Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RIBEIRO COELHO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA NEGÓCIO ILÍCITO NULIDADE DO CONTRATO OBJECTO NEGOCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200205140011381 | ||
Data do Acordão: | 05/14/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7954/01 | ||
Data: | 11/06/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 280 N1 ARTIGO 401 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1969/12/19 IN BMJ N92 PAG236. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A expressão "objecto do negócio jurídico" no art. 280º nº1 CCiv abrange tanto o objecto imediato como o mediato. II - Não é nulo o negócio quando o objecto seja realizável. III - É válido o contrato-promessa de compra e venda em que os outorgantes, sabendo que havia obstáculo legal à celebração imediata do contrato prometido e que os promitentes vendedores estavam a diligenciar pela sua remoção, não estipularam qualquer prazo e estipularam que a escritura só seria celebrada quando fosse legalmente possível. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Coube ao 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa uma acção declarativa pela qual A e sua mulher B pediram contra C e sua mulher D que se decretasse a resolução do contrato pelo qual os primeiros prometeram vender aos segundos, e estes prometeram comprar àqueles, um andar num prédio sito na Brandoa, concelho da Amadora, por impossibilidade objectiva do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, com restituição, pelos autores, do sinal de 100.000$00 que receberam. Após contestação, na qual os réus defenderam a improcedência da acção e reconvieram pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhes 10.000.000$00, por considerarem ser este o valor do andar e haver culpa por parte dos autores na impossibilidade de cumprimento do contrato, seguiram-se os trâmites adequados até à audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção, declarando nulo o contrato-promessa em causa e ordenando a restituição da quantia de 100.000$00 entregue como sinal aos autores. Apelaram os réus, sem êxito, visto que na Relação de Lisboa foi proferido acórdão que julgou improcedente o seu recurso. Inconformados, trouxeram a este STJ o presente recurso de revista em que pedem a revogação do acórdão recorrido e a condenação dos autores no pedido reconvencional. Ao alegarem formularam as seguintes conclusões: A) A prestação a que os AA. se vincularam - venda do andar dos autos - é fisicamente possível por se tratar de um facto realizável, quer se atenda à construção ou à outorga da escritura de venda. Não há, assim, impossibilidade física da prestação. B) Por igual não há impossibilidade legal, na medida em que a lei se não opõe, não proíbe a construção, antes a considera legalizável, como resulta das certidões de fls. 33 e 54, passadas pela Câmara da Amadora. Decidindo-se em contrário, desrespeitou-se o art. 280º do CC; C) Ainda as partes assumiram a obrigação, a promessa, de vender e comprar, no caso de isso se tornar possível, ou seja, de os AA. legalizarem o prédio dos autos, o que estes estavam tentando, como se provou - Q. 2º. E só não aconteceu por culpa a estes imputável - Q. 8º - desrespeito pelas normas de construção; D) Donde, mesmo que o contrato sofresse de impossibilidade originária, ele se tinha de considerar válido, nos termos do art. 401, n. 2 CC, que o acórdão recorrido ofendeu; E) A falta de licença de construção, à data da assinatura do contrato de fls. 10, não constitui impossibilidade originária de cumprimento, já que as partes se não obrigaram à venda e compra do andar ilegalizado, antes o prometeram fazer, mais tarde, legalizado. Não há, como se diz na decisão sob recurso, impossibilidade originária, violando-se o art. 401 CC; F) Nem esta impossibilidade pode resultar do facto de, à data da celebração do contrato-promessa, não existir licença de construção, uma vez que ao contrato-promessa não são aplicáveis todas as disposições legais relativas ao contrato prometido. Aquela licença é necessária no contrato de venda, e não no momento da sua promessa. Não se atendeu ao art. 410 do CC; G) A impossibilidade absoluta que o acórdão impugnado sustenta, com base num esforço económico "enorme e desproporcionado" para os vendedores, é uma impossibilidade subjectiva, que não releva, como claramente o art. 401, nº 3 do CC refere; H) Porque não há impossibilidade do cumprimento, não se tendo realizado a escritura de venda por culpa imputável aos AA., têm os recorrentes, nos termos do art. 442, nº 2 do CC, na redacção dada pelo DL nº 236/80, de 18/7, que não foi respeitado, direito ao pedido feito em reconvenção, do pagamento de 10.000 contos; I) Para a hipótese de se considerar nulo o contrato-promessa celebrado, há que restituir tudo o que foi prestado, ou seja, o sinal de 100.000$00 e a quantia entregue mensalmente de 19.500$00, desde Novembro de 1988 até ao mês em que transite a sentença