Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/07.6FHALM.L1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: REJEITADO
Sumário :
I - No AFJ do STJ, nº 4/2010, de 04-02-2010, in DR, I.ª série - n.º 46, de 08-03-2010, o Pleno das Secções Criminais do STJ decidiu: Fixar a seguinte jurisprudência: Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto - Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto - Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público».
II - A decisão da 1.ª instância ocorreu em 15-12-2009, mas o Acórdão da Relação foi produzido em 25-05-2010, já depois da publicação do referido AFJ. A decisão da 1.ª instância não podia contrariar a jurisprudência fixada, porque esta ainda não existia. O Acórdão da Relação ao ater-se ao objecto do recurso visando a decisão recorrida, não contrariou a jurisprudência fixada.
III - O jogo da máquina dos presentes autos não tem as características da máquina a que se reportou o supra referido AFJ, o qual apreciou a situação de máquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, ficha ou moedas.
IV-No caso em apreciação, as máquinas examinadas desenvolvem jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio. A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
V - O jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro. Por isso, o jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AFJ sobre a definição de jogo de fortuna ou azar.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Nos autos de processo comum n.º nº 2/07.6FHALM.L1 do 2º Juízo Criminal da comarca de Almada, foi julgada a arguida AA, com os demais sinais dos autos, após o que veio a ser proferida sentença em 15-12-2009, que decidiu:
“a) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punido pelos artigos 1°, 3°, 4°, n.º 1, alínea g) e 108°, do Decreto-lei n.º 422/89 de 02/12, com as alterações decorrentes do Decreto-lei 11.0 10/95 de 19/01, na pena de 90 (noventa) dias de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa.
b) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punido pelos artigos 1°, 3°, 4°, n.º 1, alínea g) e 108°, do Decreto-lei n.o 422/89 de 02/12, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n.º 10/95 de 19/01, na pena de 110 (cento e dez) dias de prisão e 70 (setenta) dias de multa.
c) Em cúmulo, condenar a arguida AA na pena de 180 (cento e oitenta) dias de prisão, que se substitui por igual número de dias de multa, e 1 00 (cem) dias de multa, ou seja, na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,OO (seis euros), o que perfaz a multa global de €1.680,OO (mil seiscentos e oitenta euros).
d) Condenar a arguida AA em taxa de justiça que se fixa em 2 U C, e nas custas do processo.
e) Determinar a destruição das máquinas apreendidas nos autos, a realizar pela autoridade apreensora, a qual lavrará o competente auto de destruição, nos termos do artigo 116º do Decreto-lei 422/89 de 02/12 (com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n. ° 10/95 de 19/01).
f) Declarar perdido a favor do Fundo de Turismo as quantias monetárias apreendidas, nos termos do artigo 117º do Decreto-lei 422/89 de 02/12 (com as alterações introduzi das pelo Decreto-lei n. ° 10/95 de 19/01).
A Arguida interpôs recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa pugnando pela absolvição, pedindo a revogação da decisão concluindo que a sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido os Doutos Ac. s do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 26/10/1994, in www.dgsi.pt ; do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 14/07/1999, in www.dgsi.pt , numa modalidade de jogo afim de fortuna ou azar exactamente igual à dos presentes autos, sendo este Douto Aresto muito esclarecedor acerca desta matéria; Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos Recursos n.os 7974/98, da 3.3 Secção, de 11710/2000, Rec. 4140/97, 3.° Secção, de 12/11/1997, Rec. 442/96, 3.3 Secção, de 29/10/1997 e de entre muitos outros 9689/04, da 3.°' Secção, de 16/02/2005.
Por decisão de 25 de Maio de 2010, da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi acordado “em negar provimento ao recurso e manter nos precisos termos a decisão recorrida.”
O acórdão foi notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo nos autos em 27/05/2010 e por via postal expedida em 26/05/2010, aos sujeitos processuais.
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Em 22/06/2010 a arguida apresentou requerimento de interposição de recurso nos termos do artº 446º nº 1 do CPP com a respectiva motivação, apresentando as seguintes conclusões:

