Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
356/17.6GACSC-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
ADVERTÊNCIA
TESTEMUNHA
RECUSA
NULIDADE SANÁVEL
PROIBIÇÃO DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PENAL - EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO A PEDIDA DA VÍTIMA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO.
Doutrina:
- António Gama, Luis Lemos Triunfante, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, 2019, p. 139 e 140;
- Cruz Bucho, A recusa de depoimento de familiares do arguido : O privilégio familiar em processo penal, (estudos) do Tribunal da Relação de Guimarães, 2015, p. 163;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, 4.ª edição, Verbo, 2008, p. 168;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, 12.ª Edição, p. 351; Código de Processo Penal, Anotado, 17.ª Edição, Almedina, 2009, p. 369,
- Manuel da Costa Andrade, As proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, reimpressão, 2006, p. 7;
- Manuel Leal-Henriques, Código de Processo Penal,- Anotado, 3.ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2008, p. 957;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, p. 362;
- Paulo Sousa Mendes, As proibições de prova no processo penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, p. 149 e 150, Lições de Direito Processual Penal, Almedina, 2014, p. 190;
- Santos Cabral, Código de Processo Penal, comentado, Almedina, 2014, p. 533.
Legislação Nacional:
- CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - 118.º, 120.º, N.º 3, ALÍNEA D) E 134.º, N.º 1.
- CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 449.º, N.º1, ALÍNEA D) E E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-10-2009, PROCESSO N.º 109/94.8TBEPS-A.S1;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 158/09.3GBAVV-B.S1;
- DE 16-10-2014, PROCESSO N.º 370/08.2TAODM.E1-A.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 182/13.1PAVFX.S1;
- DE 20-06-2018, PROCESSO N.º 1014/11.0PHMTS-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 04-07-2018, PROCESSO N.º 1006/15.0JABRG-D.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 09-11-2016, PROCESSO N.º 313/13.1EAPRT.P1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- 07-03-2018, PROCESSO N.º 94/14.1GBPBL.C1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 05-06-2018, PROCESSO N.º 476/16.4GFSTB.E1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 154/2009, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
- ACÓRDÃO N.º 376/200,
Sumário :
I - Resulta desde logo da literalidade da al. d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, vale dizer, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar, e que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre ajustiça da condenação.
II - Resultando da decisão sobre a matéria de facto revidenda que as comprovadas agressões perpetradas pelos arguidos sobre o menor ocorreram no interior da respectiva residência, designadamente na casa-de-banho, forçoso é considerar que se figura desde logo improvável que o depoimento das testemunhas (pessoas que apenas «conheciam de vista», não sendo «amigos nem familiares», visando unicamente a demonstração «de que os arguidos são bons pais de família e que [tais testemunhas] sempre viram tratar bem o menor, que andava sempre vestido com roupa apropriada e limpa, e tinha um ar muito feliz») agora oferecido possa, relativamente aos concretos factos delitivos, merecer qualquer relevo infirmatório dos factos que sustentaram a condenação dos arguidos.
III - Mesmo concedendo que, da produção dessa prova, pudesse resultar quanto vem afirmado, vale dizer, que as testemunhas sempre viram os arguidos tratar bem o menor e que este se apresentava limpo e feliz, sempre tal materialidade não configuraria suficiente fundamento para sustentar a subsistência de «graves dúvidas sobre a justiça da condenação», como é exigido na al. d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP.
IV - Um «teste de prontidão» (alegadamente comprovativo da dificuldade do menor ofendido, natural da Roménia, em compreender a língua portuguesa), datado de data anterior à da audiência de julgamento, não pode considerar-se que ateste facto novo, pois que, sempre poderia ter sido apresentado em audiência de julgamento, não consentindo a conclusão de que o menor ofendido tenha quaisquer dificuldades na expressão ou na compreensão da língua portuguesa, dificuldades, ademais, que sempre haveriam de ter sido suscitadas (e não foram), designadamente, na audiência.
V - Em vista da ratio da normação contida no art. 134.º do CPP, atentas, à luz do princípio da legalidade prevenido no art. 118.º, do CPP, a relevância e a essencialidade reflectidas pelas consequências das nulidades relativamente às finalidades do processo, e dando ademais por certo que a possibilidade de recusar o depoimento, prevenida no n.º 1 do art. 134.º, do CPP, está relacionada, não com uma pretextada intromissão na vida privada, antes com o facto de as pessoas mais intimamente relacionadas com o arguido não serem obrigadas a um depoimento incriminatório contra o mesmo, não pode deixar de concluir-se que da omissão do dever de advertência da faculdade de recusa a depor por testemunha descendente da arguida não resulta qualquer proibição de valoração, antes se constituindo tal omissão como uma nulidade relativa, sanável, que, de acordo com o disposto no art. 120.º, n.º 3 al. d), do CPP, há-de ser arguida até à conclusão do depoimento em causa, sob pena de sanação.
VI - Do passo em que a nulidade em referência deve ter-se por sanada, seja por não ter sido atempadamente arguida, seja mesmo pelo trânsito em julgado da decisão revidenda, e aceitando que não é função do recurso de revisão, extraordinário, conhecer de erros de julgamento, de facto ou de direito, alegadamente levados na decisão condenatória, piáculos cuja apreciação se inscreve no âmbito do recurso ordinário, não pode também conceder-se a revisão trazida pelos recorrentes no âmbito do disposto na al. e) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nos autos de processo comum em referência, os arguidos, a arguida, AA, e o arguido, BB, foram condenados, em 1.ª instância, pela prática, cada um, de factos consubstanciadores da autoria material, cada um, de um crime de violência doméstica, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 152.º n.os 1 alínea d) e 2, do Código Penal (CP), nas penas, respectivamente, de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na respectiva execução, com regime de prova, e de 2 anos e 10 meses de prisão.

2. Os arguidos interpuseram recurso da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa.

3. No Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Outubro de 2018, os Mm.os Juízes decidiram negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

4. Os arguidos, conjuntamente, interpuseram recurso de revisão daquele acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Extraem da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art.º 29, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, como entendemos, ser o presente, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito, e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

No caso concreto, estamos, salvo melhor entendimento, perante a descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e ainda, perante uma condenação com fundamento em provas proibidas.

Efetivamente, após o trânsito desta decisão condenatória, tendo confidenciado a vários amigos e conhecidos esta decisão, que para os recorrentes é uma ENORME INJUSTIÇA, tiveram a solidariedade de várias pessoas que desconheciam ter estado atentas ao seu comportamento para com o menor, e que, tendo ficado estupefatos e indignados com a decisão judicial de condenar os arguidos a penas de prisão, e no caso do 2.º recorrente, alarmados e assustados com a prisão efetiva, que se dirigiram ao recorrentes mostrando a sua estupefação e indignação face a esta condenação, e se dispuseram a ajudá-los, prestando os depoimentos que fossem necessários no sentido de inverter esta grande injustiça que dizem ter sido cometida, demonstrando que os arguidos são bons pais de família e que sempre viram tratar bem o menor, que andava sempre vestido com roupa apropriada e limpa, e tinha um ar muito feliz.

Foi a notícia da INJUSTIÇA da sentença condenatória, que fez com que estas pessoas se aproximassem dos recorrentes e se disponibilizassem para os ajudar. Pessoas que podem testemunhar que os arguidos tratavam bem o menor, ao contrário do que resultou para o Tribunal recorrido, comprovado.

