Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MOREIRA ALVES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL PARTES COMUNS DEFEITOS DENÚNCIA PRAZO DE CADUCIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/14/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL. | ||
Doutrina: | - Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3.ª edição. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 323.º, 916.º, 917.º, 1225.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 5/3/2013, PROC. N 085875. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - O regime estabelecido no art. 1225.º do CC confere ao adquirente de imóvel destinado a longa duração o direito de exigir ao vendedor/construtor a eliminação dos defeitos ou a indemnização pelo prejuízo decorrente do vício de construção. II - O conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal, relevando, não tanto o desenvolvimento material da actividade de construção, mas sim o domínio profissional da construção do imóvel. III - Só com esta amplitude conferida ao conceito de vendedor/construtor se torna eficaz a protecção do consumidor/adquirente do imóvel, que o DL n.º 267/94, de 25-10, lhe quis proporcionar com as alterações que introduziu no art. 1225.º do CC. IV - O art. 1225.º do CC contempla três prazos de caducidade: (i) o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente; (ii) o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia; e (iii) o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização. V - Se o defeito apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio, após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da acção. VI - Se, ao contrário, o defeito apenas se tornar conhecido no período final do prazo de garantia, mas antes deste se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de acção. VII - No entanto, a denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a acção no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a acção funcionará como denúncia. VIII - Quando estamos na presença de um prédio constituído em propriedade horizontal e os defeitos invocados se referem às partes comuns do edifício, a entrega do imóvel ao adquirente, para o efeito da contagem do prazo de garantia, deve ter-se por efectuada quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por acção dos condóminos. XIX - A denúncia dos defeitos da obra, para efeitos do disposto no art. 1225.º do CC, tem a natureza de uma declaração receptícia, que só produz os seus efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento do destinatário dentro do prazo a que está sujeito. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Relatório * No Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, a ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NO LARGO DA IGREJA, Nº ...., intentou a presente acção declarativa da condenação, com processo ordinário, contra 1- AA, 2- BB, 3- CC e 4- DD Alegando, em síntese, o seguinte: • Os 1º a 3º réus constituíram entre si, por escritura pública, a sociedade denominada "EE - Construções, Lda., tendo por objecto social a construção civil, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esses fins; • Por escritura pública de 25-09-1998, os 1º a 3º réus, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade EE - Construções, Lda., adquiriram por permuta para a sociedade o prédio urbano composto por lote de terreno para construção, para ser construído um edifício destinado a habitação e comércio, tendo FF e mulher GG recebido em troca uma fracção autónoma a constituir após a conclusão da dita construção; • A EE - Construção, Lda. construiu o prédio urbano sito no Largo da ..., freguesia e concelho da Lourinhã, o qual foi constituído em regime de propriedade horizontal; • A construção do prédio ficou concluída em 25-08-2000; • A construção do referido prédio decorreu sob a responsabilidade técnica do 4º réu; • A sociedade EE - Construções, Lda. procedeu à comercialização de todas as fracções do prédio; • No ano de 2002 venderam-se as quatro últimas fracções; • Por escritura de 17-12-2002, os 1º a 3º réus dissolveram a sociedade EE - Construções, Lda., muito antes de se esgotar o prazo da garantia (5 anos), agindo com dolo, com o propósito de enganar os adquirentes das fracções. • Os 1º a 