Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES PREVENÇÃO ESPECIAL PREVENÇÃO GERAL MEDIDA CONCRETA DA PENA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I. Pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão. II. Na fixação da pena a impor, em casos como o presente, haverá que sopesar as necessidades de estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime, que reforçam ainda mais os imperativos de prevenção geral e especial, no sentido de a dosimetria penal não frustrar, não desacreditar, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. Lembremo-nos que Portugal, através dos seus aeroportos ou linha costeira é, infelizmente, um local de entrada de estupefacientes, vindos dos países produtores, quer para o mercado nacional, quer para a Europa. III. Acresce que os chamados correios de droga (categoria na qual a actuação do arguido se inclui), pese embora, por regra, não sejam os donos do produto que transportam e não se dediquem directamente à sua comercialização, são uma peça especialmente relevante na operacionalização do circuito que viabiliza a comercialização de tal produto e a sua chegada ao consumidor final, uma vez que permitem a conexão, precisamente, entre a produção e o consumo, sendo certo que substâncias como as que o arguido transportava – cocaína – não são produzidas em Portugal nem na Europa. IV. As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes. V. O percurso delitivo do recorrente remonta já ao ano de 1998, reporta-se a ilícitos de natureza grave, fortemente censurados e punidos no nosso país e, pese embora as penas de prisão efectivas, a verdade é que as mesmas não serviram para acautelar o seu fim básico, que é o de prevenir a repetição de novos actos de natureza criminal, pelo agente. VI. Da análise de tal actuação passada, resulta clara a ausência de interiorização de desvalor do modo como o arguido se comporta em sociedade e dos seus actos, confirmada pela prática dos factos ora em apreciação. VII. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois, para além de se não coibir de novamente delinquir, o arguido agiu movido pela procura de obtenção de benefícios económicos rápidos. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça * I – relatório 1. Por acórdão de 22 de Abril de 2025, foi o arguido AA condenado, pela prática em autoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão. 2. Inconformado, veio o arguido apresentar recurso, considerando que a pena imposta deve ser reduzida, devendo ainda ser suspensa na sua execução. Termina pedindo que se proceda à aplicação de pena suspensa na sua execução, com regime de prova. 3. O recurso foi admitido. 4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso. 5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em idêntico sentido. 6. O recurso, embora inicialmente admitido para o Tribunal da Relação, foi remetido a este Tribunal, por despacho proferido pela Exª Srª Juíza-Desembargadora relatora, sendo o STJ, efectivamente, o competente para a sua apreciação, nos termos do artigo 432.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do C.P.Penal. II – questão a decidir. Da redução e suspensão da pena imposta. iii – fundamentação. 1. O tribunal “a quo” deu como assente a seguinte matéria fáctica: 1. Em momento não concretamente apurado, mas anterior a 22 de junho de 2024, o arguido AA, juntamente com outros indivíduos cuja identidade não logrou apurar-se, decidiu transportar produto estupefaciente da Guiné-Bissau para Portugal, mediante o pagamento de retribuição não concretamente apurada. 2. Assim, e na execução do referido plano, no dia 22 de junho de 2024, pelas 22 horas, o arguido chegou ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, no voo TP..78, proveniente de Bissau – .... 3. Dissimuladas no interior das respetivas malas de porão, AA trazia um total de 4 (quatro) embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso global líquido de 4.012,00 g (quatro quilos e doze gramas). 4. O arguido tinha ainda consigo: - Um telemóvel Alcatel, um telemóvel Samsung e um telemóvel Itel, o qual se destinava a ser utilizado nos contactos entre o arguido e os demais indivíduos acima referidos, para receber instruções para a viagem e entrega do produto estupefaciente no destino; - As quantias de € 1.610,00 (mil, seiscentos e dez euros), XOF 264.000 (duzentos e sessenta e quatro mil francos CFA) e MAD 2.200 (dois mil e duzentos dirhams marroquinos) para fazer face às despesas inerentes à viagem para transporte do produto que lhe foi apreendido. 