Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SIMAS SANTOS | ||
Descritores: | RAPTO ROUBO SEQUESTRO CRIME CONTRA A LIBERDADE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE ACUMULAÇÃO DE CRIMES CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES CRIME COMPLEXO | ||
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Nº do Documento: | SJ200310020026425 | ||
Data do Acordão: | 10/02/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2 J FELGUEIRAS | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 159/02 | ||
Data: | 04/09/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
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Sumário : | 1 - Tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado "subtracção"; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada. 2 - E que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a pratica do roubo, é consumido por este. 3 - Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo. Tem o STJ tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação da liberdade de lomoção dos ofendidos no crime de roubo, se estendem para além da subtracção, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando se segue ou antecede o roubo. 4 - A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido. 5 - Verifica-se concurso entre os crimes de roubo e sequestro quando vem provado que: - o arguido se introduziu na viatura da ofendida e esperou cerca de 3 horas, pela chegada desta para roubar o dinheiro que ela tivesse consigo e, quando esta colocou o veículo em marcha saiu da mala, abordou-a, pelas costas, com um gorro na cabeça e empunhando, na sua mão direita, um canivete que lhe apontou; - como esta não tivesse dinheiro mas cartões Multibanco, a fez conduzir o veículo por diversas localidades para encontrar uma caixa de Multibancoe depois passou a conduzir o veículo, amarrando os pulsos da ofendida atrás das costas tapando-lhe a visão frontal, durante mais de uma hora e acabando por subtrair o automóvel e a carteira; - não sendo essa prolongada violação do ius ambulandi necessária ao cometimento do roubo e visando tão só assegurar mais oportunidades de delinquir e a maior impunidade possível. 6 - É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa está plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.1. O Tribunal Colectivo de Felgueiras, por acórdão de 9.4.03, decidiu: Absolver o arguido ASM da prática de um crime de rapto [art. 160°, n.º 1, al. a)], de um crime de roubo [arts. 210°, n.º 2, al. b)] e de um crime tentado de coacção [art. 154°, n.º 1, 22°, 23° e 73°, todos do C. Penal] de que vinha acusado. Condená-lo, como autor de: - 1 crime tentado de roubo agravado dos arts. 210°, n.°s 1 e 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f), 22°, 23° e 73° do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - 1 crime de furto simples do art. 203°, n.º 1, do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; - 1 crime tentado de extorsão dos arts. 223°, n.º 1, 22°, 23° e 73°, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 1.2. O Ministério Público recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - Sendo a privação da liberdade elemento comum aos crimes de sequestro de rapto, p. e p., respectivamente pelos art. 158° e 160°, do C.P., o que os diferencia é a exigência do dolo específico consubstanciado nas diversas alíneas do art. 160º, pelo que, o crime de rapto é um "mais" relativamente ao crime de sequestro. 2 - Acolhendo o Acórdão como provado que o agente privou de liberdade o ofendido para se apropriar de dinheiro deste, deveria tê-lo condenado como autor do crime de rapto, nos termos do art. 160°, n.º 1, al. a), do C.P., e não, como aconteceu, pelo crime de sequestro; 3 - Pretendendo o agente com a privação de liberdade da vítima, apropriar-se com violência de bens a esta pertencentes, e tendo na sua actuação atado as mãos desta e especialmente tapado a sua visão com um gorro que lhe pôs na cabeça e que em nada era necessário para concretizar aquela apropriação, verifica-se um manifesto excesso que autonomiza o crime de rapto ou de sequestro, relativamente ao crime de roubo, pelo que deveria o Tribunal, ao contrário do que fez, ter condenado o agente em concurso real de infracções por aqueles crimes. 4 - Tendo-se o agente, que já cumpriu antes pena de prisão pêlos crimes de e de extorsão, escondido dentro da mala do carro da ofendida, onde esperou por está ira a assaltar, apontando-lhe uma navalha ao pescoço enquanto a obrigava a conduzir, atando-lhe os pulsos, tapando-lhe a visão com um gorro, numa actuação que durou cerca de uma hora, tais factos, agravam substancialmente a sua culpa e ilicitude fixando-as a níveis bastante elevados dos tipos de crime preenchidos; 5 - Verificando-se ainda que o arguido agiu com acentuada culpa, - dolo directo, acentuada ilicitude e sendo prementes as exigências de prevenção geral e especial, deveria, ao contrário do que foi decidido, ser condenado em penas que se enquadrassem nos patamares superiores das respectivas molduras penais; 6 - Deste modo deveria o arguido ser condenado nas seguintes penas concretas, atenta a incriminação atrás defendida: a) - Pela prática de um crime de rapto, p. e p., pelo art. 160°, n.º 1, al. a), do C.P. na pena de 5 anos de prisão; aa) - Caso se entenda que os factos acolhidos integram, não o aludido crime de rapto mas sim o crime de sequestro, p. e p., pelo art. 158°, n.º 1, do C.P., na pena de 2 anos de prisão; b) - Pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p., pelos art. 20°, n.ºs 1 e 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f). 22ºe 23° todos do C.P., na pena de 7 anos de prisão; c) - Pela prática de um crime de furto, p e p., pelo art. 203°, nº 1, do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; d) - Pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p., pelo art. 23°, n.º 1, 22° e 23ª do C.P., na pena de 1 ano e 7 meses de prisão; E, em cúmulo jurídico, na pena de 10 anos de prisão se se entender, como defendemos, estar em causa o crime de rapto, ou 8 anos e 6 meses de prisão se for o crime de sequestro, Penas estas que se nos afiguram justas e proporcionais à culpa e ilicitude do arguido. 7°- Violou o Acórdão em crise o disposto nos arts. 374°, n.º 3, al. a), do C. P.P., 30.º, n.º 1, 71°, 158º, n.º 1, 160°, n.º 1, al. a), 210°, n.º 1 3 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f), 22° e 23º, 203°, n.º 1, e 223.º, n.º 1, 22° e 23°, todos do Código Penal. Pelo que, revogando-se o Acórdão e substituindo-se por outro que estabeleça a incriminação e condene o arguido nos termos propostos, Farão VOSSAS EXCELÊNCIAS Justiça. 1.3. Não foi apresentada resposta. II Neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, no decurso da qual o Ministério Público se pronunciou pela punição em concurso real pelo crime de rapto, com agravação das penas parcelares e única que se deve situar entre os 7 e os 8 anos e a defesa remeteu para os elementos dos autos. Cumpre, assim, conhecer e decidir. III E conhecendo.3.1. Suscita o Ministério Público as questões: - Da qualificação jurídica da conduta do arguido que, face aos factos dados como provados, cometeu em concurso real os crimes de roubo e rapto, ou não se entendendo assim, de roubo e sequestro; - Da medida concreta das penas infligidas. Questões que irão ser conhecidas separadamente e por esta ordem. 