados mas antes a alegação concreta e clara de factos que, no entanto, são insuficientes (…) para que a pretensão possa vir a ter sucesso.”

Improcede, pois, o recurso, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas

A Recorrente é condenada nas custas do presente recurso.

                                                           +

Lisboa, 17 de novembro de 2021

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

                                                           ++

Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).

_________________________________________________


[1] V. Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 8ª ed., p. 584; Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume II, 5ª ed., p. 245.
[2] V. Jorge Coutinho de Abreu, ob. cit., p. 237.