Testemunhas essas que, não têm agora qualquer dúvida, poderiam ter sido MUITO importantes para a decisão a proferir em 1.ª instância, e que pretendem agora, caso lhes seja permitida a revisão, que sejam ouvidas!

Para além das provas que resultarem desses depoimentos, poderem colocar definitivamente em causa a decisão condenatória, existe uma outra prova que não tendo sido considerada, pode agora ser avaliada em sede de eventual julgamento revisório autorizado, e colocar em causa as provas produzidas durante o inquérito e carreadas para os autos, provas essas que, terão também elas sido consideradas pelo Tribunal para a condenação!”

Referimo-nos a um resultado de “Prontidão” que foi realizado ao menor pela Psicóloga “CC” na junta de Freguesia da residência da família do menor, e que, é demonstrativo das suas dificuldades em expressar-se e em entender a língua portuguesa (cfr. doc. 1)!

Trata-se pois, de uma prova que é suscetível de colocar em causa, parte do que foi considerado para efeitos de fundamentação da decisão condenatória, pelo menos, no plano indiciário, e que, não poderá ser ignorada pelo Tribunal em novo julgamento, caso este seja autorizado!

Estamos pois, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 449 face a novos meios de prova, que segundo a jurisprudência atualmente dominante no STJ, não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador.

Nos termos do disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 449 do CPP, a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, nos termos dos n.os 1 a 3 do art.º 126 do CPP, por a decisão que condenou os arguidos pela prática do crime de violência doméstica se ter baseado essencialmente nas declarações do ofendido, filho da 1.ª recorrente, e enteado do 2.º recorrente.

Acontece que, aquelas declarações não deveriam ter servido de base ao veredicto, dado que antes de as prestar, em audiência de discussão e julgamento, não se procedeu à advertência constante do disposto no art.º 134, n.º 2 do CPP, segundo a qual “a entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento”, integrando-se no n.º 1, al. a) do art.º 134.º do CPP, “1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:

“Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido”.

De resto, por força do disposto no art.º 145.º, n.º 3 do CPP (“A prestação de declarações por descendente fica sujeita ao regime da prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente”). Porque aquela advertência não foi feita, estamos perante uma proibição de prova impedindo a valoração do depoimento prestado, porque aquela omissão constitui a utilização de meios enganosos proibidos perante o disposto no art.º 126, n.os 1 e 2, do CPP.

O que significa que estamos em face de uma prova nula, e com possibilidade de revisão da sentença, por força do disposto no art.º 449, n.º 1, al. e), do CPP.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as Sábios Conselheiros, se dignarão a suprir, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 457 do CPPenal, os arguidos /recorrentes pedem que lhes seja autorizada a revisão, sendo o processo reenviado ao Tribunal de categoria e composição idênticas às do Tribunal que proferiu a decisão a rever, e que se encontrar mais próximo, dando-se assim provimento ao seu recurso, nos termos e para os efeitos do art.° 449, als. d) e e) do n.º 1 CPP, por terem sido descobertos um novos meios de prova, e ter sido demonstrada a utilização de prova proibida pelo Tribunal de 1.ª instância, o que, de per si suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.»

5. O Ministério Público, na instância, respondeu ao recurso, reportando-se, separadamente, a cada um dos arguidos recorrentes.

5.1. No que respeita à arguida AA, extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1.          Nestes autos, por sentença integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado, a recorrente foi condenada pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º1, alínea d) e n.º2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, em que foi vítima o menino DD, de oito anos de idade à data dos factos, seu filho.

2.  Não consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento junta a fls. 392 a 396, que tenha sido efectuada à testemunha DD, filho da recorrente e enteado do arguido, a advertência a que alude o art. 134.º, n.º2 do Código de Processo Penal, pelo que assiste inteira razão à recorrente quando afirma que não foi feita a advertência em causa.

3.  O depoimento da testemunha DD, prestado sem a dita advertência - depoimento que foi valorado pelo tribunal a quo para formar a sua convicção quanto aos factos que deu como provados na sentença -, não constitui a utilização de meios enganosos e proibidos nos termos do disposto no art. 126.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, nem prova nula.

4.  A recorrente e o arguido não assistiram ao depoimento do menino ofendido (foram afastados da sala de audiência- art. 352.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), contudo, foi-lhes relatado, por súmula, o depoimento do menino ofendido e estiveram sempre devidamente assistidos pelo respectivo Defensor, não tendo sido arguida qualquer nulidade até ao encerramento daquele acto, nem posteriormente (art. 120.º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal).

5.  A omissão de tal advertência, prevista no art. 134.º, n.º2 do Código de Processo Penal, constitui uma nulidade que, mesmo a considerar-se como insanável, se mostra sanada com o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos.

6.  A arguição da nulidade, por parte da recorrente, nesta sede, é intempestiva e, como tal, considera-se sanada a alegada nulidade.

7.  A recorrente não podia deixar de saber, já antes do trânsito em julgado da sentença, que as testemunhas que agora indica, viam o modo como tratava o menino ofendido, seu filho, tanto mais que até indicou como sua testemunha de defesa a sua vizinha e senhoria, que veio dizer em julgamento que sempre a viu a tratar bem os filhos.

8.  Há que ter em conta que os factos por cuja prática a recorrente foi condenada foram todos cometidos no interior da residência onde a mesma, o arguido e o menino ofendido residiam, mormente, no interior do quarto de banho, pelo que se nos afigura que as testemunhas ora indicadas não terão conhecimento directo sobre os factos concretos e precisos pelos quais a recorrente foi condenado.

9.  A própria recorrente afirma na sua motivação de recurso que estas testemunhas novas não são seus amigos nem familiares, apenas conhece de vista algumas destas pessoas, pelo que não nos parece que estas novas testemunhas consubstanciem novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem as graves dúvidas sobre a justiça da condenação, que se exige no art. 449.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Penal.

10.          O documento novo que a recorrente pretende que seja, agora, apreciado e valorado, conforme se alcança da leitura do mesmo, está datado de 14-11-2016 pelo há muito tempo que a recorrente poderia tê-lo junto ao processo.

11.    Desse documento, não se extraí que a criança ofendida tinha dificuldades em expressar-se e em entender a língua Portuguesa.

12.  Em sede de julgamento, foi notório que o menino percebia perfeitamente a Língua Portuguesa, expressando-se fluentemente.

13.   O documento ora apresentado não constitui facto novo ou novo meio de prova, nem suscita graves dúvidas acerca da justiça da condenação imposta à recorrente, falando-lhe o carácter de novidade, subjacente ao art. 449.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Penal.

14.  Não constituindo a prova ora indicada pela recorrente, meios de prova novos no sentido exigido pelo citado art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal, não podem eles servir de fundamento à pretendida revisão de sentença que, por isso, não deverá ser admitida.»

5.2. No que respeita ao arguido BB, o Ministério Público respondente extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1.  Nestes autos, por sentença integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º1, alínea d) e n.º2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão efectiva, em que foi vítima o menino DD, de oito anos de idade à data dos factos.

2.  Não consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento junta a fls. 392 a 396, que tenha sido efectuada à testemunha DD, filho da arguida e enteado do recorrente, a advertência a que alude o art. 134.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que assiste inteira razão ao recorrente quando afirma que não foi feita a advertência em causa.