3.2. Importa, porém, ter em atenção a matéria de facto assente pelo Tribunal recorrido. É ela a seguinte: 1) No dia 26 de Setembro de 2002, durante a tarde, cerca das 15 horas, o arguido ASM apanhou o autocarro da empresa ..", que efectua o percurso Felgueiras "Hospital Vale de Sousa" de Penafiel, tendo como destino esta cidade de Penafiel; 2) Uma vez chegado àquela localidade, o arguido ASM percorreu várias artérias e locais daquela cidade, durante essa tarde, e encontrando-se então junto ao edifício da Associação Empresarial de Penafiel, abeirou-se de um veículo automóvel de matrícula ...-10, marca "Citroën", modelo "Saxo", cor branca, pertencente à ofendida SHMC, a qual havia estacionado este mesmo veículo no respectivo parque de estacionamento ali existente, por volta das 20,30 horas, dirigindo-se subsequentemente para o interior do edifício, local onde dava aulas de formação profissional; 3) Uma vez junto a esse veículo, o arguido apercebeu-se que a mala se encontrava aberta e pela mesma penetrou no seu interior, a fim de se apropriar de alguma quantia ou objecto de valor que ali se encontrasse para fazer face à aquisição de produtos estupefacientes, pois que, na ocasião, era toxicodependente, mormente de heroína, e encontrava-se desempregado; 4) Não tendo encontrado qualquer quantia em dinheiro ou objecto de valor, o arguido decidiu, então, esconder-se na mala do citado veículo, esperando, de seguida, pelo regresso da ofendida SHMC, que já antes a havia avistado, a fim de a surpreender e apropriar-se de dinheiro desta; 5) Cerca das 23 horas, a ofendida SHMC regressou ao referido veículo, colocou-o em marcha e abandonou de seguida o local, dirigindo-se para a Estrada Nacional n.º 15, no sentido de marcha de Penafiel para Amarante; 6) Alguns minutos depois, o arguido saiu da mala onde se encontrava, através do banco traseiro, e impedindo com a sua mão esquerda na porta do condutor que a ofendida saísse do veículo, abordou-a, pelas costas, com um gorro na cabeça e empunhando, na sua mão direita, um dos canivetes que trazia consigo, apreendidos e examinados nos autos a fls. 168, que de imediato apontou à ofendida, ao mesmo tempo que lhe dizia para ter calma e que só queria dinheiro, perguntando-lhe designadamente se tinha 100 contos para lhe dar; 7) Como a ofendida lhe disse que não tinha esse dinheiro, o arguido passou o referido canivete da mão direita para a mão esquerda, mantendo-o encostado ao pescoço da ofendida, enquanto começou a revistar-lhe a carteira que então colocou sobre o banco do passageiro, para ver que dinheiro é que a ofendida trazia consigo, ao mesmo tempo que lhe perguntava se tinha cartões multibanco; 8) Confirmando então que a ofendida tinha cartões de multibanco, o arguido ordenou, sempre com o canivete encostado ao seu pescoço, que a ofendida prosseguisse a marcha do veículo em direcção a uma caixa de multibanco, a fim de levantar dinheiro da conta da ofendida; 9) Então, a ofendida conduziu o seu veículo automóvel no sentido de marcha de Estrada Nacional n.º 15 - Vila de Vila Meã, visando com tal atitude ser vista por alguém conhecido que a pudesse ajudar, pois que vive nessa localidade, enquanto dizia ao arguido que naquela localidade (Vila Meã) existiam caixas de multibanco onde ele poderia levantar dinheiro; 10) Porém, logo que soube, por intermédio da ofendida, que a mesma vivia em Vila Meã, o arguido obrigou a ofendida a efectuar inversão de sentido de marcha e a dirigir-se novamente para a Estrada Nacional n.º 15, retomando o sentido de marcha de Penafiel para Amarante, dirigindo-se para a cidade da Lixa; 11) Uma vez chegados a esta localidade, a ofendida, sempre sob ordens do arguido, conduziu o veículo para o recinto onde se realiza habitualmente a feira da Lixa, onde parou; 12) Nesse local, o arguido amarrou os pulsos da ofendida atrás das costas, com um objecto semelhante a uma corda, no banco do passageiro ao lado do banco do condutor, colocando-lhe depois o gorro de malha, de cor escura, que trazia na cabeça da ofendida, tapando-lhe a visão frontal, passando, de seguida, para o lugar do condutor; 13) Depois, o arguido conduziu o veículo da ofendida para o centro da Lixa, no intuito de localizar uma caixa automática de multibanco para proceder ao levantamento de dinheiro, acabando por imobilizar o veículo junto da agência do Banco ..., onde existe uma caixa de multibanco interior; 14) Todavia, acabou por desistir dos seus intentos, uma vez que se lembrou da possibilidade de naquela caixa existir um sistema de vigilância vídeo; 15) Face a tal dificuldade, o arguido resolveu regressar ao aludido parque da feira da Lixa, tendo nesse local dito à ofendida para colaborar, pois iria desamarrá-la e retirar-lhe o gorro, por forma a que fosse ela a levantar o dinheiro que pretendia; 16) Acto contínuo, e depois de ter desamarrado a ofendida, regressaram ao centro da Lixa, tendo parado o veículo nas proximidades da agência do Banco ... , alguns minutos antes da meia-noite; 17) Contudo, como naquele instante se encontrava um casal na caixa automática a levantar dinheiro, aguardaram um pouco, tendo de seguida a ofendida saído do seu veículo automóvel e dirigindo-se à referida caixa multibanco, onde efectuou um levantamento no valor de € 200 (duzentos euros); 18) Quando já se dirigia de regresso ao seu veículo automóvel, onde se encontrava o arguido à sua espera, surgiu naquele local a testemunha SFCR, que também se dirigia àquela agência bancária a fim de levantar dinheiro, aproveitando a ofendida de imediato tal circunstância para se agarrar àquela testemunha, pedindo-lhe que a socorresse, pois estava a ser assaltada; 19) De imediato, se gerou alguma confusão, acabando a referida testemunha, surpreendida com a situação, por cair ao chão, aproveitando a ofendida para fugir para junto de um estabelecimento de café situado nas proximidades, onde alcançou o casal que, momentos antes, tinha estado na citada caixa de multibanco, pedindo-lhes de imediato ajuda; 20) Entretanto, o arguido ao aperceber-se de toda esta situação, resolveu apropriar-se do identificado veículo da ofendida, avaliado no valor de € 3.000,00 (três mil euros), abandonando aquele e levando ainda consigo, fazendo-a coisa sua, a carteira da ofendida que continha os documentos e os objectos que se passam a discriminar: (20.1.) Um bilhete de identidade, com o n.º 10120054, titulado pela ofendida SHMC; (20.2.) Um livrete relativo ao identificado veículo automóvel, matrícula ...-10; (20.3.) Um título de registo de propriedade referente ao mesmo veículo, pertencente à SHMC; (20.4.) Um cartão VISA, da ... , com o n.º 4644 0890 52041016, titulado pela SHMC; (20.5.) Um cartão emitido pela D.G.C.I., Registo Central de Contribuinte, titulado pela ofendida SHMC; (20.6.) Um cartão de dador de sangue, titulado pela SHMC; (20.7.) Um cartão dos Serviços Sociais ..., com o n.º de sócio 0000428868/00, titulado pela SHMC; (20.8.) Um cartão de beneficiário dos SAD da Polícia de Segurança Pública, com o n.º 140356C0101, titulado por SHMC; (20.9.) 18 cheques da ..., titulados por SHMC; (20.10.) Uma carteira de senhora de cor castanha, com os dizeres estampados ".. e; (20.11.) Um telemóvel de marca Samsung, modelo SGH - 600, contendo um cartão SIM, com o n.º de série 60000047515224, da operadora TMN, relativo ao n.