5. AA conhecia perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que trazia consigo, tendo acedido ao respetivo transporte por lhe ter sido prometida retribuição não concretamente apurada. 6. Atuou em conjugação de esforços e de intentos e na sequência de prévia combinação com terceiros cuja identidade não logrou apurar-se e de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a detenção, transporte e comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei. Das condições pessoais do arguido 7. À data dos factos AA vivia na Guiné Bissau desde novembro de 2021. A morada constante nos autos corresponde à habitação dos pais, herdada pelos irmãos do arguido, onde permanece quando se encontra em Portugal. 8. Na Guiné-Bissau vivia sozinho em casa abarracada arrendada, localizada em ..., sem condições de habitabilidade e sem saneamento básico. 9. AA tem duas filhas, atualmente com 30 e 35 anos, independentes, com as quais mantém relação de proximidade. 10. O arguido ingressou na escola em idade normal, tendo frequentado o sistema de ensino até ao 4º ano de escolaridade. Abandonou a frequência escolar para iniciar atividade laboral, a fim de contribuir para a economia familiar. 11. O arguido apresenta hábitos regulares de trabalho, até à primeira reclusão, passando desde essa altura a exercer atividade laboral de forma irregular e sem vinculo contratual. 12. No estabelecimento prisional encontra-se inativo. Tem adotado um comportamento ajustado no cumprimento das normas e regras internas. 13. O arguido regista os seguintes antecedentes criminais: Por acórdão proferido em 7 de abril de 2003 no âmbito do processo n.º 2212/98.6JAPRT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 8 anos de prisão. Por acórdão proferido em 26 de março de 2007, no âmbito do processo n.º 24/06.4TELSB, da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 10 anos de prisão. Por acórdão proferido em 05 de agosto de 2008, no âmbito do processo n.º 90/06.2TAMCD, o arguido foi condenado pela prática de um crime de branqueamento na pena de 7 anos de prisão. 2. O tribunal “a quo” fundamentou a dosimetria e a tipologia da pena que aplicou, nos seguintes termos: Tendo em conta que a moldura penal prevista e punida no artigo 21.º do DL 15/93 para o crime de tráfico de estupefacientes é de 4 a 12 anos de prisão, cumpre agora determinar o “quantum". Por sua vez, a determinação da pena em sentido estrito, ou seja, a fixação do seu quantum, tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal), sendo o modo como estes princípios regulativos influem no processo de determinação do quantum da pena determinado pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que, resumidamente, se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutelas dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade. A determinação da pena tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal), sendo o modo como estes princípios regulativos influem no processo de determinação do quantum da pena determinado pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que, resumidamente, se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutelas dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena têm como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal). Tendo em conta estes parâmetros, a medida concreta ou judicial da pena irá ser encontrada dentro de uma moldura cujo limite máximo é dado pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias depositadas na norma violada, sem ultrapassar contudo a medida da culpa, e cujo limite mínimo corresponderá às exigências de prevenção geral no seu grau mínimo; dentro desta moldura, o quantum concreto de pena será, em último termo, dado pelas necessidades de socialização do agente. Como fatores concretos da medida da pena, deverão ser levadas em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71.º, n.º 1), nomeadamente as circunstâncias elencadas no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, designadamente: - O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente). A circunstância do grau de ilicitude da conduta do arguido ter relevado no precedente momento da determinação da moldura penal, sendo fundamental nessa escolha, não impede aquela outra intervenção. Com efeito, como sucede com vários outros tipos de crime previstos no Código Penal, a ilicitude intervém para agravar ou privilegiar o crime de tráfico de estupefacientes, numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstrata. Numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A pena tem, pois, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que quer dizer que não pode haver uma pena sem culpa, por um lado, e que é a culpa que determina a