a) O acórdão recorrido erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido deveria ter aplicado O DOUTO ACÓRDÂO DESTE TRIBUNAL DE FIXAÇÂO DE JURISPRUDÊNCIA Nª04/2010 DE 08/03;
b) O aparelho apreendido nos presentes autos constitui um aparelho que só funciona com preço fixo de jogada, a saber O,50 € confere a possibilidade de uma única utilização;
c) O aparelho em causa nos presentes autos não autoriza a introdução de 5€ para uma única utilização;
d) O aparelho em causa nos presentes autos tem contrapartidas pré-fixadas e resultados definidos e conhecidos que estão anunciados na própria máquina, não autorizando o utilizador a fazer utilização dos créditos obtidos com as jogadas introduzidas e bem assim não autoriza os utilizadores a dobrarem apostas ou preços iniciais de utilização;
e) O aparelho em acusa nos presentes autos não é explorado em casinos;
f) O aparelho em causa nos presentes autos permite somente a utilização de O,50€ em cada jogada, sabendo antecipadamente os utilizadores que resultado podem obter, ou seja os utilizadores sabem que com a introdução de 0,50€ poderão somente obter a possibilidade de jogarem ou a poderão obter a possibilidade, de aleatoriamente, virem a auferir os valores mencionados no painel frontal da máquina, estando limitados aqueles prémios.
g) O aparelho em causa não passa de um sorteio de números e em nada difere de uma tômbola de números ou rifas, que conferem acesso a um prémio pré-fixado.
h) Fazendo uma comparação directa do aparelho dos presentes autos com o aparelho analisado no Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010., resulta o seguinte: no aparelho dos presentes autos o preço da jogada é de O,50€, sendo pré-fixado, tal como no aparelho do Douto Ac. Deste STJ 4/2010; no aparelho dos presentes autos os prémios estão pré-fixados, tal como no aparelho do Douto Ac. Deste STJ 4/2010; no aparelho dos presentes autos não é possível ocorrerem dobras de apostas, tal como naqueloutro; no aparelho dos presentes autos existe um sorteio de números, tal como naqueloutro; no aparelho dos presentes autos atribui-se dinheiro aleatoriamente, tal como naqueloutro.
i) A única diferença existente entre o aparelho dos presentes autos e o aparelho dos autos de que proveio o Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência 4/2010 é que um é eléctrico e outro é mecânico, nada mais, sendo que a essência do jogo desenvolvido é a mesma e que não passa em ambos os casos de um sorteio de números; será que a forma de desenvolvimento do jogo (o mesmo jogo nos dois, e que é um sorteio de números) ser diferente, uma eléctrica e outra mecânica possibilita uma conclusão diferente quanto à qualificação jurídica do aparelho e em consequência da actuação do recorrente? Não nos parece, com todo o respeito e modéstia que a forma eléctrica passe a possibilitar a qualificação como jogo de fortuna ou azar, o que a não se entender como o faz o recorrente, origina clara e grosseira violação do princípio da legalidade.
j) O aparelho analisado nos presentes autos não permite a viciação pelo risco do jogo, nem pela incerteza do resultado ou do prémio a atribuir, pois estes estão anunciados de forma clara no painel frontal do aparelho em causa, nem autoriza a aquisição de todas as jogadas possíveis, ao invés do material de jogo analisado no Douto Aresto de Fixação de Jurisprudência n, 4/201O envolvendo por isso este (o aparelho analisado nos presentes autos) menos risco de utilização do que aqueloutro material de jogo (entenda-se o expositor mecânico analisado no Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.o 4/2010);
k) O aparelho em causa insere-se nas premissas e previsões do Doutamente Decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/201O e o acórdão Jurisprudencial. recorrido não aplica tal Jurisprudência, antes decidindo contra tal Douta Decisão
Pelo exposto. deverá o acórdão recorrido ser revogado e ser proferida decisão Que aplique a Jurisprudência fixada no Douto Acórdão deste Egrégio TribunaL assim se fazendo a costuma Justiça.
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Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo da seguinte forma