º 9.6..., também pertencentes à SHMC; 21) Após o arguido ter fugido com o veículo da ofendida, esta entrou em contacto com o seu marido, JMMS, contando-lhe o sucedido, e quando já se encontrava junto da ofendida, por volta das 0,30 horas, aquele JMMS entrou em contacto com o arguido, ligando para o telemóvel furtado à ofendida, de marca "Samsung", que estava em poder do arguido; 22) Após ter sido atendido pelo arguido, este exigiu ao JMMS a quantia de 600 contos (cerca de € 3.000) para reaver o referido veículo automóvel; 23) Face a tal exigência, o JMMS respondeu que não tinha tal montante, pelo que acabaram por acertar entre ambos que apenas seria paga a quantia de 200 contos (cerca de € 1.000), pela devolução do citado veículo, sendo o local da troca na cidade de Amarante, cerca das 10,00 horas, desse mesmo dia 27.09.2002; 24) Mais tarde, cerca das 08,30 horas, foi efectuado um novo contacto via telemóvel, entre o arguido e o marido da ofendida, tendo então sido combinado um novo local de encontro, desta vez no Alto da Lixa; 25) Porém, quando chegou a hora do encontro, o arguido foi sucessivamente alterando o local para se efectuar a troca combinada, através de vários contactos telefónicos efectuados com o marido da ofendida, sendo de início o JMMS encaminhado pelo arguido para a cidade de Fafe e, posteriormente, quando já se encontrava em Guimarães, para a zona da Penha de Guimarães; 26) Nesta ocasião, o marido da ofendida fazia-se acompanhar de elementos da Polícia Judiciária, sendo que, de acordo com instruções dadas por esta Polícia Judiciária, aquilo que ele iria entregar ao arguido era um saco de plástico, de cor preta, contendo papéis no seu interior; 27) Assim, seguindo as ordens do arguido, o JMMS colocou este saco de plástico junto a uma máquina de lavar roupa que se encontrava abandonada nas proximidades de um pinhal situado no entroncamento da Rua da Igreja da Penha com a Rua de Camões; 28) Pouco tempo depois de o JMMS ter colocado o referido saco plástico naquele local, surgiu o arguido que, após ter pegado no mesmo, começou a correr visando fugir, o que não logrou conseguir, porquanto foi abordado pelos elementos da Polícia Judiciária, sendo detido; 29) Ao ter sido revistado, foi encontrado na posse do arguido ASM os seguintes objectos: (29.1.) Um telemóvel da marca Siemens, modelo M50, com um cartão SIM da Operadora TMN, com o n.º de série 880 705 2788, relativo ao n.º 96..., com o valor de cerca, de 40 euros; (29.2.) Um cordão tipo "atacador de bota", de cor castanha, com cerca de um metro de comprimento; (29.3.) Um canivete de metal amarelo e com aplicações castanhas de madeira, com cerca de 7 cm de lâmina, tendo inscrita na lâmina "ICEL - inox - Portugal", com o valor de cerca de um euro; (29.4.) Um canivete em metal amarelo e com aplicações em madeira de cor castanha, com cerca de 11 cm de lâmina, tendo inscrito na lâmina "Andújar Spain", no valor de cerca de dois euros; e (29.5.) Um cartão SIM, da operadora TMN, com o n.º de série 835 784 8285, relativo ao n.º 96...; 30) Mais tarde, o veículo automóvel da ofendida foi localizado num pinhal, situado nas proximidades, recuperando-se assim o mesmo e os restantes objectos furtados à ofendida acima mencionados; 31) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, visando através da sua conduta privar da liberdade a ofendida, bem como quis provocar-lhe medo e receio pela sua vida e integridade física, como efectivamente conseguiu, com vista a apropriar-se de dinheiro desta, o que, porém, não logrou concretizar por motivos alheios à sua vontade (designadamente por terem, entretanto, surgido testemunhas que auxiliaram a ofendida e impediram que o arguido se apropriasse do dinheiro que havia obrigado a ofendida a levantar na dita caixa de multibanco); 32) O arguido agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente com o propósito concretizado de, através da sua conduta, se locupletar com o veículo da ofendida e outros bens pessoais desta, fazendo-os coisas suas, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização da sua legítima proprietária e detentora; 33) Mais quis o arguido, através da sua conduta, obter dinheiro à custa da ofendida e do seu marido, usando como meio para obter tal desiderato a ameaça e a posse do referido veículo automóvel, negando-se a devolvê-lo à sua legítima proprietária e ao seu marido, a não ser mediante a entrega de uma contrapartida monetária, que não conseguiu obter por razões alheias à sua vontade (designadamente pelo marido da ofendida se ter socorrido do auxílio de elementos da Polícia Judiciária que o aconselharam e o acompanharam no encontro combinado com o arguido, logrando detê-lo nesse local e recuperando o veículo automóvel); 34) Mais sabia o arguido que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; 35) O arguido completou o 6° ano de escolaridade; 36) À data da sua detenção, o arguido vivia com a cônjuge e dois filhos menores, integrado no agregado familiar dos seus sogros, em Sousa, Felgueiras; 37) Sendo operário fabril (no sector do calçado), encontrava-se profissionalmente inactivo, pelo menos desde Março de 2002, sendo que, embora seja reconhecido como um indivíduo de competência e experiência profissional, tem tido um percurso, a este nível, revelador de grande instabilidade; 38) Apresenta um percurso anterior de consumo de estupefacientes algo estruturado, sendo este consumo o principal constrangimento do seu percurso de vida, mostrando o arguido alguma dificuldade em superar este comportamento aditivo, apesar dos vários tratamentos realizados; 39) Em contexto prisional, integrou um programa educativo-terapêutico promovido pelo Projecto Homem, destinado a reclusos toxicodependentes; o programa tem como objectivo contribuir para a mudança dos utentes e orientá-los para uma vida sem drogas, com recurso a propostas educativas e formativas de recursos e habilidades sociais, possibilitando-lhes ainda a manutenção da frequência deste programa também em meio livre; 40) O arguido já respondeu em tribunal, tendo sido condenado em 23.10.1998, no âmbito do P.C.C. n.º 138/98, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, pela prática, em 28.05.1998, de um crime consumado de furto qualificado e de um crime tentado de extorsão, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão (já com o perdão de um ano), cuja pena cumpriu parcialmente, tendo saído em liberdade condicional em Janeiro de 2000. Com relevo para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos da acusação pública não incluídos na relação de factos acima descrita e/ou que se mostrem em contradição cornos mesmos, designadamente que: O arguido pretendia obter dinheiro da ofendida para fazer face às suas despesas diárias; O arguido retirou a chapeleira da mala, usando-a para se camuflar, de modo a não ser visto, trancando previamente as portas do veículo. 3.3.1. Quanto à qualificação jurídica da conduta do arguido, sustenta o Magistrado recorrente que, estando provado que o arguido privou de liberdade a ofendida para se apropriar do seu dinheiro, cometeu aquele um crime de rapto [art. 160.°, n.º 1, al. a)] (conclusão 2.ª), pois que se verifica o dolo específico consubstanciado nas diversas alíneas do art. 160º, para o crime de rapto (conclusão 1.ª). Tendo o agente atado as mãos da vítima e tapado a sua visão, nada necessário para concretizar a pretendida apropriação, esse excesso autonomiza o crime de rapto ou de sequestro, relativamente ao crime de roubo, conduzindo ao concurso real de infracções (conclusão 3.