Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | ESCUTAS TELEFÓNICAS FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO NULIDADE PROIBIÇÃO DE PROVA | ||
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Data do Acordão: | 03/26/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ORDENADA A BAIXA À RELAÇÃO DE ÉVORA | ||
Área Temática: | DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA / MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA / ESCUTAS TELEFÓNICAS. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” anotado, vol. 5.º, p. 140. - Ana Raquel Conceição, “Escutas Telefónicas”, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 105 e ss., 203 e 204. - André Lamas Leite, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 17, n.º4, p. 636 e ss.. - Benjamim Rodrigues, Das Escutas Telefónicas, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, Tomo I, pp. 76, 228. - Carlos Adérito Teixeira, “ Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e novos problemas”, Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, número 9, p. 293. - Carlos Adérito Teixeira, “Escutas telefónicas: A mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas", in Revista do CEJ, n.º 9, Almedina, 1º semestre de 2008, p. 247. - Conde Correia, “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Studia Jurídica Coimbra 1999, Coimbra Editora, p. 102, 194 e ss.. - Cristina Ribeiro, Escutas Telefónicas, p. 69. - Damião da Cunha, “O regime legal das escutas telefónicas”, Revista do CEJ, n.º9 –especial, 1.° semestre de 2009. - Fátima Mata Mouros, “Escutas Telefónicas - o que não muda com a reforma", in Revista do CEJ, nº 9, Almedina, 1.° semestre de 2008, p. 240. - Figueiredo Dias, “Para uma Reforma Global do Processo Penal”, Para uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, página 208. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, I Volume, 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 525 ss., anotação ao artigo 32.º, p. 799. - Helena Susano, Escutas Telefónicas, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 24. - José Damião da Cunha, “O regime legal das escutas telefónicas-algumas breves reflexões", in Revista do CEJ, nº 9, Almedina, 1.° semestre de 2008, p. 207. - Lainz, “La intervención de las comunicaciones ...”, Barcelona Bosch, 2004 , pp. 82-83. - Lamas Leite, “Entre Péricles e Sísifo: o novo regime legal das escutas telefónicas", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 17.°, nº 4, Coimbra Editora, Outubro/Dezembro de 2007, p. 625. - Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil “, p. 297. - Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pp. 61 e ss., 85, 315. - Manuel Simas Santos e Leal Henriques, “Código de Processo Penal” Anotado, 2008, p. 928. - Martins de Oliveira, Da autonomia do regime de proibições de prova em Prova Criminal e Direito de Defesa, Coimbra, Edições Almedina, 2010, p.257 e ss.. - Mouraz Lopes, Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português Legitimar, Diferenciar, Simplificar; 2011 Almedina; Coleção: Teses de Doutoramento. - Nuno Serrão de Faria, Acesso ao registo das escutas telefónica em prova Criminal e Direito de defesa, Coimbra, Almedina, 2011, p. 205 e ss.. - Paulo Pinto Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª Edição, Lisboa Universidade Católica Editora, p. 335 e ss.. - Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil", III, 194. - Teixeira de Sousa, In Estudos sobre o Processo Civil, p. 221. jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria e, nomeadamente, o Acórdão de 2 Fev. 2005 (Colectânea de Jurisprudência, N.º 181, Tomo I/2005) | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 126.º, 187.º, 188.º, 190.º, 341.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.ºS 2 E 3, 25.º, N.º1, 26.º, N.º1, 27.º, N.º1, 32.º, N.ºS1, 2, 4 E 8, 34.º, N.º4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 2-2-2005, IN COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, N.º 181, TOMO I/2005. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - N.º 194/2004, DE 24 DE MARÇO DE 2004, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, DE 2 DE JUNHO DE 2004, E ACESSÍVEL EM WWW.TRIBUNALCONSTITICUIONAL.PT | ||
Jurisprudência Internacional: | TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH): -1990, PROCESSO HUVING E KRUSLIN; DOSSIER IORDACHI CONTRA REPÚBLICA DA MOLDÁVIA DE 10/02/2009 T | ||
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Sumário : | I - Assumem diferente recorte, no art. 126.º do CPP, as proibições de provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, com ofensa da integridade física ou moral das pessoas, daquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. II - Se, na primeira hipótese, existe uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, por estar em causa o próprio núcleo dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma que admite a compressão dos direitos constitucionais, por ser razoável numa lógica de proporcionalidade e ser exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal. III - O regime aplicável às intercepções telefónicas é o das proibições de prova a que alude o n.º 3 do art. 126.º do CPP. IV - Não merece aplauso o entendimento de que, para além das provas proibidas por intrínseca ilegitimidade objectiva, existem as provas proibidas por ilegitimidade procedimental, se, no processo concreto de restrição dos direitos fundamentais, não foram observados todos os requisitos ─ ainda que aparentemente de carácter formal ─ constitucionalmente imprescindíveis à legitimidade da intervenção. V - A falta de fundamentação da decisão que autorizou a realização de intercepção telefónica não pode ser equiparada a proibição de prova, a qual, a existir, apenas pode conduzir à existência duma nulidade processual. VI - Não padece do vício da nulidade a decisão que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada, mas somente aquela que omite, em absoluto, os fundamentos de facto e de direito que a justificam. VII - O despacho de autorização da escuta telefónica deve tornar perceptíveis as razões que, em face do art. 187.º do CPP, levaram o juiz a autorizá-la, permitindo o seu escrutínio. VIII - Só o incumprimento do ónus de fundamentação dos requisitos legais da escuta justifica a sanção de nulidade do art. 190.º do CPP, não a existência de uma fundamentação deficiente, mas suficientemente explícita nos seus fundamentos. IX - Não constitui formalidade essencial do despacho de autorização a exigência de indicação dos factos em relação aos quais se autoriza a escuta telefónica. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
O Ministério Publico no Tribunal da Relação de Évora veio interpor recurso da decisão que absolveu os arguidos AA, BB, CC, DD e EE da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhes é imputado nos presentes autos; revogou a declaração de perdimento a favor do Estado dos telemóveis e cartões telefónicos, do dinheiro, do veículo pesado de mercadorias semi-reboque e galera apreendidos nos autos e ordenou a imediata restituição dos Arguidos à liberdade, emitindo-se os respectivos mandados. No julgamento de primeira instância tinha sido proferida decisão em que o Arguido AA foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido BB foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido CC foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; o Arguido EE foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;) o Arguido DD foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão. As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. Recorre-se do acórdão de fls. 5465 a 5558 que decidiu declarar nulo, por falta de fundamentação, o despacho judicial que autorizou a utilização das escutas telefónicas efetuadas e que tal nulidade afetou a prova assim obtida e produzida, considerando-a prova proibida, por alusão ao disposto nos artigos 190° e 126º do CPP. 2. Nesse acordão concluiu-se que, quem proferiu o despacho a autorizar as escutas, não indicou nem avaliou qualquer elemento probatório que lhe permitisse afirmar a investigação de factos suscetíveis de integrarem a prática de crime de tráfico de estupefacientes, nem, tão pouco, avaliou qualquer circunstância da investigação em curso em que pudesse alicerçar a conclusão da indispensabilidade ou assinalável necessidade para a descoberta da verdade do meio de obtenção de prova que autorizou. 3. Considerou ainda que “ toda a prova em que o Tribunal “ a quo" fundamentou a decisão recorrida se encontra afetada pela declaração de nulidade das primeiras escutas telefónicas ordenadas, não podendo, por isso, ser utilizada" e, por conseguinte, alterando a matéria de fato provada, absolveu os arguidos da prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. 4. É certo que as decisões - à exceção das de mero expediente - são sempre fundamentadas, nos termos do estatuído no artigo 97°, nº 5 do CPP, sendo o dever de fundamentação uma exigência decorrente da Constituição e da Lei já que, assegurando o processo penal todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32°, nº1 da CRP, somente, explicando e tornando cognoscíveis as razões que levaram à prolação de um determinado despacho judicial é possível aos seus destinatários o exercício dos consagrados direitos de defesa. 5. Não se pode é cair no exagero de que a motivação do despacho, ora em análise, seja tão completa como se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria deslegitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. 6. Chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação. 7. Imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer porque se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que se procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais. 8. O despacho judicial em causa mostra-se devidamente fundamentado; estriba-se no acerbo indiciário do relatório policiai que evidencia as características do tráfico ali descrito (onde se identifica a atividade delituosa, os seus agentes-suspeitos - e o número de telefone utilizado por um deles), de modo a considerar que, dadas as características do tráfico ali descrito, nomeadamente o recurso ao contacto telefónico para a sua concretização, mostrando-se as escutas telefónicas indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo a prova, de outra forma, impossível de obter". 9. Na verdade, a complexidade da atividade ilícita investigada quer quanto à dispersão geográfica quer à diversidade de nacionalidade dos suspeitos envolvidos, crê-se que tais circunstâncias tornavam absolutamente desaconselhável qualquer outro tipo de investigação (vg. outras vigilâncias), que poderiam colocar de sobreaviso os investigados, fazendo perigar irremediavelmente toda e qualquer possibilidade de êxito investigatório. 10. Trata-se de uma interpretação, ao contrário do que é afirmado no acórdão recorrido, com eco nos doutos acordãos supra citados, e que respeita os acima aludidos princípios constitucionais: o da proporcionalidade, uma vez que está em causa a investigação do crime de tráfico de estupefacientes especialmente grave, existindo o convencimento de que as escutas poderão contribuir decisivamente para atingir a verdade material; 11. Idêntica conclusão se extrai relativamente ao princípio da adequação, uma vez que as escutas se mostram adequadas ao fim que determinou a sua realização, ou seja, a investigação de um crime de catálogo e com características concretas especialmente graves - donde decorre que, caso as escutas não lograssem atingir o escopo que determinou a sua realização, sempre as mesmas trariam mais benefícios / vantagens para a descoberta da verdade do que os prejuízos para os direitos fundamentais dos visados. 12. Por último, como vimos supra, as escutas mostravam-se imprescindíveis já que qualquer outro melo de obtenção de prova seria absolutamente ineficaz para conseguir os resultados probatórios almejados, não se vislumbrando que fosse, em termos investigatórios, eficazmente possível o recurso a meios menos intrusivos para a esfera jurídica dos visados". 13. Daqui se poderá extrair já a conclusão parcial de que se não está perante uma falta absoluta de fundamentação e que aquele despacho respeitou os requisitos e condições do artigo 187º do CPP. 14. A suficiência ou não da fundamentação depende de se poder considerar preenchida a sua razão de ser (os intervenientes, e sobretudo os sujeitos processuais, não podem ter, razoavelmente, dúvidas de que o juiz exerceu o controle que lhe é pedido sobre a admissibilidade das escutas ou da sua transferência). 15. Por outro lado, a decisão do juiz pode estar certa ou errada na apreciação que faz da situação, mas, depois de proferida tal decisão, tem que ficar sempre salvaguardada a possibilidade de os sujeitos processuais (especialmente o arguido) a ela poderem reagir. 16. Não oferece dúvidas que os arguidos foram informados da existência das escutas, logo aquando dos interrogatórios como arguidos e, quando tiveram acesso aos autos, desaparecido o segredo de justiça “ interno", puderam ler as transcrições das escutas, de tal modo que requereram a instrução a partir do conhecimento dessas escutas; o tema foi versado em sede de contestação; os arguidos recorreram da decisão de primeira instância, rejeitando a possibilidade de o tribunal formar uma convicção tendo .em conta o apoio das escutas. 17. A produção do despacho posto em crise surge numa sequência e está contextualizada, não sendo legítimo, no presente caso, presumir que o juiz produziu uma decisão arbitrária porque à revelia de toda a informação que os autos já lhe forneciam. 18. Admitindo, sem conceder, que o despacho que ordenou as escutas está suficientemente fundamentado, teria como efeito a sua irregularidade, nos termos do artigo 118°, nº 2 e 123º do CPP, mas nunca efeitos ao nível da validade da prova. 19. A prova assim obtida não é suscetível de ser considerada proibida, nos termos do artigo 126°, nº 3 do CPP, pelo que foram indevidamente violadas, por erro de interpretação as normas dos artigos 97°, nº 7, 187° a 190° do CPP. 20. A cominação de nulidade prevista no artigo 190º do CPP destina-se à preterição dos requisitos e condições estabelecidas nos artigos 187º a 189 do CPP não se estendendo à falta de fundamentação do despacho que autoriza interceção telefónica. Termos em que, e nos demais que doutamente se suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido, designadamente na parte em que considerou ferido de nulidade o despacho de fIs. 76 e 77 dos autos, devendo por conseguinte ser elaborado novo acórdão no Tribunal da Relação de Évora, em que se não levante obstáculo, na formação da convicção do tribunal, à utilização - como prova válida - das escutas transcritas. Notificado, o arguido DD ofereceu resposta em que concluiu que: 1- O Acórdão recorrido, vai de encontro aos ditames legais, quer na factualidade quer no direito 2- Andou bem o tribunal "a Quo" ao declarar a nulidade das intercepções das conversações telefónicas. 3- A sua utilização para a formação cognitiva, configuraria meio de obtenção de prova ferida de nulidade (cfr. art° 187º e 190 do CPP) 4- Pelo que andou bem o Tribunal "a quo" quando altera a matéria de facto 5- Pelo que será de manter o Acórdão, indeferindo assim o recurso Por seu turno refere o arguido CC em sede de conclusão que: 1 -O Digno representante do MºPº recorreu porque o tribunal " a quo" entendeu que o tribunal de primeira instância utilizou na decisão final proferida, meio de . obtenção de prova ferido de nulidade, designadamente, nos termos prevenidos nos artºs 187 e 190º do CPP. 2- Na conclusão das suas motivações, entende que deveria ser revogado o acórdão recorrido, na parte que considerou ferido de nulidade o despacho de fls. 76 e 77. 3-0ra. Da sua exposição-não resulta nada que possa inquinar a decisão proferida, pois a mesma é concisa, clara, espelhando o correcto entendimento das normas, sufragado com vastíssima doutrina sobre a matéria e a favor da posição aí expressa. 4-Deve assim o despacho "sub-iudicata ser mantido nos seus precisos termos" Igualmente respondeu o arguido EE concluindo que: 1º Concorda-se na integra com o douto acórdão recorrido, por se entender que as escutas telefónicas são nulas por omissão de fundamentação no despacho judicial de fls 76 e 77. 2° A nulidade das primeiras escutas telefónicas, transforma-as em prova proibida, não podendo ser utilizadas para obtenção de outras provas, e para por fim condenar os arguidos. 3º Com que, o que atenta a matéria de facto dada como provada terá o arguido EE de ser absolvido Também em sede de resposta refere o arguido AA, I. o Ministério Público, inconformado com a absolvição dos arguidos da tremenda condenação de 7 anos de prisão interpôs recurso do douto acórdão absolutório proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, pretendendo, em suma, fazer crer ao Tribunal Superior que o despacho judicial inicial que autorizou a intercepção e gravação de conversações telefónicas se encontra devidamente fundamentado, requerendo, consequentemente, que o douto acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro "em que se não levante obstáculo, na formação da convicção do Tribunal, à utilização - como prova válida - das escutas transcritas ", Sucede que, II. as conclusões apresentadas pelo recorrente terão que naufragar porquanto: a) o teor dos pontos 8, 10, 11, 12 e 13 das referidas conclusões são tão conclusivos e desprovidos de fundamentacão factual, como a própria decisão judicial que deferiu o recurso às escutas telefónicas. b) não pode o Ministério Público pretender (agora), nos pontos 9, 10, 11 e 12 das conclusões, vir fundamentar a decisão judicial posta crise, quando nada dela consta quanto à questão da indispensabilidade e da admissibilidade das escutas telefónicas; c) os pontos 14 a 17 das conclusões nem sequer têm aplicação nos presentes autos pois que tais pontos (14 a 17) foram extraídos (possivelmente, se não foi outro) do Acórdão do S.T.J. de 08.02.2012, proferido no processo 157/09.5JAFAR.E1.S1, que versa sobre questão diversa da dos presentes autos, pois enquanto aqui se põe em causa a validade da (primeira) decisão judicial que autorizou a intercepção e gravação de conversações telefónicas nos presentes autos, aquele acórdão reporta-se à questão das escutas transferidas, ou seja, "a falta ou suficiência de fundamentação da autorização facultada no processo de destino e não no processo de origem ", como dele se pode ler. III. Como resulta (claro) da leitura do referido despacho judicial que autorizou a intercepção e gravação de conversações telefónicas, o mesmo não refere um único facto em concreto ou uma só razão de ciência - subentenda-se, indício existente no processo - que permita concluir pela indispensabilidade e pela admissibilidade das escutas telefónicas, nos presentes autos, como meio de obtenção de prova. IV. A decisão judicial posta em crise limita-se a reproduzir o tautológico enunciado do texto legal quando refere "revelam-se absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo certo que, no actual estado dos autos, de outra forma seria impossível, ou multo difícil de obtenção de prova", o que, como se disse, redunda em expressões meramente conclusivas, desprovidas de conteúdo, que necessitam de ser concretizadas factualmente. V.O estado dos autos não justificava, pelo menos, à data da prolação da despacho judicial, a autorização da utilização da intercepções telefónicas, pois que, quando a Polícia Judiciária sugeriu - e o Tribunal, a requerimento do M.P., deferiu - o recurso à utilização de escutas telefónicas: - havia realizado apenas uma única diligência investigatória, que foi uma vigilância, - referiu na informação de fls 2 e 3 que não vislumbrava outras diligências a realizar, não lançou mão de outro tipo de diligências investigatórias, tais como inquirições de testemunhas, recolha de vestígios e reportagem fotográfica. Sendo certo que, VI. quanto à expressão "de outra forma seria impossível, ou muito difícil de obtenção de prova", constante da decisão judicial posta em crise, "não basta pois que a prova seja de outro modo impossível ou muito difícil de obter. É preciso que se conclua que, sem a utilização das escutas, não se chegaria à prova dos factos e/ou da identidade dos seus agentes" conclusão essa que não se verificou no aludido despacho. Pelo que, nos sobreditos termos, tem necessariamente que, improceder as conclusões do recurso deduzido pelo Ministério Público, mantendo-se na íntegra o douto acórdão recorrido, que não merece qualquer reparo. Neste Supremo Tribunal de Justiça a ExªMª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu proficiente parecer no qual refere que: Questão prévia da admissibilidade do recurso. Como bem defende o MºPº recorrente (fls. 5570) o presente recurso é admissível e deve ser conhecido por este Venerando Tribunal considerando o disposto nos artºs 399.º, 400.º, n.º 1, al. a) a contrario, 401.º, n.º 1, al. a), 432.º, n.º 1, al. b) e 434.º todos do CPP, todos na redacção constante do referido diploma anterior á entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21/2, atenta a jurisprudência pacífica deste STJ que considera que a lei reguladora das condições processuais (…) e substantiva (…) é a que estiver em vigor na data da prolação da decisão proferida em 1ª instância por ser nessa data que confluem os pressupostos do recurso, de remédio jurídico para um direito que se supõe violado (…)” por todos, Ac. STJ, de 22/5/13, proc.º 156/11.7PNSB.L1.S1. 