3º réus não comunicaram a dissolução da sociedade aos proprietários das fracções autónomas, quer à autora; • Os condóminos do prédio elegeram uma primeira administração do condomínio em 13-09-2003; • Por notificação judicial avulsa, requerida pela A. em 10 de Maio de 2006, os réus foram notificados pessoalmente em 29-05-2006, 16-06-2006, 07-06-2006 e 08-06-2006, respectivamente, que a autora procedia à denúncia das anomalias/defeitos existentes nas partes comuns do prédio para que procedessem imediatamente à reparação/eliminação dessas anomalias/defeitos de acordo com relatório junto com a notificação; • As partes comuns do prédio apresentam anomalias estruturais e anomalias não estruturais, descritas no Relatório Preliminar, elaborado pela empresa “HH – Diagnóstico, Levantamento e Controlo da Qualidade em Estruturas e Fundação, Ld.ª”, datado de Março de 2006 e junto com as referidas notificações judiciais avulsas. Concluiu pedindo sejam os réus condenados a: 1) Proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, imediatamente, a expensas suas, à reparação/eliminação das anomalias/defeitos assinalados de acordo com a metodologia (estratégia) de intervenção definitiva do relatório/estudo junto; 2) A proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos mencionados; 3) Não procedendo ou não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar a reparação/eliminação dessas mesmas anomalias/defeitos, remetendo a fixação do montante da indemnização para execução de sentença; 4) Não procedendo/não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar os trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos antes referidos. A autora formulou, ainda, outros pedidos alternativos, (alíneas E,F,G,H e I, que aqui se dão por reproduzidos). * Citados regularmente, os réus contestaram. Na contestação dos 1º a 3º réus foram invocadas a excepção de ilegitimidade passiva e a excepção de caducidade, para o que se alegou, em suma: • Os defeitos eram do conhecimento da autora muito antes da notificação judicial avulsa e já haviam sido denunciados anteriormente; • Na interpelação feita em 10-09-2004, a administração do condomínio interpelava para os arranjos das anomalias exteriores do prédio e enunciava que eram causa directa dos problemas verificados nos interiores das fracções, que nessa data já estavam arranjadas; • Em cartas recebidas pelos 1º e 2º réus, enviadas pelo condómino II, em 27 e 25 de Novembro de 2003, já o mesmo denunciava as fissuras na parede exterior do prédio, pelo que tais defeitos tendo já sido denunciados ao 1º e 2º réus encontra-se o exercício desse direito há muito caducado; • A autora e todos os condóminos tiveram conhecimento dos defeitos desde o ano de 2003 e 2004; • Em 10-09-2004, por carta registada com aviso de recepção, a autora notificou a sociedade empreiteira da obra para até 30-09-2004 indicar a previsão da execução das obras ao nível dos defeitos exteriores do prédio, que eram origem de infiltrações; • A fracção "Q" foi entregue ao proprietário antes da obra estar dada como finda, de acordo com carta de 20-10-1999; • As fracções "M", "F" e "G" foram entregues a título pessoal aos 1º, 2° e 3º réus. • Por isso, o prazo de garantia de cinco anos expirou e o mesmo não coincide com a celebração da escritura. • Toda e qualquer anomalia de obra da responsabilidade dos réus, foi arranjada. Concluíram pela improcedência da acção. * O 4º réu invocou a excepção de ilegitimidade passiva e de caducidade, para o que alegou, em suma: A última fracção foi recepcionada no início do ano de 2001 (fracção "H"); As quatro últimas fracções foram entregues antes da obra estar formalmente concluída; Rejeita qualquer responsabilidade por defeitos no prédio. Concluiu pela improcedência da acção. * Na réplica, a autora defendeu a improcedência das excepções invocadas pelos réus, visto que, havendo dolo dos RR, o direito à eliminação dos defeitos, fica sujeito ao prazo de prescrição ordinária. Alegaram ainda que a invocação da excepção de caducidade é ilegítima por se traduzir em abuso de direito. * Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a excepção de caducidade da presente acção, absolvendo os réus do pedido. * * Inconformada, recorreu a A. para o tribunal da Relação de Lisboa. * Apreciada apelação, o