pena, por outro lado. Sendo a culpa pressuposto da validade da pena e seu limite máximo, a pena concreta tem de fixar-se entre um limite mínimo já adequado a ela, e um limite máximo ainda adequado à mesma, ambos determinados também com a consideração das finalidades próprias da punição. Quanto à pena concreta a fixar, dir-se-á que é elevada a ilicitude dos factos (estão em jogo múltiplos bens jurídicos que podem ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública), o dolo é direto, o arguido tinha como objetivo o de arranjar dinheiro fácil, assim denunciando uma personalidade desconforme á Ordem Jurídica e antissocial. Procurou e explorou o mal dos seus concidadãos para proveito material próprio, quando podia através de uma atividade licita e de relevo social, angariar o seu sustento e dos seus, como faz a generalidade dos cidadãos contribuindo assim para o bem social, como é seu dever. São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu, e de prevenção especial, atento o perigo de afastar o arguido da prática de novos crimes. Traficar, é fazer conscientemente mal a outrem, ato dotado de ressonância ética, punível dentro de uma moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, por aplicação do artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93. A punição do narcotráfico, mais do que uma luta localizada, é um combate que se dirige a um flagelo à escala universal, conhecendo o consumo entre nós de heroína uma estabilização, o de cocaína um aumento ligeiro, tendo a nível do consumo de haxixe, como aliás a nível europeu, registado um acréscimo mais significativo, sobretudo a nível das classes estudantis. O traficante é insensível à desgraça alheia, cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não ofereçam um ponto ótimo de quantum punitivo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos, não sendo aconselhável descer abaixo de um limiar mínimo abaixo do qual, comunitariamente, a punição não realiza a sua finalidade, além do mais de proteção dos importantes bens jurídicos que põe em crise – cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 306. Por isso importa pela via da medida concreta da pena atuar sobre o comum dos cidadãos, dissuadindo-os do cometimento de futuros crimes, que, pela sua reiteração, criam alarme, insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não atinjam um ponto ótimo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos. Assim, no caso sub judice e como supra se referiu, estamos perante uma situação em que a ilicitude dos factos se mostra muito elevada, considerando, o bem jurídico tutelado, a saúde pública, a modalidade da ação, a quantidade e qualidade do estupefaciente (cocaína) e o modo de execução. Com efeito, o produto estupefaciente transportado pelo arguido, poder-se-á dizer que é droga dura, com consequências devastadoras na saúde dos consumidores. A situação do arguido perfilha-se como vulgar “correios de droga”, que não são, os donos da droga que lhe foi apreendida. Os correios de droga são seduzidos tão só pelo móbil económico, não resistindo à tentação de angariar dinheiro com um simples transporte, apesar dos inerentes riscos a tal atividade. Nesta medida, um correio de droga não é um traficante no sentido vulgar do termo, contudo importa não olvidar que sem correios era de todo impossível a formação de organizações de narcotráfico. Todas as considerações expendidas são relevantes no caso sub judice, sendo manifesto o elevado grau de ilicitude do facto, desde logo pela quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido. O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo direto, é particularmente acentuado. As condições pessoais e a situação económica do arguido que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas. O nível do comportamento posterior aos factos, leva-se em linha de conta, que o mesmo confessou os factos. O arguido beneficia, assim, da atenuante confissão. Em desfavor do arguido milita ainda o facto de ter antecedentes criminais, nomeadamente, pela prática do mesmo tipo de crime. Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a atividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade. Assim, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer o arguido compreender a necessidade de não adotar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado fixar a pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido diploma legal. 3. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte: 1° O recorrente foi condenado numa pena única de 6 anos de prisão. 2º Não foram valoradas pelo tribunal as circunstâncias do recorrente nem a confissão integral e sem reservas do mesmo. 