“IV. Em conclusão, será de considerar:
- ser insusceptível de revogação o teor do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação no passado dia 25 de Maio de 2010, na consideração de que o mesmo não contraria o entendimento acolhido no recente ACSTJ de fixação de jurisprudência n°.4/2010;
- na verdade, alcança-se tal conclusão, atenta a tipologia e modo de funcionamento da máquina examinada nos presentes autos, e a fundamentação desse ACSTJ, ao delimitar o critério diferenciador entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim;
- é que, conforme ali se refere, "Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigo 1º. e 4. do Decreto-Lei nº. 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna e azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte..”
- O Acórdão proferido neste Tribunal superior deve, consequentemente, ser integralmente mantido, com o que
V. Exas., farão, como habitualmente, a esperada JUSTIÇA!
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Neste Supremo, o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde, além do mais refere:

“Não estamos, aqui, em nosso parecer perante uma decisão da 2.ª instancia que tenha contrariado a jurisprudência fixada, merecedora de uma intervenção do STJ destinada, ou a manter a jurisprudência anteriormente fixada ou a mandar reexamina-la, pois o próprio tribunal recorrido apreciou um recurso interposto pela arguida recorrente, da decisão do Tribunal da 1.ª instância, recurso este não colocava a violação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2010, como constituindo objecto do seu conhecimento.
Atento o disposto no art. 417.3 do CPP são as conclusões da motivação do recurso que delimitam o âmbito do recurso. Isto não quer dizer que tivesse sobrevindo à interposição do recurso para o Tribunal recorrido, o AC. de Fixação de Jurisprudência, n.º 4/2010 tal não obrigasse o Tribunal “a quo” a ponderar a sua aplicação e no caso negativo a ponderar a sua não aplicação, pois era livre de o fazer e, no caso, estava obrigado a fazê-lo, cf. G.Jakobs, in Derecho Penal, Parte General, ed. Marcial Pons, Madrid 1997, pág126 e SS.
O Tribunal recorrido percorreu outro caminho que não passa pelo AFJ n.º 4/2010, como se deixou referido supra.
XIII.
A decisão fáctica que se nos impõe é que, no caso, face à tramitação processual, nos encontramos perante os factos definidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cf. fls. 5 e ss. deste parecer.
Esta questão, que é uma questão de qualificação jurídica dos factos provados e afasta a solução jurídica, neste processo, contraditória e antagónicamente a outra, aquela a que se refere os autos de fixação de jurisprudência n.º 4/10, não havendo oposição de julgados entre uma e outra decisão, art. 446° do CPP,
Nem este acórdão da Relação de Lisboa se sobrepõe/conflitua com o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/10.
Esta é a posição defendida pela Exma Magistrada do MP junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim, há, a nosso ver, que rejeitar o recurso extraordinário.
XIV.
Parecer:
Atento o que deixamos expresso supra e atento o fim da norma plasmada no art. 446.º do CPP, somos de parecer, s.m.o., que o recurso interposto pela arguida/recorrente, deve ser rejeitado.”
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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP
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Cumprida a legalidade dos vistos e não sendo caso de audiência, seguiu o processo para conferência após os vistos legais.