Tribunal de recurso julgou-a improcedente, confirmando a decisão recorrida. * Novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista e para este S.T.J.. * * * * Conclusões * Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente os seguintes conclusões: * “1º - Vem o presente recurso do acórdão proferido a 07/02/2013 que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida proferida a 24/02/2010 que julgou procedente a excepção da caducidade da acção, absolvendo os RR. (ora recorridos) do pedido. Vejamos Então: 2º- O papel a desempenhar pela jurisprudência será o de fazer uma adequada leitura dos textos normativos com interpretações idóneas a satisfazer as exigências da vida social. 3º - Os Tribunais devem desprender-se de preocupações conceitualistas e visões sociais obsoletas que conduzam a decisões que a consciência social não compreende nem aceita. Ora, não pode esquecer-se que os tribunais se legitimam na vontade popular e em nome dela administram a justiça. 4º - O Estado nos tempos de hoje não regula apenas a convivência pacífica entre todos os cidadãos. Preocupa-se em actuar a justiça social (artigo 2° da C.R.P.) 5º - Aliás, basta ter presente a alteração legislativa preconizada pelo D. L. n° 84/2008, de 21 de Maio, em que no seu preâmbulo pode ler-se: «O Decreto-Lei n° 67/2003, de 8 de Abril, transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n° 1944/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. 6º - Decorridos cinco anos sobre a entrada em vigor daquele decreto-lei considera-se necessário introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma/revelou.» 7º - Os condóminos do prédio urbano identificado no artigo 3º da p.i. elegeram uma primeira administração do condomínio em 13/09/2003, considerando-se assim esta a data da entrega das partes comuns do imóvel e a partir da qual se conta o prazo de garantia de 5 anos. 8º - Os RR. promoveram e executaram a dissolução e liquidação da sociedade construtora e vendedora antes mesmo de iniciado esse prazo de garantia de cinco anos quanto às partes comuns e muito antes (anos antes) de ter terminado esse prazo de garantia quanto às próprias fracções autónomas - 9º - pois no que concerne à primeira das fracções a ser vendida (a fracção "P") terminaria 08/01/2006 e 10° - no que concerne à antepenúltima em 13/11/2007 (fracção "Q") e às duas últimas em 10/12/2007 (fracções "F" e "G"). 11° - Na decisão proferida pelo M.J. de primeira instância não foi equacionada a problemática em discussão nos autos e que inequívoca e claramente é causa de pedir na presente acção e que diz respeito "à dissolução, partilha e liquidação da sociedade construtora-vendedora" e ao "dolo". Estes são elementos essenciais dos direitos invocados pela A. na acção, pelo que, integrando os factos a esse respeito, alegados pela A. a noção de dolo dos RR. (artigo 253° do Código Civil e 483° do C.P.C. - vid. nomeadamente artigos 35° e seguintes da petição inicial) e sendo as normas controvertidas nesta fase do processo, nunca poderia o despacho recorrido ter julgado procedente a excepção com fundamento na extemporaneidade da propositura da acção (o prazo seria de 20 anos) ou da denúncia dos defeitos (o que a A. estava dispensada de fazer). 12° - Em caso de dolo, o comprador está dispensado de denunciar os defeitos e o exercício do seu direito está sujeito às regras gerais da prescrição e por isso ao prazo de 20 anos (ver artigos 298°, n° 1 e 309° ambos do Código Civil e "C.C. Anotado dos Profs. Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 916° do Código Civil). 13° - Sendo profissionais da área, tinham e têm por obrigação construir e construir bem, devendo assim ser mais responsabilizados pelos defeitos da obra. 14° - O vendedor e sobretudo o vendedor profissional (como é o caso dos autos) tem a obrigação de vender bem e, perante ele, o comprador encontra-se mais exposto do que o dono da obra perante o empreiteiro pois, como observa Dr. Moutinho de Almeida, o segundo tem a vantagem de poder fiscalizar a execução da obra (artigo 1209° do Código Civil). 