3° O mesmo apenas tem condenações pelo mesmo tipo de crime mas há alguns anos. 4° Bastante espaçados no tempo. 5° A ressocialização do recorrente não deve ser feita dentro da prisão. 6° Uma pena única de 5 anos suspensa na execução acha-se adequada e necessária e proporcional aos factos. 7° Atendendo as características pessoais e vivencia do arguido, o mesmo deve ser condenado num crime como correio de droga. 8° Sendo que deve ser aplicada uma pena conforme aplicada nestes casos. 9° Um regime de prova associado a pena suspensa com ações de formação para iniciar um novo projecto laboral será suficiente e sim ressociavel para o recorrente. 10° As penas privativas da liberdade são sempre aplicadas em ultima rácio. 4. Da redução e suspensão da pena imposta. Comecemos pela primeira questão proposta, que se reporta ao pedido de alteração da dosimetria da pena imposta, pugnando o arguido pela aplicação de pena não superior a 5 anos de prisão. Pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão. A moldura penal prevista para este ilícito é a de 4 a 12 anos de prisão. 5. Em primeira sede cabe realçar que, a respeito da determinação da pena, rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. A pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal. 6. Estabelece ainda o artº 40 do C. Penal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, bem como que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade 7. Importa pois, desde logo, atender, para além da intensidade da culpa, que delimitará a fronteira máxima punitiva, às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas. Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva. Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade. 8. Acresce que, consubstanciando-se o instituto do recurso num remédio jurídico, no sentido de permitir a colmatação de eventuais erros de apreciação, imputáveis aos tribunais hierarquicamente inferiores, daqui decorre que a alteração das penas que se mostram já definidas só deverá ocorrer se, de facto, um erro assinalável, a reclamar reparação, se venha a constatar existir. Posto este intróito, cumpre apreciar. 9. Apreciemos, então, o caso presente. Neste tipo de crime as exigências de prevenção geral são fortíssimas, pois o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais profundamente corrói e corrompe a sociedade em que vivemos, potenciando o cometimento de numerosos outros tipos de crimes – roubos, furtos, receptações –, tornando um verdadeiro flagelo a vida dos consumidores, das suas famílias, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e de desenquadramento laboral e familiar, que acabam por ser suportados por todos os restantes cidadãos. Assim, na fixação da pena a impor, em casos como o presente, haverá que sopesar as necessidades de estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime, que reforçam ainda mais os imperativos de prevenção geral e especial, no sentido de a dosimetria penal não frustrar, não desacreditar, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. Lembremo-nos que Portugal, através dos seus aeroportos ou linha costeira é, infelizmente, um local de entrada de estupefacientes, vindos dos países produtores, quer para o mercado nacional, quer para a Europa. Acresce que os chamados correios de droga (categoria na qual a actuação do arguido se inclui), pese embora, por regra, não sejam os donos do produto que transportam e não se dediquem directamente à sua comercialização, são uma peça especialmente relevante na operacionalização do circuito que viabiliza a comercialização de tal produto e a sua chegada ao consumidor final, uma vez que permitem a conexão, precisamente, entre a produção e o consumo, sendo certo que substâncias como as que o arguido transportava – cocaína – não são produzidas em Portugal nem na Europa. As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes. 10. Alega o recorrente que o tribunal “a quo” não atendeu à confissão integral feita pelo arguido, aos aspectos pessoais, sócio-económicos e não teve em consideração o afastamento temporal das suas anteriores condenações. Assim, será que, no caso deste arguido se poderá concluir que as circunstâncias que invoca serão de molde a determinarem imposição de pena mais próxima do limite mínimo do que a fixada pelo tribunal “a quo”? 11. A resposta é claramente negativa, desde logo atentas as fortíssimas exigências em sede de prevenção geral, que supra deixámos expostas. Para além destas, a verdade é que da matéria fáctica apurada não resulta qualquer circunstância de assinalável relevo que determine, que imponha, que induza, ocorrer uma relevante diminuição da sua culpa ou da ilicitude dos seus actos. 