que eventualmente assim decida. Violou-se o art. 289º do CPC; J) A afirmação de que a legalização da construção importava construir de novo no local é facto não articulado pelas partes, introduzido pelo julgador, em contravenção dos arts. 264º, nº 2, 660º, nº 2 e 664º do CPC, que foram transgredidos. Responderam os autores no sentido da improcedência do recurso Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os factos dados como provados são os seguintes: 1. Os AA. são proprietários do lote ..... da Rua ......, freguesia da Brandoa, concelho da Amadora, composto de r/c (destinado a armazém), 1º e 2º andares (destinados a habitação), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1389º; 2. AA. e RR. outorgaram em 28/10/88 o documento junto a fls. 10, mediante o qual os primeiros prometeram vender aos segundos, que prometeram comprar, por 4.000.000$00 o 2º andar direito do mesmo prédio; 3. Os RR. entregaram aos AA., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 100.000$00; 4. No âmbito do mesmo acordo os RR. entregariam aos AA., mensalmente e até à realização da escritura, a quantia de 19.500$00, podendo habitar o andar objecto do acordo; 5. Os RR. habitam o andar referido; 6. A construção do prédio não está legalizada; 7. No documento em questão refere-se que a escritura será realizada logo que legalmente possível; 8. Na ocasião em que foi outorgado o contrato referido em 2. os RR. sabiam que o prédio tinha sido construído sem licença de construção e que os AA. estavam a tentar legalizá-lo junto da Câmara Municipal da Amadora; 9. A Câmara indeferiu o processo de legalização do prédio por desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares relativas à construção; 10. O valor do andar em causa é indeterminado. É de destacar o teor da cláusula 6ª do contrato-promessa: "A escritura será realizada logo que legalmente seja possível, ficando de conta do segundo outorgante as despesas com as mesmas inerentes, bem como os registos e sisa a que haja lugar" Tem ainda interesse salientar que, de acordo com a certidão de fls. 33, emitida em 1/6/94 pela Câmara Municipal da Amadora, o pedido de legalização feito quanto ao prédio aqui em causa foi indeferido em 10/8/90 por, tendo-se procedido a verificação de estabilidade, se ter constatado não corresponder ao constante do projecto; consta da mesma certidão que em Abril de 1991 deu entrada outro projecto de estabilidade. Numa outra certidão constante de fls. 54, emitida pela mesma entidade em 18/6/97, é dito que o prédio se não encontra legalizado mas está em vias de legalização. Vem decidido que o contrato-promessa em causa está viciado por impossibilidade originária porquanto a não legalização da construção do prédio impede a realização da escritura de compra e venda, gerando a nulidade do contrato-promessa. Invoca-se, para tanto, o art. 401º, nº 1 do CC- diploma do qual serão as normas que a seguir referirmos sem outra menção de pertença. Não se o disse expressamente, mas certamente se considerou haver uma impossibilidade legal- que não física- do objecto do contrato. O art. 280º, nº 1 diz que é nulo o negócio jurídico de objecto física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. Dois sentidos pode ter a expressão "objecto do negócio jurídico" Um corresponde ao objecto imediato, ou conteúdo, do negócio, sendo preenchido pelos efeitos que tende a produzir. Outro, o objecto mediato, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio. Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição- cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pg. 547. A impossibilidade legal, ou jurídica, ocorre quando a prestação consiste num acto que a lei não permite que seja realizado, podendo impedi-lo; há contrariedade à lei se a prestação consiste num acto que viola uma proibição legal que não pode, em todo o caso, impedir a sua ocorrência- cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª edição, pg. 831, e Mota Pinto, obra citada, pgs. 550. Como não pode ser celebrada uma escritura pública de compra e venda de um prédio urbano ou de uma fracção autónoma do mesmo sem que a respectiva construção e constituição em propriedade horizontal estejam legalizadas, pareceria, em princípio, haver impossibilidade legal do objecto quando se promete vender e comprar uma casa ou um andar que não estão nessas condições - cfr., neste sentido, o acórdão proferido por este STJ em 19/12/69, BMJ nº 192, pg. 236. O contrato-promessa aqui em causa foi, porém, celebrado sem qualquer estipulação de prazo. Mais: não ficou, sequer, o promitente comprador com a possibilidade de tomar, em seu arbítrio, a iniciativa da celebração da escritura, dado que esta só seria realizada quando fosse legalmente possível, sabendo os recorrentes que havia obstáculo legal à sua celebração imediata e que os recorridos estavam a diligenciar no sentido da sua remoção. Diz Antunes Varela, obra citada, pgs. 830-831: "Pode, todavia, suceder que, sendo a prestação impossível no momento em que é