4.2. Permitindo-me, com a devida vénia, dar aqui por reproduzida a resposta do MºPº no Tribunal recorrido, apenas se me oferece sublinhar a “desintegração” e “desagregação” da unidade/processo, na fase do inquérito, a que procedeu o Acórdão recorrido para poder chegar à conclusão pretendida. Efectivamente, a fase de inquérito caracteriza-se pelo seu dinamismo, pela constante alteração das suspeitas, dos factos criminosos, dos suspeitos ou arguidos numa busca incessante da verdade material e não apenas formal, num permanente objectivo de carrear para os autos indícios consolidados e suficientes da prática do crime que se investiga. Para apreciação das afirmações temerárias, com o devido respeito, constantes do Acórdão recorrido, recupere-se o primeiro despacho judicial do Sr. Juiz de Instrução. “Compulsei exaustivamente os presentes autos de inquérito. Resulta dos autos que uma organização criminosa, constituída por indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina, estará a diligenciar no sentido de importar de Marrocos, por via marítima, elevada quantidade de haxixe. Resulta ainda da IS inicial que, a concretizar-se, aquele estupefaciente entrará por uma praia a sul do pais, ficando posteriormente guardado num armazém do Sabugal, afecto a uma empresa de fabrico de móveis denominada “FF, Unipessoal, Lda”, e após, seguira para Espanha. Como aduzido pelo titular da acção penal, são conhecidos dois portugueses indiciariamente ligados ao transporte da droga — AA e BB, que importa apurar o efectivo grau de participação de cada um deles nos ilícitos aqui em causa, bem como de outros que venham a ser identificados. Versam assim os presentes autos de inquérito a investigação de factos susceptíveis de integrarem a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art° 21° do DL 15/93, de 22/01. Assim, não obstante a fase bastante embrionária dos autos, atenta a complexidade dos autos, o tipo de crime, a sua dispersão territorial, bem como a sua urgência, aceita-se a competência deste TCIC, para praticar os actos jurisdicionais até a eventual remessa do processo para julgamento — ex vi das disposições conjugadas dos artigos 46°, n° 1, 47°, ns° 1 e 3, ambos da Lei 60/98, de 27/08, com referência aos artigos 79° e 80°, n° 1 da Lei 3/99, a que corresponde o art° 112° da Lei 52/08, de 28/08 e art° 170 do CPP”. Na sequência do mesmo despacho, é natural que as posteriores decisões do Sr. Juiz de Instrução se revistam de mais simplicidade, porque sempre reportadas ao inicial despacho mas, o que é certo, é que, consultados todos os volumes da fase de inquérito não foi detectado nenhuma decisão judicial que não esteja devidamente fundamentada, sempre suportada devidamente nos relatórios da PJ e promoções do MºPº titular bem motivados e expondo a razão de ciência das diligências que são solicitadas, nomeadamente a autorização de novas intercepções telefónicas, a continuação de umas, o termo de outras, por desinteressantes. A todas as promoções do MºPº o Sr. Juiz de Instrução respondeu fundadamente tendo sempre em consideração a evolução e dinâmica da investigação no processo em causa. A dissertação doutrinal vertida no Acórdão recorrido, concorde-se ou não com as soluções propostas, questão que não está aqui em causa, não é ofendida por nenhum dos despachos do Juiz de Instrução, não contraria lei ou jurisprudência que imponha a declaração da nulidade dos respectivos despachos e a não valoração da prova obtida através das intercepções telefónicas assim autorizadas. Pode o Tribunal recorrido discordar da fundamentação ou da autorização das intercepções em crime de tráfico de estupefaciente internacional como é o caso dos autos. Mas não é essa a matéria em discussão. O que pretende o Tribunal recorrido é afirmar a falta de fundamentação do despacho do Juiz de Instrução, de fls. 76 e 77, autorizando as intercepções telefónicas requeridas pelo MºPº. Mas o cuidado do Sr. Juiz na fundamentação de todas as decisões por si tomadas vai ao ponto de, quando remete para a promoção do M.P., invocar o acórdão do Tribunal Constitucional que considera constitucional o despacho judicial por remissão, por questões de economia processual, para a promoção fundamentada do M.P. (cfr. fls. 1099). Aliás, nas enumeras citações vertidas no Acórdão recorrido constata-se, pelo menos, a falta de referência à Lei 5/02, de 11/1, de enorme relevância para a investigação dos crimes de tráfico de estupefacientes, entre outros considerados de igual gravidade, autorizando meios especiais de investigação na luta contra o crime considerado de elevado grau de danosidade social, como é o caso do tráfico de estupefacientes. Não há doutrina ou jurisprudência que questione a danosidade social do crime de tráfico de estupefacientes, a cujos traficantes o Papa João XXII apelidou um dia de “traficantes da morte”. Também não oferecerá dúvidas a complexidade da investigação em causa, de tal modo que, resulta dos autos, foi necessário o apelo a uma medida extraordinária de investigação – o “agente infiltrado”. É do conhecimento público e resulta das regras da experiência comum, o disfarce, a sinuosidade, a viscosidade e capacidade de movimentos no dispersar a atenção das autoridades, a troca permanente de telemóveis e uso simultâneo de vários, seus e de terceiros. É consabida a dificuldade de detectar e investigar, acusar e condenar grupos criminosos habituados a traficar estupefaciente. Por isso se torna complexa, morosa e perigosa para os investigadores e para os infiltrados, em especial, a recolha de prova suficiente à acusação e condenação dos criminosos. Se há tipo de criminalidade que justifica a autorização judicial para o uso de intercepções telefónicas é exactamente o tráfico de droga. O despacho que o Acórdão recorrido considera ferido de nulidade tem o seguinte conteúdo: “Fls. 70 a 73 — Tomei conhecimento do estado dos autos. Resulta dos autos que uma organização criminosa, constituída por indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina, estará a diligenciar no sentido de importar de Marrocos, por via marítima, elevada quantidade de haxixe. Os dois indivíduos portugueses até ao momento identificados, tratam-se de AA e BB. Da investigação entretanto em curso foi possível apurar que o suspeito AA, nos seus contactos, utiliza o Posto Móvel 9xxxxxxxx. Como anteriormente se referiu, versam os presentes autos de inquérito a investigação de factos susceptíveis de integrarem a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art° 21° do DL 15/93, de 22/01. Tendo bem presente a matéria sob investigação nos autos, bem como a sua inerente complexidade de investigação, conquanto as intercepções sejam um meio excepcional de aquisição de prova, porque compressoras de direitos constitucionalmente protegidos, no caso sub judice, revelam-se absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo certo que, no actual estado dos autos, de outra forma seria impossível, ou muito difícil de obtenção de prova. Consequentemente, defiro ao doutamente promovido, pelo que, autorizo a intercepção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do posto móvel supra indicado e IMEI’s associados, devendo incluir todas as comunicações por voz, fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e localização celular, a vigorar ate ao dia 18-03-2010, ao abrigo do disposto nos artigos 187°, n° 1, 188°, 189° e 269°, n°1 , al. e), todos do CPP. Autorizo ainda que a respectiva operadora remeta a este TCIC os códigos de carregamento de tal Posto Móvel, bem como de todos os elementos de identificação que possuam sobre o utilizador do mesmo. Notifique”. * O douto despacho judicial mostra-se, naturalmente, suficientemente fundamentado e não padece de qualquer censura. De qualquer forma, mesmo a considerar-se o referido despacho insuficientemente fundamentado, tal revestiria apenas as vestes de mera irregularidade, já sanada, porque não decretada em tempo devido. É assim que a jurisprudência tem vindo a caracterizar a falta ou insuficiência de fundamentação dos despachos judiciais de autorização de intercepções telefónicas. “A falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão – art.º 205.º, n.º 1, da CRP e 97.º, n.º 4, do CPP – constitui mera irregularidade – art.º 118.º, n.ºs 1 e 2 – a menos que se verifique na sentença, acto processual que (…) a lei impõe obedeça a fundamentação especial sob pena de nulidade – arts. 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal “Ac. do STJ de 21/2/07, proc. 06P3932”. “(…) contudo, a falta absoluta ou insuficiência de fundamentação do despacho decisório autorizando as intercepções telefónicas requeridas pelo M.P.) constitui apenas mera irregularidade sanável se não fôr impugnada atempadamente nos termos do artº 123º, nº 1, do CPP” Ac. do STJ, de 28/3/12, proc. 86/08.0GBOVR.P1. Ou ainda, do acórdão do STJ, de 7/12/05, proc. 05P2942, “as eventuais nulidades pelo não cumprimento do disposto no artº 188º do CPP devem ser arguidas no prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito, nos termos do artº 120º, nº 3, al. c) do CPP. Não o sendo devem considerar-se sanadas(…)”. Não foi o que ocorreu no caso ora sub judice. Não obstante o conhecimento pelos arguidos dos despachos judiciais autorizando as intercepções telefónicas e o seu teor, após a notificação da acusação deduzida pelo MºPº, só no recurso da decisão condenatória da 1ª instância os arguidos recorrentes apelam e colocam tal questão sem razão e extemporaneamente. Em conclusão, mal andou o Acórdão recorrido ao anular toda a prova produzida nos autos, por efeito da declaração de nulidade insanável, de que entendeu padecer o despacho do Juiz de Instrução, de fls. 76 e sgts. que deferiu a promoção do M.P., relativa a intercepções telefónicas. Não só porque tal despacho se mostra suficientemente fundamentado como, só por mera hipótese de raciocínio se coloca a questão, a considerar-se deficientemente fundamentado, tal falha assumirá apenas a figura de mera irregularidade, já sanada, porquanto o arguido CC só suscitou a questão em recurso interposto do Acórdão condenatório da 1ª instância. 5. Por todo o exposto e pelo que melhor se diz na motivação de recurso, e respectivas conclusões, do M.P. junto do Tribunal recorrido, emite-se parecer no sentido de ser concedido integral provimento ao recurso do M.P., anulando-se a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à Relação de Évora para apreciação dos recursos interpostos, considerando toda a matéria de facto dada como provada e a não provada na decisão da 1ª instância. Os autos tiveram os visto legais. * I A primeira questão suscitada nos presentes autos centra-se na recorribilidade da decisão proferida em sede de primeira instância. No que concerne invoca o recorrente que :- I- O recurso apresentado pelo Ministério Público não é admissível, nos termos do disposto no artigo 400.°, nº 1, aI. d), do Código de Processo Penal, com a redacção introduzida pela Lei n.o 20/2013, de 21 de Fevereiro, porquanto, II - O recorrido foi condenado, em primeira instância, nas penas parcelares de 5 anos de prisão, 3 anos e seis meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e 10 meses de prisão. E, em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos de prisão. III - O recurso de acórdãos absolutórios proferidos pelas relações só é admissível caso a primeira instância tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos. IV - De acordo com a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, em relação à aI. f) do artigo 400.°, n.o 1, do CPP, ao mesmo está vedado o conhecimento do recurso quanto aos crimes em concurso a que tenha sido aplicada pena de prisão inferior a 8 anos, na medida em que quanto a estes se formou caso julgado material, podendo apenas a actividade decisória subjacente à pena única aplicada em cúmulo, caso superior aos referidos 8 anos. V- Idêntico raciocínio terá que ser feito quanto à aI. d), do mesmo artigo, considerando que quanto aos crimes em concurso o acórdão transitou em julgado, não sendo passível de reexame no presente recurso. VI- Interpretação diferente criaria uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação, violando, nessa interpretação das referidas normas - artigo 400.°, nº 1, ais. d) e f) - , o disposto nos artigos 13.° e 32.°, n.o 1, da Constituição da República Portuguesa, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa no processo penal, o que, desde já, se invoca para os devidos e legais efeitos. * A redacção primitiva do artigo 400 nº1 alínea d) do Código de Processo Penal referia que não são susceptíveis de recurso os acórdãos absolutórios proferidos pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância. Por seu turno a Lei 20/2013 introduziu uma nova redacção segundo a qual são irrecorríveis os acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos. Assim, a primeira questão que emerge da nova redacção daquela norma processual penal consubstancia-se na questão de aplicação da lei no tempo. Em relação á mesma dispõe o artigo 5º do Código de Processo Penal que a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior e, ainda, (nº2) que a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo. Como refere Castanheira Neves (Sumários de Processo Penal pag 65 e seg) “Os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "processo" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e Justiça, porque esteja dominada a nova lei seja intolerável a persistência da lei anterior”. Por outras palavras a questão que se coloca é de saber se da contraposição da anterior e da actual redacção da alínea d) do artigo 400 do Código de Processo Penal se poderá afirmar a existência de um diferente tratamento da questão da admissibilidade de recurso, nomeadamente no que concerne á questão das penas parcelares pressuposto da pena conjunta. No domínio da anterior redacção da alínea d) o artigo em causa, mesmo na interpretação mais abrangente, sufragada pela interpretação literal, o recurso interposto seria de admitir. Por seu turno a actual redacção estabelece á partida uma diferença distinta para definir a admissibilidade de recurso que consiste na circunstância de o marco, e limite, ser a pena efectivamente aplicada em sede de primeira instância e que esta seja superior a oito anos. A diferente redacção apenas pode suscitar uma eventual interpretação mais benévola da situação do arguido. Sendo assim é liminar a conclusão de que a nova redacção do normativo em causa não importou qualquer agravamento da posição processual daquele pelo que se considera ser a mesma aplicável em função do artigo 5 nº2 do Código de Processo Penal. * A questão que agora se suscita é da correcta interpretação do normativo em causa, tema em relação ao qual o recorrente esgrime o paralelismo com a alínea f) do mesmo artigo em relação ao qual se encontra sedimentado o entendimento de que o recurso da decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação, e que confirme a decisão de primeira instância, apenas abrange a pena parcelar, ou conjunta, superior a oito anos de prisão. Assim, somos conduzidos a uma situação de dualidade interpretativa em relação à admissibilidade do recurso pois que se podem desenhar duas diferentes perspectivas:-numa primeira estaria limitada a recorribilidade à decisão incidente sobre absolvição relativa a uma pena conjunta, ou parcelar, aplicada na primeira instância, superior a oito anos, estando vedada a apreciação das penas parcelares inferiores a tal limite. Numa outra ordem de ideias a valoração daquela pena conjunta pressuporia sempre a avaliação das penas parcelares que lhe deram origem Pensamos que tal paralelismo está incorrectamente invocado. Na verdade, como se referiu, nos termos da alínea d) do artigo 400 do Código de Processo Penal não é admissível recurso de acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a oito anos. Existem, assim, duas situações completamente distintas assentes nas duas alíneas em causa e que radicam num dos eixos fundamentais do sistema de recursos, que é o princípio da “dupla conforme” condenatória. Na verdade, a irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação que confirma a pena inferior ao parâmetro legal tem subjacente o facto de existir uma convergência na condenação proferida nas duas instâncias a qual se conjuga com a necessidade de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para as questões que se entendem mais importantes aferidas em função da pena aplicada. É distinta a situação da decisão absolutória, por contraposição à condenação de primeira instância, em relação à qual, não só não se gera qualquer situação de dupla conforme em qualquer uma das suas vertentes, como são das decisões de natureza e sinal contrário em toda sua plenitude. Não existe o paralelismo de situações invocado. * Não se encontrando justificado o referido paralelismo importa relevar que, por alguma forma, o recorrente procura suportar o mesmo com a interpretação subjacente ao Acórdão de Uniformização14/20013 segundo o qual “Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão». Na verdade, tal decisão uniformadora tem subjacente o entendimento da dimensão da pena como critério de recorribilidade o que, no entender do recorrente, se projectaria no caso vertente pois que as penas parcelares não atingem aquele limite sendo certo que já a pena conjunta a excede largamente. Face a tal invocação importa chamar à colação uma outra perspectiva de análise que se prende com a específica tipologia que impende sobre a admissibilidade de recurso da decisão absolutória proferida pelo Tribunal da Relação. Na verdade, nesta decisão a verificação da sua recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça é apreciada em função da pena aplicada em sede de primeira instância. Assim, a partir do momento em que a pena que serve de suporte à definição de recorribilidade é a pena conjunta ali aplicada, por ser superior ao respectivo patamar, a sua apreciação tem, necessariamente, como pressuposto os factos que a mesma decisão considerou provados e que fundamentaram a responsabilidade criminal nos crimes que conduziram às penas parcelares. Se considerarmos que as penas parcelares inferiores a cinco anos são irrecorríveis subsistirá a decisão absolutória que foi proferida em relação às mesmas em sede de Tribunal da Relação. Porém, a pena conjunta, por superior a oito anos, será recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça. Assim, a aceitar tal lógica argumentativa teríamos a apreciação do recurso duma pena conjunta em relação à prática de um concurso de crimes que inexistem pois que o arguido foi absolvido da sua prática. Dito por outras palavras, sendo irrecorrível a decisão recorrida proferida pelo tribunal de segunda instância no que toca às penas parcelares, subsistiria uma decisão absolutória em relação aos crimes que as fundamentaram e que levaram à concretização da pena conjunta na primeira instância. A pena conjunta, fundamento da recorribilidade, deixaria de ter qualquer suporte. A única interpretação possível, sufragada na letra da lei e emergente do pressuposto de que o recorrente não pretendeu uma solução legislativa legislativa aberrante, fora de qualquer lógica, é a de que, no caso de apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça duma decisão absolutória em relação à qual foi aplicada uma pena conjunta superior a oito anos de prisão em primeira instância tal pressupõe, inevitavelmente, a avaliação das penas parcelares e de apreciação em relação aos crimes que às mesmas conduziram. Como se refere em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2009 e nesta circunstância O “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador (e garantista) da jurisprudência, um papel de “referência” para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual. Sendo o STJ o tribunal vocacionado, por excelência, para “dizer o direito”, havendo dúvidas quanto à sua competência, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua competência. Assim, entende-se que é admissível o recurso interposto
II A compreensão da matéria de recurso pressupõe um breve historial da sequência dos presentes autos. Proferida decisão em sede de primeira instância e no Tribunal da Relação de Évora, em 13 de Novembro de 2012, foi proferido acórdão que concedeu provimento ao recurso da decisão que indeferiu a solicitação ao 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Faro e ao Tribunal Judicial de Olhão do envio de certidões das decisões finais e/ou despachos de acusação e pronúncia respectivamente proferidos nos processos n.º 283/10.8YAFAR e n.º 167/10.0TELSB e de informação à Conservatória do Registo Automóvel, sobre a propriedade do veículo automóvel com a matrícula xx-yy-xx. Em consequência, decidiu-se revogar tal decisão e ordenar a sua substituição por outra que admita a realização de tais diligências, com reabertura da audiência de julgamento, pelo mesmo Tribunal, e declarar nulos os actos posteriores à decisão revogada.
* Devolvidos os autos ao Tribunal Judicial de Albufeira, no decurso da audiência de julgamento reaberta – sessão que teve lugar no dia 19 de Março de 2013 – foi ordenada a separação de processos relativamente ao Arguido GG. E por acórdão proferido e depositado em 22 de maio de 2013, foi decidido: «A) Julgar improcedentes as nulidades e vícios de prova invocadas pelos arguidos CC e AA, nas respectivas contestações; B) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; C) Condenar o arguido BB, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; D) Condenar o arguido CC, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; E) Condenar o arguido EE, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; F) Condenar o arguido DD foi condenado, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; G) Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido e respectivas embalagens, e ordenar a sua destruição, tudo sem prejuízo da destruição a que já se tenha procedido, nos termos do art.º 62º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1. H) Declarar perdidos a favor do Estado os telemóveis e cartões apreendidos aos arguidos atendendo-se ao disposto no art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1. I) Declarar perdido a favor do Estado todo o dinheiro apreendido nos autos aos arguidos, atendendo-se ao disposto no art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1. J) Declarar perdido a favor do Estado o veículo pesado de mercadorias semi-reboque de marca Volvo de matrícula 581 6DDZ e a galera frigorífica de marca Leciena com a matrícula R-1332-BBC, que foram apreendidos à ordem dos autos, atendendo-se ao disposto no art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1 e art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 31/85, de 25/1; L) Condenar os arguidos AA, BB, CC, EE e DD, no pagamento, cada um, de 8 U.C.’s de taxa de justiça, e ainda nas demais custas do processo, sem prejuízo dos benefícios do apoio judiciário concedido; (…) O) Determinar o envio de cópia da presente sentença, nos termos do artigo 64.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1. (…)» * A decisão ora recorrida considerou que, em relação a tal decisão de primeira instância, se suscitam as seguintes questões “ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas”: (I) se o Tribunal a quo não permitiu a realização de diligência que se deva reputar essencial para a descoberta da verdade, nos termos prevenidos nos artigo 120.º, n.º s 1 e 2 , alínea b), e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal; (ii) se o Tribunal a quo utilizou, na decisão final proferida, meio de obtenção de prova ferido de nulidade, designadamente nos termos prevenidos nos artigos 187.º e 190.º do Código de Processo Penal; (iii) se o Tribunal a quo, na decisão final, omitiu pronúncia sobre a invalidade de meios de obtenção de prova, nos termos prevenidos nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal; (iv) se a decisão final proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade por falta de exame crítico e fundamentação [nomeadamente no tocante à factualidade assente naquela Instância como não provada], nos termos prevenidos no artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal; (v) se a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; (vi) se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, nos termos prevenidos no artigo 412.º, n.º 1, 2, 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal; (vii) se o Tribunal recorrido incorreu em erro de valoração, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal (viii) se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, no tocante à dosimetria das penas impostas aos Recorrentes.