ª). Entendeu-se, a propósito, na decisão recorrida que não se verifica o crime de rapto, por não estar presente o dolo específico próprio desse tipo legal e que o distingue do crime de sequestro, que se contenta com o dolo genérico. E na verdade, vem decidindo este Supremo Tribunal de Justiça, entendimento que se mantém, que é imprescindível que o rapto se realize através de violência, ameaça ou astúcia e que o agente o realize para atingir um fim determinado - um ou vários dos enunciados nas als. a) a d), do n.º 1. Da inclusão desse ilícito no capítulo dos crimes contra a liberdade pessoal retira-se que, no rapto, a agressão da liberdade de movimento pessoal do sujeito passivo é, em última análise, a base fundamental da incriminação. Para além da exigência de que a privação de liberdade se faça por um daqueles três meios - violência, ameaça ou astúcia - a intenção do agente de prosseguir qualquer dos fins enunciados naquele normativo - submeter a extorsão, cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, obter resgate ou recompensa ou constranger a autoridade pública ou um terceiro a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade - constitui, em rigor, a característica genuína do rapto face ao sequestro (cfr. o Ac. do STJ de 01-04-1998, proc n.º 285/98). Pode, pois, dizer-se que o sequestro se distingue do rapto, por à privação da liberdade, comum a ambos os crimes, acrescer no rapto o dolo específico relativo aos efeitos apontados no respectivo tipo legal (Ac. do STJ de 30-04-1997, Acs STJ V, 2, 189 e de 06-05-1993, proc n.º 43917). Isso mesmo resulta, aliás, com clareza do teor do art. 160.º n.º 1 do C. Penal, quando dispõe que comete o crime de rapto, quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de: - submeter a vítima a extorsão [a)] - cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima [b)]; - obter resgate ou recompensa [c)]; ou - constranger a autoridade pública ou um uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade [d)]. No mesmo sentido podem ver-se, na doutrina Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 428 e Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, II, em anotação ao art. 160.º. Ora, no caso sujeito e como se decidiu no acórdão recorrido, o arguido reteve a vítima impedindo-a de se deslocar livremente, para melhor poder subtrair de seguida coisas móveis pertencentes à ofendida, estando ausente o referido dolo específico. Escreve-se, com efeito, adequadamente no acórdão recorrido: «Ora, analisando as considerações supra expostas ao caso vertente nos autos, a factualidade colhida aponta com nitidez para a prática por parte do arguido de um crime de roubo, cometido sob a forma tentada, demonstrado como ficou o preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal de crime, designadamente ao resultar provado que o arguido, agindo livre e voluntariamente e com intenção de apropriar-se de dinheiro da ofendida SHMC, já no interior do veículo automóvel desta, exibiu e encostou, subsequentemente, ao seu pescoço um canivete, de modo a causar-lhe medo e receio pela sua vida e integridade física, tudo por forma a obrigar a ofendida a lhe entregar dinheiro e, como esta não disponha do dinheiro pretendido, obrigou-a a se deslocar no seu veículo automóvel para junto de uma caixa de multibanco, com vista a levantar dinheiro da sua conta bancária, o que realmente veio a suceder, não tendo, porém, o arguido logrado conseguir o seu desiderato, por circunstâncias alheias à sua vontade. A comprovada exibição e utilização do dito canivete por parte do arguido em relação à ofendida como meio de agressão ou susceptível de poder vir a ser utilizado para tal fim, integra o conceito de arma para efeitos criminais (cfr. art. 4º, do D.L. n.º 48/95, de 15.03) e, como tal o roubo praticado pelo arguido, ainda que sob a forma tentada (cfr. arts. 22º e 23º, do C. Penal), deverá ser subsumido ao crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f) - trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta -, ambos do C. Penal. Sendo assim, e partindo da factualidade demonstrada nos autos, importa retirar a ilação de que a privação da liberdade da ofendida e a intimidação e constrangimento de que a mesma foi vítima por parte do arguido tinha para este como principal objectivo, imediato e iminente, de se apropriar de dinheiro da ofendida, quer numa fase inicial quando lhe revistou a carteira e a mesma não disponha de dinheiro que o mesmo pretendia, quer numa fase posterior em que a obrigou a permanecer no seu veículo, ao volante ou no banco do passageiro ao lado do condutor, enquanto procuravam uma caixa automática onde pudesse ser levantado dinheiro pertencente à ofendida. Deste modo, por não se verificar in casu que o arguido, através da sua descrita conduta, previu e quis com a mesma submeter a vítima a extorsão, não se mostra assim preenchido o tipo de ilícito do crime de rapto de que o arguido vem acusado, em virtude da ausência daquela finalidade extorsionária que o mesmo crime pressupõe necessariamente como um dos elementos subjectivos de ilícito.» 3.3.2. Mas, diversamente do que decidiu o tribunal a quo, e como sustenta subsidiariamente o Magistrado recorrente, deve o arguido ser punido pela prático do crime de sequestro ? Escreve-se na decisão em análise: «Afastada que ficou a subsunção da conduta do arguido ao crime de rapto por falta daquele elemento subjectivo de ilícito, teremos então que equacionar agora a possibilidade da mesma conduta do arguido, que não deixou de atentar contra a liberdade de locomoção da ofendida SHMC, poder vir a ser subsumida no tipo genérico do crime de sequestro (art. 158º do C. Penal) (....) A partir do momento em que a duração da privação da liberdade da locomoção não ultrapassa aquela medida naturalmente associada à prática do "crime-fim" e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro ("crime-meio") e o "crime-fim" (no nosso caso o crime de roubo). O concurso é, pelo contrário, efectivo quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do supra mencionado bem jurídico em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação do crime de roubo (neste sentido, vide Américo Taipa de Carvalho, ob. cit. págs. 415 e 416; e Acs. do STJ de 03.05.2000, Proc. n.º 155/00 e de 22.11.2000, Proc. n.º 2942/00, citados no Ac. do STJ de 14.03.2002, CJ Acs. do STJ, Tomo I, pág. 222 e segs). No caso em apreço, em que o crime de roubo praticado pelo arguido, a partir de certa altura, se traduziu sobretudo em levantamento de dinheiro existente na conta bancária da ofendida, mediante a utilização do respectivo cartão de multibanco, toda a privação da liberdade da ofendida Susana, com vista a se dirigir ou a acompanhar o arguido para junto de uma caixa automática, torna-se absolutamente necessária à execução do roubo, pelo menos enquanto o arguido não tivesse já em seu poder o dinheiro da ofendida. Mesmo a circunstância do arguido ter amarrado a ofendida ao banco do passageiro, enquanto o mesmo se propunha a levantar dinheiro da ofendida, não deixa igualmente de ser adequado e necessário ao "crime-fim" de roubo, tanto mais que sabemos, segundo as regras de experiência comum, que a ofendida poderia fornecer ao arguido um código de acesso à sua conta bancária errado e, enquanto o arguido se dirigia à caixa automática, lograr sair do veículo automóvel e fugir ao arguido. Por outro lado, resulta ainda da matéria de facto provada que aquela privação de locomoção da ofendida SHMC foi subsequentemente aligeirada, logo que o arguido se apercebe que a mesma já não se mostra adequada ao fim pretendido, designadamente quando vem a desamarrar a ofendida, por forma a que seja ela própria a proceder ao levantamento em caixa de multibanco do dinheiro pretendido. Deduz-se assim da factualidade assente que o arguido, ao privar a ofendida da liberdade de locomoção, teve só em mente o crime de roubo pretendido, actuando sempre com este desiderato e utilizando sempre os meios contemplados no tipo de ilícito do art. 210º, n.