15° - O M. J. de primeira instância também não se pronunciou sobre o INSTITUTO DO ABUSO DE DIREITO oportuna e tempestivamente invocado pela A. (ora recorrente) e nessa sequência o Tribunal da Relação considerou verificar-se a nulidade de sentença e conheceu o invocado abuso de direito. No entanto, 16° - entendeu que «No caso, os recorridos apenas reconhecem terem existido defeitos e que os repararam, mas o seu comportamento ao longo destes anos e que se encontra alegada nos autos em nada permitem concluir por uma conduta redutível ao abuso de direito nos termos supra explanados» 17° - Os 1° e 3° RR. e face ao alegado no artigo 41° da contestação que apresentaram, actuando como ainda sócios e gerentes se tratassem da "EE - Construções, Lda.", apesar da mesma já há muito por eles e por comum acordo, ter sido dissolvida, liquidada e partilhada em 17/12/2002, com a respectiva inscrição que fizeram na Conservatória do Registo Comercial da Lourinhã em 16/01/2003, procederam à reparação dos defeitos/anomalias que haviam anteriormente sido denunciados, fizeram essa reparação dos defeitos/anomalias, inclusivamente na parte exterior no edifício, conforme se pode constatar aliás das diferenças de cor existentes no exterior do edifício, resultante aliás dos materiais que foram aplicados. 18° - Isto que se acabou de mencionar também serve relativamente ao vertido no artigo 41° da contestação do 3º R., pois essas ditas anomalias/defeitos foram reparadas. 19° - Os 1º a 3º RR. reconheceram a existência de defeitos/vícios de construção e assumiram a responsabilidade pela sua reparação. 20° - Sucede, porém, que decorrente quer seja da deficiente e/ou má reparação das anomalias/defeitos e por conseguinte do seu reinício e agravamento quer seja também do aparecimento/surgimento de novas anomalias/defeitos, a verdade é que a realidade detectada é a constante no relatório junto aos autos pela A. (doc. 13 junto aos autos com a P.I. e que constituiu fls. 83 e seguintes dos autos) 21° - Razão pela qual há "venire contra factum proprium" quando os 1º a 3º RR. aceitam perante a A. e os condóminos do prédio a existência de defeitos/vícios de construção, 22° - inclusivamente tendo assumido anteriormente a responsabilidade pela sua reparação e depois na acção proposta pela A. invocam a caducidade da garantia. 23° - Com efeito, sempre a invocação da excepção pelos RR., na contestação, se traduz num "venire contra factum proprium", que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e, como tal, integra abuso de direito (artigo 334° do Código Civil). 24° - Daí que essa invocação seja ilegítima, logo inatendível, e que também conduziria à improcedência da excepção. 25° - Foram assim violadas as seguintes normas: - artigos 253°; 298°, n° 1 e 309°; 916°, n° 1 parte final; 334°; 483° e 1225° todos do Código Civil. 26° - Termos em que o acórdão recorrido, deve ser substituído por outro em conformidade com o atrás exposto, por assim ser de INTEIRA JUSTIÇA”. Os Factos * Como se vê dos autos, não foi produzida prova, de modo que alguns dos factos alegados se encontram controvertidos. Todavia, a factualidade não provada, não interfere na apreciação que vamos fazer do acórdão recorrido ou do saneador-sentença que confirmou, na medida em que não se ultrapassará o enquadramento factual ali tido em consideração, e também porque a solução das questões suscitadas passa essencialmente pela aplicação do direito. * * * * Fundamentação * Ao que resulta das conclusões, parece poder concluir-se que o que a recorrente põe em causa é a verificação da excepção de caducidade que as instâncias tiveram por procedente, quer porque a data a partir da qual se conta o prazo de garantia de 5 anos, deve ser a de 13/9/2003, altura em que foi eleita a 1ª administração do condomínio, quer porque, tendo os RR agido com dolo, estava a A. dispensada de denunciar os defeitos, podendo exercer o seu direito no prazo da prescrição ordinária (20 anos), quer ainda porque a invocação da excepção da caducidade se traduz, no caso, num “ venire contra factum proprium ” (abuso de direito). * Enquadrando a questão nos seus devidos parâmetros, verifica-se que a decisão da 1ª instância, aceitando que é controvertida a factualidade respeitante ao conhecimento dos defeitos da obra, assentou a sua argumentação na circunstância de poder ter como certa uma determinada data, alegada pela própria A., sendo que, com base nela, a excepção não podia deixar de proceder, independentemente de anteriormente a A. ter tido ou não