12. No que toca, desde logo, à confissão, o tribunal “a quo” menciona expressamente a consideração de tal circunstância atenuante, sendo certo, não obstante, que a mesma se não mostra de grande relevo, já que o arguido foi detido em flagrante delito. 13. No que toca ao seu entorno familiar, foram elementos já tidos em ponderação no momento da determinação da dosimetria da pena, sendo certo, não obstante, que tal não serviu de elemento dissuasor à prática dos presentes factos. 14. No que concerne aos seus antecedentes criminais, que reflectem o seu modo de vida anterior à prática dos factos, constatamos que os mesmos revelam que o arguido tem já 3 condenações anteriores, duas pela prática de crimes da mesma natureza dos presentes, em que foi condenado em penas de prisão de 8 e de 10 anos, que cumpriu, bem como uma condenação pela prática de crime de branqueamento, em que lhe foi determinada uma pena de 7 anos de prisão. Estes factos remontam aos anos de 1998 e de 2006, tendo as condenações ocorrido em 2003, 2006 e 2008, passando depois o arguido ao cumprimento de tais penas. Temos, assim, que o percurso delitivo do recorrente remonta já ao ano de 1998, reporta-se a ilícitos de natureza grave, fortemente censurados e punidos no nosso país e, pese embora as penas de prisão efectivas, a verdade é que as mesmas não serviram para acautelar o seu fim básico, que é o de prevenir a repetição de novos actos de natureza criminal, pelo agente. Não restam dúvidas que da análise de tal actuação passada, resulta clara a ausência de interiorização de desvalor do modo como o arguido se comporta em sociedade e dos seus actos, confirmada pela prática dos factos ora em apreciação. 15. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois, para além de se não coibir de novamente delinquir, o arguido agiu movido pela procura de obtenção de benefícios económicos rápidos. Diga-se, aliás, que uma das razões que justificam e exigem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência radicam, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que o arguido protagonizou, isto é, é absolutamente essencial que seja entendido que o exercício de uma actividade com tão nefastas consequências societárias e que permite obter, com muito pouco esforço, significativas quantias monetárias, não é tolerada. 16. Não fossem as circunstâncias atenuantes que, quer o recorrente, quer o tribunal “a quo” referem, seguramente não lhe teria sido imposta uma pena que foi fixada significativamente abaixo do meio da moldura penal (que rondaria os 8 anos de prisão), já que a ilicitude e a culpa se mostram na mediania, como bem realça o tribunal “a quo”. Na verdade, a quantidade de produto estupefaciente que o arguido detinha e transportava – cerca de 4 quilos -, bem como a natureza do mesmo (cocaína), são elementos em si mais do que suficientes para se ter de entender revelar o facto um grau de ilicitude média, sendo certo que o dolo com que actuou se situa igualmente nesse grau. Como refere acertadamente o Exº PGA no seu parecer, In casu, a natureza e a quantidade do produto estupefaciente encontrado em poder do recorrente, quatro embalagens de cocaína (cloridrato), uma das denominadas drogas duras, com o peso global líquido de 4.012,00 gramas (mais de quatro quilos de tal substância), permitem perceber a fixação da medida da pena em 6 anos de prisão, quantum que, importa precisar, se situa até próximo do limite mínimo, correspondendo mais exactamente ao primeiro quarto da penalidade abstracta aplicável (de 4 a 12 anos de prisão, recorde-se). Não se descortinam razões que levem a considerar dever ser reduzida a sanção aplicada, sem que resultem comprometidas as finalidades das penas. 17. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que na fixação da pena foram atendidas e sopesadas todas as circunstâncias legalmente previstas, incluindo as de natureza atenuante, mostrando-se a mesma adequada e proporcional, pelo que não nos merece censura o seu quantum, razão pela qual deve ser mantida. Não ocorreu, pois, violação dos dispositivos legais que o recorrente invoca. Tendo em atenção o disposto no artº 50 do C. Penal, é manifesto que o pedido de suspensão da pena se mostra prejudicado. iv – decisão. Pelo exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 5 UC. . Dê imediato conhecimento ao tribunal “a quo” do teor deste acórdão, advertindo que a decisão ainda se não mostra transitada em julgado. Lisboa, 1 de Outubro de 2025 Maria Margarida Almeida (relatora) António Augusto Manso Jorge Raposo |