º 1, do C. Penal, como instrumento necessário à apropriação ilícita pretendida. Nesta medida, sendo a configurada privação da liberdade de locomoção um meio necessário à prática do crime de roubo e, não se mostrando aquela privação manifestamente excessiva, ou seja, não ultrapassando a medida naturalmente associada à prática daquele "crime-fim", sendo, portanto, meramente instrumental deste crime de roubo, temos que concluir que estamos perante um concurso aparente destes dois tipos legais de crime, pelo que deverá apenas o arguido responder pelo crime de roubo, que consome a protecção visada com a incriminação prevista para o crime de sequestro. Ficamos assim só com a prática, por parte do arguido ASM de um crime de roubo, cometido sob a forma tentada, previsto e punido pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f), e arts. 22º, 23º e 73º, todos do Cód. Penal.» Este entendimento não merece, no entanto, a nossa concordância. Vem entendendo uniformemente (1) o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado "subtracção"; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada. Por isso, podem existir, em acumulação, os crimes de roubo e de sequestro quando o agente, para subtrair diversos bens ao lesado, para além da agressão física, se socorre de violenta privação da sua liberdade [cfr. Ac. do STJ de 22-04-1992, CJ XVII, 2, 19. No mesmo sentido se tem pronunciado igualmente as Relações: Acs. da Rel. Coimbra de 14-12-1983, CJ IX, 1, 59, de 22-10-1986, CJ XI, 5, 110 e BMJ 360-666, Ac. da Rel. Porto de 27-03-1985, CJ X, 2, 246 e da Rel. Évora de 23-05-1990, BMJ 397-589]. E que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis [Ac. do STJ de 02-07-1998, Proc. n.º 505/98]. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a pratica do roubo, é consumido por este (2) (3) (4). Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo [Ac. do STJ de 14-01-1993, Proc. n.º 43125]. Tem este Tribunal tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação da liberdade de locomoção dos ofendidos no crime de roubo, se estendem para além da subtracção (5) (6) (7). E tem-no afirmado igualmente quanto à contemporaneidade das condutas, quando ocorre o excesso de violência já referido, que se poderia chamar de excesso intensivo (8), como quando os arguidos amarram e algemam a um corrimão um vigilante do local assaltado, já depois de inanimado por violenta agressão e o deixam ainda amarrado quando fugiram, ou seja, depois de consumado o roubo, pois que a violenta privação da liberdade de movimentos do ofendido, da forma como foi feita, já não constituía meio necessário de colocá-lo na impossibilidade de resistir à ilegítima apropriação [Ac. do STJ de 27-09-1995, Proc. n.º 48127]. Mas também o fez quanto ao momento que antecede o roubo. Decidiu este Tribunal que «(2) a subtracção nos crimes de furto ou de roubo não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia, já que pode mesmo não haver apreensão para que ela se verifique; essencial é que o agente a subtraia da posse alheia e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiros. (3) - Isso acontece quando os arguidos, mediante ameaças com armas, conseguem que o motorista de um veículo pesado o desvie do seu trajecto normal, até que a mercadoria seja transferida para o veículo dos arguidos. (4) - Neste caso, durante o tempo necessário a esse percurso, o motorista do veículo pesado deixou de ter liberdade de movimentos, pelo que a conduta dos arguidos, nessa parte, integra o crime de sequestro, em concurso real com o crime de roubo. (5) - Isto porque o sequestro já acontece depois de consumado o roubo e os dois tipos legais de crime tutelam interesses próprios e diferentes» [Ac. do STJ de 01-02-1996, Proc. n.º 48133]. A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido [Cfr. Neste sentido o Ac. do STJ de 04-03-1998, Proc. n.º 1411/97] (9); quando o crime de sequestro serve de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis [Cfr. Neste sentido o Ac. do STJ de 02-07-1998, Proc. n.º 505/98]. A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido. Verifica-se concurso entre os crimes de roubo e sequestro quando vem provado que: (-) o arguido aos ver 4 jovens estudantes de imediato formou o propósito de se apoderar de bens e valores que os mesmos tivessem em seu poder e na execução desse seu projecto convenceu-os a ir à Escola Básica e aí isolar 2 menores que convenceu a acompanharem-no até as traseiras da escola onde os ameaçou com uma lamina com 7 cm de comprimento e lhes ordenou que o acompanhassem dizendo: "Já esfaqueei uma pessoa e não me importo de voltar a fazer o mesmo", o que os menores receosos fizeram à parte inferior da ponte da linha férrea; (-) os menores pediram ao arguido que os libertasse, dizendo-lhe que lhe entregavam o que ele quisesse, o que este não aceitou, dando um estalo a um deles. (-) percorreram cerca de 500 metros, durante alguns minutos e ali chegados, o arguido exigiu-lhes que lhe entregassem dinheiro e telemóveis, ao mesmo tempo que lhes dizia que os cortava, o que eles satisfizeram e só regressados à Escola é que o arguido finalmente deixou os menores em paz [Ac. de 17.4.02, proc. n.º 629/02-5, do mesmo relator]. Como se diz no voto de vencido lavrado no processo n.º 4249/01 [Ac. de 14.3.02, do aqui Relator], se os agentes rodearam o ofendido junto a uma entrada do Metropolitano e forçaram-no a acompanhá-los para um jardim situado noutro lugar para melhor procederem ao roubo, quando essa violação do ius ambulandi não era necessário e visava tão só assegurar-lhes a maior impunidade possível. Verifica-se então um comportamento e uma intencionalidade visando a limitação da liberdade de circulação do ofendido que se bem que destinada a facilitar o projectado roubo e a impunidade subsequente, mantém a sua autonomia para efeitos de punição à luz do n.º 1 do art. 30.º do C. Penal e da jurisprudência citada e que se acompanha. Ora, no caso sujeito o arguido, num primeiro momento, introduziu-se na viatura da ofendida e esperou, até às 23 horas, pela chegada desta para roubar o dinheiro que ela tivesse consigo e, quando esta colocou o veículo em marcha para a Estrada Nacional, saiu da mala onde se encontrava, abordou-a, pelas costas, com um gorro na cabeça e empunhando, na sua mão direita, um canivetes que de imediato apontou à ofendida. Como a ofendida lhe disse que não tinha esse dinheiro, o arguido manteve o canivete encostado ao pescoço desta, e revistou-lhe a carteira para ver que dinheiro trazia, ao mesmo tempo que lhe perguntava se tinha cartões Multibanco. Confirmando que a ofendida tinha cartões de multibanco, o arguido ordenou, sempre com o canivete encostado ao seu pescoço, que a ofendida prosseguisse a marcha do veículo em direcção a uma caixa de multibanco, a fim de levantar dinheiro da conta da ofendida, tendo esta conduzido o seu veículo automóvel no sentido Vila de Vila Meã, mas este logo que soube, que a mesma aí vivia, obrigou-a a dirigir-se para a Lixa, onde, sempre sob as suas ordens, conduziu o veículo para o recinto onde se realiza habitualmente a feira. Nesse local, o arguido amarrou os pulsos da ofendida atrás das costas, com um objecto semelhante a