* Em sede de decisão de primeira instância considerou-se provada a seguinte factualidade: «1º- Em data não concretamente determinada, um grupo de pessoas, constituído pelo arguido CC, por HH, II e outras que não foram identificadas, acordaram entre si proceder à aquisição, importação e transporte de avultada quantidade de estupefacientes para ser comercializada na Europa. 2º- As pessoas acima referidas planearam a introdução dos estupefacientes em Portugal, onde seriam armazenados até serem transportados para Espanha em veículos automóveis. 3º- HH conhecia o arguido AA. 4º- Tendo em vista a execução daquele desígnio comum, em data não concretamente determinada, pessoas do grupo referido no Facto 1º, propuseram ao arguido AA que diligenciasse pela obtenção de meios com vista a efectuar um transporte de produto estupefaciente para Portugal e ainda que se encarregasse de providenciar um veículo automóvel e um individuo que o conduzisse, recebendo como contrapartida por esses “serviços” uma quantia que em concreto não foi apurada, mas que seria sempre superior a 5.000 euros. 5º- Ciente da natureza estupefaciente da mercadoria a transportar, o arguido AA aceitou prestar aqueles serviços, ante a contrapartida pecuniária prometida, de valor concretamente não apurado, mas que nunca seria inferior a pelo menos 5.000 euros. 6º- Sabendo que o arguido BB tinha ao seu dispor o veículo ligeiro de mercadorias de marca Mercedes de matrícula xx-xx-yy, o arguido AA propôs-lhe que se encarregasse da realização do transporte dos estupefacientes, de Portugal para Espanha, naquele veículo automóvel, recebendo como contrapartida, uma quantia que em concreto não foi apurada. 7º- Ciente da natureza estupefaciente da mercadoria a transportar, ante as contrapartidas pecuniárias que lhe foram prometidas, o arguido BB aceitou realizar esse transporte. 8º- No dia 11-06-2010 em Águas de Moura, os arguidos AA e BB encontraram-se com HH e também com os arguidos II e CC. 9º- Nessa ocasião, os arguidos delinearam a estratégia da execução do transporte dos estupefacientes. 10º- Ficou ainda delineado que, para dissimular os fardos de estupefacientes que nele fossem acondicionados, o arguido BB devia colocar algumas peças de mobiliário no espaço de carga do veículo de matrícula xx- xx-yy e que entregaria esse veículo a um elemento do grupo que se encarregaria de conduzir o veículo para o local onde os estupefacientes estavam armazenados e de acondicionar no seu interior uma parte do carregamento. 11º- Em data concretamente não apurada, mas próxima do dia 14 de Junho de 2010, o arguido CC e as demais pessoas referidas no Facto provado 1º, fizeram entrar em Portugal, 153 fardos de haxixe, com o peso total de 4.841.377,770 gr. 12º- As mesmas pessoas resolveram transportar o referido produto estupefaciente de Portugal para Espanha em duas fases, a primeira a ser executada no dia 15-06-2010 13º- Na sequência do previamente combinado, no dia 14-06-2010, o arguido BB introduziu algumas peças de mobiliário na viatura de matrícula xx- xx-yy, conduzindo-a depois para Águas de Moura, onde a estacionou, e foi ao encontro dos arguidos AA e CC. 14º- De seguida, em hora situada entre o dia 14/6/2010 e a madrugada do dia 15/6/2010, e conforme o previamente combinado com os arguidos BB, AA e CC, pessoa ou pessoas concretamente não identificadas levaram a referida viatura de marca Mercedes e matrícula xx-xx-yy para local concretamente não apurado, onde procederam ao carregamento de 76 fardos de estupefacientes. 15º- No dia 15-06-2010, cerca das 8 horas, o mesmo indivíduo ou indivíduos desconhecidos estacionaram o veículo Mercedes de matrícula xx-xx-yy frente em local situado à entrada de Águas de Moura, e perto do local onde se encontravam os arguidos BB, AA e CC, que aguardavam a sua chegada. 16º- De imediato os arguidos BB e CC entraram no interior do veículo de matrícula xx-xx-yy. 17º- Como contrapartida pela sua participação o arguido CC receberia, pelo menos a quantia de 5.000 euros. 18º- Assumindo a sua condução o arguido BB pôs o veículo em marcha tomando a direcção de Alcácer do Sal, após o que entra na AE2 e depois na AE6 seguindo em direcção a Espanha. 19º- Pelas 09 horas do dia 15-06-2010, ao km 99 da AE6, o arguido BB e CC foram interceptados por elementos da PJ-DIC da Guarda quando transportavam, no interior daquele veículo de matrícula xx-xx-yy, dissimulados entre peças de mobiliário, 76 fardos que continham 2.403.938,700 gramas de um produto vegetal prensado que continha como substância activa “Canabis (Resina)” com o grau de pureza de 6,0 (THC), com o qual era possível produzir mais de milhares de doses individuais. 20º- Na ocasião, além daqueles estupefacientes, foram apreendidos ao arguido BB o veículo automóvel de matrícula xx-xx-yy e dois aparadores, quatro colchões de cama de casal, sete mesas de cabeceira, um móvel louceiro e oito cadeiras, objectos estes que dissimulavam aqueles fardos de estupefacientes. 21º- Também na mesma ocasião, o arguido CC tinha em seu poder a quantia de € 445 que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha. 22º- Na sequência da intercepção e detenção dos arguidos BB e CC, também o arguido AA foi interceptado na Avenida da Liberdade, em Aguas de Moura, tendo em seu poder um telemóvel de marca Nokia, IMEI n.º xxxxxxxxx com o cartão PP n.º xxxxxxxxxxx para se manter em contacto com os arguidos BB e CC e as demais pessoas referidas no facto provado 1º, e articularem-se entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. 23º- Privados da colaboração dos arguidos BB, AA e CC e tendo ainda armazenados em território nacional 77 fardos de estupefacientes para serem transportados para Espanha, as demais pessoas referidas no Facto provado 1º, recrutaram, em Espanha, os arguidos DD e EE que incumbiram de se deslocarem a Portugal e procederem à recolha dos restantes 77 fardos de estupefacientes e de os transportarem para Espanha. 24º- Cientes na natureza estupefaciente da mercadoria a transportar e ante as contrapartidas pecuniárias que lhes foram prometidas- pelo menos 6.000 euros para cada um deles-, DD e EE aceitaram realizar essa tarefa. 25º- No dia 01-07-2010 os arguidos EE e DD, vindos de Espanha, entraram no território nacional com o tractor pesado de mercadorias de marca Volvo, matrícula xxxxyyy com o semi-reboque de matrícula R-xxx-yyy, propriedade do primeiro e conduzido pelo segundo e dirigiram-se ao local onde os estupefacientes estavam armazenados. 26º- Em hora concretamente não apurada, mas situada no período da tarde do dia 01-07-2010, em local não apurado, pessoas concretamente não identificadas, acondicionaram no interior do aludido semi-reboque os restantes 77 fardos de estupefacientes. 27º- Após, o veículo foi entregue aos arguidos EE e DD. 28º- De seguida, com o aludido veículo pesado de mercadorias conduzido pelo arguido DD, e onde seguia também o arguido EE, tomaram a direcção de Espanha pela AE 2. 29º- Pelas 19:30 horas do dia 01-07-2010, nas Portagens da AE2 em Pademe- Albufeira, os arguidos EE e DD foram interceptados por elementos da PJ-DIC da Guarda quando transportavam no interior do aludido semi-reboque 77 fardos que continham 2.437.439,070 gramas de um produto vegetal prensado que continha como substância activa “Canabis (Resina)” com o grau de pureza de 6,0 (THC), com o qual era possível produzir 2.924.926 doses individuais. 30º- Nessa ocasião, além daqueles estupefacientes foram apreendidos ao arguido EE o veículo pesado de mercadorias semi-reboque de marca Volvo de matrícula xxxxyyy e a galera frigorífica de marca Leciena com a matrícula R-xxxx-yyy. 31º- O arguido EE tinha ainda consigo a quantia de € 550 que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha e o telemóvel de marca NOKIA, modelo 1661-2, IMEI n.º xxxxx/xxxxxx/x para se manter em contacto com as pessoas referidas no Facto provado 1º, a fim de se articularem entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. 32º- Na mesma ocasião o arguido DD tinha em seu poder a quantia de € 200 que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha e o telemóvel de marca NOKIA, modelo 2680s-2, IMEI n.º xxxxx/xx/xxxxx/x para se manter em contacto com para se manter em contacto com as pessoas referidas no Facto provado 1º, a fim de se articularem entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. 33º- Na execução dos factos acima descritos tiveram intervenção diversos agentes encobertos, agindo no âmbito de uma acção encoberta, executada nos termos previstos na Lei n.º 101/2001, de 25/8, e com autorização e acompanhamento do M.º Juiz de Instrução Criminal competente. 34º- Os referidos agentes encobertos, a pedido do arguido AA- que desconhecia o envolvimento da Policia Judiciária na execução dos factos-, colaboraram na organização do transporte marítimo do produto estupefaciente que foi apreendido nos autos, a partir de local concretamente não apurado situado perto da litoral marroquino e até à costa portuguesa, onde foi introduzido em território nacional. 35º- Na concreta execução do acima referido transporte marítimo, participou o arguido CC, que igualmente seguiu na embarcação que transportou o produto estupefaciente até Portugal. 36º- Ao agirem como descrito, os arguidos AA, BB e CC, previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, entre eles e com as demais pessoas referidas no Facto provado 1º, recolher e transportar no território nacional os 76 fardos que continham 2.403.938,700, gramas de haxixe, e referidos no facto provado 19º, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. 37º- Ao agirem como descrito, os arguidos DD e EE, previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, entre eles e com as pessoas referidas no Facto provado 1º, recolher e transportar no território nacional os 77 fardos que continham 2.437.439,070 gramas de haxixe, e referidos no facto provado 28º, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. 38º- Ao agirem como descrito, os arguidos AA e CC, e para além do acima descrito, em conjugação de esforços com as demais pessoas referidas no Facto provado 1º, quiseram recolher e transportar no território nacional os produtos acima indicados em 36º e 37º, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. 39º- Todos os referidos arguidos sabiam que tal conduta lhes estava vedada por lei e, tendo capacidade de se determinarem segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de as realizar. 40º- O arguido DD é de nacionalidade espanhola, sendo o mais velho de dois irmãos, e o seu processo de socialização decorreu até aos cerca de 24/25 anos de idade no interior dos seu agregado familiar de origem, estruturado e com uma dinâmica intra-familiar coesa. 41º- O arguido DD integrou a escola em idade normal, tendo concluído o 9º ano de escolaridade, e vindo a abandonar precocemente os estudos por desmotivação e decisão de começar a trabalhar para se autonomizar economicamente. 42º- Quando ainda era adolescente, o arguido DD começou a trabalhar no campo e a vender produtos agrícolas num armazém. Ao nível profissional veio posteriormente a desenvolver a actividade de motorista de pesados. 43º- Com cerca de 24/25 anos, o arguido DD iniciou um relacionamento marital com o actual cônjuge, constituindo agregado familiar próprio e com quem veio a casar em 2008. Desta relação nasceu uma filha, actualmente com 6 anos de idade. 44º- Na data dos factos em causa neste processo, o arguido DD viva com a mulher e filha e tinha a profissão de motorista. 45º- O arguido DD tenciona regressar ao seu país de origem e reintegrar o seu agregado familiar, logo que for libertado. 46º- O arguido AA nasceu em França, país onde a família se encontrava emigrada. Quando o arguido tinha três anos de idade, a família regressou definitivamente a Portugal e fixou residência na aldeia de origem dos pais, onde permaneceram até à actualidade. 47º- O arguido AA efectuou o processo de socialização num contexto familiar estruturado e funcional e com boa integração social. 48º- O arguido AA frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade e por desmotivação não prosseguiu a escolaridade. Aos 14 anos de idade, iniciou actividade profissional conjuntamente com o pai na área de construção civil que exerciam por conta própria e na prática de agricultura e criação de gado. 49º- Excepto num período sensivelmente dc um ano e meio em que viveu em união de facto com uma companheira, que faleceu por doença súbita, o arguido AA sempre permaneceu integrado no agregado familiar de origem. Aos 26 anos de idade, com o falecimento do progenitor, assumiu as tarefas agrícolas e de criação de gado, colectando-se nas finanças com a profissão de agricultor rio período de 2004 a 2007, actividade da qual dependia a sua manutenção. 50º- A partir de 2007 o arguido AA abandonou o sector agrícola pela ausência de rentabilidade e para além da agricultura de subsistência não exerceu actividade profissional remunerada passando a sua manutenção a ser assumida pela mãe. 51º- Na data dos factos em causa neste processo, o arguido AA residia com a mãe em habitação propriedade desta, e para além da agricultura de subsistência não exercia actividade profissional remunerada, dependendo economicamente da mãe que ainda hoje beneficia de uma pensão de reforma no valor global que rondam os 750€. 52º- O arguido AA tem o apoio da mãe, e também de uma irmã residente numa aldeia vizinha e de um irmão que reside em França, existindo uma dinâmica familiar estável. 53º- No decurso do cumprimento da medida de coacção que lhe foi imposta, o arguido AA mantém os mesmos hábitos de vida, e inexistem incidentes relativos á execução da medida de coacção. 54º- Os pais do arguido BB estiveram emigrados em França cerca de 19 anos, país onde aquele nasceu e permaneceu até aos cinco anos de idade, altura em que regressaram ao Sabugal. Em Portugal, o pai deu continuidade à actividade profissional de carpinteiro por conta própria, actividade que progressivamente foi evoluindo para a construção de uma fábrica de móveis e que proporcionou estabilidade económica ao agregado familiar. 55º- O processo de crescimento do arguido BB decorreu com normalidade, num contexto familiar equilibrado e com adequada inserção social. 56º- Apesar da vontade da família para prosseguir a escolaridade, o arguido BB apenas completou o 9° ano de escolaridade e, após cumprimento do serviço militar, optou por integrar a empresa familiar de construção e pintura de móveis, actividade pela qual demonstra motivação e empenho e que sempre exerceu de forma regular. A empresa assistiu a uma fase de expansão e crescimento, ao qual não foi alheio o investimento pessoal do arguido. 57º- Nos últimos anos, e na sequência de um projecto de investimento realizado, a empresa da família do arguido BB apresentou dificuldades financeiras. 58º- Na data dos factos em causa neste processo, o arguido BB integrava o agregado familiar dos pais que residiam em habitação própria, dependendo a manutenção da família dos rendimentos provenientes da fábrica de móveis. 59º- O arguido BB tem cumprido a medida de coacção que lhe foi imposta. 60º- O arguido BB e a sua família tencionam que o primeiro se dedique á actividade na fábrica propriedade familiar. 61º- O arguido CC nasceu há quarenta e trës anos em Itália, perto de Milão, onde o seu processo de socialização terá decorrido no agregado familiar dos progenitores e um irmão mais velho, num contexto favorável. 62º- O arguido CC frequentou a escola no seu no país de origem, concluindo a escolaridade obrigatória após o que frequentou durante quatro anos um curso de cozinha. 63º- Aos 19 anos de idade, o arguido CC cumpriu um ano de serviço militar, tendo após o seu terminus iniciado a sua actividade profissional como cozinheiro. 64º- Aos 22 anos de idade, o arguido CC passou a viver maritalmente com uma companheira, fruto do qual nasceram dois filhos, de 16 e 14 anos de idade. Este relacionamento durou cerca de seis anos. 65º- No ano de 2009, o arguido CC mudou-se para Espanha, onde trabalhou num restaurante, tendo posteriormente inaugurado o seu novo restaurante. 66º- O arguido CC vive em união de facto com uma companheira, de nacionalidade irlandesa, desde há cerca de 9 anos e meio. 67º- O arguido CC pretende regressar a Espanha após a sua libertação. 68º- O arguido EE é natural da zona de Alicante, em Espanha, sendo o mais velho dos três filhos de um casal detentor de uma situação globalmente estável a nível familiar e económico. O pai trabalhava por conta própria no transporte de mercadorias, e a mãe assumia as funções de gestão da habitação e acompanhamento educativo mais próximo dos filhos. 69º- O arguido EE frequentou a escola até ao 7º ano de escolaridade, tendo abandonado o sistema de ensino por volta dos 16 anos, dada a sua falta de motivação e fraca apetência pelo processo de ensino/aprendizagem. 70º- Com a saída do sistema de ensino, o arguido EE passou a acompanhar o progenitor na actividade do mesmo, tendo posteriormente passado a conduzir também ele camionetas das empresas familiares. 71º- Após o falecimento do seu pai, o arguido EE continuou a actividade daquele, mas com dificuldades. 72º- Entre os 18 e os 26 anos de idade, o arguido EE consumiu cocaína. 73º- Entre os 28 e os 35 anos de idade, o arguido EE manteve uma relação conjugal, da qual resultou o nascimento de dois filhos, actualmente com 13 e 7 anos de idade respectivamente, e que actualmente vivem com a progenitora. 74º- Na data dos factos em causa no processo, o arguido EE vivia com a progenitora, que é doente, tendo dificuldades económicas. 75º- Em meio prisional, o arguido EE teve apoio familiar, designadamente através de visitas. 76º- No certificado do registo criminal do arguido AA constam as seguintes menções: -no processo sumário n.º 28/07.0GTGRD do Tribunal Judicial de Almeida, por sentença datada de 12/2/2007 e relativa a factos de 11/2/2007, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 4 euros, perfazendo o montante de 320 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias; -no processo sumaríssimo n.º 134/07.0TAALD do Tribunal Judicial de Almeida, por sentença datada de 7/10/2008 e relativa a factos de 20/7/2007, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 4 euros, perfazendo o montante de 400 euros. 77º- No certificado do registo criminal do arguido BB constam as seguintes menções: -no processo comum singular n.º 89/06.9TASBG do Tribunal Judicial do Sabugal, por sentença datada de 28/1/2009 e relativa a factos de 05/2006, o arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documentos, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5 euros, perfazendo o montante de 1.200 euros; -no processo comum singular n.º 90/07.5TACVL do Tribunal Judicial do Sabugal, por sentença datada de 15/4/2011 e relativa a factos de 2006, o arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documentos, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1, com referência ao art.º 202º, al. a) e 22º, 23º, n.º 1 e 2 e 73º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 400 dias de multa à taxa diária de 4 euros, perfazendo o montante de 1.600 euros. 78º- No certificado do registo criminal do arguido CC não consta qualquer menção. 79º- No certificado do registo criminal do arguido EE não consta qualquer menção. 80º- No certificado do registo criminal do arguido DD não consta qualquer menção.» Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]: «Não resultaram provados os seguintes factos: - Que o arguido GG integrasse o grupo de pessoas referido no Facto provado 1º. - Que, sem prejuízo do que consta no facto provado 3º, fosse desde há mais de 7 anos que o HH conhecia o arguido AA. - Que, para além do que consta no Facto provado 3º, fosse exactamente e pessoalmente HH quem apresentou a proposta ao arguido AA, e que fosse exactamente o mesmo HH quem propôs a este arguido que se encarregasse de providenciar uma embarcação e indivíduos que a governassem, para proceder à recolha dos estupefacientes na costa de Marrocos e de os transportar para o território nacional. - Que em 06-06-2010, os arguidos AA e BB encontraram-se com HH e o arguido GG na A… S… I…, também denominada R…, no Sabugal, para que o arguido AA apresentasse o arguido BB, e para que o arguido GG aprovasse a intervenção deste na execução do transporte rodoviário dos estupefacientes, e confirmasse o pagamento da quantia de € 40.000 pela sua participação. - Que era o arguido GG quem financiava a operação. - Que fosse exactamente no encontro referido no facto provado 8º, que o arguido CC tivesse ficado incumbido de, em Marrocos, dirigir as operações de embarque dos estupefacientes e de assegurar que fossem desembarcados no local pré-determinado da costa portuguesa. - Que em data não apurada entre os dias 11 e 13 de Junho de 2010 o arguido CC deslocou-se a Marrocos para dirigir as operações de embarque dos estupefacientes, vigiar esse carregamento durante o transporte marítimo e assegurar que o seu desembarque era feito no local determinado da costa portuguesa. - Que o arguido GG também tivesse recrutado os arguidos DD e EE, nas circunstâncias referidas no facto provado 23. - Que fossem exactamente os arguidos EE e DD, as pessoas que procederam ao acondicionamento dos fardos como referido no facto provado 26º. - Que o titular do telemóvel 9xxxxxxxx, que dava pelo nome de “Z... A...”, dizia que era proprietário de uma embarcação de pesca. - Que cerca do mês de Janeiro de 2010, o dito “Z... A...”, como proprietário de tal embarcação de pesca foi apresentado ao arguido AA, por um fulano da Guarda. - Que esse indivíduo, a partir daí foi incentivando o arguido AA a participar nas operações subsequentes a um desembarque de droga, que ele próprio (“Z... A...”) iria efectuar. - Que o arguido AA, providenciou os meios necessários ao transporte de haxixe da zona de Setúbal para Espanha, apenas por que foi incentivado pelo Z... A.... - Que o “Z... A...”, propôs-se então, efectuar o transporte da droga de Marrocos para a Costa Portuguesa, e uma vez transportada, desembarcada e armazenada, por si (e outras pessoas consigo conluiadas, numa primeira fase, propôs-se também efectuar o transporte do produto estupefaciente por terra, num veículo frigorífico sua propriedade, até um armazém de móveis sito no Sabugal, sendo que a partir daqui, o arguido AA providenciaria o transporte desse produto para Espanha. - Que o dito “Z... A...” chegou a deslocar-se ao Sabugal num Mercedes cinza prata, para fazer o reconhecimento ao armazém dos móveis, e que estas instalações foram-lhe mostradas e, ao observá-las sugeriu até que as janelas do armazém fossem tapadas com taipais, para fazer crer que o armazém estava em obras, mas que dias depois, entendeu que seria melhor não ser ele, “Z... A...”, a fazer esse transporte desde o local do desembarque até ao Sabugal. - Quem, sem prejuízo do que consta nos factos provados, o “Z... A...” depois de ter ido ao Sabugal e depois do reconhecimento disse ao arguido AA que tinha perdido o interesse no armazém do Sabugal, e que a droga sairia de Portugal da zona de Setúbal, e incumbiu de tais actos preparativos o arguido AA, que aceitou praticá-los, falando a um transportador para o fazer, porquanto se encontrava em situação de carência económica. - Que o arguido AA aguardava que o irmão o chamasse para ir trabalhar na construção civil para França, e vivia de uma pequena agricultura de subsistência que ajudava a fazer à mãe, já viúva. - Que o arguido AA não frequenta, como não frequentava à data dos factos e antes, a orla costeira. - Que o arguido AA não conhecia qualquer pessoa ligada à fama da pesca, ou qualquer pessoa ligada a qualquer actividade marítima que tivesse embarcação ao seu dispor. - Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados, fosse exactamente o “Z... A...” quem telefonou ao arguido AA, dando-lhe a notícia de que já tinha efectuado o transporte e desembarcado o produto estupefaciente, usando uma linguagem de código. - Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados, o arguido AA pôs em marcha os preparativos quanto ao transporte por via terrestre desde Setúbal a Espanha com o arguido BB, que havia contactado para o efeito, apenas a pedido do “Z... A...”, e por este ter recusado fazer o transporte terrestre, - Que o “Z... A...” incentivou e fomentou o arguido AA a participar na actividade delinquente, actuando aquele “Z... A...” sob controlo da Polícia Judiciária. - Que o “Z... A...”, logo que conquistou a adesão do arguido AA e de outros a intervir nos preparativos para a actividade delinquente, deles deu conhecimento à Polícia Judiciária nos termos seguintes: “...uma rede transacciona! de tráfico ilícito de produtos estupefacientes, constituída por portugueses, espanhóis e marroquinos, se estava a preparar para um transporte de várias toneladas de haxixe com destino a Espanha... Proveniência do haxixe - Marrocos; Entrada pela costa marítima, por praia do Sul do País, depois, guardada em armazém no Sabugal, afecto a uma empresa de fabrico de móveis denominada “FF, Unipessoal, L.da” com sede na E…/xx, 6320 Sabugal. Eram conhecidos 2 portugueses ligados ao transporte da droga: um tal AA, dos F…, que habitualmente conduz o veículo xx-xx-ww (Peugeot 205), e outro conhecido por - BB- único sócio gerente da referida empresa. O transporte, à data de informação, estaria eminente.” - Que a informação acima referida era conhecida apenas do “Z... A...”, e só ele a podia debitar, como debitou à P.J. e da qual nasceu o presente processo. - Que os agentes da P.J., sabendo que o transporte estava para se fazer não fizeram diligências para determinar e conhecer o individuo. - Que quando a Polícia Judiciária queria fazer alguma diligência, ou tirar fotografias às pessoas que o utilizador do telefone 9xxxxxxxx, dito “Z... A...”, ia conquistando para dar forma e fazer sair do País o produto estupefaciente que havia de ir carregar a Marrocos, e desembarcar em Portugal, pedia-lhes para os fazer comparecer nos locais pretendidos. - Que quando a Policia Judiciária tirou as fotografias juntas aos autos, embora o “Z... A...” estivesse presente, fazia-o de modo a não o fazer ficar nas ditas fotografias. - Que o utilizador do telefone 9xxxxxxx - dito “Z... A...” — foi poupado a qualquer tipo de vigilância e ou investigação por banda da Policia Judiciária. - Que o arguido AA foi vítima da acção do titular do dito telemóvel — o “Z... A...” - enquanto agente provocador, porquanto, as actuações deste visaram incitar o arguido a cometer a infracção, infracção esta que, sem a intervenção do “Z... A...” não teria tido lugar. - Que o arguido EE não tivesse sido recrutado pelas pessoas referidas no facto provado 1º. - Que o arguido EE não sabia que o produto transportado no seu veículo eram fardos de haxixe. - Que o arguido EE desconhecia a mercadoria que era transportada no seu veículo, tal como o seu peso e como estava acondicionada. - Que o arguido EE paga uma pensão de alimentos ás suas filhas no valor mensal de 500 euros. - Que o arguido EE apenas praticou os factos porque estava desesperado e o seu pensamento toldado por uma necessidade básica de sobrevivência e de suprir necessidades imediatas. - Que o restaurante do arguido CC começou a acumular dívidas, e os fornecedores deixaram de ser pagos, ameaçando deixar de o fornecer, sendo a sua única solução fechar o restaurante e perder o seu ganha-pão. - Que os amigos do arguido CC, sabedores do sua precária situação financeira e conhecendo a desafogada condição financeira de II, intercederam junto deste no sentido de emprestar dinheiro ao arguido CC. - Que II aceitou emprestar € 5000,00 ao arguido CC, pelo prazo de seis meses, dando este o seu restaurante como garantia. - Que cerca de um ano após o empréstimo, II surgiu no restaurante do arguido CC com o intuito de cobrar a dívida, tendo este, então, manifestado o seu pesar e afirmado que não tinha dinheiro para lhe pagar, pedindo-lhe que lhe fosse concedido mais prazo para o efeito, o que II não aceitou, propondo-lhe, ao invés, que acompanhasse um transporte de Portugal para Espanha, como forma de saldar a dívida. - Que foi pelo motivo acima indicado que o arguido CC aceitou praticar os factos. - Que o arguido CC não tinha conhecimento da natureza do produto transportado no veículo onde seguia no dia 15/6/2010. - Que o arguido CC estav convencido de que apenas efectuava contrabando de tabaco. - Que o arguido CC não retiraria qualquer vantagem patrimonial pela sua participação no transporte dos fardos de haxixe. - Que a quantia de € 445,00 que o arguido CC tinha na sua posse e que lhe foi apreendida, foi-lhe enviada pela sua mãe para Espanha, via Wester Union, e que a trazia por cautela, por não saber quanto tempo ficaria em Portugal. - Que a deslocação a Portugal do arguido GG, deveu-se apenas a motivos relacionados com a actividade das empresas daquele. * Nada mais resultou provado, sem prejuízo de não se responder a alegações conclusivas ou de direito, ou ainda a alegações de factos irrelevantes para a decisão desta causa.»
I A convicção do Tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]: ………………………….Como resulta do que se acabou de escrever, o tribunal valorizou as intercepções telefónicas juntas aos autos, validamente efectuadas como decorre do processo. Acontece que o arguido CC, na sua contestação, invocou a nulidade das intercepções telefónicas, dizendo que algumas respeitam a um suspeito que nunca foi identificado, e que assim, todas as demais são nulas. Mais concretamente, alega o arguido que não tendo sido identificado o suspeito, desconhece-se se o juiz de instrução seria competente para as autorizar, nos termos do art.º 187º, n.º 4, al. a), do Código de Processo penal, ou se essa competência estava deferido especialmente ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 11º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal. Dito doutro modo, alega o arguido que não se sabendo se o suspeito era o Sr. Presidente da República, a Sr.ª Presidente da Assembleia da república, ou o Sr.º Primeiro Ministro, não se saberá quem é o competente para autorizar as intercepções telefónicas. Esta tese trazida pelo arguido carece em absoluto de fundamento legal e surge como manifestamente inverosímil. Com efeito, não resultando que os suspeitos sob escuta são as pessoas a que se refere o art.º 11º, n.º 2, al. b), nunca se colocaria sequer a questão da competência do Sr. Juiz de instrução criminal, como, de todo o modo, nada nos autos permite imaginar que as pessoas que surgem nas intercepções telefónicas e que não foram identificadas, na sua maioria falando em castelhano e discutindo uma operação de transporte de produto estupefaciente, poderiam ser o Sr. Presidente da República, a Sr.ª Presidente da Assembleia da República, ou o Sr.º Primeiro Ministro. Ademais, para além de inverosímil e desprovida de fundamento, esta tese, ao menos, no limite, é ainda susceptível de afectar a idoneidade das pessoas em causa e o respeito que as mesmas merecem, desde logo, em razão dos cargos que exercem (nada nos autos permite sequer imaginar a eventualidade destas pessoas serem as visadas nas intercepções telefónicas).
II Pronunciando-se sobre a matéria agora objecto de recurso refere a decisão recorrida que: ………… E porque assim, em tempo de regressar ao processo, e perante o relevo que a interceção de conversações e comunicações telefónicas assumiu nos presentes autos, impõe-se-nos começar por apreciar o despacho judicial proferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal que trouxe aos autos esse meio de obtenção de prova. Para o que se nos afigura conveniente o relato das diligências de investigação levadas a cabo pelas entidades competentes. Iniciaram-se os presentes autos em 26 de Janeiro de 2010, com uma informação de serviço elaborada pelo Inspetor-Chefe F… R… [do Departamento de Investigação Criminal da Guarda da Polícia Judiciária], em 25 de Janeiro de 2010, e dirigida ao Coordenador de Investigação Criminal do Departamento de Investigação Criminal da Guarda da Polícia Judiciária, com o seguinte teor: «Levo ao conhecimento de V. Exa. que no decurso das diversas diligências realizadas por esta S.R.C.T.E. no âmbito da recolha de informação na área de intervenção deste Departamento de Investigação Criminal, apurou-se que uma rede transnacional de tráfico ilícito de produtos estupefacientes, constituída por indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina, está neste momento a preparar um transporte de várias toneladas de haxixe com destino a Espanha de onde seguirá, depois, para vários países europeus em quantidades mais reduzidas. O haxixe em causa é proveniente de Marrocos, entrará em Portugal pela costa marítima, por uma praia do sul do país, sendo depois temporariamente guardado num armazém no Sabugal afecto a uma empresa de fabrico de móveis denominada “FF, Unipessoal, Lda.”, com sede na estrada Nacional xxx/xx – 6320 – 000 Sabugal. São conhecidos dois portugueses ligados a este transporte. Um tal AA, com residência em F…, Sabugal, que habitualmente conduz a viatura de marca Peugeot, modelo 205, com a matrícula xx-xx-ww, e outro conhecido por “P…”, tratando-se de BB, filho de JJ, único sócio gerente daquela empresa que, ao que tudo indica, não terá qualquer participação nestes factos ou sequer conhecimento dos mesmos. Consultado o Sistema Integrado de Informação Criminal desta Polícia, verificou-se que nenhum dos indivíduos atrás mencionados se encontra referenciado em qualquer inquérito a cargo da Polícia Judiciária. Considerando que o transporte atrás mencionado estará eminente e uma vez que importa levar a efeito outras diligências que só será possível realizar em sede de inquérito, proponho a V. Ex.ª se digne ordenar o registo da presente informação de serviço como inquérito. É o que me cumpre informar e propor, juntando-se em anexo prints do registo automóvel do veículo de matrícula xx-xx-ww e da localização do “Google Earth” da fábrica de móveis.» - fls. 2 e 3. Instaurado o inquérito, em 28 de Janeiro de 2010, foi-lhe aplicado, pelo seu titular, o regime de segredo de justiça. – fls. 12 a 14 Decisão que foi validada, em 1 de fevereiro do 2010, pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal. – fls. 17 a 19. Entretanto, e até ter sido ordenada, em 4 de fevereiro de 2010 – fls. 76 e 77 – a interceção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do posto móvel 9xxxxxxxx [utilizado pelo suspeito AA nos seus contactos] e IMEIS’s associados, o registo e de voz e imagem, por qualquer meio, dos suspeitos [AA e BB] e de todos os que com eles se relacionem no âmbito da atividade em investigação e a realização de buscas domiciliárias às respetivas residências, as diligências de investigação que os autos exibem resumem-se a uma deslocação de dois Inspetores da Polícia Judiciária às localidade de Forcalhos e do Sabugal, onde apuraram [conforme consta do relato de diligência externa de fls. 47 e 48], · relativamente ao AA, - que reside na Rua da Praça, n.º 7, e que o mesmo se faz normalmente transportar num veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 206, de cor cinzenta, portador da matrícula xx-xx-ww, que se encontra registado em nome de sua mãe LL; - que não exerce qualquer atividade lícita conhecida, desde há vários anos, sendo frequentemente conotado como estando ligado a negócios ilícitos, designadamente contrabando e tráfico de droga de e para Espanha; - que ostenta algum desafogo financeiro e que nos últimos meses se tem ausentado com bastante frequência da sua zona de residência supostamente no âmbito das referidas atividades ilícitas; - que, nos últimos tempos, tem sido visto na companhia de um indivíduo do Sabugal ligado a uma fábrica de móveis; - que se encontra a utilizar o telemóvel da operadora PP com o número 9xxxxxxxx; · relativamente ao BB, - que possui moradas na Rua dos P…, n.º xx, e na Rua de S.. T…, n.º xx, residindo atualmente nesta última; - que conduz, habitualmente, um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, modelo 413 CI, de cor branca, portador da matrícula xx-xx-yy, o qual se encontra registado em nome da sua irmã MM; e procederam à localização da empresa de fabrico de móveis denominada “FF, Unipessoal, Lda.”, com sede na Estrada Nacional xxx/xxx – 6320 – 000 Sabugal, constatando que a mesma é constituída por rés-do-chão e primeiro andar [onde funciona a zona de atendimento ao público/escritórios] e ainda por anexos onde se procede à carga e descarga de móveis. De tal relato, após menção de que os Senhores Inspetores não vislumbraram outras diligências a realizar, consta ainda que os mesmos salientam que as características dos locais em questão, quer pela localização, quer pelas enraizadas tradições de contrabando, tornam muito difíceis se não quase impossíveis a realização de vigilâncias. E, em anexo, foi junta documentação relativa à identificação civil de AA, LL, BB e MM, resultado da pesquisa junto da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa para LL e reportagem fotográfica dos locais de residência dos suspeitos e das instalações da empresa de fabrico de móveis denominada “FF, Unipessoal, Lda.”. Após o que o Magistrado do Ministério Público, titular do processo, proferiu o seguinte despacho – fls. 70 e 71: «Investiga-se nos presentes autos um grupo de indivíduos que tem desenvolvido uma operação de desembarque de uma avultada quantidade de haxixe proveniente de Marrocos no território nacional que será transportado e depositado num armazém da fábrica de móveis denominada “FF, Unipessoal, Lda.” sita na E.N. nº xxx/xx no Sabugal de onde, oportunamente, será levada para Espanha e outros países europeus. Estão já identificados dois indivíduos envolvidos nesse grupo e na operação em causa: - AA que reside na Rua da P… n.º x, em F… – Sabugal, utiliza o telemóvel nº 9xxxxxxxx e o veículo automóvel de matrícula xx-xx-ww, marca Peugeot, modelo 206 - BB que reside na Rua de S… T… nº xx no Sabugal e utiliza o veículo automóvel de matrícula xx-xx-yy, de marca Mercedes Benz, modelo 413CDI Estes factos são susceptíveis de integrar a prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do D.L. nº 15/93, de 22-01, sem prejuízo de outros que o desenvolvimento da investigação venha a revelar, nomeadamente o crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 28º nºs 1 e 3 do DL nº 15/93 de 22-01 Veio o OPC (PJ-Departamento de Investigação Criminal da Guarda) sugerir na informação de fls. 59-68 que fossem judicialmente autorizadas a realização de intercepções telefónicas a números telefónicos utilizados pelos suspeitos já identificados e bem assim a recolha de registo de som e imagem Na verdade, a investigação da criminalidade em apreço revela-se complexa em razão de evidentes dificuldades de obtenção de informações nos meios em que se movimentam os suspeitos e os demais indivíduos nela envolvidos, da sua mobilidade, das cautelas de que se rodeiam, da dispersão geográfica da actividade em causa e da sofisticação de métodos e meios que normalmente são utilizados em tais actividades por grupos com o mínimo de estrutura organizativa idónea à concretização dos objectivos que prosseguem. Deste modo, torna-se indispensável à descoberta da verdade e à obtenção da prova – que de outra forma e face ao actual estado da investigação, não seria possível de alcançar – a realização de intercepções telefónicas e a recolha de registo de som e de imagem de eventuais encontros dos suspeitos com outros indivíduos envolvidos na actividade que se investiga. Por essa via poderão obter-se informações que permitam identificar outros indivíduos envolvidos na actividade criminosa, bem como informações relativas a eventuais contactos telefónicos com outros elementos da organização, a desembarques ou à passagem de estupefacientes em território nacional e, nomeadamente, a data e local da sua efectivação. (…) AO Mº JUIZ DE INSTRUÇÃO 1 – Intercepções telefónicas Assim, na sequência do supra exposto, tendo em conta as infracções em causa nos autos, requerer-se ao Mmo. Juiz de Instrução que, ao abrigo do disposto nos artºs 187º nº1 al. b) e nº 4 al a), 188º, 189º e 269º nº 1 al. e), todos do C.P.P. e pelo prazo de 45 dias, se digne: a) Autorizar a intercepção, escuta e gravação das comunicações efectuadas de e para o telemóvel com o cartão nº 9xxxxxxxx da PP utilizado pelo suspeito AA e b) A intercepção das comunicações áudio e fax; c) Autorizar a intercepção, escuta e gravação ao(s) Imei ou Imei’s a que aquele cartão venha a ser associado e aos cartões telefónicos de todas as operadorasque venham a ser associados a esses IMEI’S d) Solicitar à PP facturação detalhada, registo de trace-back, localização celular, serviço de roaming e identificação de reencaminhamentos activos e respectiva origem e destino; e) Solicitar à PP a identificação dos códigos de carregamento de cartões utilizados e repectivas entidades bancárias (…)»
A primeira decisão judicial que ordenou a realização de escutas telefónicas nos presentes autos, na sequência do requerimento que antecede, tem o seguinte teor – fls. 76 e 77: «Resulta dos autos que uma organização criminosa, constituída por indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina, estará a diligenciar no sentido de importar de Marrocos, por via marítima, elevada quantidade de haxixe. Os dois indivíduos portugueses até ao momento identificados, tratam-se de AA e BB. Da investigação entretanto em curso foi possível apurar que o suspeito AA, nos seus contactos, usa o Posto Móvel 9xxxxxxxx. Como anteriormente se referiu [na decisão que validou a aplicação do regime de segredo de justiça – esclarecimento nosso], versam os presentes autos de inquérito a investigação de factos susceptíveis de integrarem a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22/01. Tendo bem presente a matéria sob investigação nos autos, bem como a sua inerente complexidade de investigação, conquanto as intercepções sejam um meio excepcional de aquisição de prova, porque compressoras de direitos constitucionalmente protegidos, no caso sub judice, revelam-se absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo certo que, no actual estado dos autos, de outra forma seria impossível, ou muito difícil de obtenção de prova. Consequentemente, defiro ao doutamente promovido, pelo que, autorizo a intercepção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do posto móvel supra indicado e IMEI’s associados, devendo incluir todas as comunicações por voz, fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e localização celular, a vigorar até ao dia 18-03-2010, ao abrigo do disposto nos artigos 187º, nº 1, 188º, 189º e 269º, nº 1, al. e), todos do CPP. Autorizo ainda que a respectiva operadora remeta a este TCIC os códigos de carregamento de tal Posto Móvel, bem como de todos os elementos de identificação que possua sobre o utilizador do mesmo.»