3.  O depoimento da testemunha DD, prestado sem a dita advertência - depoimento que foi valorado pelo tribunal a quo para formar a sua convicção quanto aos factos que deu como provados na sentença -, não constitui a utilização de meios enganosos e proibidos nos termos do disposto no art. 126.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, nem prova nula.

4.  O recorrente e a arguida não assistiram ao depoimento do menino ofendido (foram afastados da sala de audiência- art. 352.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), contudo, foi-lhes relatado, por súmula, o depoimento do menino ofendido e estiveram sempre devidamente assistidos pelo respectivo Defensor, não tendo sido arguida qualquer nulidade até ao encerramento daquele acto, nem posteriormente (art. 120.º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal).

5.  A omissão de tal advertência, prevista no art. 134.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, constitui uma nulidade que, mesmo a considerar-se como insanável, se mostra sanada com o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos.

6.  A arguição da nulidade, por parte do recorrente, nesta sede, é intempestiva e, como tal, considera-se sanada a alegada nulidade.

7.  O recorrente não podia, anteriormente, deixar de saber que as novas testemunhas que agora indica, viam o modo como tratava o menino ofendido, tanto mais que a arguida indicou como sua testemunha de defesa a sua vizinha e senhoria que veio dizer em julgamento que sempre viu o recorrente e a arguida a tratarem bem dos filhos.

8.  Há que ter em conta que os factos por cuja prática o recorrente foi condenado foram todos cometidos no interior da residência onde o recorrente, a arguida e o menino ofendido residiam, mormente, no interior do quarto de banho, pelo que se nos afigura que as testemunhas ora indicadas não terão conhecimento directo sobre os factos concretos e precisos pelos quais o recorrente foi condenado.

9.  O próprio recorrente afirma na sua motivação de recurso que estas testemunhas novas não são seus amigos nem familiares, apenas conhece de vista algumas destas pessoas, pelo que não nos parece que estas novas testemunhas consubstanciem novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem as graves dúvidas sobre a justiça da condenação, que se exige no art. 449.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Penal.

10.  O documento novo que o recorrente pretende que seja, agora, apreciado e valorado, conforme se alcança da leitura do mesmo, está datado de 14-11-2016 pelo há muito tempo que o recorrente poderia tê-lo junto ao processo.

11.   Desse documento, não se extraí que a criança ofendida tinha dificuldades em expressar-se e em entender a língua Portuguesa.

12. Em sede de julgamento, foi notório que o menino percebia perfeitamente a Língua Portuguesa, expressando-se fluentemente.

13.  O documento ora apresentado não constitui facto novo ou novo meio de prova, nem suscita graves dúvidas acerca da justiça da condenação imposta ao recorrente, falando-lhe o carácter de novidade, subjacente ao art. 449.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Penal.

14.  Não constituindo a prova ora indicada pelo recorrente, meios de prova novos no sentido exigido pelo citado art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal, não podem eles servir de fundamento à pretendida revisão de sentença que, por isso, não deverá ser admitida.»

6. A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, por despacho de 23 de Janeiro de 2019, decidiu e informou nos seguintes termos:

«Os arguidos AA e BB vieram interpor recurso extraordinário de revisão, alegando, em suma: (a) a existência de novos meios de prova que combinados com os demais apreciados nos autos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, (b) que provas proibidas – nos termos do artigo 126.º do CPP - serviram de fundamento à condenação.

Fundamentou, assim, o pedido de revisão nas alíneas d) e e) do n.°1, do artigo 449.°, do CPP.

(i) Da produção de prova - artigo 453.º do CPP

Uma vez que o recurso em apreço se fundamenta, parcialmente, na existência de novos meios de prova, importa tomar posição no que concerne à produção de prova efectuar, nos termos e para os efeitos do artigo 453.º do CPP.

Com efeito, segundo este normativo, o juiz procede às diligências que repute imprescindíveis à descoberta da verdade por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral das declarações prestadas. (n.º 1)

Por outro lado, o requerente não pode indicar testemunhas que não tivessem sido ouvidas no processo a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor. (n.º 2)

Uma vez que, nesta sede, a lei apenas admite a produção de prova que seja considerada indispensável para descoberta da verdade, importa necessariamente conjugar o normativo em apreço com o disposto no artigo 340.º do CPP.

In casu, alegam os recorrentes que, após o trânsito em julgado, tomaram conhecimento de novas testemunhas que não foram apreciados no processo e que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

Com efeito, pretendem que sejam inquiridas à matéria dos autos dez testemunhas que nunca foram ouvidas, alegando que “após o trânsito da sentença condenatória, e tendo confidenciado a vários amigos e conhecidos esta decisão, o recorrente e a arguida tiveram a solidariedade de várias pessoas que desconheciam ter estado atentas ao seu comportamento com o menor, tendo tais pessoas ficado estupefactas e indignadas com  condenação e, nessa medida, dispuseram-se a ajudá-lo, a si recorrente, e à arguida, prestando os depoimentos que fossem necessários no sentido de inverter esta grande injustiça”.

Com vista a dar cumprimento ao requisito plasmado no artigo 453.º, n.º 2 CPP, alegam os recorrentes que tais testemunhas só agora são apresentadas por só agora os arguidos terem sido abordados pelas mesmas e que estas pretendem demonstrar que os recorrentes “são bons pais de família e que sempre viram tratar bem o menino, que andava sempre vestido com roupa apropriada e limpa e tinha um ar muito feliz.”

Desde já se adianta que, em face dos fundamentos de recurso e da alegada razão de ciência das referidas testemunhas, considera este tribunal que os seus depoimentos não são indispensáveis para a descoberta da verdade.

Com efeito, e em primeiro lugar - como bem refere o Ministério Público na resposta que antecede – entendemos que não se trata de meios de prova cuja existência os arguidos ignoravam (não são testemunhas novas para o arguido – artigo 453.º, n.º 2 CPP), tanto mais que conheciam os factos, pelos quais vieram a ser condenados, desde da notificação da acusação, pelo que não podiam deixar de saber que as testemunhas que agora indicam alegadamente viam o modo como tratava a vítima, tanto mais que apresentaram uma testemunha de defesa (vizinha) nos mesmos moldes e alegadamente com a mesma razão de ciência.

Em segundo lugar, e uma vez que os factos pelos quais foram condenados ocorreram todos “intramuros” (no interior da residência onde viviam com a vitima), importa concluir que as testemunhas ora arroladas, ainda que venham a ser consideradas novas – nos termos e para os efeitos do artigo 453.º, n.º 2 CPP - não terão conhecimento directo sobre os factos concretos e precisos pelos quais o recorrente foi condenado, tanto mais que, como bem refere o Ministério Público, estas testemunhas novas não são nem amigos nem familiares, pelo que necessariamente não têm conhecimento directo da dinâmica familiar dos arguidos e da vitima.

Pelo exposto e pelos fundamentos supra consignados, entendemos que a prova testemunhal ora arrolada não é “nova”, nos termos e para os efeitos do artigo 453.º, n.º 2 CPP e, ainda que assim se entendesse, não têm (nem é alegado pelos arguidos que tenham) conhecimento directo dos factos em causa nos autos, pelo que, necessariamente, o depoimento das mesmas não é indispensável para descoberta da verdade, nos termos do artigo 453.º, n.º 1 CPP.