conhecimento dos defeitos que invoca e quer ver eliminados. Teve então por inquestionável que “…pelo menos desde o dia 10 de maio de 2006 a A. conhecia os defeitos e, pelo menos nessa data procedeu à sua denúncia”. Concluiu, portanto, que, tendo a acção dado entrada em Juízo no dia 21 de Maio de 2007, teria sido intentada mais de um ano após a aludida denúncia. Daí a procedência da excepção, nos termos do Artº 1225º do C.C.. * Por sua vez, o acórdão recorrido, no que respeita à verificação da caducidade, enveredou por complexa argumentação técnico-jurídica, acabando por não equacionar devidamente a questão, na medida em que aplicou ao caso o regime dos Art.ºs 916º e 917º do C.C., quando, ao que pensamos, o adequado será o regime do Artº 1225º do C.C. Quanto ao enquadramento fáctico, partiu da constatação que teve por provada de que o imóvel foi entregue, o mais tardar, no início de 2001. Assim decidiu: “ Aplicando o disposto nos art.ºs 916º e 917º do Código Civil, tendo em conta que se trata de um imóvel, o defeito deveria ter sido denunciado no ano seguinte ao do seu conhecimento ou nos cinco anos posteriores à entrega do imóvel ” … “ Portanto, aplicando o disposto no artº 917º do Código Civil, a acção deveria ter sido instaurada no prazo de cinco anos, na falta de denúncia dos defeitos, ou cinco anos e seis meses tendo a mesma existido… Deste modo, a acção deveria ter sido proposta o mais tardar em finais de Julho de 2006. Tendo a mesma sido instaurada em 21 de maio de 2007, o direito de acção já havia caducado ” * Por outro lado, as partes também não equacionam com precisão qual o regime aplicável, o que tudo redundou em particular confusão que urge esclarecer. * * * * Vejamos então. Alega a A. (administradora do condomínio) que o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, aqui em causa, foi construído pela sociedade EE (da qual eram sócios e gerentes os 3 primeiros réus, sendo o 4º, o engenheiro responsável pela dita construção) que, posteriormente comercializou as respectivas fracções autónomas. Entretanto verificaram-se inúmeras deficiências de construção nas partes comuns do edifício, daí a pretensão da A. (a título principal) de ver eliminados e corrigidos tais defeitos da obra. Todavia, como a EE foi já dissolvida, em 17/12/2002, a A. demandou individualmente os Sócios (os 3 primeiros RR), como sucessores da extinta sociedade, e ainda o responsável técnico pela construção. * Portanto, o que está em causa nos presentes autos, tal como é apresentado pela A. é, no essencial, a reparação de defeitos verificados nas partes comuns de um edifício constituído em regime de propriedade horizontal, que foi construído e vendido pela extinta EE. É nesta perspectiva fáctica que se vão analisar as questões jurídicas suscitadas, independentemente da prova que se vier a fazer no processo, visto que, não podendo subsistir as decisões proferidas nos autos, o processo terá de seguir seus ulteriores e normais termos, como se verá. Os defeitos alegadamente existentes, verificam-se, evidentemente num imóvel destinado a longa duração, pelo que ao caso se aplica o regime estabelecido no Artº 1225º do C.C., que confere ao adquirente o direito de exigir ao vendedor/ construtor a eliminação dos defeitos ou a indemnização pelo prejuízo decorrente do vício de construção (v. nº 4 do preceito). Tenha-se na devida conta que o conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal. Na verdade, como se observa no Ac. deste S.T.J. de 5/3/2013 (Proc° nº 085875) o que é relevante, não é tanto o ter-se materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim ter-se o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional. Conclui-se assim, tal como o Ac. citado, “…que o conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil é um conceito lato que tanto abrange o construtor directo como aquele que profissionalmente constrói mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidas no sentido do nº1 do artigo 2 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho (Lei da Defesa dos Consumidores) ”. Só com a referida amplitude conferida ao conceito de vendedor/construtor se torna eficaz a protecção do consumidor/adquirente do imóvel que o D.L.267/94 lhe quis proporcionar com as alterações que introduziu no Artº 1225º do