uma corda, no banco do passageiro ao lado do banco do condutor, colocando-lhe depois o gorro de malha, de cor escura, que trazia na cabeça da ofendida, tapando-lhe a visão frontal, passando, de seguida, para o lugar do condutor; O arguido conduziu o veículo para o centro da Lixa à procura de uma caixa multibanco para proceder ao levantamento de dinheiro, acabando por imobilizar o veículo junto da agência do Banco ..., mas acabou por desistir dos seus intentos, com receio da vigilância vídeo e resolveu regressar ao parque da feira, tendo dito à ofendida para colaborar, pois iria desamarrá-la e retirar-lhe o gorro, por forma a que fosse ela a levantar o dinheiro que pretendia, após o que, depois de ter desamarrado a ofendida, regressaram ao centro da Lixa, tendo parado o veículo nas proximidades da agência do Banco ..., alguns minutos antes da meia-noite; Naquele instante encontrava-se um casal a levantar dinheiro, aguardaram um pouco, tendo de seguida a ofendida saído do seu veículo automóvel e dirigindo-se à referida caixa multibanco, onde efectuou um levantamento no valor de €200, quando regressava ao seu automóvel, surgiu uma testemunha, tendo-se a ofendida agarrado a essa pedindo socorro. Na confusão gerada a ofendida fugiu para junto de um café próximo, onde alcançou o casal referido, pedindo-lhes de imediato ajuda. Face a isso, o arguido ao resolveu apropriar-se do veículo da ofendida e da carteira da ofendida que continha documentos e objectos. O arguido sequestrou assim a ofendida pelas 23 horas e forçou-a a acompanhá-lo, conduzindo o seu veículo automóvel, durante mais de uma hora procurando uma caixa Multibanco que lhe conviesse para fazer um levantamento mantendo-a, depois amarrada durante algum tempo, e finalmente conduzi-la a uma outra caixa Multibanco, onde ela efectuou uma levantamento antes de conseguir fugir. Fugiu, depois, o arguido apropriando-se do veículo da ofendida. Ou seja, essa prolongada violação do ius ambulandi não era necessário ao cometimento do roubo e visava tão só assegurar-lhe mais oportunidades de delinquir e a maior impunidade possível. Verifica-se então um comportamento e uma intencionalidade visando a limitação da liberdade de circulação da ofendida que, se bem que destinada a facilitar o projectado roubo e a impunidade subsequente, mantém a sua autonomia para efeitos de punição à luz do n.º 1 do art. 30.º do C. Penal e da jurisprudência citada e que se acompanha. Pelo que procede, nesta parte, o recurso do Ministério Público. 3.4. No que respeita à medida da pena, sustenta o Magistrado recorrente que o agente já cumpriu antes pena de prisão pelos crimes de extorsão, esperou escondido dentro da mala do carro da ofendida, para a assaltar, apontando-lhe uma navalha ao pescoço enquanto a obrigava a conduzir, atando-lhe os pulsos, tapando-lhe a visão com um gorro, numa actuação que durou cerca de 1 hora, o que agrava substancialmente a sua culpa e ilicitude (conclusão 4.ª), sendo o dolo directo e prementes as exigências de prevenção geral e especial pelo que deveria ser condenado em penas que se enquadrassem nos patamares superiores das respectivas molduras penais (conclusão 5.ª). Deveria, assim, o arguido ser condenado nas penas de 2 anos de prisão pelo crime de sequestro, de 7 anos de prisão pelo crime de roubo tentado (foram aplicados 3 anos e 6 meses), de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de furto (foram aplicados 9 meses), de 1 ano e 7 meses de prisão pelo crime de extorsão tentado (foram aplicados 1 ano e 3 meses), e na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão (conclusão 6.ª) Decidiu-se, sobre esse ponto, no acórdão recorrido: «Devidamente subsumida a conduta do arguido, cumpre agora proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao mesmo, a qual se realizará, nos termos do disposto no art. 71º do Cód. Penal, atendendo à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial, considerar-se-á, designadamente, que: a) o grau de ilicitude, modo de execução e consequências da conduta, não se apresentam como relevantes em relação ao crimes de furto simples e à tentativa de extorsão, tendo em atenção que o primeiro crime surge na sequência de uma fuga que o arguido encetou, vindo os ofendidos a recuperar todos os objectos furtados no dia seguinte e, no segundo crime, o benefício patrimonial pretendido alcançar pelo arguido não se mostra elevado e a ameaça de mal importante traduzida na não devolução de um bem material de valor também não elevado; já no que diz respeito ao crime tentado de roubo, se é certo que a quantia monetária pretendida pelo arguido não se mostra elevada, o desvalor da acção aproxima-se seguramente dos elementos medianos do tipo, sobretudo tendo em atenção que a configurada actuação do arguido neste crime perdurou durante cerca de uma hora, sem esquecer o trauma que seguramente o arguido com a sua conduta terá causado à ofendida; b) o dolo é directo; c) o arguido é de modesta condição sócio-económica e cultural; d) já respondeu em tribunal pela prática, em 28.05.1998, de um crime consumado de furto qualificado e de um crime tentado de extorsão, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, por decisão, de 23.10.1998, proferida no âmbito do P.C.C. n.º 138/98, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão (já com o perdão de um ano), cuja pena cumpriu parcialmente, tendo saído em liberdade condicional em Janeiro de 2000. A despeito do crime de furto (simples) praticado pelo arguido permitir, em alternativa à pena privativa de liberdade (pena de prisão), a aplicação de pena não privativa da liberdade (pena de multa), consideramos que a actuação do arguido avaliada na sua globalidade - sobretudo, atendendo à razoável gravidade dos factos ilícitos em presença, associada aos seus antecedentes criminais, donde se conclui que a condenação penal anterior não lhe serviu de solene advertência para se afastar da criminalidade -, inculca a convicção de que a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - sendo aqui evidentes as necessidades de prevenção especial -, pelo que iremos, no que diz respeito a tal crime de furto pela aplicação ao arguido de pena privativa da liberdade (pena de prisão) - cfr. art. 70º do Cód. Penal. Tudo visto e ponderado, consideramos como adequadas a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de roubo, cometido sob a forma tentada; a pena de 9 meses de prisão pela prática do crime consumado de furto simples; e a pena de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática do crime de extorsão, cometido sob a forma tentada. Na elaboração do necessário cúmulo jurídico destas penas de prisão a aplicar ao arguido ASM, em conformidade com o disposto no art. 77º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, tomar-se-á, designadamente em consideração que: a) os factos em apreço ocorreram num espaço temporal bastante curto - cerca de um dia; b) a actividade ilícita do arguido diz respeito essencialmente a crimes contra o património, o que demonstra um certo desprezo pelo arguido quanto aos valores ético-culturais ligados ao património, muito embora se mostre óbvio que estes mesmos crimes estejam interligados com o consumo de produtos estupefacientes que o arguido então levava a cabo, servindo como meio de obtenção de dinheiro para fazer face à sua toxicodependência; c) à data dos factos o arguido contava com cerca de 36 anos de idade; é de modesta condição sócio-económica e cultural; d) já respondeu em tribunal pela prática de um crime consumado de furto qualificado e de um crime tentado de extorsão, tendo sido condenado em pena de prisão que cumpriu parcialmente saindo em liberdade condicional em Janeiro de 2000; e) os seus hábitos de trabalho são irregulares, não obstante ser considerado um bom trabalhador; f) mostra-se integrado no meio prisional num programa educativo-terapêutico promovido pelo Projecto Homem e abstinente do consumo de estupefacientes. Assim sendo, analisando estes factores supra indicados, consideramos adequado fixar a pena unitária, em cúmulo jurídico das condenações a determinar ao arguido nestes autos, em 4 anos e 6 meses de prisão.» Vejamos, pois, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena. De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do C. Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o CPP regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o das determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72.º na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena. Por outro lado, não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Deve ainda entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada. Ao crime de roubo agravado tentado corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, ao furto simples de prisão até 3 anos ou multa, à extorsão prisão até 3 anos e 4 meses e ao sequestro prisão até 3 anos. Dentro dessas molduras penais funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); - A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A conduta do arguido foi persistente, prolongando-se no tempo por mais de 1 hora, assim como o constrangimento imposto à ofendida, traduzindo-se na integração de vários tipos de crime. O dolo é directo, mas mostra-se relacionado com o seu percurso de consumo de estupefacientes. Tem cônjuge e dois filhos menores, é qualificado como operário fabril de calçado competente e experiente, encontrava-se profissionalmente inactivo, pelo menos desde Março de 2002, em relação com percurso anterior de consumo de estupefacientes. Na prisão integrou um programa educativo-terapêutico destinado a reclusos toxicodependentes. O arguido foi condenado em 23.10.1998 (3° Juízo do Tribunal de Fafe) pela prática, em 28.5.98, de 1 crime de furto qualificado e de 1 crime tentado de extorsão, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão (já com o perdão de um ano), cuja pena cumpriu parcialmente, tendo saído em liberdade condicional em Janeiro de 2000. Verifica-se, assim, que a decisão recorrida ponderou todos os factores atendíveis na determinação da medida concreta da pena. Mas merecerá censura, como sustenta o Magistrado recorrente, a quantificação final efectuada? A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-9-1997, proc. n.º 624/97). A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele. A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena infligida ao crime de extorsão se mostra adequada, não se apresentando, mesmo nos limites do pedido do Ministério Público uma desproporção que permita a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça e que se acima se caracterizou. Já as penas concretas fixadas ao crime de roubo agravado tentado e o furto, se bem que situadas dentro das sub-molduras a que se fez referência, devem ser agravadas, desde logo por razões de prevenção geral de integração, agravação bem consentida pela culpa com que agiu o arguido. Essa agravação não deve atingir os limites sugeridos na motivação de recurso, designadamente no que se refere ao roubo agravado tentado, devendo quedar-se nos 4 anos para este crime e 15 meses para o furto. Importa determinar ainda a pena correspondente ao crime de sequestro que, dentro do mesmo critério, se entende dever ser fixada em 1 ano e 6 meses, tendo presente a respectiva duração, a persistência do arguido e os meios usados. Finalmente, importa estabelecer a pena única à luz do disposto no art. 77.º do C. Penal. Os factos, no seu conjunto, revestem-se de gravidade revelando uma personalidade do arguido com dificuldade de adaptação aos comandos do direito, persistente e com uma forte noção de impunidade, a merecer censura nesta sede. Assim, entende-se como adequada a pena única de 5 anos e 5 meses. V Pelo exposto, acordam os juízes da Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso trazido pelo Ministério Público e em alterar nos termos sobreditos a decisão recorrida, no mais a confirmando.Custas, no parcial provimento, pelo recorrido com 3 Ucs de taxa de justiça. Honorários legais à Defensora oficiosa. Lisboa, 2 de Outubro de 2003 Simas Santos Santos Carvalho Costa Mortágua Rodrigues da Costa _________ (1) - Em sentido de algum modo diverso, e apenas no domínio aplicativo, só encontramos o acórdão cujo sumário se transcreve: «(1) - O crime de sequestro, p. p. pelo art. 158.º, do CP, visa a protecção do bem jurídico liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória; isto é a liberdade física de a pessoa se deslocar de um local para outro segundo a sua vontade. (2) - Trata-se de um crime de execução continuada, permanente, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa no momento em que à pessoa ofendida é restituída essa liberdade. (3) - Tal crime pode concorrer com o crime complexo de roubo, sempre que a privação da referida liberdade integre ou acompanhe a violência ou a ameaça e sequente apropriação de coisa móvel alheia próprias do processo típico do crime de roubo. (4) - Esse concurso é aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a duração da privação dessa liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim. (5) - O concurso é, pelo contrário, efectivo quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação desse bem jurídico em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação do crime de roubo. (6) - Se o arguido limitou a liberdade de locomoção da ofendida, obrigando-a - mediante intimidação resultante da afirmação por aquele de que se resistisse tinha consigo "algo que não gostaria de ver" - a acompanhá-lo no veículo automóvel dela, por vários locais - para levantamentos de dinheiro com cartões "Multibanco" da ofendida, um conseguido e outro frustrado, e para aquisição de estupefacientes - até, por fim, à casa da própria vítima, onde o arguido, antes de levar consigo a viatura automóvel, terminou a série das suas sucessivas apropriações (correspondente ao desenvolvimento de uma única resolução criminosa, formulada antes de abordada a ofendida), então o crime de sequestro foi instrumental do crime de roubo, estando numa relação de concurso aparente com este, que consome a protecção visada com a incriminação do primeiro ilícito. (Ac. do STJ de 03-05-2000, Proc. n.