Nestes termos, indefere-se a prova testemunhal agora arrolada.

 (ii) Da informação sobre o mérito do pedido - artigo 454.º do CPP

Decorrido que se encontra o prazo de resposta concedido aos restantes intervenientes processuais, cumpre, neste momento e sede processual, prestar a informação prevista pelo artigo 454.º do CPC, a respeito do mérito do recurso interposto.

Conforme supra referido, em sede de recurso extraordinário de revisão alegam os recorrentes, em suma:

(a) a existência de novos meios de prova que combinados com os demais apreciados nos autos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, invocando aqui não apenas as testemunhas ora arroladas mas também o documento a fls. 11 deste apenso (teste de prontidão), datado de 14.11.2016, segundo o qual pretendem demonstrar que a vitima tem dificuldade em expressar-se e em entender a língua Portuguesa:

(b) a existência de provas proibidas – nos termos do artigo 126.º do CPP – que serviram de fundamento à condenação, nomeadamente depoimento da vitima, a testemunha DD, porquanto não lhe advertência a que alude o artigo 134.º do CPP, nem a advertência que, querendo prestar depoimento, estava obrigado a falar com verdade.

(a) Da existência de novos meios de prova:

No que respeita a este fundamento de recurso, e especificamente quanto à prova testemunhal agora arrolada, damos aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos constantes no ponto (i) supra desde despacho, porquanto entendemos que se determinado meio de prova não é indispensável para a descoberta da verdade (artigo 453.º CPP), necessariamente, não é susceptível de levantar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Já no que respeita ao meio de prova documental ora junto (teste de prontidão de fls. 11), e na esteira da posição do Ministério Público vertida na resposta que antecede, entendemos que não se trata de documento “novo”, uma vez que o mesmo está datado de 14-11-2016, pelo há muito tempo que o recorrente o poderia ter junto ao processo.

 Por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que quer na sua inquirição por Magistrada do Ministério Público - no decurso do inquérito - não foi detectado que o mesmo não conhecia ou dominava o português, (auto de fls. 243 a 244), quer na sua inquirição no decurso da audiência de julgamento, foi notório que a vitima dominava a Língua Portuguesa, expressando-se de forma fluente.

Nestes termos, consideramos que nenhum dos meios de prova apresentados constitui facto novo ou novo meio de prova, nem suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação imposta ao recorrente, nos termos do artigo 449.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Penal.

(b) Da existência de provas proibidas:

Efectivamente, o tribunal não olvida que da ata de julgamento (fls. 392 a 396 dos autos principais), não consta que tenha sido efectuada à testemunha DD (na altura com de 9 anos de idade), a advertência a que alude o artigo 134.º, n.º2 do CPP.

Não obstante entendemos que tal omissão não constitui um método proibido de prova, nos termos do artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, uma vez que, apesar de existir a inobservância da referida formalidade legal, da mesma não resulta necessariamente qualquer violação da vida privada.

Assim, consideramos que a omissão de tal advertência prevista no artigo 134.º, n.º 2 do CPP, constitui uma nulidade que, mesmo a considerar-se como insanável, fica sanada com o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos.

No sentido de qualificar tal omissão como uma nulidade sanável, vide Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, 12.ª edição, pág. 351; Ac. STJ de 04.07.2018, processo 1006/15.0JABRG-D.S1, in www.dgsi.pt; Ac da Relação de Coimbra de 07.03.2018, processo 94/14.1GBPBL.C1, in www.dgsi.pt;

Por outro lado, e no sentido de que apenas a testemunha, e já não o arguido, tem legitimidade para invocar o vício da omissão de advertência contida no n.º 2 do art. 134.º do CPP, vide Ac. STJ de 20.06.2018, processo 1014/11.0PHMTS-B.P1.S1, www.dgsi.pt.

In casu, até ao final do julgamento não foi arguida qualquer nulidade, estando os arguidos devidamente representados por advogado no decurso do depoimento da vítima.

Assim, e uma vez que, após recurso interposto pelos arguidos, foi a sentença integralmente confirmada por Ac. da Relação de Lisboa, entendemos que tal nulidade já não poderá ser invocada nem apreciada, nem os recorrentes a invocaram em sede de recurso ordinário.

Assim, e na esteira da posição do Ministério Público vertida na resposta que antecede, consideramos que a arguição desta nulidade, nesta fase, é intempestiva e, como tal, deve considerar-se sanada.

Pelo exposto, não se pode dizer que a decisão de condenação assenta sobre uma prova proibida, carecendo a pretendida revisão de fundamento válido.

Em síntese das razões vindas de aduzir, entende-se dever o presente recurso extraordinário de revisão improceder.»

7. Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, acompanhando a resposta, é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.

8. O objecto do recurso, tal como demarcado pelos recorrentes, reporta-se, no âmbito do disposto no artigo 449.º n.º 1 alíneas d) e e), do Código de Processo Penal (CPP), à subsistência de prova superveniente e a uma condenação suportada por prova proibida, que os arguidos entendem justificar a revisão.

II

9. As instâncias sedimentaram o julgamento sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«Factos provados:

1. Os arguidos são casados entre si e residem, pelo menos desde junho de 2016, na Rua ...;

2. O ofendido DD é filho da arguida AA e nasceu na ... a 7 de dezembro de 2008;

3. O ofendido viveu na ... com os seus avós maternos até junho de 2016, altura em que veio para Portugal, passando a integrar o agregado familiar dos arguidos;

4. Pelo menos desde o início de março de 2017, com periodicidade variável e por diversas vezes, no interior do domicílio comum (nomeadamente na sala e na casa de banho, onde o arguido pedia ao ofendido que se despisse previamente), o arguido BB infligiu maus tratos físicos ao ofendido, agredindo-o em várias partes do corpo, o que fez brandindo um cinto nas costas, barriga, braços e pernas do ofendido, causando-lhe dores e vergões nas zonas atingidas;

5. O que aconteceu, designadamente no dia 29 de março de 2017 e em datas anteriores não apuradas desse mesmo mês de março de 2017, com o conhecimento e sem oposição da arguida AA, mãe do ofendido;

6. No dia 29.03.2017, no interior do domicílio comum, a hora não apurada, a arguida AA, mãe do ofendido, desferiu número não apurado de bofetadas violentas nas duas faces do ofendido, causando-lhe dores e hematomas nas zonas atingidas;

7. Em consequência das condutas dos arguidos, o ofendido sofreu várias equimoses bilaterais na face, incluindo no pavilhão auricular esquerdo, equimoses com 5/6 cm de comprimento, principalmente na região inferior do abdómen, no dorso e coxas, riscas vermelhas paralelas extensas com cerca de 15 cm de comprimento, aos pares, nas coxas e braços, lesões que lhe determinaram 15 (quinze) dias de doença, 11 (onze) dos quais com incapacidade;

8. O ofendido recebeu assistência médica no Hospital de ... no dia 31.03.2017, onde ficou em internamento protetor até ao dia 10.04.2017, data em que foi acolhido na ..., onde ainda se encontra;

9. Em consequência dos factos praticados pelos arguidos, o ofendido sentiu-se desprotegido, humilhado, nervoso e teve medo, sentimentos que ainda manifesta quando recorda os episódios vividos;

10. O ofendido gosta de estar na ... e não tem vontade de voltar a residir com a os arguidos, o que expressa de forma clara e inequívoca;