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Consta do acórdão recorrido:
“O Objecto do recurso visa unicamente a distinção entre o conceito normativo de jogos de fortuna e azar e modalidades afins.
II.
Da decisão recorrida consta o seguinte:
2.1-Fundamentação:
2.1. - Os factos:
Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes
2.1.1 - Factos Provados:
1- A arguida dirigiu e desenvolveu com fins lucrativos o negócio do estabelecimento denominado" Café ........... ", sito no ..........., n....., Trafaria, área da Comarca de Almada.
2 - Com o objectivo de obter proventos monetários, a arguida decidiu proporcionar aos clientes do seu estabelecimento, mediante retribuição monetária, a utilização de máquinas electrónicas de jogos, com a designação "DECORATIVE MARBLES".
3 - Assim, no dia 15 de Junho de 2007, em cima do balcão do aludido estabelecimento, a arguida possuía a máquina, ligada à corrente eléctrica, com as seguintes características:
a) Uma máquina constituída por móvel tipo portátil, tendo na parte frontal um painel acrílico de várias cores, na parte superior a designação "Decorative..... e na parte lateral direita um mecanismo de introdução de moedas de 0,50€, 1€ e 2€.
b) Na parte frontal ao centro, situa-se um mostrador circular em que se destacam oito pontos, os quais observados no sentido dos ponteiros do relógio são identificados pelos seguintes números: - 10; I; 50; 2; 100; 5; 20 e 200. Na direcção de cada número, situa-se um ponto luminoso que se ilumina à passagem de um sinal luminoso, que gira, quando a máquina desenvolve uma jogada. O mostrador encontra-se dividido vários pontos, sendo que apenas aqueles 8 estão identificados.
c) Ao centro do mostrador circular existe uma janela digital através da qual são visualizados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e, no lado direito, encontra-se uma nova janela digital que regista os créditos existentes, provenientes de introdução de moedas.
d) Na parte inferior lateral esquerda da máquina, encontram-se dois pontos metálicos que permitem fazer reset aos pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas.
e) Na parte frontal inferior da máquina, encontra-se um pequeno botão, que permite ao jogador utilizar os pontos acumulados, sendo que cada ponto permite efectuar duas jogadas.
4 - A referida máquina estava pronta a ser utilizada pelos clientes e funcionava do seguinte modo:
a) Após a introdução de uma moeda de 0,50€, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular todo o mostrador.
b) De seguida e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório e pára ao fim algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos pontos já mencionados.
c) Duas situações podem acontecer: a) o led em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números constantes no painel e, nesse caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre I (equivalente aI Euro) e 200 (equivalente a 200Euros); b) o ponto luminoso pára num dos restantes led, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente, introduzindo novas moedas.
5- 0 jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos (1 ponto = I Euro), assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos acumulados. Para o efeito, utiliza o botão, situado na parte lateral direita da máquina, que permite efectuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
6- 0 jogador não tem qualquer intervenção no decurso dos jogos, os quais se processam de forma totalmente automática após a introdução da moeda na ranhura.
7 - Os pontos que o jogador ganha correspondem a uma quantia equivalente em dinheiro - 1 ponto equivale a 1 Euro.
8 - Naquela data e no estabelecimento referido, militares da GNR que aí se deslocaram no exercício das suas funções de fiscalização lograram detectar e apreender a referida máquina, a qual continha 5,50€.
9 - Não obstante a aludida apreensão, a arguida decidiu colocar outra máquina, de características idênticas, no mesmo estabelecimento.
10-Assim, no dia 6 de Outubro de 2007, a arguida possuía no mesmo estabelecimento outra máquina electrónica, com a designação “DECORATIVE MARBLES” ligada à corrente eléctrica, com características e modo de funcionamento idênticas à supra referida.
11 - Nessa data e local, militares da GNR que aí se deslocaram no exercício das suas funções de fiscalização lograram detectar e apreender a referida máquina, a qual continha 26,50€.
12 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente.
13 - Bem sabendo que no seu estabelecimento não podia possuir e colocar à disposição os jogos acima identificados, os quais, pelas suas características de funcionamento e prémios monetários atribuídos, só podem ser explorados em locais especialmente destinados à sua prática.
14 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
15 - A arguida foi condenada, por sentença transitada em julgado em 16/07/2009, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 19/07.0FAALM, que corre termos no 1° Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, na pena de 50 (cinquenta) dias de prisão, substituídos por 50 (cinquenta) dias de multa, e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), pela prática em 20/04/2007 de um crime de exploração ilícita de jogo, por ter no dia 20/04/2007, pelas 11:00 horas, no café "...........l" sito na ..........., na...... na Trataria, uma máquina de jogo com a designação "Decorative Marbles".
16 - A arguida ainda explora o café referido em 1), auferindo quantia não concretamente apurada. 17 - Vive com o marido.
18- 0 marido da arguida é reformado, auferindo a título de reforma €400,OO (quatrocentos euros) mensais.
19 - Paga de renda a quantia mensal de €400,00 (quatrocentos euros). 20 - Tem a 4a classe.
2.1.2 - Factos Não Provados:
a) Há data das apreensões quem explorava o estabelecimento de café era o Sr. BB, de nacionalidade brasileira.
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Cumpre apreciar e decidir:

Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410º nºs 2 e 3 do CP.
Como se sabe, no acórdão de fixação de Jurisprudência deste Supremo Tribunal, nº 4/2010 de 4 de Fevereiro de 21010, in Diário da República, 1.ª série — N.º 46 — 8 de Março de 2010 o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça decidiu:
«a) Fixar a seguinte jurisprudência: Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público;»