Desde então [4 de fevereiro de 2010] e até 24 de maio de 2010 [fls. 402 e 403], alimentou-se a investigação levada a cabo nos presentes autos de interceções e gravações de comunicações telefónicas, (i) ordenadas, nos termos sobreditos ao posto móvel 9xxxxxxxx [utilizado pelo suspeito AA nos seus contactos] – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxy – e IMEI associado, com o número xxxxxxxxxx – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxyy;
(ii) ordenadas em 5 de março de 2010 [fls. 146 e 147], ao posto móvel 9xxxxxxxx [utilizado pelo suspeito BB] – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxww – e IMEI associado, com o número xxxxxxxxxxx – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxwww; Decisão que surge na sequência de informação de serviço do Departamento de Investigação Criminal da Guarda da Polícia Judiciária [fls. 134 a 136], com o seguinte teor: «(…) 4. Pese embora não se solicite a transcrição de nenhuma sessão, do acompanhamento das mesmas depreende-se que o AA continua a não exercer qualquer tipo de actividade lícita remunerada, verificando-se que algumas conversações são suspeitas de se poderem tratar de situações ilícitas, tendo em conta os cuidados adoptados, o teor das mesmas, bem como o facto de não serem utilizados nomes próprios nem feitas referências a datas ou locais, medidas que nos parecem ser adoptadas por quem suspeite que esteja a ser alvo de intercepção telefónica. 5. Aproveito para informar que as condições climatéricas têm-se mostrado pouco favoráveis ao transporte marítimo, pelo que deverá estar a dificultar a operação em investigação. 6. Foi possível apurar que o BB utiliza o telemóvel com o número 9xxxxxxxx da operadora NN. 7. Contactado o Sistema Informativo da NN, foi-me transmitido que o número em questão se encontra registado em nome de “OO – Lda.” 8. Que a referida empresa tem como único sócio o BB e o NIF xxxxxxxxx. 9. Contactadas as operadoras das redes PP, QQ, NN e RR, fui informado que BB não possui nenhum número de telemóvel ou telefone fixo registado em seu nome. (…)»[[1]]; Decisão que tem o seguinte teor: «Resulta dos autos que o suspeito BB utiliza o Posto Móvel 9xxxxxxxx, da operadora NN, alegadamente, no desenvolvimento das actividades de tráfico de estupefacientes aqui investigadas. Tendo bem presente o objecto dos autos e a inerente complexidade das investigações somos a concordar que o recurso a intercepções telefónicas, para além de proporcional, se revela imprescindível à descoberta da verdade, para além do mais em ordem a descortinar o grau de participação dos visados nos ilícitos aqui em causa. Assim, defiro ao doutamente promovido, pelo que autorizo a intercepção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do Posto Móvel 9xxxxxxxx e IMEIs associados, devendo incluir todas as comunicações por voz , fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e localização celular, serviço de raoming e identificação de reencaminhamentos activos e respectiva origem e destino, a vigorar até ao dia 04-05-2010, ao abrigo do disposto nos artigos 187º, nº 1, 188º, 189º e 269º, nº 1, al.e), todos do CPP. Mais autorizo, com os mesmos fundamentos e potencialidades, a intercepção e gravação das comunicações efectuadas e recebidas através dos cartões SIM que operem ou venham a operar nos IMEIs associados ao Posto Móvel supra indicado. Autorizo ainda que a operadora remeta a este TCIC a identificação dos códigos de carregamento, e respectivas entidades bancárias.»
(iii) ordenadas em 18 de março de 2010 [fls. 234 e 235] ao posto móvel 9xxxxxxxxx [que passou, entretanto, a ser utilizado pelo suspeito AA nos seus contactos] – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxy – e IMEI associado, com o número xxxxxxxxxx – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxyy; Decisão que tem o seguinte teor: «(…) Resulta das informações recolhidas pelo OPC que o suspeito AA utiliza agora o Posto Móvel 9xxxxxxxx, alegadamente, no desenvolvimento das actividades de tráfico de estupefacientes aqui investigadas. Tendo bem presente o objecto dos autos e a inerente complexidade das investigações mantemos a concordância que o recurso a intercepções telefónicas, para além de proporcional, se revela imprescindível à descoberta da verdade, para além do mais em ordem a descortinar o grau de participação dos visados nos ilícitos aqui em causa. Assim, defiro ao doutamente promovido, pelo que, autorizo a intercepção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do Posto Móvel 9xxxxxxxx e IMEIs associados, devendo incluir todas as comunicações por voz , fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e localização celular, a vigorar até ao dia 04-05-2010 (por coincidência de datas), ao abrigo do disposto nos artigos 187º, nº 1, 188º, 189º e 269º, nº 1, al.e), todos do CPP.» O conteúdo de todas as escutas efetuadas até 23 de maio de 2010 foi considerado irrelevante para efeitos probatórios – conforme consta dos relatórios de interceções telefónicas de fls. 107, 133, 205, 206, 264, 288, 308, 335, 339, 374 Razão pela qual não deram origem a qualquer transcrição. A decisão judicial que prorroga as interceções aos alvos xxxxxM e xxxxxIE até ao dia 5 de julho de 2010, tem o seguinte teor – fls. 319 e 320: «As intercepções actualmente activas encontram-se em vigor até 04-05-2010, estando a produzir sessões com interesse para a investigação e para a descoberta da verdade material. Compulsados os autos e face à gravidade dos ilícitos aqui em causa, somos a concordar que o recurso a escutas telefónicas, para além de proporcionais aos ilícitos indiciados, tem vindo a se revelar imprescindíveis à descoberta da verdade material, para além do mais, em ordem a descortinar o grau de participação de cada um dos suspeitos nas matérias aqui em investigação. Assim, tendo bem presente a complexidade inerente à investigação destas matérias, até pelos métodos e meios sofisticados normalmente utilizados por organizações desta natureza e pelas enormes cautelas que se rodeia os suspeitos, autorizamos, perante a imprescindibilidade para a descoberta da verdade material, a prorrogação das intercepções aos Alvos xxxxxM e xxxxxIE, nos exatos termos e potencialidades anteriormente definidos, a vigorarem até 05-07-2010.»
No dia 4 de maio de 2010, a operadora da rede móvel NN cessou a interceção das comunicações telefónicas efetuadas de e para o telefone móvel com o número 9xxxxxxxx – alvo xxxxxPM –, bem como IMEI associado xxxxxxxxxxxxx – alvo xxxxxPIE – fls. 365
No dia 11 de maio de 2010, e na sequência de decisão judicial, a operadora da rede móvel PP cessou a interceção das comunicações telefónicas efetuadas de e para o IMEI com o número xxxxxxxxx – alvo xxxxxIE – fls. 373 Tal decisão tem o seguinte teor [fls. 353]: «Resulta dos autos que o Alvo xxxxxIE, a partir de 02-05-2010, passou a ser utilizado por pessoa não abrangida pela presente investigação, pelo que determino a cessação imediata das intercepções a este Alvo. Relativamente a este Alvo determino, desde já, a eliminação, junto da UTI da PJ, de todas As sessões produzidas, desde o dia 02-05-2010 até à data da cessação. O OPC deverá desmagnetizar/eliminar as referidas sessões dos CDs.» (iv) ordenadas em 14 de junho de 2010 [fls.462] ao posto móvel 9xxxxxxxx – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxxM – e IMEI associado, com o número xxxxxxxxx – a que foi atribuído o indicativo de alvo n.º xxxxx; Decisão que tem o seguinte teor: «Resulta dos autos, mormente da intercepção ao Alvo xxxxxM, na esfera do suspeito AA que o utilizador do Posto Móvel 9xxxxxxxx alegadamente estará envolvido com os suspeitos nas actividades ilícitas aqui em causa. Face ao objecto dos autos e a inerente complexidade de investigação destas matérias, somos a crer que o recurso a intercepções telefónicas, para além de proporcionais aos ilícitos aqui indicados, revelam-se imprescindíveis à descoberta da verdade material, para além do mais em ordem de descortinar o grau de participação de cada um dos suspeitos nas matérias aqui em investigação. Assim, tendo bem presente a complexidade inerente à investigação destas matérias, até pelo grau de alerta e cautelas que os suspeitos apresentam, autorizamos a intercepção e gravação de todas as comunicações de e para o Posto Móvel 9xxxxxxx e último IMEI associado, bem como de todos os cartões SIM que operem ou venham a operar no IMEI associado ao posto móvel aqui em referência, devendo incluir todas as comunicações por voz, fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e repectiva localização celular, a vigorar até ao dia 05-07-2010 (por coincidência de datas) – ex vi dos artºs 187º-1, 188º, 189º e 269º-1, al. e), todos do CPP. Por relevante, mais autorizo a remessa a este TCIC dos códigos de carregamento relativamente ao Posto Móvel supra referido, bem como de todos os elementos de identificação que possuam sobre o utilizador do mesmo.» - fls.462.
No dia 24 de maio de 2010, foram intercetadas ao posto móvel 9xxxxxxxx, e gravadas, duas comunicações consideradas relevantes para efeitos probatórios [fls. 402, 403 e 417]: - produto n.º 188 Pelas 13:14:21, do número xxxxxxxxxx (indivíduo espanhol) para AA O primeiro dirige-se ao AA em língua espanhola, presumindo-se que lhe pergunta se trata de arranjar veículo bem como condutor. Ao que este responde afirmativamente e que será uma pessoa amiga e de confiança. O indivíduo espanhol diz ao AA que o transporte vai ser direto, que não passa pela empresa. A conversa termina, dizendo o indivíduo espanhol ao AA que não fale ao telefone. - produto n.º 194 Pelas 20:08:25, do número xxxxxxxxx (indivíduo espanhol) para o AA – conversa que se apresenta como continuação do produto n.º 188. O primeiro dirige-se ao AA, em língua espanhola, marcando um encontro para quinta-feira (ao que se julga, dia 27 de maio de 2010), para acordar os pormenores do transporte. O encontro terá lugar em Espanha, não se fazendo referência ao local em concreto. Na questão da marcação do encontro, os interlocutores parecem indicar vários locais que lhe são familiares, mas concordam em não se encontrar em nenhum deles, demonstrando-se algo receosos que aí possam ser vistos.
Posteriormente, foram intercetadas ao posto móvel 9xxxxxxxx, e gravadas, quatro comunicações consideradas relevantes para efeitos probatórios [fls. 441, 442 e 461]: - produto n.º 231 Dia 6 de junho de 2010, pelas 20:43, do número 2xxxxxxxxx [que se apurou estar registado em nome da A… S… I…, R…, no S…] para o AA. Um indivíduo expressando-se em espanhol dia ao AA que está no R…. O AA responde que vai ter com ele. É percetível na gravação a existência de uma terceira voz, masculina, utilizando igualmente a língua espanhola, que se encontra junto ao indivíduo que telefonou ao AA. Não é percetível o que diz. - produto n.º 234 Dia 7 de junho de 2010, pelas 21:03, do número 9xxxxxxx (interlocutor desconhecido) para o AA, dizendo-lhe que precisam falar. Marcam encontro para quarta-feira, pelas 11:00, na saída da autoestrada para a Marateca. São feitas referências ao indivíduo que irá conduzir o meio de transporte. É utilizada a expressão “o roda” para o efeito. Presume-se que o condutor também irá estar presente no encontro. - produto n.º 236 Dia 8 de junho de 2010, pelas 17:09, do número 9xxxxxxxx (interlocutor desconhecido, cuja voz surge no produto n.º 234 do mesmo alvo) para o AA. No seguimento da conversa do produto n.º 234, marcam encontro para o dia seguinte, pelas 12:00. - produto n.º 238 Dia 8 de junho de 2010, pelas 22:16, do número 9xxxxxxxx (interlocutor dos produtos n.º 234 e 236) para o AA, dizendo este último que o encontro para o dia seguinte fica sem efeito. O AA afirma que o seu amigo (“o roda”) apenas irá um dia antes. O AA entrega o telemóvel a um amigo que se encontra com ele (“o roda”), o qual recebe indicações sobre o local do futuro encontro, o qual será no Café/Restaurante “O C…”, em Águas de Moura. O indivíduo diz expressamente ao “roda” que o encontro é por causa do camião.
Na sequência da interceção da comunicação que deu origem ao produto n.º 231, e de acordo com o que consta do relato de diligência externa de fls. 436 e 437, no dia 7 de junho de 2010, agente da Polícia Judiciária deslocou-se ao Sabugal, onde constatou que nas imediações da “A... S... I...” se encontrava estacionada a viatura de marca BMW, série 3, de cor preta e com a matrícula xxxxyyy (espanhola), presumivelmente utilizada pelos suspeitos. Pelas 9:00, saiu do hotel um indivíduo do sexo masculino, aparentando ter cerca de 40 (quarenta) anos de idade, com cerca de 1,75 de altura, bastante forte, cabelo castanho, vestindo calças de ganga e camisa clara, e sentou-se no muro existente em frente à referida viatura. Pelas 9:05, saiu do hotel um indivíduo de sexo masculino, com cerca de 60 (sessenta) anos de idade, com cerca de 1,70 de altura, magro, cabelo branco e bigode curto, que transportava uma mala. Abriu o porta bagagens da viatura e aí depositou a mala, sendo auxiliado pelo outro indivíduo que se juntou a ele. Abandonaram o local em marcha muito lenta, sendo a viatura conduzida pelo indivíduo mais velho e segundo a sair do hotel. Passaram pelo centro do Sabugal e seguiram em direção à cidade da Guarda (EN. 233), sempre em marcha lenta.
Entre os dias 6 de junho de 2010 e 15 de junho de 2010, foram intercetadas ao posto móvel 9xxxxxxxx e gravadas as seguintes comunicações, consideradas relevantes para efeitos probatórios [fls. 567 a 569 e 604]: - produto n.º 239 Dia 9 de junho de 2010, pelas 20:30, do número 3xxxxxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. Um indivíduo, utilizando a língua espanhola, conversa com o AA, fazendo referência à possibilidade de se arranjar outra pessoa para assumir o papel de motorista do camião. O AA afirma que o motorista que ele arranja quer o pagamento do serviço adiantado. O outro interlocutor responde negativamente, que apenas paga “dez” adiantado. No final do produto afirma que afinal sempre fica a mesma pessoa (para motorista). - produto n.º 240 Dia 9 de junho de 2010, pelas 20:43, do número 3xxxxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. O indivíduo da sessão n.º 239, utilizando a língua espanhola, diz ao AA que até ao final da semana não se passa nada. Que estão dependentes do estado do mar. Pede ao AA para dizer ao motorista que tudo fica suspenso até outras indicações. - produto n.º 242 Dia 10 de junho de 2010, pelas 12:05, do número 3xxxxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. O indivíduo das sessões anteriores (239 e 240), utilizando a língua espanhola, marca encontro com o AA para o dia seguinte. É dito ao AA que o encontro é depois de Lisboa, em direção ao Algarve. Apesar das insistências do AA, não lhe é dito o local exato, apenas que fica a cerca de meia-hora depois de passar Lisboa. - produto n.º 243 Dia 11 de junho de 2010, pelas 13:01, do número 3xxxxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. O indivíduo das sessões anteriores (239, 240 e 242), utilizando a língua espanhola explica ao AA que o local do encontro é na Marateca. A chamada termina sem a conversa estar concluída. - produto n.º 244 Dia 11 de junho de 2010, pelas 13:02, do número 3xxxxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. Utilizando a língua espanhola e no seguimento do produto anterior (243), é explicado ao AA o local do encontro, o qual se situa após a saída da autoestrada na Marateca, devendo o AA percorrer cerca de 200 metros, altura em que encontra uma localidade com uma igreja. Deve ir ter a uns cafés que existem à direita dessa igreja. - produto n.º 251 Dia 14 de junho de 2010, pelas 03:57, do número 9xxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. Um indivíduo dia ao AA “o nosso bebé já nasceu” e pede-lhe para se encontrarem no sítio combinado mais cedo, cerca das 9:30/10:00. Ao que o AA responde afirmativamente. - produto n.º 256 Dia 15 de junho de 2010, pelas 05:35, do número 9xxxxxxxx para o alvo xxxxxM [AA]. O indivíduo da sessão 251 marca encontro às 08:00 “lá no sítio” e diz que os móveis não couberam todos, que para pôr a “coisa”, tiveram alguns móveis que ficar de fora.
No dia 15 de junho de 2010, foi intercetada ao posto móvel 9xxxxxxxx e gravada a seguinte comunicação, considerada relevante para efeitos probatórios [fls. 569]: - produto n.º 5 Pelas 05:35 do alvo para o AA (9xxxxxxxx), marcando encontro com este às 08:00 “lá no sítio” Este indivíduo (alvo) dia ao AA que os móveis não couberam todos, que para pôr a “coisa” tiveram alguns móveis que ficar de fora.
Na sequência da interceção das comunicações que deram origem aos produtos n.º 239, n.º 240, n.º 242, n.º 243 e n.º 244 [consideradas relevantes para efeitos probatórios – fls. 604], e conforme consta do relato de diligência externa de fls. 477 e 478, equipas da Polícia Judiciária dirigiram-se para as localidades da Marateca/Águas de Moura, com o propósito de presenciar o encontro. ÀS 17:45, junto aos cafés existentes à entrada de Águas de Moura estacionou uma viatura de marca Audi, modelo A4, com a matrícula xxxxwww, da qual saíram três ocupantes, todos eles do sexo masculino. Um destes indivíduos foi identificado como sendo um dos dois indivíduos referenciado no dia 7 de junho, na localidade do Sabugal, junto à A... S... I.... Pouco depois, estes indivíduos encontraram-se com o AA e o BB, tendo estado todos a conversar durante cerca de 10 (dez) minutos.
Na sequência da interceção da comunicação que deu origem ao produto n.º 251 [considerado relevante para efeitos probatórios – fls. 604], e conforme consta dos relatos de diligência externa de fls. 485 e 486 e 487 a 489, · No dia 14 de junho de 2010, agentes da Polícia Judiciária dirigiram-se para Águas de Moura com o propósito de verificar se os suspeitos AA e BB, bem como os outros mencionados no relato de fls. de 436 e 437 se encontrariam naquele local. Às 9:10 foi detetada a viatura usualmente utilizada pelo suspeito AA, um Peugeot modelo 206, com a matrícula xx-xx-ww, no início da Avenida da Liberdade (em Águas de Moura), não tendo sido possível verificar-se a presença de pessoas no seu interior. Pelas 9:20 foi vista a carrinha de marca Mercedes, de matrícula xx-xx-yy, com a carroçaria com um toldo, e com os dizeres “Móveis J…”, estacionada junto a uns cafés próximos de um campo de futebol, e paralela à estrada principal. Também às 9:20 se verificou que o Peugeot já se encontrava estacionado em frente ao café Avenida, do outro lado da rua, tendo sido notado que na esplanada do mesmo se encontravam sentados os suspeitos AA e BB, o suspeito com tatuagens, do relato de fls. 436 e 437, bem como um outro indivíduo moreno, magro e com cerca de 1,90 mts de altura. Permaneceram todos na referida esplanada até cerca das 9:40, altura em que a abandonaram, entrando todos na viatura utilizada pelo AA. Pelas 9:50 verificou-se que o aludido Peugeot já se encontrava estacionado junto da carrinha Mercedes (xx-xx-yy), encontrando-se no exterior e junto a estas, o suspeito AA. Às 10:00 e às 10:20, no local apenas se encontrava a carrinha Mercedes. Pelas 10:35, a carrinha Mercedes já não se encontrava no local onde esteve estacionada. Entretanto, os suspeitos deixaram de ser vistos no local e suas imediações. Cerca das 22:30, a viatura de marca Peugeot, com a matrícula xx-xx-ww foi avistada estacionada em frente ao Café\Restaurante “S… C…”, em Águas de Moura.
· No dia 15 de junho de 2010, cerca das 00:30, porque o veículo de matrícula xx-xx-ww permanecia estacionado em frente ao Café\Restaurante “S… C…”, em Águas de Moura, foi configurada a possibilidade de alguns dos suspeitos se encontrarem a pernoitar nessa localidade. Cerca das 7:40 verificou-se que os suspeitos AA, BB e o indivíduo com tatuagens anteriormente referido se encontravam sentados numa mesa da esplanada do Café/Restaurante M…, situado à entrada de Águas de Moura, continuando a viatura de marca Peugeot, matrícula xx-xx-ww, estacionada no mesmo local onde fora vista durante a noite. Cerca das 8:00, verificou-se que a carrinha de matrícula xx-xx-yy se encontrava estacionada em frente aos Cafés/Restaurantes existentes à entrada da localidade de Águas de Moura, não tendo sido possível referenciar quem a terá ali deixado. Passados poucos instantes, os suspeitos BB e o indivíduo tatuado entram na carrinha, com o primeiro ao volante e o segundo no lugar do pendura. De seguida, colocam a referida viatura em andamento e tomam a Estrada Nacional 10, em direção a Alcácer do Sal, entrando depois no acesso à Autoestrada 2. Após as portagens, tomaram a direção Algarve-Elvas, entrando na Autoestrada 2, seguindo depois pela Autoestrada 6, que liga a Marateca a Elvas. Por haver suspeitas que o referido veículo se pudesse dirigir para Espanha, transportando eventualmente estupefacientes, foi abordado ao quilómetro 99 da Autoestrada 6, um pouco antes da área de serviço de Estremoz, cerca das 9:00. Na parte do veículo destinada a carga foram encontrados 76 (setenta e seis) fardos de haxixe, com o peso de 2.403.938,700 gramas. E ocorreu a detenção de BB, CC e AA.