11. Bem sabiam os arguidos que, agindo como descrito, atingiam a integridade física, magoavam e causavam lesões e dores a DD, então com 8 (oito) anos, o que quiseram e conseguiram;

12. Ao atuar do modo acima descrito, cada um dos arguidos quis maltratar DD, ofendendo-o na sua dignidade pessoal, humilhando-o, amedrontando-o e perturbando-o no seu sentimento de segurança, o que decidiram fazer no interior do domicílio comum e conseguiram, muito embora soubessem que, na qualidade de mãe e padrasto do ofendido, sobre eles impendia um dever acrescido de respeito para com este, bem como de cuidar do seu bem-estar físico e psíquico;

13. Bem sabiam os arguidos que, por força dos seus 8 (oito) anos de idade e da sua dependência emocional e económica, DD não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação dos arguidos, circunstância de que se aproveitaram no sentido descrito;

14. Os arguidos agiram de modo deliberado, livre e consciente, bem sabendo praticarem atos proibidos e punidos por lei;

15. Os arguidos são casados um com o outro e vivem com 2 filhos a cargo (2 anos e 9 meses);

16. A arguida trabalha como empregada de limpeza, auferindo € 580.00 mensais;

17. O arguido trabalha na construção civil e aufere cerca de € 1.000,00 mensais;

18. A arguida não tem antecedentes criminais;

19. O arguido tem os antecedentes criminais que constam do CRC de fls. 389 e seguintes, tendo sido condenado: em 2011, por crime de condução em estado de embriaguez em pena de multa, que pagou; em 2014 e em 2016, por crimes de condução sem habilitação legal em penas de multa, a primeira das quais já paga.”

[…]

“O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e conjugada, ponderada com juízos retirados da experiência comum e critérios de razoabilidade, dos seguintes meios de prova:

- declarações do arguido na parte em que reconheceu a coabitação e o termo dessa mesma coabitação. Negou, contudo, a essência dos factos, o que não convenceu o Tribunal e foi contrariado pela demais prova produzida e que será analisada de seguida. O arguido negou toda e qualquer agressão física ao menor (afirmou não lhe ter batido com um cinto porque não usa cintos), referiu-se a ele como se já fosse um rapaz crescido e que, provavelmente, as lesões (que referiu nunca ter visto ou dado conta) teriam sido feitas na escola ou com colegas, o que, tendo em conta toda a demais prova (nomeadamente fotografias de fls. 17 e 49 e o facto de ter sido claro que o menor, na escola, era pacífico, bem comportado e não se envolvia em brigas) não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal. Foi evidente a falta de verdade que o arguido colocou nas respostas que deu, nomeadamente no que diz respeito ao dia 30.03.2017. Nesse dia (dia anterior à ida do ofendido ao Hospital, levado pela escola, perante as lesões que apresentava na cara, o estado emocional que evidenciava e a pouca abertura da mãe, quando chamada à escola nesse mesmo dia) o ofendido faltou à escola e o arguido afirmou que faltou porque quis e sem que os arguido soubessem ou tivessem autorizado, sendo certo que, produzida a prova, ficou seguro e claro que o menor não foi à escola porque os arguidos não o deixaram ir, para que as marcas que tinha na cara, então ainda mais intensas, não fossem vistas na escola (assim o referiu o menor, de forma lúcida e objetiva). No mais, o arguido mostrou-se sempre distante, frio e sem qualquer ligação aos factos imputados, como se fossem nada, como se não tivessem importância e isto fosse tudo um exagero, não tendo esboçado qualquer emoção ou reação (nem ele nem a arguida) quando o Tribunal lhe comunicou, por súmula o conteúdo do depoimento do menor. Foi igualmente evidente algum ascendente que o arguido tem sobre a arguida, mãe do menor (visível quando se preparava para responder a perguntas que lhe foram feitas a ela);

- declarações da arguida AA, mãe do ofendido, na parte relativa às suas atuais condições de vida, não tendo prestado declarações sobre os factos imputados e mantendo-se imperturbável durante toda a produção de prova;

- depoimento de EE, militar da GNR afeta à Escola Segura, que acompanhou a situação, esteve em contacto com a professora do menor, foi ao Hospital e visualizou as lesões que o menino então apresentava, tudo tendo relatado com objetividade e isenção;

- depoimento de DD, hoje com 9 (nove) anos e que, de forma expressiva, sentida, emocionada e espontânea, tudo relatou ao Tribunal.  Referiu, em suma: que a mãe lhe deu, uma única vez, as bofetadas na cara que o deixaram marcado naquele dia e nos seguintes, tendo sido por causa dessas marcas visíveis que a mãe e o padrasto não quiseram que ele fosse à escola no dia seguinte (30.03.2017), mais tendo dito que isso aconteceu porque ele “não respondia logo”; que o padrasto lhe bateu muitas vezes, em casa (na sala, entre a sala e a cozinha, na casa de banho) com um cinto e que ele (menino) lhe pedia que não lhe batesse, que lhe doía muito e que, muitas vezes, o padrasto ia com ele para a casa de banho, ali lhe pedia que se despisse e que era depois de o menino estar despido que o padrasto lhe batia com um cinto; referiu que a mãe assistia e sabia e não fazia nada, não interferia nem dizia ao padrasto para não fazer aquilo. O menor esteve, ao longo de todo o depoimento, choroso, com os lábios a tremer, nervoso, a mexer e a puxar com força a ponta da camisola que vestia, mas foi seguro, lúcido, claro e isento em tudo o que referiu. Franzino, magro e inteligente, referiu gostar de estar na ... e não querer voltar a viver com os arguidos;

- depoimento de FF, professora do ofendido, que referiu que naquele dia 31.03.2017 o menino chegou à escola a tapar a cara com as mãos e que depois percebeu as lesões que ele tentava esconder, envergonhado, com evidentes marcas de dedos adultos, tendo relatado tudo o que depois fez: conversou com o menino, que se desculpou com uma queda de bicicleta, mas acabou por contar o que tinha acontecido dois dias antes – bofetadas da mãe; ligou para a Escola Segura para se aconselhar, falou com a Coordenadora da escola, chamaram a mãe do menor, reuniram com ela naquele mesmo dia, à hora de almoço (o menor chegou a cruzar-se com a mãe na escola e ficou muito transtornado, segundo referiu) e por ela não ter dado abertura para irem com o menino para o Hospital (parecia querer encerrar ali o assunto, que não era nada de grave), decidiram ir com o menino ao Hospital, onde, depois, ele foi observado e foram tomas as medidas já referidas. Foi segura, isenta (nomeadamente quando referiu que nunca antes tinha suspeitado de nada, uma vez que o ofendido parecia um menino normal, era bem comportado, bom aluno e gostava de ajudar na escola) e objetiva;

- depoimento de GG, auxiliar na escola do ofendido, que relatou as marcas que lhe viu na cara naquele dia e que até o pai de um outro menino chamou a atenção para o estado da cara do ofendido e preocupação com o que lhe teria acontecido. Referiu que o menino, perguntado, disse ter sido de bicicleta e que, quando a testemunha lhe disse que não pareciam ferimentos de uma queda de bicicleta, que ele começou a chorar, aflito. Mais referiu que era um menino calmo e sossegado. Foi clara e objetiva;

- depoimento de HH, coordenadora da escola do ofendido, relatou toda a situação detetada naquele dia, as chamadas de atenção feitas pela professora FF, a reunião com a mãe do ofendido e a ida ao Hospital, que acompanhou. Mais referiu que não suspeitara de nada antes, mas que naquele dia, em face do estado do menino e depois da reunião com a mãe, decidiu atuar e seguir para o Hospital. Ali chegados, presenciou a consulta, a observação do menor e relatou as marcas que no corpo deste viu: marcas em todas as partes do corpo, vários tipos de marca e com colorações diferentes (em diferentes fases de desenvolvimento). Foi espontânea, segura, objetiva e isenta;

- teor de fls. 3 e 4 (auto de notícia), perícia de fls. 15 a 18 e 240 a 241/vº, mail de fls. 27, 28 e 47, fotografias de fls. 17, 48 e 49, informações clínicas de fls. 83 a 141, certidão de fls. 187 a 216 e 266 a 294 (Processo de Promoção e Proteção) e CRC dos arguidos.