A decisão da 1ª instância ocorreu em 15 de Dezembro de 2009, mas o acórdão de da Relação foi produzido em 25 de Maio de 2010, já depois da publicação do referido acórdão de fixação de jurisprudência.
A decisão da 1ª instância não podia contrariar a jurisprudência fixada, porque esta ainda não existia.
O acórdão da Relação ao ater-se ao objecto do recurso visando a decisão recorrida, não contrariou a jurisprudência fixada.
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No referido acórdão de fixação de jurisprudência se disse além, do mais:
“O Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1990, revogou o Decreto -Lei n.º 48 912, com excepção das modalidades afins, definidas no artigo 43.º desse diploma, na redacção conferida pelo Decreto -Lei n.º 22/85, e ainda do artigo 59.º e respectivos parágrafos, que estabeleciam as punições para as infracções praticadas no âmbito dessas modalidades (multas e respectivo destino).
No que respeita aos jogos de fortuna ou azar, não alterou as espécies consideradas como tal, constantes do seu artigo 4.º, nomeadamente no capítulo das máquinas automáticas. No tocante às características do ilícito criminal, mantinham -se idênticas e eram definidas no seu artigo 108.º
Há, no entanto, uma diferença a assinalar, que viria a ser muito explorada pela jurisprudência subsequente: os jogos de fortuna ou azar passaram a ser definidos no artigo 1.º como sendo aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
Por conseguinte, passou a haver, segundo grande parte dessa jurisprudência, uma ruptura que veio desequilibrar os campos semânticos (ou, noutro plano, os elementos típicos) em que assentavam as noções de jogo de fortuna ou azar, por um lado, e de modalidades afins, por outro.
Sendo os primeiros definidos, no regime até então vigente, como aqueles cujos resultados dependiam exclusivamente da sorte e os segundos como sendo aqueles cuja esperança de ganho residia essencialmente na sorte, era evidente que as duas modalidades passavam a ter, depois do Decreto-Lei n.º 422/89, uma zona em que havia sobreposição visto que os jogos caracterizadamente de fortuna ou azar podiam também, à semelhança das modalidades afins, não depender exclusivamente da sorte mas fundamental ou essencialmente da sorte. Assim, os primeiros, sendo mais amplos, na parte em que os resultados dependiam exclusivamente da sorte, podiam, pelo menos em certas modalidades, ter uma zona de confluência com os segundos aquela em que o resultado do jogo dependesse fundamentalmente ou essencialmente da sorte.
É claro que, se bem repararmos, não era a primeira vez que essa parcial sobreposição era estabelecida. Com efeito, o Decreto -Lei n.º 22/85, ao modificar o artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 48 912, no capítulo das máquinas automáticas, incluiu precisamente aquelas que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
7.1.2.6 — O Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio reformular o Decreto -Lei n.º 422/89, acentuou ainda mais a tendência para confundir essas noções, do ponto de vista da intervenção do factor sorte, visto que, revogando por completo o Decreto -Lei n.º 48 912, que se mantinha em vigor na parte relativa às modalidades afins, com as alterações introduzida precisamente pela primitiva redacção daquele diploma legal, conferiu a seguinte redacção às modalidades afins:
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.» Isto, não obstante o legislador afirmar no preâmbulo que [...] «opta -se por regular, no âmbito do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a matéria relativa às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, revogando -se assim por completo o Decreto –Lei n.º 48 912, de 18 de Março de 1969, diploma onde tal matéria se encontra presentemente disciplinada por razões que se prendem não tanto com a necessidade de alterar o regime vigente, cujas soluções se mantêm no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima da que já é regulada pelo referido Decreto -Lei n.º 422/89».
A diferenciação entre as duas modalidades de jogo impõe -se, todavia, por serem, desde logo, muito diferentes as consequências: num caso ilícito criminal, punido com pena de prisão e multa; noutro caso, contra -ordenação, punida com coima.
O artigo 1.º, que não foi alterado, define, como vimos, os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». Mas não se fica por aí. Essa definição genérica é complementada por uma concretização exemplificativa dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar, enumerados nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 4.º
No corpo daquele n.º 1, começa -se por nomear o local onde tais jogos são autorizados: «Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos: [...]» Depois, nas diversas alíneas, mencionam –se vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados.
Quanto aos jogos em máquinas, estão elencados nas duas últimas alíneas:
«f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.»
Quanto às modalidades afins, vêm definidas no n.º 1 do artigo 159.º:
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.»
No n.º 2 desse artigo, fornecem-se vários exemplos dessas modalidades: rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