C.C. * Assente o campo de aplicação do Artº 1225º do C.C. vejamos como se articulam e funcionam os prazos de caducidade aí previstos. A simples leitura do preceito logo revela que ele contempla três prazos diferentes. Temos, antes de mais, o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente. Depois existe o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia. Finalmente há o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização. * Convém notar que, diferentemente do que parece defender a A., o direito de acção não tem, necessariamente, de ser exercido no prazo de garantia. Dentro desse prazo apenas se tem de revelar o defeito, o que é completamente diferente. Assim, se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da acção, uma vez que, do contrário, ficaria o vendedor/construtor indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exactamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia. Mas, ao contrário, se o defeito apenas se torna conhecido no período final do prazo, mas antes de este se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de acção. Claro que pode ocorrer a caducidade do direito à eliminação do defeito sem que se tenha esgotado o prazo de garantia. Basta que o adquirente, tendo conhecimento do vício não o denuncie no prazo de 1 ano a partir desse conhecimento, ou, tendo-o denunciado, não intente a acção no ano subsequente à denúncia. No entanto, cumpre referir que a denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intente a acção no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a acção funcionará como denúncia. * Significa isto que os referidos prazos são independentes entre si. * Quanto ao ónus da prova, neste tipo de acções, é pacífico que compete ao adquirente provar a existência dos alegados defeitos da obra, pertencendo ao vendedor/construtor provar que a acção foi intentada intempestivamente. * * * * Como se disse, o prazo de garantia de 5 anos, inicia-se com a entrega da coisa, pois é intuitivo que é a partir desse momento que o adquirente tem efectiva possibilidade de se aperceber da existência dos vícios construtivos, dado o contacto directo com o imóvel. Porém, nem sempre é fácil determinar o momento em que deve ter-se a obra por entregue para efeito de se fixar o “dias a quo” para a contagem do prazo de garantia. A dificuldade tem-se colocado quando estamos em presença, como é o caso, de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal e os defeitos invocados se referem às partes comuns do edifício. Nestas situações frequentes, vários têm sido as soluções propostas, defendendo-se que a entrega do imóvel para os aludidos efeitos, deve ter-se por efectuada: -na data da constituição da propriedade horizontal, -quando o vendedor entrega a 1ª fracção ao condómino adquirente, -com a entrega da última fracção alienada, -com a entrega da maioria das fracções, ou -quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por acção dos condóminos. * O critério interpretativo a adoptar, há-de passar, como diz Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro – 3ª ed.), pela consideração de que o direito dos condóminos sobre as partes comuns foge às regras gerais da compropriedade, assumindo uma configuração própria em que a vontade dos condóminos não é valorada individualmente, mas sim enquanto membros duma organização dotada de órgãos próprios que exprimem a vontade colectiva do grupo. Assim, decisivo será “…a data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quando estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condomínio e elegendo o seu administrador”. * É esta posição pacificamente seguida neste S.T.J. e que também aqui se adopta. * * * * Postos os princípios aplicáveis a casos como o dos autos, resta saber em que medida o direito definido se repercute nas decisões impugnadas, independentemente, como já se referiu, da factualidade que se tenha ou venha a ter por definitivamente provada. * Ora, desde logo, como se viu, o regime aplicável é o do Artº 1225º do C.C. e não o dos Art.