Como já se referiu, a arguida não prestou declarações e o arguido negou a factualidade imputada. Contudo, a prova produzida e já referida não deixou ao Tribunal qualquer dúvida sobre a verificação da factualidade dada como provada, pelos motivos expostos. 

A intenção com que os arguidos agiram foi dada como provada a partir de conclusões lógicas retiradas da atuação por eles objetivamente desenvolvida e dada como provada, tendo em conta o homem médio colocado na concreta posição dos agentes, no contexto referido e com os conhecimentos que tinham.

O depoimento da testemunha de defesa II, senhoria dos arguidos e deles vizinha, pouco contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, uma vez que apenas começou a frequentar a casa dos arguidos depois do nascimento do filho mais novo do casal (já depois dos factos em causa).

Os factos dados como não provados tiveram por base a total falta de prova no sentido da sua verificação.»

10. Como acima se deixou editado, o arguido reporta o pedido de revisão do acórdão condenatório à pretextada verificação dos fundamentos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP.

11. Defende, por um lado, a sobreveniência de prova testemunhal e de teste de prontidão (comprovativo da dificuldade do menor ofendido, natural da Roménia, em compreender a língua portuguesa), e defende, por outro lado, a nulidade da prova obtida a partir das declarações do menor (nos termos do disposto nos artigos 145.º n.º 3 e 126.º n.os 1 e 2, do CPP), face à omissão da advertência de que podia recusar-se a depor como testemunha, estabelecida no artigo 134.º n.º 2, do CPP.

12. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 449.º, do CPP (fundamentos e admissibilidade da revisão), a revisão de sentença transitada em julgado é admissível, designadamente, quando (d) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e quando (e) se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º.

13. Resulta desde logo da literalidade da citada alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP, que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, vale dizer, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar, e que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

14. No caso, e no dizer dos próprios recorrentes, a prova testemunhal oferecida, relativa a pessoas que apenas «conheciam de vista», não sendo «amigos nem familiares», por isso que «os recorrentes nunca se haviam apercebido de que elas tinham observado a forma como [os arguidos] se relacionavam com o menor», visa a demonstração «de que os arguidos são bons pais de família e que [tais testemunhas] sempre viram tratar bem o menor, que andava sempre vestido com roupa apropriada e limpa, e tinha um ar muito feliz».

15. Resulta da decisão sobre a matéria de facto, acima transcrita, que as comprovadas agressões perpetradas pelos arguidos sobre o menor ocorreram no interior da respectiva residência, designadamente na casa-de-banho, por isso que se figura desde logo improvável que o depoimento das testemunhas agora oferecido possa, relativamente aos concretos factos delitivos, merecer qualquer relevo infirmatório dos factos que sustentaram a condenação dos arguidos.

16. Por outro lado, mesmo concedendo que, da produção dessa prova, pudesse resultar quanto vem afirmado, vale dizer, que as testemunhas sempre viram os arguidos tratar bem o menor e que este se apresentava limpo e feliz, sempre tal materialidade não configuraria suficiente fundamento para sustentar a subsistência de «graves dúvidas sobre a justiça da condenação», como é exigido na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP.

17. No que respeita o falado «teste de prontidão», que faz documento de fls. 11 deste traslado, há-de conceder-se que não pode considerar-se que ateste facto novo, pois que, datado de 14 de Novembro de 2016, sempre poderia ter sido apresentado em audiência de julgamento, nem consentindo a conclusão de que o menor ofendido tenha quaisquer dificuldades na expressão ou na compreensão da língua portuguesa, dificuldades, ademais, que sempre haveriam de ter sido suscitadas (e não foram), designadamente, na audiência.

18. Improcede, pois, o alegado, no âmbito da revisão suscitada ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP.

19. No âmbito e ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 449.º, do CPP (que admite a revisão «quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º» do CPP), os arguidos defendem, reportando-se ao depoimento do ofendido DD (filho da recorrente e enteado do recorrente, ao tempo dos factos com 8 anos de idade), que consubstancia prova proibida (rectius, método proibido de prova), nos termos do artigo 126.º n.ºs 1 e 2, do CPP.

20. E assim, no entender dos recorrentes, na medida em que, na audiência de julgamento, o menor não foi advertido, nos termos prevenidos no artigo 134.º n.º 2, do CPP, de que podia recusar-se a depor, vindo a prestar depoimento que fundou a decisão positiva sobre a matéria de facto concernente à culpabilidade dos arguidos.

21. A questão de facto que subjaz ao alegado tem-se por verificada, seja na medida em que não consta da acta da audiência de julgamento levada na instância (fls. 392-396) que o ofendido haja sido advertido de que podia recusar o seu depoimento, nos termos do citado artigo 134.º, do CPP, seja do passo em que tal depoimento foi decisivo para o julgamento, como provados, dos factos relativos à culpabilidade dos arguidos.

22. Importa, antes de tudo, sublinhar, com o acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 154/2009 (disponível, como outro, citando, em www.tribunalconstitucional.pt):

«(…) a possibilidade de recusa a prestar depoimento por parte dos familiares, cônjuge e afins do arguido (bem como por parte do ex-cônjuge de quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação), tem o propósito imediato de evitar situações em que tais pessoas sejam postas perante a alternativa de mentir ou, dizendo a verdade, contribuírem para a condenação do seu familiar. Entendeu aqui a lei que o interesse público da descoberta da verdade no processo penal deveria ceder face ao interesse da testemunha em não ser constrangida a prestar declarações. Mas, além de pretender poupar a testemunha ao conflito de consciência que resultaria de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um arguido com quem tem parentesco ou afinidade próximos, o legislador quer proteger as “relações de confiança, essenciais à instituição familiar.

(…) a razão de ser da norma é, não só a de obstar ao conflito de consciência que resultaria para a testemunha de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um seu familiar ou afim, mas também e sobretudo proteger as relações de confiança e solidariedade, essenciais à instituição familiar – verdadeiramente, é esta a sua raiz última.