A ilicitude criminal está exclusivamente conexionada com a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, definindo -se vários tipos de ilícito nos artigos 108.º a 115.º: exploração ilícita de jogo (isto é, fora dos locais legalmente autorizados), a que corresponde a pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias (artigo 108.º), prevendo –se uma agravação da pena para o caso de serem encontrados no local menores de 18 anos (artigo 109.º); prática ilícita de jogo fora dos locais legalmente autorizados, a que corresponde a pena de prisão até 6 meses e multa até 50 dias (artigo 110.º), prevendo -se uma pena reduzida a metade para quem for encontrado no local do jogo ilícito e por causa dele (artigo 111.º); coacção à prática de jogo, crime punido com a pena correspondente ao crime de extorsão (artigo 112.º); jogo fraudulento, punido com a pena correspondente ao crime de burla agravada (artigo 113.º, n.º 1), mas se o crime consistir na viciação ou falsificação de fichas, a pena será a cominada para o crime de moeda falsa (artigo 113.º, n.º 2); usura para jogo, crime punido com a pena prevista para o crime de usura (artigo 114.º); material de jogo, que é definido deste modo: «Quem, sem autorização, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.» (artigo 115.º)
Relativamente às modalidades afins, a violação das respectivas prescrições, constantes dos artigos 160.º a 162.º, constitui contra -ordenação, punível com coima de 50 000$ a 500 000$ (€ 250 a € 2500), agravada para o décuplo no caso de se tratar de pessoas colectivas, isto para além da possibilidade de apreensão dos aparelhos e utensílios utilizados na sua prática, bem como das importâncias obtidas, e outras sanções de carácter acessório, uma vez verificados determinados pressupostos (artigo 163.º, n.os 1, 2, 3 e 4).
Será de destacar que, nos termos do artigo 161.º, n.º 3, as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar «não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, Totobola e Totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos».
(…)
“8.8 — O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito — ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social — não pode deixar de ser material, no sentido de que se há -de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associado princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético -social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra -ordenações, que são ético -socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal — uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar -se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.
Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.
A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos regra ou exemplos padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime do que nos tipos contra -ordenacionais.
Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou activas pelo recurso à analogia [cf., sobre toda esta problemática, Faria Costa, «Construção e interpretação do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: Duas questões ou um só problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e segs., e José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, Livraria Petrony, 1978, 2.º vol., pp. 197 e segs.].
Como vimos no n.º 7.1.2.6, a lei (artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas [vários jogos bancados, concretamente determinados — alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados — alínea e) — e jogos em máquinas — alíneas f) e g)].
No que respeita a estes últimos, mencionam -se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas «modalidades afins». Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do artigo 1.º, são os que estão especificados no artigo 4.º, n.º 1”.(…) “. Aliás, o referido artigo 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...]», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades [alíneas a) a d)]; os não bancados, também concretamente especificados [alínea e)] e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas [as alíneas f) e g)].
Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diverso tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados por apresentarem características análogas.
Refere, aliás, o n.º 3 do artigo 4.º que «compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção -Geral de Jogos».
E o artigo 5.º, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção -Geral de Jogos, ouvida as concessionárias».
As portarias que actualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos, são as Portarias n.os 817/2005, de 13 de Setembro, e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogo não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei o de decreto -lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização [artigo 165.º, n.os 1, alínea c), e 2, da Constituição da República].
Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, reverte para as modalidades afins (…)”
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto –Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogo em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra n.os 6.1 e 6.2), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto -Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no artigo 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra n.º 7.1.1), em valores de relevante ressonância ético -social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrolo pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.”