º 155/2000) (2) - (1) - O sequestro é consumido pelo roubo quando neste se prevêem a violência e o acto de, por qualquer forma, se pôr a pessoa na impossibilidade de resistir (art. 306º, nºs 1 e 3, al. b) do C. Penal de 1982), mas só quando o sequestro se tiver esgotado como crime-meio em relação ao roubo (crime-fim). (2) - Tal não sucede se a agressão física e o sequestro serviram como meio de obter a subtracção dos bens (que ocorreu durante o sequestro subsequente à agressão), e o arguido, consumado o roubo, decidiu continuar a situação de sequestro durante mais cerca de 15 minutos. (3) - O sequestro é um crime de execução permanente, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa no momento em que a pessoa ofendida é definitivamente libertada ou é instaurado procedimento criminal. Enquanto tal não acontece, o «jus ambulandi» não é restituído ao ofendido e persiste o propósito criminoso do agente, prolonga-se a sua conduta estando o mesmo a todo o momento a fazer reviver ininterruptamente o crime. (4) - Consumado o roubo, o sequestro subsequente não pode considerar-se consumido por aquele, tratando-se de uma privação da liberdade desnecessária e excrescente à consumação do primeiro crime. (5) - Excesso que ganha em autonomia jurídico-criminal e tem de ser punido como sequestro em concurso real com o crime de roubo, na medida em que são diferentes os valores jurídicos ofendidos e só se consideram absorvidas pelo crime de roubo as violência e a provação de liberdade que se mostrem absolutamente necessárias e proporcionadas à prática da subtracção dos bens móveis do ofendido. (Ac. do STJ de 20-01-1994, Proc. n.º 44407). Cfr. ainda: «Verifica-se acumulação real entre os crimes de sequestro e de roubo quando os arguidos, com ameaça de pistola, subtraem ao ofendido, um saco com roupa e um cartão de crédito e o obrigam a acompanhá-los a outra localidade até levantarem da sua conta bancária outra quantia em dinheiro com o cartão de crédito.» (Ac. do STJ de 01-04-1992, Proc. n.º 42583) (3) - Existindo uma só resolução criminosa por parte do grupo de assaltantes, e decorrendo a apropriação de valores enquanto a vítima estava privada de se movimentar por causa da coacção exercida pelos arguidos, havendo coincidência entre a libertação daquela e o termo do processo de execução apropriativo, não continuando assim a privação da liberdade depois, ou para além, do final do período em que se faz a apropriação dos valores, o crime de sequestro é consumido pelo de roubo. (Ac. do STJ de 14-05-1997, Acs STJ V, 2, 205) (4) - (1) - O roubo é um crime complexo, em que se protege simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção de coisas que podem ser subtraídas. (2) - O sequestro é um crime de execução continuada, permanente, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa no momento em que a pessoa ofendida é restituída definitivamente à liberdade. (3) - O sequestro é consumido pelo roubo na medida em que neste se prevêem a violência e o acto de, por qualquer forma, se pôr a pessoa na impossibilidade de resistir, mas só quando o sequestro se tiver esgotado como crime-meio em relação ao roubo (crime-fim). (Ac. do STJ de 08-10-1997, Proc. n.º 560/97) (5) - (1) - Com o art. 160° do C. Penal de 1982 visa-se proteger, fundamentalmente, a liberdade individual, sendo essa liberdade a liberdade física, o direito de não ser aprisionado, encarcerado ou de qualquer modo fisicamente confinado a determinado espaço. (2) - Comete em concurso os crimes de roubo e de sequestro, o arguido depois de cometer o primeiro, tendo já na sua disponibilidade ou em seu poder os objectos e dinheiro do ofendido, o mantém aprisionado dentro do WC, contra a sua vontade. (Ac. do STJ de 25-05-1994, Acs STJ II, 2, 230). No mesmo sentido o Ac. do STJ de 06-11-1996, Proc. n.º 84/96: «Não se verifica a consumpção do crime de sequestro pelo crime de roubo quando, tendo-se consumado o crime de roubo, só em momento ulterior, o recorrente e os demais arguidos fecharam o ofendido numa casa de banho, cometendo, em concurso real, os mencionados crimes de roubo e de sequestro.» (6) - Comete, em concurso, os crimes de roubo e de sequestro o arguido que, depois de cometer o roubo, tendo já na sua disponibilidade ou em seu poder o dinheiro do ofendido o mantém aprisionado para alcançar o dinheiro que pudesse estar depositado e ser levantado através de cartão multibanco e, quando isso não logrou, se dirigiu a casa do ofendido e aí se apoderou de vários objectos em ouro. (Ac. do STJ de 08-10-1997, Proc. n.º 560/97) - Cometem crimes distintos de roubo e de sequestro os arguidos que, após a apropriação violenta dos bens do ofendido, retiveram este, contra a sua vontade, dentro de um veiculo automóvel, por um período de tempo não apurado. (Ac. do STJ de 04-03-1998, Proc. n.º 1411/97) - A partir do momento em que o arguido, após a consumação do roubo, agarrou com força o braço da ofendida, lhe apontou uma seringa ao pescoço, dizendo-lhe que a espetaria caso o não acompanhasse a uma caixa multibanco, obrigando-a a percorrer, assim constrangida e intimidada, cerca de vinte metros, cometeu ainda, em concurso real com aquele ilícito, o crime de sequestro, p. p. pelo art. 158, n.º 1, do CP. (Ac. do STJ de 01-04-1998, Proc. n.º 1553/97) - Pratica um crime de roubo, em concurso real com um crime de sequestro, o arguido que mediante o encostar de uma faca ao pescoço da vítima, a obriga a entregar-lhe a quantia de 65.000$00 e que uma vez na posse desta, fecha o ofendido numa casa de banho, fugindo com as chaves, vindo aquele a permanecer nessa situação cerca de quinze minutos, até a porta ser aberta por terceiro. (Ac. do STJ de 11-02-1999, Proc. n.º 1424/98 ) - Ressaltando da matéria de facto provada que o sequestro ocorreu já depois do roubo estar consumado, verifica-se a autonomia dos dois referidos crimes. (Ac. do STJ de 25-10-2001, Proc. n.º 2376/01-5) (7) - (1) - Sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime/fim e, como tal, já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (crime/meio) e o crime/fim .... respondendo o agente somente por um destes crimes (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I, pág. 415). (2) - Se a duração da privação de liberdade do guardião da pilha de cortiça roubada foi, precisa e justamente, a necessária para o carregamento da mesma cortiça (à volta de uma hora) e para que o agente delitivo se pusesse em fuga (cerca de meia hora) e entretanto alcançasse, pelo menos, aquele mínimo de permanência do objecto da subtracção no domínio daquela disponibilidade inerente e indispensável à realização plena do roubo, a conclusão a retirar é a de que o arguido se constituiu tão somente como autor de um crime de roubo (p. p. no art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f) do CP) (Ac. do STJ de 13-12-2001, proc. n.º 3071/01-5) (8) - Como exemplo de realidade subjacente a esta noção de excesso intensivo, pode indicar-se o caso decidido pelo Ac. do STJ de 28-11-1996, Proc. n.º 806/96, com o seguinte sumário na parte interessada: «Cometem o crime de roubo e de sequestro os quatro arguidos que planearam apoderar-se da quantia de 120.000$00 em casa da ofendida. Para tal, dirigiram-se à residência da ofendida e um deles bateu à porta. Quando a ofendida a entreabriu, este entrou de rompante e arrastou-a pelo pescoço, entrando os outros três arguidos logo de seguida. Dois dos arguidos apertaram o pescoço à ofendida, mostraram-lhe uma navalha, ameaçaram-na de morte, amarraram-na e amordaçaram-na, enquanto que os outros dois arguidos revistavam a casa e apoderavam-se de uns brincos em ouro e de 340.000$00 em dinheiro.» (9) - Cfr. ainda o Ac. do STJ de 22-11-2000, Proc. n.º 2942/2000, com o seguinte sumário: «(3) - O mesmo crime (de sequestro)pode concorrer com o crime complexo de roubo, sempre que a privação da referida liberdade integre ou acompanhe a violência ou a ameaça e sequente apropriação de coisa móvel alheia, próprias do processo típico do segundo ilícito. (4) - O concurso é aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim. (5) - O concurso é, pelo contrário, efectivo quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do supra indicado bem jurídico em extensão ou graus tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo. |