Após o que foi pedida à Guarda Civil Espanhola informação sobre HH e GG – fls. 674 a 676. E examinado o veículo automóvel com a matrícula xx-xx-yy – fls. 685;
Entretanto, foram intercetadas ao Alvo xxxxxE e gravadas as seguintes comunicações, consideradas relevante para efeitos probatórios [fls. 714]: - produto – 4 Data: 23/06/2010 Hora: 09:05:15 O alvo efetua uma chamada telefónica para o número 3xxxxxxxxxx, com o intuito de saber se continua tudo como o planeado, ao que o interlocutor responde afirmativamente, que apenas não havia certeza quanto à data em concreto, sendo que seria neste dia ou no dia seguinte, de igual modo o primeiro afirma que precisa de saber com alguma antecedência para ter tempo de preparar as coisas. - produto – 6 Data: 23/06/2010 Hora: 21:40:06 O alvo efetua nova chamada telefónica para o número 3xxxxxxxxxx, onde o seu interlocutor afirma que “estará aí amanhã”, apontando para as 12:00. - produto – 9 Data: 24/06/2010 Hora: 11:21:01 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, onde confirmam que se mantém tudo como combinado. - produto – 10 Data: 24/06/2010 Hora: 11:42:28 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, sendo aconselhado pelo interlocutor a mudar de número de telemóvel. - produto – 12 Data: 24/06/2010 Hora: 12:55:55 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, no decurso da qual se acertam os pormenores do encontro. - produto – 15 Data: 24/06/2010 Hora: 13:03:15 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, depreendendo-se da conversa ter surgido algum contratempo. O alvo mostra-se desconfortável pela demora, afirmando que já tem tudo preparado. É-lhe pedido que aguarde mais trinta minutos. - produto – 16 Data: 24/06/2010 Hora: 13:21:33 O alvo efetua um contacto telefónico para o número 3xxxxxxxxxx e pergunta ao interlocutor o que se está a passar, uma vez que o camião que se encontrava no local foi embora ocupado por dois indivíduos do sexo masculino, e que não chegou a ter oportunidade de falar com os ocupantes.
- produto – 17 Data: 23/06/2010 Hora: 13:25:03 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, questionando-o o interlocutor sobre quem o acompanha. O alvo descreve o indivíduo e diz que se encontra com a sua viatura. O alvo diz para que informe os que se foram embora para voltarem ao mesmo sítio, para que não ocorram mais desencontros e não tenham que falar ao telemóvel. - produto – 18 Data: 24/06/2010 Hora: 13:32:02 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, no decurso da qual fica alterado o local de encontro para a próxima área de serviço. - produto –19 Data: 24/06/2010 Hora: 13:32:39 O alvo efetua um contacto telefónico para o número 3xxxxxxxxxx, pedindo mais informações sobre o novo local de encontro. - produto – 21 Data: 24/06/2010 Hora: 14:34:15 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx, sendo informação pelo seu interlocutor que se encontram ao quilómetro 67, que passaram a área de serviço e pararam na seguinte. - produto – 25 Data: 24/06/2010 Hora: 15:24:02 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx e informa o seu interlocutor que passou ao quilómetro 67 e não viu ninguém. - produto – 27 Data: 24/06/2010 Hora: 15:41:31 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx e mais uma vez informa o seu interlocutor que não encontrou os “nossos amigos”. Pergunta em que estrada é que estão. - produto – 29 Data: 24/06/2010 Hora: 15:49:37 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx e é informado pelo seu interlocutor de que eles se encontram no sítio em que tinham falado. O alvo diz que dentro de meia-hora vai lá ter. - produto – 30 Data: 24/06/2010 Hora: 16:27:53 O alvo recebe uma chamada telefónica do número 3xxxxxxxxxx e informa o seu interlocutor que está a caminho para ir falar com os homens. Ao mesmo tempo diz que vai falar com eles no sentido de combinarem para fazer as coisas noutro dia, uma vez que na data foram efetuadas muitas conversas telefónicas. O seu interlocutor muda de ideias e diz para o alvo não ir ao encontro com estes indivíduos, que depois enviará alguém mais da sua confiança. Mais uma vez diz para mudar de número de telefone, e combinam as coisas para segunda ou terça feira da semana seguinte.
Na sequência de informação, prestada no dia 28 de junho, de que o IMEI xxxxxxxxxxxx se encontra a operar com o contacto telefónico número 9xxxxxxxx – fls. 718 –, o Senhor Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público, no dia 30 de junho de 2010, proferiu a seguinte decisão – fls. 747 e 748: «Como já anteriormente referido, versam os presentes autos a investigação de factos susceptíveis de integrarem, para além do mais, crimes de tráfico de estupefacientes e eventualmente associação criminosa, p. e p. pelos art.ºs 21.º e 28.º do DL 15/93, de 22/01. Não obstante a operação realizada no passado dia 15/06/2010, que culminou com a apreensão de cerca de 2.396,05 Kg de haxixe e com a detenção de vários indivíduos, não foram ainda detidos os principais suspeitos envolvidos nos factos em investigação e que, se indicia, poderem estar a preparar a realização de novo transporte de produtos estupefacientes. Face ao objecto dos autos e à inerente complexidade de investigação destas matérias, somos a crer que o recurso a intercepções telefónicas, para além de proporcionais aos ilícitos aqui indicados, revelam-se imprescindíveis à descoberta da verdade material, para além do mais, em ordem de descortinar a totalidade e o grau de participação de cada um dos suspeitos nas matérias aqui em investigação. Assim, tendo bem presente a complexidade inerente à investigação destas matérias, até pelo grau de alerta e cautelas que os suspeitos apresentam, a sua mobilidade e bem assim, a dispersão da actividade em investigação, concordando com o doutamente promovido pelo detentor da acção penal, autorizamos a intercepção e gravação de todas as comunicações de e para os Postos Móveis 9xxxxxxxx e 3xxxxxxxxxx (da rede espanhola), bem como aos IMEI’s associados, devendo incluir todas as comunicações por voz, fax, facturação detalhada com registo nde “trace-back” e respectiva localização celular. A vigorar até ao dia 30-07-2010 – ex vi dos artºs 187º-1, 188º, 189º e 269-1, al. e), todos do CPP.»
Na mesma data – 30 de junho de 2010 – foram prorrogadas até 3 de julho de 2010, nos exatos termos e com as potencialidades com que haviam sido ordenadas, as interceções aos alvos xxxxxM e xxxxxE – fls. 746 e 747.
Na sequência das últimas interceções telefónicas mencionadas, e conforma consta do relato de diligência externa de fls. 788 e 789, no dia 29 de junho de 2010, dirigiram-se diversos agentes da Polícia Judiciária à zona de Setúbal e da Marateca no sentido de acompanhar e, eventualmente, deter os indivíduos suspeitos de se dedicarem às atividades ilícitas em investigação. Pelas 7:00 do dia 30 de junho de 2010, foram tomadas posições estratégicas e reforçadas as equipas de agentes da Polícia Judiciária, por forma a dar cobertura aos movimentos das viaturas provenientes da zona de Lisboa e Setúbal, em direção à A6 e à A2. Atendendo a um contacto telefónico dos alvos intercetados, os intervenientes suspeitos deram sem efeito o encontro que tinham previamente combinado para o dia 30. Por essa razão, cerca das 11:00, foi dada por encerrada a diligência.
Do relato de diligência externa de fls. 790 e 791, resulta que no dia 1 de julho de 2010, deslocaram-se diversos agentes da Polícia Judiciária em direção à zona de Setúbal e da Marateca, com o propósito de acompanhar e, eventualmente, deter os indivíduos suspeitos de se dedicarem às atividades ilícitas em investigação. Pelas 14:00 do dia 1 de julho de 2010, foram tomadas posições estratégicas e reforçadas as equipas de agentes da Polícia Judiciária, por forma a dar cobertura aos movimentos das viaturas suspeitas que fossem detetadas em direção a troços das vias rodoviárias, principalmente aos acessos às autoestradas. Da posição assumida pelos veículos da Polícia Judiciária, assim como do acompanhamento das interceções telefónicas/localização celular, que proporcionaram informação relativamente a uma veículo de marca Volvo, de cor branca, com grandes dimensões, possivelmente com matrícula espanhola, que terá seguido rumo a sul pela A2, foi possível, cerca das 18:45, detetar nessa mesma estrada, perto da área de serviço de Alcácer do Sal, um semirreboque de mercadorias, de marca Volvo, modelo FH12, de cor branca e com a matrícula xxxxzzz, e galera com a matrícula R-xxx-xxx, a circular na direção norte-sul. Foi o mesmo alvo de vigilância até ás portagens de Paderne, tendo nesse local, cerca das 19:30, sido abordado por elementos da Polícia Judiciária. Na galera do veículo foram encontrados 77 (setenta e sete) fardos de haxixe, com o peso de 2.437.439,070 gramas. E ocorreu a detenção de DD e de EE.
Com o relato de todas as diligências de investigação realizadas nos autos até à ocasião em que ocorreu a detenção dos Arguidos AA, BB, CC [em 15 de junho de 2010], DD e EE [em 1 de julho de 2010], surge evidenciado o papel determinante das escutas telefónicas. Dito de outra forma, que se pretende rigorosa, com base em informação recolhida exclusivamente através de escutas telefónicas, foram ordenadas outras escutas e realizadas todas as diligências probatórias que os autos exibem.
É, por isso, de incontornável importância a decisão judicial que introduz no processo o meio de obtenção de prova que determina todo o desenrolar das investigações – a interceção de comunicações telefónicas. Do que se deixou dito sobre o regime das escutas telefónicas resulta inequívoco que a validade da sua realização deve aferir-se pelo respeito do princípio constitucional da proporcionalidade, em dois momentos distintos – o da verificação da admissibilidade desse meio de obtenção de prova e o do controle do seu conteúdo “convertível” em prova. E no que concerne ao primeiro dos momentos referidos – que é o único que nos importa –, a explanação das concretas razões que levam a concluir pela admissibilidade das escutas telefónicas como meio de obtenção de prova não se satisfaz com a repetição – com as mesmas palavras ou com outras com o mesmo significado – do enunciado na lei. Tal explicitação exige a menção expressa, desde logo e entre o mais, dos elementos probatórios [indícios] existentes no processo que suportem a afirmação da prática de um dos crimes do catálogo ou cuja moldura penal abstrata seja superior a três anos de prisão, bem como as circunstâncias da investigação de onde decorre a indispensabilidade ou assinalável necessidade das escutas telefónicas para a descoberta da verdade, no sentido da prova de tal crime.
A este propósito, são relevantes as palavras de Maria de Fátima Mata-Mouros [acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 139/11.7JAFAR-A.E1 – acessível em www.dgis.pt/jtre] – uma interceção telefónica, constituindo uma medida restritiva de direitos fundamentais, está «sujeita a reserva de lei e de juiz para a respectiva autorização. Tal como referido no Ac. TC n.º 114/95, ainda que a propósito de outra medida restritiva (no caso, uma busca domiciliária) «a intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no caso, a inviolabilidade do domicílio», qualificando-se a autorização judicial como uma intervenção garantística. A finalidade da intervenção judicial é assegurar a garantia de um controlo preventivo através de uma instância independente e neutral que leve também em adequada consideração os interesses do titular do direito fundamental restringido pela medida. O juiz deve fazer uma apreciação própria da medida solicitada, em ordem a conter a restrição do direito fundamental dentro dos limites do razoável, assegurando-se de que se encontram reunidos os pressupostos constitucionais e legais para a sua realização. Subjacente à intervenção antecipada do juiz, enquanto órgão independente e neutral, encontramos, com efeito, uma ideia de compensação a qual surge com o objectivo de acautelar os interesses do visado, na impossibilidade de o ouvir antes da execução da medida. Uma exigência cuja verificação não se compadece, pois, com um mero exercício de controlo formal, antes pressupondo uma ponderação de interesses isenta e equidistante, que se aproxima da apreciação jurisdicional. Na verdade, de acordo com os princípios inscritos na Constituição em matéria de direitos fundamentais, a autorização de uma medida restritiva de direitos está necessariamente sujeita aos limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. arts. 18.º e 34.º da CRP). E o princípio da proporcionalidade exige que a limitação dos direitos fundamentais de cada um se cinja ao indispensável para a protecção do interesse público. (…) Uma diligência de intercepção telefónica tem de se encontrar numa relação de adequação com a gravidade do crime e a força da respectiva indiciação nos autos e deve surgir como uma diligência promissora de sucesso relativamente aos objectivos delineados na investigação. A avaliação da oportunidade ou utilidade das medidas de investigação é indiscutivelmente competência dos investigadores, mas o recurso a uma medida fortemente lesiva ou restritiva dos direitos fundamentais pressupõe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas. E esta é avaliação que cabe a um juiz.»
Ora, a decisão judicial que introduz no processo as escutas telefónicas – constante de fls. 76 e 77 dos autos e supra transcrita – é absolutamente omissa no que toca aos aspetos acabados de enunciar. Tendo presente o seu teor, é forçoso concluir que quem a proferiu não indicou nem avaliou qualquer elemento probatório que lhe permitisse afirmar a investigação de factos suscetíveis de integrarem a prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nem, tão-pouco, avaliou qualquer circunstância da investigação em curso em que pudesse alicerçar a conclusão da indispensabilidade ou assinalável necessidade para a descoberta da verdade do meio de obtenção de prova que autorizou.
Ou seja, a decisão em causa não exibe qualquer ponderação dos princípios da adequação e da necessidade na determinação do meio de obtenção de prova que ordenou – escutas telefónicas –, em face do conjunto dos elementos de prova que os autos exibiam no momento em que foi proferida. Pelo que se impõe concluir que não se encontra fundamentada. E semelhante desrespeito pelo preceituado no n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, acarreta a nulidade da mencionada decisão que autorizou a interceção e gravação das conversações telefónicas, não podendo ser utilizada a prova obtida por seu intermédio, conforme decorre do disposto nos 190.º e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. A declaração de nulidade que acaba de ser feita conduz-nos ao disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, que se reporta aos efeitos dessa declaração, nos seguintes termos: «1 – As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar. 2 – A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. 3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.»
Esta norma constitui afloramento do «problema “desesperadamente controverso” (…) do chamado “efeito à distância” (…). Isto é, quando se indaga da comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa dos meios ou métodos proibidos de prova» [[2]] – ou seja, da transmissão da proibição de valoração do método proibido de obtenção de prova a todos os meios de prova que através dele são obtidos.
Também neste domínio não pode deixar de se ter presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança coletiva e a afirmação do primado da lei sobre o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras pré-estabelecidas sem atropelo daquelas que constituem garantias de defesa do acusado. «O efeito-à-distância parece, assim, configurar um momento nuclear do fim de protecção do artigo 126º do CPP na direcção do arguido. Uma conclusão reforçada pela consideração suplementar e decisiva de que só o efeito-à-distância pode prevenir uma tão frontal como indesejável violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare.»[[3]]
O “efeito à distância” surge, pela primeira vez, enunciado em 1920, na sentença do Juiz Oliver Wendell Holmes, proferida no caso “Silverthorne Lumber Cº v United States”. Dela consta que se o conhecimento de factos foi obtido ilegalmente, o Governo não os pode aproveitar, diversamente, se o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente, podem ser provados, como quaisquer outros. Em torno de tal ideia, em 1939, o Juiz Felix Frankfurter, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, no caso “Nardone v United States”, construiu a metáfora, não mais abandonada e que veio a ser adotada de forma generalizada, do “fruto da árvore venenosa” – o meio de prova inválido constitui a árvore venenosa, importando saber se nasce dela a prova ulterior, como fruto envenenado ou são. Antes do atual Código de Processo Penal, o “efeito à distância” era já reconhecido como vigente entre nós pelo Professor Figueiredo Dias.[[4]] Da longa evolução jurisprudencial neste domínio dá conta o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 194/2004, de 24 de Março de 2004[[5]], onde se concretizam as situações em que o “efeito à distância” se não projeta, enunciando-se três situações que o impedem, denominadas de “limitação da fonte independente”, de “limitação da descoberta inevitável” e de “limitação da mácula dissipada”. A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido. Ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua non da descoberta de novos factos. A segunda limitação ao funcionamento da doutrina do “efeito à distância” ocorre quando se demonstre que uma outra atividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado. Ou seja, quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado. A limitação da mácula dissipada leva a que uma prova, apesar de derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela revelem uma forte autonomia em relação a esta, em termos tais que revelem uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.
O Professor Manuel da Costa Andrade[[6]] revela, na busca de critérios para solução do problema, que não será correta a «transposição, sem mais, da clássica fruits of the poisonous tree doctrine americana, que propende para a maximização do alcance da proibição de valoração, por via de regra extensiva também ao meio de prova secundário. Mas que não devem igualmente aproximar-se do extremo oposto da negação de todo e qualquer Fernwirkung em nome do receio (…) de que “a menor habilidade do polícia que procede ao primeiro interrogatório ou a corrupção de qualquer autoridade judiciária venha a determinar a paralização de todo o processo.» E acrescenta que «Como ponto de partida e horizonte de equacionação dos problemas há-de, mais uma vez, privilegiar-se a referência à dimensão teleológica subjacente ao regime das proibições de prova: prevenir sentenças condenatórias assentes na valoração de meios proibidos de prova. (…) Na maior parte dos casos de violação das leis processuais não é possível determinar se influenciaram negativamente a sentença. À causalidade deve, por isso, equiparar-se a possibilidade de causalidade. Deste modo, a sentença assenta já na infracção à lei quando parece possível ou não é apenas de excluir que sem o erro outro teria sido o resultado. (…) Resumidamente, não estarão, de todo em todo, excluídas as constelações típicas em que a conexão normativa entre o vício e a sentença seja tão óbvia como decisiva. É o que sucederá nos casos em que a valoração proibida do meio de prova constitua o único suporte probatório sobre que assenta a sentença condenatória. Hipótese em que tanto a pertinência do recurso como o sentido da sua decisão – sc. a absolvição do arguido – se afiguram inescapáveis. As coisa serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a Rejeição do recurso (art. 420º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença. Como sucederá, por exemplo, quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório. As expressões concretas, segregadas pelos caprichos da vida, e que constituem a fenomenologia das proibições de prova oferecida ao aplicador do direito, raramente se ajustarão aos modelos canónicos referenciados, extremados quanto à relevância ou irrelevância causal do erro sobre a sentença. O normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação recíprocas. Muitas vezes nada, por isso, mais aleatório e inseguro do que a tentativa de identificar e isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador. Estas hipóteses só pela via da revogação da decisão se poderão assegurar a reafirmação contrafáctica das normas violadas e a actualização do respectivo fim de protecção. O que terá de fazer-se prevenindo-se o perigo de a convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido, entretanto lograda – e para a qual contribuiu, a seu modo, o meio proibido de prova – ter já operado uma reinterpretação cognitiva do significado e da valência probatória dos meios sobrantes e legítimos de prova. A renovação da prova motivada pelas proibições de valoração suscita, assim, exigências a que, por princípio, só através do Reenvio (arts. 426º, 431º e 436º do CPP) se poderá dar resposta ajustada.»
O regime jurídico consagrado no artigo 122.º do Código de Processo Penal mais não é do que a concretização do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e é neste preceito que também se de procurar a solução para o problema do conteúdo e alcance do efeito à distância. «Esta disposição normativa considera como nulas todas as provas obtidas mediante certo tipo de métodos, como a tortura, a coacção, a ofensa à integridade física ou moral da pessoa, a abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Nestes termos, o legislador constitucional, com este dispositivo, tem em vista a protecção dos direitos fundamentais da pessoa, independentemente da susceptibilidade ou não de os mesmos poderem ser restringidos. Passando essa protecção por considerar nulas todas as provas obtidas com a sua restrição fora dos trâmites da lei e, ainda, contaminar, com esta nulidade todas as demais que tenham resultado da prova obtida com essa restrição. Pois, caso contrário de pouco valeria a proibição constitucional na utilização de certos métodos de prova, já que, ultrapassado o crivo da proibição de prova, os demais meios de prova obtidos seriam inatacáveis, não obstante estarem na base da lesão de um direito fundamental. Acrescendo ainda o elemento literal, pois a lei diz que todas as provas estarão abrangidas, quer as provas directas quer as indirectamente obtidas. (…) se assim se não entendesse, estaríamos a esvaziar todo o conteúdo útil da presente norma, e na esteira de Costa Andrade, inclusivamente, a estimular a utilização de métodos proibidos de obtenção de prova.»[[7]]
Não resta agora, senão, voltar a olhar para o processo. Cuja investigação se “alimentou” de escutas telefónicas. Como já se deixou dito, as primeiras escutas telefónicas autorizadas nos autos deram origem a muitas outras. E com base no conteúdo destas escutas, foram realizadas todas as restantes diligências de investigação que os autos exibem.
Ou seja, apenas a prova obtida com abusiva intromissão nas telecomunicações – decorrente da decisão que, pela primeira vez nos autos, autorizou escutas telefónicas – tornou possível a realização de todas as outras diligências probatórias realizadas nos autos. Ou seja, a prova derivada só foi possível em virtude da prova viciada. Recuperando a imagem da árvore venenosa e dos seus frutos, não resta senão concluir que os “frutos” [todas as diligências subsequentes às primeiras escutas telefónicas ordenadas nos autos] não teriam existido se a “árvore envenenada” [primeiras escutas telefónicas ordenadas nos autos] não tivesse sido “plantada”. Razão porque tais “frutos” não podem deixar de ser atingidos pelo “veneno” da “árvore”, não sendo válidos como meios de prova. Assim sendo, toda a prova em que o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão recorrida se encontra afetada pela declaração de nulidade das primeiras escutas telefónicas ordenadas, não podendo, por isso, ser utilizada.