Volvendo ao caso concreto:
Considera a recorrente que:
Contrariamente ao defendido pelo recorrente a máquina em causa não se insere nas premissas e previsões do decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/201O .

No caso concreto, verifica-se quanto à referida máquina:

“ Na parte frontal ao centro, situa-se um mostrador circular em que se destacam oito pontos, os quais observados no sentido dos ponteiros do relógio são identificados pelos seguintes números: - 10; I; 50; 2; 100; 5; 20 e 200. Na direcção de cada número, situa-se um ponto luminoso que se ilumina à passagem de um sinal luminoso, que gira, quando a máquina desenvolve uma jogada. O mostrador encontra-se dividido vários pontos, sendo que apenas aqueles 8 estão identificados.
Ao centro do mostrador circular existe uma janela digital através da qual são visualizados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e, no lado direito, encontra-se uma nova janela digital que regista os créditos existentes, provenientes de introdução de moedas.
Na parte inferior lateral esquerda da máquina, encontram-se dois pontos metálicos que permitem fazer reset aos pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas.
Na parte frontal inferior da máquina, encontra-se um pequeno botão, que permite ao jogador utilizar os pontos acumulados, sendo que cada ponto permite efectuar duas jogadas
A referida máquina estava pronta a ser utilizada pelos clientes e funcionava do seguinte modo:
a) Após a introdução de uma moeda de 0,50€, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular todo o mostrador.
b) De seguida e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório e pára ao fim algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos pontos já mencionados.
c) Duas situações podem acontecer: a) o led em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números constantes no painel e, nesse caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 (equivalente a 1 Euro) e 200 (equivalente a 200Euros); b) o ponto luminoso pára num dos restantes led, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente, introduzindo novas moedas.
0 jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos (1 ponto = 1 Euro), assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos acumulados. Para o efeito, utiliza o botão, situado na parte lateral direita da máquina, que permite efectuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
0 jogador não tem qualquer intervenção no decurso dos jogos, os quais se processam de forma totalmente automática após a introdução da moeda na ranhura.
Os pontos que o jogador ganha correspondem a uma quantia equivalente em dinheiro - 1 ponto equivale a 1 Euro.”

(No estabelecimento referido, militares da GNR que aí se deslocaram no exercício das suas funções de fiscalização lograram detectar e apreender a referida máquina, a qual continha 5,50€.
Não obstante a aludida apreensão, a arguida decidiu colocar outra máquina, de características idênticas, no mesmo estabelecimento, e assim, no dia 6 de Outubro de 2007, a arguida possuía no mesmo estabelecimento outra máquina electrónica, com a designação “DECORATIVE MARBLES” ligada à corrente eléctrica, com características e modo de funcionamento idênticas à supra referida. )

O jogo da máquina dos presentes autos não tem assim as características da máquina a que se reportou o supra referido acórdão de fixação de jurisprudência, o qual apreciou a situação de máquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, ficha ou moedas (v. Parecer do MP no referido acórdão de fixação)

Na verdade, como bem refere o acórdão recorrido:
“No caso em apreciação as máquinas examinadas, cujas características constam da matéria apurada acima transcrita, desenvolvem jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio. “

O descrito em d) e e) do nº 3 da matéria fáctica provada já é posterior à jogada e em nada colide com a natureza desta ínsita ao modo de funcionamento da máquina.
A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
O jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro.

Por isso, o jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido acórdão de fixação de jurisprudência sobre a definição de jogo de fortuna ou azar.

Em suma, e como assinala o Exmo Magistrado do Ministério Público neste Supremo, o acórdão da Relação de Lisboa não se sobrepõe/conflitua com o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/10, não havendo oposição de julgados entre uma e outra decisão, art. 446° do CPP,

Sendo, por isso, de rejeitar o recurso nos termos conjugados do disposto nos artigos 441 nº 1 e 446º nº 1, ambos do CPP.
-
Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo em rejeitar o presente recurso contra jurisprudência fixada, nos termos nos termos conjugados do disposto nos artigos 441 nº 1 e 446º nº 1, ambos do CPP.

Tributam o recorrente em 3 Ucs de taxa de justiça e condenam-no na importância de 5 Ucs nos termos do artº 420º nº 3 do CPP.


Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Outubro de 2010
Elaborado e revisto pelo relator.
Pires da Graça (Relator)
Raul Borges