(…) o fundamento último da legitimidade da recusa a depor por parte das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 134.º do CPP situa-se no interesse da família enquanto elemento fundamental da sociedade e espaço de desenvolvimento da personalidade dos seus membros (n.º1 do artigo 67.º da CRP), cuja importância supera o interesse da punição dos culpados. A possibilidade de um familiar próximo vir a ser constrangido a testemunhar contra outro perturba a confiança, fundada no afecto ou nas projecções sociais sobre o afecto devido, que é o cimento da coesão desse elemento básico da sociedade. Por este ângulo, o que a regra do n.º 1 do artigo 134.º protege, em última linha, é a confiança e a espontaneidade inerentes à relação familiar, prevenindo (enquanto desenho do sistema jurídico relativo a esse ambiente privilegiado no qual as relações e as trocas de informação se devem desenvolver sem receio de aproveitamento por terceiros ou pelo Estado) e evitando (quando, perante um concreto processo, o risco passa de potencial a actual) que sejam perturbadas pela possibilidade de o conhecimento de factos que essa relação facilita ou privilegia vir a ser aproveitado contra um dos membros. E visa também – aliás, é essa a sua justificação de primeira linha – poupar a testemunha ao angustioso conflito entre responder com verdade e com isso contribuir para a condenação do arguido, ou faltar à verdade e, além de violentar a sua consciência, poder incorrer nas sanções correspondentes. Trata-se de uma forma de protecção dos escrúpulos de consciência e das vinculações sócio-afectivas respeitantes à vida familiar que encontra apoio no n.º 1 do artigo 67.º da Constituição e que outorga ao indivíduo uma faculdade que se compreende no direito (geral) ao desenvolvimento da personalidade, também consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, enquanto materialização do postulado básico da dignidade da pessoa humana (…)».

23. Será de considerar, como consideram os recorrentes, que o depoimento do menor, filho da arguida e enteado do arguido, levado sem a prévia advertência da faculdade de recusa a depor, configura a utilização de método proibido de prova ou constitua nulidade, e nulidade perene (no sentido de poder ser conhecida nesta instância recursiva de revisão, desconsiderando o caso julgado formado pela decisão revidenda)?

24. Uma resposta positiva a tal equação virá de Paulo Pinto de Albuquerque (em «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora, 2007, pág. 362, § 7 da anotação ao artigo 134.º, do CPP):

«Os parentes e afins do arguido têm o direito a ser advertidos do direito à recusa. A omissão da advertência é uma nulidade. Esta nulidade consubstancia uma verdadeira proibição de prova resultante da intromissão na vida privada [cita, em abono, Manuel da Costa Andrade, em «As proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra Editora, reimpressão, 2006, pág. 77 – que se reporta ao pensamento de Gössel, no sentido de que «uma consideração mais realista» obriga a concluir que estes «preceitos legais (artigos 132.º n.º 2 e 134.º, do CPP) só podem ser vistos como preordenados a evitar, no interesse da verdade, depoimentos marcados pelo conflito»]. A violação desta proibição tem o efeito da nulidade das provas obtidas, salvo consentimento do titular do direito, isto é, da testemunha que prestou depoimento (artigo 126.º, n.º 3, do CPP).»

25. Já a resposta negativa vem, reiteradamente, com apelo, pelo menos implícito, ao disposto no artigo 118.º, do CPP.

Assim, Maia Gonçalves (em «Código de Processo Penal» - Anotado, 17.ª edição, Almedina, 2009, pág. 369, § 5 da anotação ao mesmo artigo 134.º, do CPP):

«Particular atenção merece o preceito do n.º 2. A nulidade é sanável e deve ser arguida antes que o depoimento esteja terminado (art. 120.º n.º 3, a))».

Assim também Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (em «Código de Processo Penal» - Anotado, 3.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2008, pág. 957, em anotação ao artigo 134.º, do CPP:

«Se a entidade competente não fizer essa advertência o depoimento é nulo, ficando sujeito ao regime das disposições combinadas dos arts. 120.º e 121.º.

Isto é: a nulidade daí decorrente, porque não incluída no elenco configurado pelo art. 119.º (que arrola as nulidades insanáveis) nem consta, como tal, de qualquer outra norma da lei, assume a natureza de nulidade relativa ou sanável, por isso dependente de arguição e em momento determinado (até à conclusão do depoimento, de acordo com o estatuído na al. a) do n.º 3, do art. 120.º).»

Na mesma linha, Santos Cabral (em «Código de Processo Penal» - Comentado, Almedina, 2014, pág. 533, § 6 da anotação ao artigo 134.º, do CPP, precedendo citação destes AA):

«Este último parece ser, em nosso entender, o melhor entendimento pois que, sendo certo que inexiste uma observância de formalidade legal, da mesma não resulta qualquer violação da vida privada.

A nulidade resultante da proibição do n.º 2 do artigo 126.º tem de ser aferida em relação a uma violação directa. Referindo o n.º 2 do normativo ora em análise a nulidade do depoimento tal nulidade só pode referir-se à prevista no artigo 118.º, do Código de Processo Penal.»

No mesmo sentido, ainda, Paulo Sousa Mendes (em «As proibições de prova no processo penal», nas «Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais», Almedina, 2004, pp. 149/150, e em «Lições de Direito Processual Penal», Almedina, 2014, pág. 190), Germano Marques da Silva (em «Curso de Processo Penal», Vol. II, 4.ª edição, Verbo, 2008, pág. 168), Cruz Bucho (em «A recusa de depoimento de familiares do arguido: O privilégio familiar em processo penal», no sítio (estudos) do Tribunal da Relação de Guimarães, 2015, pág. 163, e António Gama/Luis Lemos Triunfante (em «Comentário Judiciário do Código de Processo Penal», Tomo II, Almedina, 2019, pp. 139/140).

26. Na jurisprudência mais recente e impressiva (disponível em www.dgsi.pt), vejam-se, também neste sentido (para além dos arestos citados nas respostas ao recurso):

- o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 182/13.1PAVFX.S1):

«I - O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

II - O recorrente invoca que a decisão que o condenou pela prática do crime de violência doméstica se baseou nas declarações da assistente, que com ele viveu em condições análogas às dos cônjuges. Porém, aquelas declarações não deveriam ter servido de base ao veredicto, dado que antes de as prestar, em audiência de discussão e julgamento, não se procedeu à advertência constante do disposto no art. 134.º, n.º 2, do CPP. Entende ainda que o disposto neste art. 134.º, do CPP, é aplicável ao assistente, por força do disposto no art. 145.º, n.º 3, do CPP.

III ­ Porque aquela advertência não foi feita, entende o recorrente que estamos perante uma proibição de prova impedindo a valoração do depoimento prestado, porque aquela omissão constitui a utilização de meios enganosos proibidos perante o disposto no art. 126.º, n.ºs 1 e 2, do CPP; estamos, pois, para o recorrente, perante uma prova nula, e com possibilidade de revisão da sentença, por força do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.

IV - Entendemos que também o assistente quando presta declarações contra arguido com quem tenha vivido em condições análogas às dos cônjuges deve gozar da advertência concedida pelo disposto no art. 134.º, n.º 2, do CPP. E, como bem se sabe, a falta de advertência torna o depoimento nulo, por força do mesmo dispositivo.

V - Considerando que o que está em causa é a proteção de um direito à reserva da vida privada e familiar, facilmente acabamos por subsumir o caso no âmbito do art. 126.º, n.º 3, do CPP; e considerar que estamos perante um método proibido de prova a impor a nulidade. Todavia, enquanto que as provas obtidas mediante tortura, coação, ou em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas (art. 126.º, n.º 1 e 2, do CPP) são nulas, tratando-se de uma nulidade insanável a invalidar o ato e os subsequentes (de acordo com o disposto no art. 122.º, do CPP), as provas obtidas sem consentimento e com intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, são nulas, todavia constitui uma nulidade sanável.