Semelhante conclusão tem consequências na decisão recorrida. A identificação dessas consequências exige se considere o que decorre do preceituado nos artigos 428.º e 431.º, alínea a), do Código de Processo Penal – os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, podendo modificar a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base. Ora, porque do exame dos autos podemos, com segurança, concluir que os mesmos contêm todos os elementos de prova que estiveram na sua origem, que não vislumbramos outros que o Tribunal recorrido não tivesse e devesse ter valorado ou que devam ser produzidos e valorados, e que não merece reparo a restante prova produzida e examinada na 1.ª Instância, impõe-se modificar. a matéria de facto dada como provada, expurgando-a de todos os factos que não digam apenas respeito às condições de vida dos Arguidos e seus antecedentes criminais, por forma a que dela passe a constar: 1º O Arguido DD é de nacionalidade espanhola, sendo o mais velho de dois irmãos, e o seu processo de socialização decorreu até aos cerca de 24/25 anos de idade no interior do seu agregado familiar de origem, estruturado e com uma dinâmica intrafamiliar coesa. 2º O Arguido integrou a escola em idade normal, tendo concluído o 9º ano de escolaridade, e vindo a abandonar precocemente os estudos por desmotivação e decisão de começar a trabalhar para se autonomizar economicamente. 3º Quando ainda era adolescente, o Arguido começou a trabalhar no campo e a vender produtos agrícolas num armazém. Ao nível profissional veio posteriormente a desenvolver a atividade de motorista de pesados. 4º Com cerca de 24/25 anos, o Arguido iniciou um relacionamento marital com a atual cônjuge, constituindo agregado familiar próprio e com quem veio a casar em 2008. Desta relação nasceu uma filha, atualmente com 6 anos de idade. 5º Na data dos factos em causa neste processo, o Arguido viva com a mulher e filha e tinha a profissão de motorista. 6º O Arguido DD tenciona regressar ao seu país de origem e reintegrar o seu agregado familiar, logo que for libertado. 7º O Arguido AA nasceu em França, País onde a família se encontrava emigrada. Quando tinha três anos de idade, a sua família regressou definitivamente a Portugal e fixou residência na aldeia de origem dos pais, onde permaneceram até à atualidade. 8º O Arguido efetuou o processo de socialização num contexto familiar estruturado e funcional e com boa integração social. 9º O Arguido frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade e por desmotivação não prosseguiu a escolaridade. Aos 14 anos de idade, iniciou atividade profissional conjuntamente com o pai na área de construção civil que exerciam por conta própria e na prática de agricultura e criação de gado. 10º Exceto num período sensivelmente de um ano e meio em que viveu em união de facto com uma companheira, que faleceu por doença súbita, o Arguido sempre permaneceu integrado no agregado familiar de origem. Aos 26 anos de idade, com o falecimento do progenitor, assumiu as tarefas agrícolas e de criação de gado, coletando-se nas finanças com a profissão de agricultor no período de 2004 a 2007, atividade da qual dependia a sua manutenção. 11º A partir de 2007 o Arguido abandonou o sector agrícola pela ausência de rentabilidade e para além da agricultura de subsistência não exerceu atividade profissional remunerada passando a sua manutenção a ser assumida pela mãe. 12º Em junho de 2010, o Arguido residia com a mãe em habitação propriedade desta, e para além da agricultura de subsistência não exercia atividade profissional remunerada, dependendo economicamente da mãe que ainda hoje beneficia de uma pensão de reforma no valor global que rondam os 750€. 13º O Arguido tem o apoio da mãe, e também de uma irmã residente numa aldeia vizinha e de um irmão que reside em França, existindo uma dinâmica familiar estável. 14º No decurso do cumprimento da medida de coação que lhe foi imposta, o Arguido AA mantém os mesmos hábitos de vida, e inexistem incidentes relativos á execução da medida de coação. 15.º Os pais do Arguido BB estiveram emigrados em França cerca de 19 anos, país onde aquele nasceu e permaneceu até aos cinco anos de idade, altura em que regressaram ao Sabugal. Em Portugal, o pai deu continuidade à atividade profissional de carpinteiro por conta própria, atividade que progressivamente foi evoluindo para a construção de uma fábrica de móveis e que proporcionou estabilidade económica ao agregado familiar. 16º O processo de crescimento do Arguido decorreu com normalidade, num contexto familiar equilibrado e com adequada inserção social. 17º Apesar da vontade da família para prosseguir a escolaridade, o Arguido apenas completou o 9° ano de escolaridade e, após cumprimento do serviço militar, optou por integrar a empresa familiar de construção e pintura de móveis, atividade pela qual demonstra motivação e empenho e que sempre exerceu de forma regular. A empresa assistiu a uma fase de expansão e crescimento, ao qual não foi alheio o investimento pessoal do Arguido. 18º Nos últimos anos, e na sequência de um projeto de investimento realizado, a empresa da família do Arguido apresentou dificuldades financeiras. 19º Na data dos factos em causa neste processo, o Arguido integrava o agregado familiar dos pais que residiam em habitação própria, dependendo a manutenção da família dos rendimentos provenientes da fábrica de móveis. 20º O Arguido tem cumprido a medida de coação que lhe foi imposta. 21º O Arguido BB e a sua família tencionam que o primeiro se dedique à atividade na fábrica propriedade familiar. 22º O Arguido CC nasceu há quarenta e três anos em Itália, perto de Milão, onde o seu processo de socialização terá decorrido no agregado familiar dos progenitores e um irmão mais velho, num contexto favorável. 23º O Arguido frequentou a escola no seu no país de origem, concluindo a escolaridade obrigatória após o que frequentou durante quatro anos um curso de cozinha. 24º Aos 19 anos de idade, o Arguido cumpriu um ano de serviço militar, tendo após o seu terminus iniciado a sua atividade profissional como cozinheiro. 25º Aos 22 anos de idade, o Arguido passou a viver maritalmente com uma companheira, fruto do qual nasceram dois filhos, de 16 e 14 anos de idade. Este relacionamento durou cerca de seis anos. 26º No ano de 2009, o Arguido mudou-se para Espanha, onde trabalhou num restaurante, tendo posteriormente inaugurado o seu novo restaurante. 27º O Arguido vive em união de facto com uma companheira, de nacionalidade irlandesa, desde há cerca de 9 anos e meio. 28º O Arguido CC pretende regressar a Espanha após a sua libertação. 29º O Arguido EE é natural da zona de Alicante, em Espanha, sendo o mais velho dos três filhos de um casal detentor de uma situação globalmente estável a nível familiar e económico. O pai trabalhava por conta própria no transporte de mercadorias, e a mãe assumia as funções de gestão da habitação e acompanhamento educativo mais próximo dos filhos. 30º O Arguido frequentou a escola até ao 7º ano de escolaridade, tendo abandonado o sistema de ensino por volta dos 16 anos, dada a sua falta de motivação e fraca apetência pelo processo de ensino/aprendizagem. 31º Com a saída do sistema de ensino, o Arguido passou a acompanhar o progenitor na atividade do mesmo, tendo posteriormente passado a conduzir também ele camionetas das empresas familiares. 32º Após o falecimento do seu pai, o Arguido continuou a atividade daquele, mas com dificuldades. 33º Entre os 18 e os 26 anos de idade, o Arguido consumiu cocaína. 34º Entre os 28 e os 35 anos de idade, o Arguido manteve uma relação conjugal, da qual resultou o nascimento de dois filhos, atualmente com 13 e 7 anos de idade respetivamente, e que vivem com a progenitora. 35º Na data dos factos em causa no processo, o Arguido vivia com a progenitora, que é doente, tendo dificuldades económicas. 36º Em meio prisional, o Arguido EE teve apoio familiar, designadamente através de visitas. 37º No certificado do registo criminal do Arguido AA constam as seguintes menções: - condenação, no processo sumário n.º 28/07.0GTGRD do Tribunal Judicial de Almeida, por sentença datada de 12 de fevereiro de 2007 e relativa a factos de ocorridos em 11 de fevereiro de 2007, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), perfazendo o montante de € 320,00 (trezentos e vinte euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias; - condenação, no processo sumaríssimo n.º 134/07.0TAALD do Tribunal Judicial de Almeida, por sentença datada de 7 de outubro de 2008 e relativa a factos ocorridos em 20 de julho de 2007, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), perfazendo o montante de € 400,00 (quatrocentos euros). 38º No certificado do registo criminal do Arguido BB constam as seguintes menções: - condenação, no processo comum singular n.º 89/06.9TASBG do Tribunal Judicial do Sabugal, por sentença datada de 28 de Janeiro de 2009 e relativa a factos ocorridos em maio de 2006, pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante de € 1 200,00 (mil e duzentos euros); - condenação, no processo comum singular n.º 90/07.5TACVL do Tribunal Judicial do Sabugal, por sentença datada de 15 de abril de 2011 e relativa a factos ocorridos em 2006, pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documentos, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, com referência aos artigos 202.º, alínea a), 22.º, 23.º, n.º 1 e 2, e 73.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), perfazendo o montante de € 1 600,00 (mil e seiscentos euros). 39º No certificado do registo criminal do Arguido CC não consta qualquer menção. 40º No certificado do registo criminal do Arguido EE não consta qualquer menção. 41º No certificado do registo criminal do Arguido DD não consta qualquer menção. 2. a matéria de facto dada como não provada, por forma a que dela passem a constar 2.1. os factos eliminados do lote dos provados: A) Em data não concretamente determinada, um grupo de pessoas, constituído pelo Arguido CC, por HH, II e outras que não foram identificadas, acordaram entre si proceder à aquisição, importação e transporte de avultada quantidade de estupefacientes para ser comercializada na Europa. B) As pessoas acima referidas planearam a introdução dos estupefacientes em Portugal, onde seriam armazenados até serem transportados para Espanha em veículos automóveis. C) HH conhecia o Arguido AA. D) Tendo em vista a execução daquele desígnio comum, em data não concretamente determinada, pessoas do grupo referido na alínea A), propuseram ao Arguido AA que diligenciasse pela obtenção de meios com vista a efetuar um transporte de produto estupefaciente para Portugal e ainda que se encarregasse de providenciar um veículo automóvel e um individuo que o conduzisse, recebendo como contrapartida por esses “serviços” uma quantia que em concreto não foi apurada, mas que seria sempre superior a € 5 000,00 (cinco mil euros). E) Ciente da natureza estupefaciente da mercadoria a transportar, o Arguido AA aceitou prestar aqueles serviços, ante a contrapartida pecuniária prometida, de valor concretamente não apurado, mas que nunca seria inferior a pelo menos € 5000,00 (cinco mil euros). F) Sabendo que o Arguido BB tinha ao seu dispor o veículo ligeiro de mercadorias de marca Mercedes de matrícula xx-xx-yy, o Arguido AA propôs-lhe que se encarregasse da realização do transporte dos estupefacientes, de Portugal para Espanha, naquele veículo automóvel, recebendo como contrapartida, uma quantia que em concreto não foi apurada. G) Ciente da natureza estupefaciente da mercadoria a transportar, ante as contrapartidas pecuniárias que lhe foram prometidas, o Arguido BB aceitou realizar esse transporte. H) No dia 11 de junho de 2010 em Águas de Moura, os Arguidos AA e BB encontraram-se com HH e também com os Arguidos II e CC. I) Nessa ocasião, os Arguidos delinearam a estratégia da execução do transporte dos estupefacientes. J) Ficou ainda delineado que, para dissimular os fardos de estupefacientes que nele fossem acondicionados, o Arguido BB devia colocar algumas peças de mobiliário no espaço de carga do veículo de matrícula xx- xx-yye que entregaria esse veículo a um elemento do grupo que se encarregaria de conduzir o veículo para o local onde os estupefacientes estavam armazenados e de acondicionar no seu interior uma parte do carregamento. L) Em data concretamente não apurada, mas próxima do dia 14 de junho de 2010, o Arguido CC e as demais pessoas referidas na alínea A), fizeram entrar em Portugal, 153 (cento e cinquenta e três) fardos de haxixe, com o peso total de 4.841.377,770 gr. M) As mesmas pessoas resolveram transportar o referido produto estupefaciente de Portugal para Espanha em duas fases, a primeira a ser executada no dia 15 de junho de 2010. N) Na sequência do previamente combinado, no dia 14 de junho de 2010, o Arguido BB introduziu algumas peças de mobiliário na viatura de matrícula xx- xx-yy, conduzindo-a depois para Águas de Moura, onde a estacionou, e foi ao encontro dos Arguidos AA e CC. O) De seguida, em hora situada entre o dia 14 de junho de 2010 e a madrugada do dia 15 de junho de 2010, e conforme o previamente combinado com os Arguidos BB, AA e CC, pessoa ou pessoas concretamente não identificadas levaram a referida viatura de marca Mercedes e matrícula xx- xx-yypara local concretamente não apurado, onde procederam ao carregamento de 76 (setenta e seis) fardos de estupefacientes. P) No dia 15 de junho de 2010, cerca das 8H00, o mesmo indivíduo ou indivíduos desconhecidos estacionaram o veículo Mercedes de matrícula xx-xx-yy frente em local situado à entrada de Águas de Moura, e perto do local onde se encontravam os Arguidos BB, AA e CC, que aguardavam a sua chegada. Q) De imediato os Arguidos BB e CC entraram no interior do veículo de matrícula xx-xx-yy. R) Como contrapartida pela sua participação o Arguido CC receberia, pelo menos a quantia de 5.000 euros. S) Assumindo a sua condução, o Arguido BB pôs o veículo em marcha tomando a direção de Alcácer do Sal, após o que entra na AE2 e depois na AE6 seguindo em direção a Espanha. T) Pelas 9H00 horas do dia 15 de junho de 2010, ao km 99 da AE6, o Arguido BB e CC foram intercetados por elementos da PJ-DIC da Guarda quando transportavam, no interior daquele veículo de matrícula 38-81- RF, dissimulados entre peças de mobiliário, 76 (setenta e seis) fardos que continham 2.403.938,700 gramas de um produto vegetal prensado que continha como substância ativa “Canabis (Resina)” com o grau de pureza de 6,0 (THC), com o qual era possível produzir mais de milhares de doses individuais. U) Na ocasião, além daqueles estupefacientes, foram apreendidos ao Arguido BB o veículo automóvel de matrícula xx-xx-yy e dois aparadores, quatro colchões de cama de casal, sete mesas de cabeceira, um móvel louceiro e oito cadeiras, objetos estes que dissimulavam aqueles fardos de estupefacientes. V) Também na mesma ocasião, o Arguido CC tinha em seu poder a quantia de € 445,00 (quatrocentos e quarenta e cinco euros), que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha. X) Na sequência da interceção e detenção dos arguidos BB e CC, também o Arguido AA foi intercetado na Avenida da Liberdade, em Águas de Moura, tendo em seu poder um telemóvel de marca Nokia, IMEI n.º xxxxxxxxxxx com o cartão PP n.º xxxxxxxxxxxxxxxx para se manter em contacto com os arguidos BB e CC e as demais pessoas referidas no facto provado 1º, e articularem-se entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. Z) Privados da colaboração dos Arguidos BB, AA e CC e tendo ainda armazenados em território nacional 77 (setenta e sete) fardos de estupefacientes para serem transportados para Espanha, as demais pessoas referidas na alínea A), recrutaram, em Espanha, os Arguidos DD e EE, que incumbiram de se deslocar a Portugal e procederem à recolha dos restantes 77 (setenta e sete) fardos de estupefacientes e de os transportar para Espanha. AA) Cientes na natureza estupefaciente da mercadoria a transportar e ante as contrapartidas pecuniárias que lhes foram prometidas – pelo menos € 6 000,00 (seis mil euros) para cada um deles –, DD e EE aceitaram realizar essa tarefa. BB) No dia 1 de julho de 2010 os Arguidos EE e DD, vindos de Espanha, entraram no território nacional com o trator pesado de mercadorias de marca Volvo, matrícula xxxxxxx com o semirreboque de matrícula R-xxx-xxxx, propriedade do primeiro e conduzido pelo segundo e dirigiram-se ao local onde os estupefacientes estavam armazenados. CC) Em hora concretamente não apurada, mas situada no período da tarde do dia 1 de julho de 2010, em local não apurado, pessoas concretamente não identificadas, acondicionaram no interior do aludido semirreboque os restantes 77 (setenta e sete) fardos de estupefacientes. DD) Após, o veículo foi entregue aos Arguidos EE e DD. EE) De seguida, com o aludido veículo pesado de mercadorias conduzido pelo Arguido DD, e onde seguia também o Arguido EE, tomaram a direção de Espanha pela AE 2. FF) Pelas 19H30 horas do dia 1 de julho de 2010, nas Portagens da AE2 em Pademe- Albufeira, os Arguidos EE e DD foram intercetados por elementos da PJ-DIC da Guarda quando transportavam no interior do aludido semirreboque 77 (setenta e sete) fardos que continham 2.437.439,070 gramas de um produto vegetal prensado que continha como substância ativa “Canabis (Resina)” com o grau de pureza de 6,0 (THC), com o qual era possível produzir 2.924.926 doses individuais. GG) Nessa ocasião, além daqueles estupefacientes foram apreendidos ao Arguido EE o veículo pesado de mercadorias semirreboque de marca Volvo de matrícula xxxxwww e a galera frigorífica de marca Leciena com a matrícula R-xxxx-www. HH) O Arguido EE tinha ainda consigo a quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros) que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha e o telemóvel de marca NOKIA, modelo 1661-2, IMEI n.º xxxxx/xxxxxxx/x para se manter em contacto com as pessoas referidas na alínea Z), a fim de se articularem entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. II) Na mesma ocasião o Arguido DD tinha em seu poder a quantia de € 200,00 (duzentos euros) que se destinavam a custear as despesas da viagem e transporte dos estupefacientes para Espanha e o telemóvel de marca NOKIA, modelo 2680s-2, IMEI n.º xxxxx/xx/xxxxxx/x para se manter em contacto com as pessoas referidas na alínea Z), a fim de se articularem entre si tendo em vista a boa execução da operação de transporte dos estupefacientes. JJ) Na concreta execução do acima referido transporte marítimo, participou o Arguido CC, que igualmente seguiu na embarcação que transportou o produto estupefaciente até Portugal. LL) Ao agirem como descrito, os Arguidos AA, BB e CC, previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, entre eles e com as demais pessoas referidas n alínea A), recolher e transportar no território nacional os 76 (setenta e seis) fardos que continham 2.403.938,700, gramas de haxixe, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. MM) Ao agirem como descrito, os Arguidos DD e EE, previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, entre eles e com as pessoas referidas na alínea Z), recolher e transportar no território nacional os 77 (setenta e sete) fardos que continham 2.437.439,070 gramas de haxixe, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. NN) Ao agirem como descrito, os Arguidos AA e CC, em conjugação de esforços com as demais pessoas referidas na alínea A), quiseram recolher e transportar no território nacional os referidos produtos estupefacientes, para serem comercializados, distribuídos e consumidos por inúmeros indivíduos, o que fizeram cientes da natureza narcótica desse produto, visando obter contrapartidas pecuniárias. OO) Todos os referidos Arguidos sabiam que tal conduta lhes estava vedada por lei e, tendo capacidade de se determinarem segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiram de as realizar.