ºs 916º e 917º, como decidiu o acórdão recorrido. * Por outro lado, a data a partir da qual se inicia a contagem do prazo de garantia nunca seria a da entrega do imóvel, que o acórdão reportou ao início de 2001. Como se deixou dito, a data a considerar será aquela em que a assembleia de condóminos reuniu pela 1ª vez e elegeu a 1ª administração do condomínio (13/09/2003, segundo a A.). * Logo, provado ou não que o edifício foi entregue no início de 2001, essa data é irrelevante, daí que a argumentação do acórdão recorrido não possa ser aceite, e, portanto, não pode concluir-se, com base nela, ter caducado o direito da acção da A. * Mas, estará correcta a argumentação do saneador-sentença, devendo, por isso, manter-se essa decisão? Salvo melhor opinião, também ela não pode subsistir. O Mmº Juiz considerou que, tendo a A. requerido, em 10 de Maio de 2006, a notificação judicial avulsa dos RR para repararem os defeitos que discriminou nesse mesmo requerimento, necessariamente, e pelo menos nessa data, teve conhecimento dos ditos defeitos, e os denunciou. Assim, ocorrendo a denúncia dos defeitos em 10 de Maio de 2006, quando em 21 de Maio de 2007 a acção deu entrada em Juízo, já tinha decorrido mais de 1 ano sobre a data da denúncia, daí a caducidade do direito de acção que decretou, sem necessidade de maiores averiguações. * No entanto, se é inquestionável que, pelo menos em 10 de Maio de 2006, o A. tinha conhecimento da existência dos defeitos que na mesma data denunciou, já não pode fazer-se coincidir a data da denúncia com a data em que esta foi requerida através de notificação judicial avulsa. A denúncia dos defeitos da obra, para efeitos do disposto no Artº 1225º do C.C. tem a natureza de uma declaração receptícia, que só produz os seus efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento do destinatário dentro do prazo a está sujeito, e, por outro lado, o prazo para denunciar os defeitos é um prazo de caducidade ao qual não tem qualquer aplicação o disposto no Artº 323º do C.C. * Não há que confundir a denúncia em si mesmo, que apenas se efectiva com a notificação do destinatário, com o meio material utilizado (por ex. carta, notificação J. Av.) para levar a efeito a dita notificação. * Nem o vendedor/construtor pode ter-se por notificado da denúncia do adquirente/consumidor, no momento em que, por exemplo, este requereu, através de N.J.A., a notificação daquele, nem o adquirente pode ver o prazo que a lei lhe concede para denunciar os defeitos da obra, afectado pela demora dos serviços judiciais na execução da notificação. Portanto, ao que nos parece, o momento em que deve ter-se por realizada a denúncia, e que é o momento que marca o início ou o “dies a quo” da contagem do prazo de 1 ano para o exercício do direito de acção, é aquele em que os RR foram efectiva e realmente notificadas (e não aquele em que foi requerida a notificação). * Ora, como está certificado nos autos, as ditas notificações ocorreram nos dias 7/6/2006, 8/6/2006, 16/06/2006 e 29/5/2006, daí que, conforme o acima explicado, só nessas datas a A. denunciou aos RR os defeitos aqui em causa. * Assim sendo, facilmente se conclui que, quando a A. intentou a presente acção, em 21 de Maio de 2007, não tinha ainda decorrido o prazo de 1 ano contado desde qualquer das datas da denúncia. Não pode, por isso, afirmar-se a caducidade da acção como se fez no saneador-sentença. * * * * Não procedendo a excepção da caducidade no enquadramento equacionado quer pelo saneador-sentença, quer pelo acórdão recorrido, é evidente que fica prejudicada a demais argumentação recursiva, que, por isso, aqui não é abordada. * Por outro lado, não podendo considerar-se a data de 10 de Maio de 2006 como sendo o início do prazo de 1 ano para a instauração da acção, nem podendo partir--se do início de 2001, para computar o prazo de garantia de 5 anos, como tudo resulta do que acima se deixou explicado, não é possível, na fase processual em que se encontram os autos, proferir decisão de mérito, visto que a grande parte da factualidade necessária para o efeito se encontra controvertida. * Por conseguinte, revogado o acórdão recorrido e anulado o saneador-sentença, devem os autos prosseguir seus ulteriores e normais termos. * * * * Decisão: * Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, anulam o saneador – sentença e determinam que os autos prossigam os seus ulteriores e normais termos processuais. * * * * Custas pela parte ou partes que decaírem a final. * Lisboa, 14 de Janeiro de 2014 Moreira Alves Alves Velho Paulo de Sá |