VI - Ora, no caso, o consentimento a ser dado seria pela assistente e não pelo arguido. É a assistente que pode sanar a nulidade consentindo ex post. Ainda que nada tenha dito aquando do julgamento em 1.ª instância, nunca se opôs à utilização daquele depoimento para fundamentar a decisão de condenação quando houve recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Pelo que consideramos que se houvesse alguma dúvida quanto a uma possível nulidade esta está sanada, dado que em momento algum a assistente pretendeu arguir a sua nulidade (caso em que teria que cumprir o disposto nos arts. 120.º e 121.º, do CPP). Assim sendo, não podemos dizer que a decisão de condenação assenta sobre uma prova proibida, dado que a nulidade foi sanada.

VII - Ainda que a partir de uma certa perspetiva pudéssemos entender como sendo admissível o recurso de revisão (o que, no entanto, nos levaria necessariamente, por força do disposto no art. 204.º, da Constituição da República Portuguesa, a uma análise jurídico-constitucional, quanto à sua admissibilidade, a partir de uma valoração dos interesses em conflito), não estamos, como vimos, perante um caso em que a sentença se tenha fundamentado em prova proibida, pelo que não será admissível a revisão.»

- o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Julho de 2018 (processo 1006/15.0JABRG-D.S1):

«VI - A ofendida/assistente não foi efetivamente “advertida” de que poderia recusar o depoimento, como deveria tê-lo sido, por força daquelas disposições legais, dado que era ainda ao tempo do julgamento mulher do arguido. E também é certo que ela prestou depoimento na audiência de julgamento. Será que esse depoimento está inquinado por proibição de prova?

VII - Há efetivamente quem considere que esta nulidade consubstancia, não uma mera nulidade, mas uma verdadeira proibição de prova, por intromissão na vida privada. O direito de recusa de depoimento teria assim também uma vertente de proteção da vida privada.

VIII - Mas esta posição é insustentável. Para haver “intromissão” na vida privada da testemunha teria que haver uma qualquer ação do tribunal violadora desse bem jurídico. Ora, o que se passa afinal é da omissão de uma formalidade, não resultando dela diretamente nenhuma violação da vida privada da testemunha.

IX - O incumprimento do dever de advertência previsto no nº 2 do art. 134º do CPP tem apenas como consequência a nulidade do ato, como a própria lei indica (“sob pena de nulidade”), uma nulidade que é sanável, pois que não consta do catálogo taxativo das nulidades insanáveis do art. 119º do CPP. Como nulidade sanável, ela fica sanada, se o interessado não a arguir até ao final do ato, ou seja, da prestação do depoimento (art. 120º, nº 3, a), do CPP).

X - Quem é o “interessado” na situação em referência? Qual a razão de ser do direito à recusa da prestação de depoimento? Esse direito visa essencialmente proteger a testemunha confrontada com o conflito de consciência entre o dever de falar com verdade, enquanto testemunha, e o dever ético de fidelidade aos seus familiares mais próximos, visa pois poupá-la a escolher entre mentir, para defender o familiar, e dizer a verdade, expondo esse familiar.       

XI - Assim, tem legitimidade para arguir a nulidade exclusivamente a própria testemunha, nunca o arguido do processo. Assim sendo, só a ofendida/assistente, no caso dos autos, pode ser entendida como “interessada”. Consequentemente, só ela poderia arguir a nulidade, até ao final do depoimento, o que não fez. Logo, a nulidade derivada da omissão da advertência referida ficou sanada nesse ato.

XII - Por outro lado, é manifesto que também não houve perturbação da liberdade da ofendida. Isso só poderia acontecer se o tribunal a tivesse obrigado a prestar depoimento contra a sua vontade. Ora, ela falou espontaneamente e de livre vontade, em coerência com a atitude que assumiu desde o início do processo, que foi desencadeado por sua iniciativa, tendo-se inclusivamente constituído como assistente nos autos, com isso demonstrando inequivocamente o seu interesse em acompanhar e colaborar com o Ministério Público na investigação, no exercício da ação penal e nas posteriores fases do processo, com vista ao sancionamento da conduta do arguido.

XIII - Seria, pois, absurdo considerar que o seu depoimento foi “extorquido” ou sequer “estimulado” pelo tribunal, pois isso estaria em frontal contradição com a atitude assumida desde o início do processo pela ofendida.»

- ainda os acórdãos, do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de Novembro de 2016 (processo 313/13.1EAPRT.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Março de 2018 (processo 94/14.1GBPBL.C1) e, do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de Junho de 2018 (processo 476/16.4GFSTB.E1).

27. Em vista da apontada ratio da normação contida no artigo 134.º do CPP, atentas, à luz do princípio da legalidade prevenido no artigo 118.º, do CPP, a relevância e a essencialidade reflectidas pelas consequências das nulidades relativamente às finalidades do processo, e dando ademais por certo que a possibilidade de recusar o depoimento, prevenida no n.º 1 do artigo 134.º, do CPP, está relacionada, não com uma pretextada intromissão na vida privada, antes com o facto de as pessoas mais intimamente relacionadas com o arguido não serem obrigadas a um depoimento incriminatório contra o mesmo, não pode deixar de concluir-se que da omissão do dever de advertência não resulta qualquer proibição de valoração, antes se constituindo tal omissão como uma nulidade relativa, sanável, que, de acordo com o disposto no artigo 120.º n.º 3 alínea d), do CPP, há-de ser arguida até à conclusão do depoimento em causa, sob pena de sanação.

28. Acresce salientar, com o acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 2014 (processo 370/08.2TAODM.E1-A.S1), que «só se pode considerar verificada a situação da alínea e) do nº 1 do artº 449º se a “descoberta” de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas (...) tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória. Na verdade, só se pode dizer que foi “descoberta” uma situação com relevo para a decisão de condenar ou absolver se ela era ou também era desconhecida do tribunal que proferiu a decisão. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação, mas fez dela um incorrecto ajuizamento, o que houve foi um erro de julgamento, para cuja correcção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis».

29. Ali se referenciam, em abono, os acórdãos, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Outubro de 2009 (processo109/94.8TBEPS-A.S1) e de 14 de Março de 2013 (processo 158/09.3GBAVV-B.S1), bem como o acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 376/200, este no sentido de que «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores, sendo que “no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias».

30. Assim, do passo em que a nulidade em referência deve ter-se por sanada, seja por não ter sido atempadamente arguida, seja mesmo pelo trânsito em julgado da decisão revidenda, e aceitando que não é função do recurso de revisão, extraordinário, conhecer de erros de julgamento, de facto ou de direito, alegadamente levados na decisão condenatória, piáculos cuja apreciação se inscreve no âmbito do recurso ordinário, não pode também conceder-se a revisão trazida pelos recorrentes no âmbito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP.

31. Termos em que o recurso não pode lograr provimento.

32. O decaimento total no recurso impõe a condenação dos recorrentes em custas, com a taxa de justiça (individual) fixada nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º e 514.º, do CPP e no artigo 8.º n.º 9 e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.

III

33. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

(a) negar o pedido de revisão do acórdão em referência; 

(b) condenar os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça (individual) em 3 (três) unidades de conta.

Lisboa, 21 de Março de 2019

Clemente Lima (Relator)

Isabel São Marcos