constituída, o obrigado admita a sua possibilidade num futuro relativamente próximo ...... e que o negócio aceite exactamente essa conversão ...... . Nestes casos, já não há razão para considerar nulo o negócio ..." E, comentando o acórdão acima referido e depois de assinalar que as Câmaras não são obrigadas a ordenar a demolição de construções clandestinas e podem considerar sanado o vício da construção, escreveu Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 104º, pg. 9: "Quando, por isso, é concluído um contrato cujo objecto só pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, o contrato é válido, ainda que não tenha sido dada a aprovação (salvo se desde logo não pudesse contar-se com esta), e, se ela depois não for concedida, o caso é já de impossibilidade superveniente e, consequentemente, não é de nulidade do contrato" O art. 401º, nº 2 preceitua que o negócio é válido se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível. Foi este o caso, como se vê da transcrita cláusula 6ª. Assim, não há, neste momento, impossibilidade legal, nem originária, nem superveniente, do objecto do contrato-promessa, ao contrário do que as instâncias opinaram. A circunstância de a Câmara ter indeferido o pedido de legalização não é mais do que isso; o prédio não está legalizado ainda, mas nada mostra que o não possa vir a estar. Por isso mesmo a Câmara diz, mais tarde, que está em vias de legalização. Não encontra fundamento na factualidade disponível a suposição, feita no acórdão recorrido, no sentido de que a solução para a situação do prédio seria uma nova construção do mesmo em condições legais, que por isso, no seu entender, seria geradora de impossibilidade por implicar, por parte do devedor, um esforço enorme e desproporcionado. Não havendo, pois, impossibilidade legal do objecto, nem havendo impossibilidade física do mesmo - como diz Antunes Varela, obra citada, pg. 829, "É fisicamente impossível ...... a prestação de facto irrealizável (por exceder a capacidade do homem, contrariar a força inelutável da natureza, etc.), bem como a prestação de coisa que não exista, nem possa vir a existir nos termos da obrigação", nem sendo esse objecto contrário à lei ou indeterminável, não é o contrato nulo. Daí resulta a improcedência da acção e a necessidade de, por isso, revogar o acórdão recorrido e a sentença por ele confirmada. Por isso não há que curar da fixação do que aos recorrentes devesse ser restituído, já que falta o pressuposto de qualquer restituição imposta pelo art. 289º - haver um contrato nulo. Quanto ao pedido reconvencional: A sua procedência é pedida na conclusão H). É corrente o entendimento segundo o qual o âmbito objectivo de um recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente formula ao alegar, conclusões estas que servem para sintetizar os fundamentos pelos quais se defende a revogação ou a alteração da decisão recorrida- art. 690º, nº 1 do CPC. A importância deste sistema está em que não há que conhecer, nem das questões versadas no arrazoado que antecede as conclusões mas não estão contidas nestas, nem das que apenas nestas, e não naquele arrazoado, figuram. Sucedeu aqui precisamente esta última hipótese: a referida conclusão H) não tem, no arrazoado que antecedeu as conclusões dos recorrentes, qualquer correspondência. Assim, nunca se poderá, neste acórdão, julgar procedente a reconvenção por se tratar de matéria não integrada na delimitação objectiva do recurso que pelos recorrentes foi feita. Ela, de qualquer modo, não poderia proceder. Tal procedência dependeria da verificação de um não cumprimento do contrato imputável aos promitentes vendedores. Não tendo sido estipulada qualquer data ou prazo para a celebração da escritura prometida, nem se tendo procedido a uma interpelação nesse sentido ou a uma fixação judicial de prazo, não pode falar-se em atraso quanto a esta celebração. Não há também qualquer declaração categórica e séria, por parte dos mesmos promitentes vendedores, de que não cumprirão o contrato- o que poderia ser feito equivaler às outras formas de não cumprimento definitivo-, pelo que também por esta via se não encontra fundamento para que sejam considerados em falta nos termos legalmente exigidos e relevantes para os constituir em responsabilidade contratual. Daí que, a não ter verificação a primeira razão de improcedência já afirmada, sempre o mesmo juízo seria de formular. Nestes termos, concede-se em parte a revista, revogando-se o acórdão recorrido e a por ele confirmada sentença da 1ª instância na parte em que deram procedência à acção, assim se absolvendo os réus, aqui recorrentes, do pedido. E confirmam-se as mesmas decisões das instâncias na parte em que delas resulta a improcedência da reconvenção. Custas, aqui e nas instâncias, a cargo de réus e autores na proporção de 5/7 para aqueles e de 2/7 para estes, mas atendendo-se ao benefício de apoio judiciário concedido àqueles. Lisboa, 14 de Maio de 2002 Ribeiro Coelho, Garcia Marques, Ferreira Ramos. |