2.2. os factos que já dela constavam, com as indispensáveis adaptações decorrentes de remissão: - Que o arguido GG integrasse o grupo de pessoas referido na alínea A). - Que tenha sido o HH quem pessoalmente apresentou a proposta ao Arguido AA, e que fosse exatamente o mesmo HH quem propôs a este Arguido que se encarregasse de providenciar uma embarcação e indivíduos que a governassem, para proceder à recolha dos estupefacientes na costa de Marrocos e de os transportar para o território nacional. - Que em 6 de junho de 2010, os Arguidos AA e BB se tenham encontrado com HH e o Arguido GG na A... S... I..., também denominada R…, no Sabugal, para que o Arguido AA apresentasse o arguido BB, e para que o Arguido GG aprovasse a intervenção deste na execução do transporte rodoviário dos estupefacientes, e confirmasse o pagamento da quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros) pela sua participação. - Que era o Arguido GG quem financiava a operação. - Que fosse exatamente no encontro em Águas de Moura, no dia 11 de junho de 2010, que o Arguido CC tivesse ficado incumbido de, em Marrocos, dirigir as operações de embarque dos estupefacientes e de assegurar que fossem desembarcados no local pré-determinado da costa portuguesa. - Que em data não apurada entre os dias 11 e 13 de junho de 2010 o Arguido CC deslocou-se a Marrocos para dirigir as operações de embarque dos estupefacientes, vigiar esse carregamento durante o transporte marítimo e assegurar que o seu desembarque era feito no local determinado da costa portuguesa. - Que o Arguido GG também tivesse recrutado os Arguidos DD e EE. - Que fossem exatamente os Arguidos EE e DD, as pessoas que procederam ao acondicionamento dos fardos no interior de semirreboque, no dia 1 de julho de 2010. - Que o titular do telemóvel 9xxxxxxxx, que dava pelo nome de “Z... A...”, dizia que era proprietário de uma embarcação de pesca. - Que cerca do mês de Janeiro de 2010, o dito “Z... A...”, como proprietário de tal embarcação de pesca foi apresentado ao Arguido AA, por um fulano da Guarda. - Que esse indivíduo, a partir daí foi incentivando o Arguido AA a participar nas operações subsequentes a um desembarque de droga, que ele próprio (“Z... A...”) iria efetuar. - Que o arguido AA, providenciou os meios necessários ao transporte de haxixe da zona de Setúbal para Espanha, apenas por que foi incentivado pelo Z... A.... - Que o “Z... A...”, propôs-se então, efetuar o transporte da droga de Marrocos para a Costa Portuguesa, e uma vez transportada, desembarcada e armazenada, por si (e outras pessoas consigo conluiadas, numa primeira fase, propôs-se também efetuar o transporte do produto estupefaciente por terra, num veículo frigorífico sua propriedade, até um armazém de móveis sito no Sabugal, sendo que a partir daqui, o Arguido AA providenciaria o transporte desse produto para Espanha. - Que o dito “Z... A...” chegou a deslocar-se ao Sabugal num Mercedes cinza prata, para fazer o reconhecimento ao armazém dos móveis, e que estas instalações foram-lhe mostradas e, ao observá-las sugeriu até que as janelas do armazém fossem tapadas com taipais, para fazer crer que o armazém estava em obras, mas que dias depois, entendeu que seria melhor não ser ele, “Z... A...”, a fazer esse transporte desde o local do desembarque até ao Sabugal. - Que o “Z... A...” depois de ter ido ao Sabugal e depois do reconhecimento disse ao Arguido AA que tinha perdido o interesse no armazém do Sabugal, e que a droga sairia de Portugal da zona de Setúbal, e incumbiu de tais atos preparativos o Arguido AA, que aceitou praticá-los, falando a um transportador para o fazer, porquanto se encontrava em situação de carência económica. - Que o Arguido AA aguardava que o irmão o chamasse para ir trabalhar na construção civil em França, e vivia de uma pequena agricultura de subsistência que ajudava a fazer à mãe, já viúva. - Que o Arguido AA não frequenta, como não frequentava à data dos factos e antes, a orla costeira. - Que o Arguido AA não conhecia qualquer pessoa ligada à faina da pesca, ou qualquer pessoa ligada a qualquer atividade marítima que tivesse embarcação ao seu dispor. - Que fosse exatamente o “Z... A...” quem telefonou ao Arguido AA, dando-lhe a notícia de que já tinha efetuado o transporte e desembarcado o produto estupefaciente, usando uma linguagem de código. - Que o Arguido AA pôs em marcha os preparativos quanto ao transporte por via terrestre desde Setúbal a Espanha com o Arguido BB, que havia contactado para o efeito, apenas a pedido do “Z... A...”, e por este ter recusado fazer o transporte terrestre, - Que o “Z... A...” incentivou e fomentou o Arguido AA a participar na atividade delinquente, atuando aquele “Z... A...” sob controlo da Polícia Judiciária. - Que o “Z... A...”, logo que conquistou a adesão do Arguido AA e de outros a intervir nos preparativos para a atividade delinquente, deles deu conhecimento à Polícia Judiciária nos termos seguintes: “...uma rede transnacional! de tráfico ilícito de produtos estupefacientes, constituída por portugueses, espanhóis e marroquinos, se estava a preparar para um transporte de várias toneladas de haxixe com destino a Espanha... Proveniência do haxixe - Marrocos; Entrada pela costa marítima, por praia do Sul do País, depois, guardada em armazém no Sabugal, afeto a uma empresa de fabrico de móveis denominada “FF, L.da” com sede na EN233/33, 6320 Sabugal. Eram conhecidos 2 portugueses ligados ao transporte da droga: um tal AA, dos Forcalhos, que habitualmente conduz o veículo xx-xx-ww (Peugeot 205), e outro conhecido por BB- BB- único sócio gerente da referida empresa. O transporte, à data de informação, estaria eminente.” - Que a informação acima referida era conhecida apenas do “Z... A...”, e só ele a podia debitar, como debitou à Polícia Judiciária, e da qual nasceu o presente processo. - Que os agentes da Polícia Judiciária, sabendo que o transporte estava para se fazer não fizeram diligências para determinar e conhecer o individuo. - Que quando a Polícia Judiciária queria fazer alguma diligência, ou tirar fotografias às pessoas que o utilizador do telefone 9xxxxxxxx, dito “Z... A...”, ia conquistando para dar forma e fazer sair do País o produto estupefaciente que havia de ir carregar a Marrocos, e desembarcar em Portugal, pedia-lhes para os fazer comparecer nos locais pretendidos. - Que quando a Policia Judiciária tirou as fotografias juntas aos autos, embora o “Z... A...” estivesse presente, fazia-o de modo a não o fazer ficar nas ditas fotografias. - Que o utilizador do telefone 9xxxxxxxx - dito “Z... A...” — foi poupado a qualquer tipo de vigilância e ou investigação por banda da Policia Judiciária. - Que o Arguido AA foi vítima da ação do titular do dito telemóvel — o “Z... A...” - enquanto agente provocador, porquanto, as atuações deste visaram incitar o arguido a cometer a infração, infração esta que, sem a intervenção do “Z... A...” não teria tido lugar. - Que o Arguido EE não tivesse sido recrutado pelas pessoas referidas na alínea Z). - Que o Arguido EE não sabia que o produto transportado no seu veículo eram fardos de haxixe. - Que o arguido EE desconhecia a mercadoria que era transportada no seu veículo, tal como o seu peso e como estava acondicionada. - Que o arguido EE paga uma pensão de alimentos ás suas filhas no valor mensal de € 500,00 (quinhentos euros). - Que o arguido EE apenas praticou os factos porque estava desesperado e o seu pensamento toldado por uma necessidade básica de sobrevivência e de suprir necessidades imediatas. - Que o restaurante do Arguido CC começou a acumular dívidas, e os fornecedores deixaram de ser pagos, ameaçando deixar de o fornecer, sendo a sua única solução fechar o restaurante e perder o seu ganha-pão. - Que os amigos do Arguido CC, sabedores do sua precária situação financeira e conhecendo a desafogada condição financeira de II, intercederam junto deste no sentido de emprestar dinheiro ao Arguido CC. - Que II aceitou emprestar € 5 000,00 (cinco mil euros) ao Arguido CC, pelo prazo de seis meses, dando este o seu restaurante como garantia. - Que cerca de um ano após o empréstimo, II surgiu no restaurante do Arguido CC com o intuito de cobrar a dívida, tendo este, então, manifestado o seu pesar e afirmado que não tinha dinheiro para lhe pagar, pedindo-lhe que lhe fosse concedido mais prazo para o efeito, o que II não aceitou, propondo-lhe, ao invés, que acompanhasse um transporte de Portugal para Espanha, como forma de saldar a dívida. - Que foi pelo motivo acima indicado que o Arguido CC aceitou praticar os factos. - Que o Arguido CC não tinha conhecimento da natureza do produto transportado no veículo onde seguia no dia 15 de junho de 2010. - Que o Arguido CC estava convencido de que apenas efetuava contrabando de tabaco. - Que o Arguido CC não retiraria qualquer vantagem patrimonial pela sua participação no transporte dos fardos de haxixe. - Que a quantia de € 445,00 (quatrocentos e quarenta e cinco euros) que o Arguido CC tinha na sua posse e que lhe foi apreendida, foi-lhe enviada pela sua mãe para Espanha, via Wester Union, e que a trazia por cautela, por não saber quanto tempo ficaria em Portugal. - Que a deslocação a Portugal do Arguido GG, deveu-se apenas a motivos relacionados com a atividade das empresas daquele.
Em consequência da alteração da matéria de facto nos termos que se deixam expostos, não resta senão concluir que os factos considerados como provados não consentem a imputação do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Impondo-se, por isso, a absolvição da prática de tal crime.
Aqui chegados, e tendo presente que o Arguido BB não interpôs recurso da decisão proferida nos autos, que o condenou na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, haverá ainda que convocar o disposto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 1 do artigo 403.º do Código de Processo Penal, para concluir que a absolvição o abrange. Ou seja, devem ser absolvidos da prática do crime de tráfico de estupefacientes, a que os presentes autos se reportam, os Arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
II A decisão absolutória proferida nos presentes autos tem por fundamento a existência duma prova proibida e, nomeadamente o entendimento, formulado com respaldo no artigo 126 126.º nº 3 do Código de Processo Penal, de que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular Constitui premissa lógica de tal conclusão a ideia de que o despacho que autorizou a efectivação de intercepções telefónicas carece legalidade substancial na medida em que, conforme consta da decisão recorrida: Do que se deixou dito sobre o regime das escutas telefónicas resulta inequívoco que a validade da sua realização deve aferir-se pelo respeito do princípio constitucional da proporcionalidade, em dois momentos distintos – o da verificação da admissibilidade desse meio de obtenção de prova e o do controle do seu conteúdo “convertível” em prova. E no que concerne ao primeiro dos momentos referidos – que é o único que nos importa –, a explanação das concretas razões que levam a concluir pela admissibilidade das escutas telefónicas como meio de obtenção de prova não se satisfaz com a repetição – com as mesmas palavras ou com outras com o mesmo significado – do enunciado na lei. Tal explicitação exige a menção expressa, desde logo e entre o mais, dos elementos probatórios [indícios] existentes no processo que suportem a afirmação da prática de um dos crimes do catálogo ou cuja moldura penal abstrata seja superior a três anos de prisão, bem como as circunstâncias da investigação de onde decorre a indispensabilidade ou assinalável necessidade das escutas telefónicas para a descoberta da verdade, no sentido da prova de tal crime. (…) Uma diligência de intercepção telefónica tem de se encontrar numa relação de adequação com a gravidade do crime e a força da respectiva indiciação nos autos e deve surgir como uma diligência promissora de sucesso relativamente aos objectivos delineados na investigação. A avaliação da oportunidade ou utilidade das medidas de investigação é indiscutivelmente competência dos investigadores, mas o recurso a uma medida fortemente lesiva ou restritiva dos direitos fundamentais pressupõe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas. E esta é avaliação que cabe a um juiz.» Ora, a decisão judicial que introduz no processo as escutas telefónicas – constante de fls. 76 e 77 dos autos e supra transcrita – é absolutamente omissa no que toca aos aspetos acabados de enunciar. Tendo presente o seu teor, é forçoso concluir que quem a proferiu não indicou nem avaliou qualquer elemento probatório que lhe permitisse afirmar a investigação de factos suscetíveis de integrarem a prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nem, tão-pouco, avaliou qualquer circunstância da investigação em curso em que pudesse alicerçar a conclusão da indispensabilidade ou assinalável necessidade para a descoberta da verdade do meio de obtenção de prova que autorizou. Ou seja, a decisão em causa não exibe qualquer ponderação dos princípios da adequação e da necessidade na determinação do meio de obtenção de prova que ordenou – escutas telefónicas –, em face do conjunto dos elementos de prova que os autos exibiam no momento em que foi proferida. Pelo que se impõe concluir que não se encontra fundamentada. E semelhante desrespeito pelo preceituado no n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, acarreta a nulidade da mencionada decisão que autorizou a interceção e gravação das conversações telefónicas, não podendo ser utilizada a prova obtida por seu intermédio, conforme decorre do disposto nos 190.º e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Paralelamente, a mesma decisão recorrida faz um extenso excurso sobre o regime a que estão sujeitas as intercepções telefónicas para fundamentar a conclusão que formula. Importa agora examinar tal regime e apreciar da correcção da mesma decisão. Na verdade, a) Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada I Volume 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora 2007 pag 525 seg.) aceitando-se como principio que é no direito processual penal que vão convergir as virtudes, e defeitos, constitucionais é, sem dúvida, no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa que ganham corpo os princípios materiais do processo criminal ou de constituição processual criminal. Assumindo uma configuração de verdadeiras "garantias de processo criminal" as denominadas "proibições de prova" constituem concretizações processuais de direitos fundamentais - e não meros limites à actividade dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias - como o direito à integridade pessoal, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e o direito à liberdade, consagrados nos artigos 25.°, nº1, 26.°, nº1, e 27.°, nº 1, respectivamente, da Constituição. Em última instância, está em causa a tutela de direitos pessoais que se reconduzem à dignidade da pessoa humana - princípio transversal da ordem jurídica com raiz na consciência colectiva. Prescreve o nº8 do referido artigo 32 da Constituição da Republica, que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Por tal forma se convoca a nulidade qualquer prova que tenha sido obtida em contravenção com aqueles direitos de dignidade constitucional e se comina a impossibilidade de tais elementos serem valorados no processo. Estamos perante o núcleo essencial das proibições de prova que veio a conformar, e determinar, o legislador ordinário ao consagrar, no artigo 126 do Código de Processo Penal, os denominados métodos proibidos de prova. Todavia, é nítido o diferente recorte que assumem, no preceito citado, e em termos de tonalidade ético-normativa, a proibição de provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física, ou moral, das pessoas em relação àquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Se, na primeira hipótese, estamos perante uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, pois que está em causa o próprio núcleo dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma -ao referir os casos ressalvados na lei- que admite a compressão de direitos constitucionais, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, é e exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.
b) As proibições de prova dão lugar a provas nulas (artigo 32, nº 8, da Constituição da República).Porém, a nulidade das provas proibidas obedece a um regime próprio, distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo que distingue dois tipos de proibições de provas consoante atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana. Refere Paulo Pinto Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal 4ª Edição, Lisboa Universidade Católica Editora pag 335 e seg):” a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126, nº 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126, nº 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida. Em síntese, o artigo 126, nº 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o nº 3 prevê nulidades relativas de prova. Podemos sintetizar dizendo que a interdição de prova é absoluta no caso do direito à integridade da pessoa e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34°-2 e 4), quando desnecessária, desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (art. 18°-2 e 3).
c) Aprofundando o regime das proibições de prova uma referência importante a estabelecer é a divisão entre nulidades processuais e proibições de prova. Nesta tarefa é pressuposto que o processo penal se configura necessariamente como justo no sentido de que circunscreve a forma de obter a verdade material no respeito da legalidade o que não é mais do que a manifestação do exercício do contraditório. Na verdade, é consabido o princípio de que só uma verdade adquirida por forma processualmente válida é admissível num Estado de Direito. Porém, se é certo que até aqui existe uma convergência entre as duas figuras processuais, evidente na sua sujeição aos limites impostos pelo processo justo e equitativo, começam então as divergências, que mais não são do que a consequência de sua diversa natureza e da própria etiologia. Existe, na verdade, uma destrinça fundamental entre nulidade processual e meio proibido de prova que se reflecte no respectivo regime jurídico. Ultrapassando as dessintonias impostas pelo apelo a critérios meramente formais na distinção entre as duas figuras, os quais por si não contêm qualquer virtualidade em termos de elucidação, importa encontrar a referência substancial da mesma distinção. No que concerne, e seguindo de perto a proposta formulada por Conde Correia (Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, Studia Jurídica Coimbra 1999, Coimbra Editora pag 194 e seg) estamos em crer que a distinção a estabelecer arranca do facto de as proibições de prova derivarem, fundamentalmente, das opções constitucionais em matéria de investigação penal e de protecção dos direitos, liberdades e garantias individuais. Assim, o cerne da delimitação da área da prova proibida inscreve-se no texto constitucional, seja na identificação das provas absolutamente proibidas seja, sobretudo, na identificação das provas relativamente proibidas que a Constituição autoriza. A compreensão dos mecanismos constitucionais de restrição dos direitos liberdades e garantias é o ponto essencial da mesma distinção. Por seu turno a nulidade processual vai ancorar em razões de índole processual que não estão directamente ligadas com a norma constitucional. Concorda-se, assim, com Martins de Oliveira (Da autonomia do regime de proibições de prova em Prova Criminal e Direito de Defesa, Coimbra, Edições Almedina, 2010 pag 257 e seg.) quando refere que:- a) As proibições de prova têm como fundamento básico o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto as nulidades se reportam à legalidade e a questões formais ou ligadas à economia processual; b) O desvalor jurídico das proibições de prova produz-se ex lege, sem necessidade de qualquer acto posterior, o que não acontece com as nulidades, que têm de ser declaradas; c) As proibições de prova resistem ao caso julgado, havendo lugar a recurso extraordinário de revisão quando se descubra que foi utilizada uma prova proibida, enquanto as nulidades, mesmo as insanáveis, se consolidam na ordem jurídica com o trânsito em julgado; d) A arguição das proibições de prova não está sujeita a qualquer prazo, o que não sucede com as nulidades, que por vezes têm de ser arguidas em prazos muito curtos; e) A concepção do regime das proibições de prova serve-se de conceitos indeterminados para abranger todo o tipo de situações que diminuam os bens jurídicos por elas tutelados, ao passo que o regime das nulidades é taxativo, sendo nulo apenas o acto que a lei cominar expressamente com a nulidade (artigo 118.°, nº 1). Em consonância com o mesmo Autor, conclui-se que as proibições de prova não são uma subespécie de nulidade. São uma espécie de invalidade, tal como o são, também, as nulidades. Como refere Conde Correia (Contributo …. Pag 102) «A invalidade é um conceito unitário, que exprime todos os desvios entre as disposições processuais e a actividade empreendida, capazes de legitimar uma pretensão eliminatória dos efeitos jurídicos produzidos. ( ... ) Tal unidade não significa uniformidade nas suas consequências. Antes pelo contrário, os actos processuais penais inválidos dão origem a uma pluralidade de tratamentos, que variam em função da gravidade e da natureza da violação» É justamente em função da gravidade e natureza da violação dos bens jurídicos que pretendem proteger, que as proibições de prova merecem um tratamento diferenciado.
d) Aqui chegados importa efectuar uma destrinça, fundamental no caso vertente, que se situa na diferença entre ilegalidade formal e substancial. A nosso ver, não merece aplauso o entendimento de alguns autores no sentido de que, para além das provas proibidas por intrínseca ilegitimidade objectiva, teríamos as provas proibidas por ilegitimidade procedimental. Neste entendimento assim sucederia se o caminho não foi correcto e se, no processo concreto de restrição dos direitos fundamentais, não foram observados todos os requisitos - ainda que aparentemente de carácter formal - constitucionalmente imprescindíveis à legitimidade da intervenção. Na verdade, uma coisa é a autorização judicial, que corporiza a ultrapassagem de um direito constitucionalmente assegurado em função de outros interesses igualmente legítimos e outra, totalmente distinta, é o incumprimento de regras formais, ou procedimentais, em relação a uma autorização já concedida. Aqui não está em causa nenhum dos pressupostos que informaram o juízo de proporcionalidade formulado pelo juiz ao conceder a respectiva autorização judicial para “quebra” de uma garantia constitucional, mas única, e simplesmente, uma regra procedimental que visa conformar a forma como aquela autorização judicial se concretiza processualmente, ou seja, uma regra de produção de prova. As regras de produção da prova - cfr. v. g. o artigo 341.° do CPP - visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a necessidade de reafirmação contra fáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram, na caracterização de Figueiredo Dias, meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova ( ... ) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos. As regras de produção de prova são ordenações do processo que asseguram a realização da prova. Visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova, como sucede com as proibições prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo. Na caracterização convergente de Amelung, citado por Costa Andrade: «muitas normas de conduta que os órgãos de perseguição penal têm de observar nos actos de intromissão na informação, não tutelam, porém, o domínio sobre a informação do portador do direito atingido, mas outros interesses. Daí que a inobservância de tais normas de conduta não determine, só por si, uma distribuição ilícita da informação. (Costa Andrade Sobre as Proibições de Prova …….. pag 85)
e) Assim, uma primeira ideia que importa precisar é a de que a decisão recorrida não abordou minimamente a questão de saber se no caso vertente estavam, ou não, verificados os pressupostos que condicionam a realização duma intercepção telefónica. Os direitos fundamentais cuja violação está no núcleo do regime de proibições de prova não são colocados em causa por uma decisão incorrectamente fundamentada, mas sim se tal decisão não respeitar os pressupostos substanciais que são pressuposto da admissibilidade daquele meio de obtenção de prova. A equiparação duma anomalia de natureza processual, que não toca em qualquer direito fundamental, ao regime de proibição de prova é um exercício ariscado que nem mesmo a visão mais extrema da defesa das garantias processuais procura justificar. A decisão recorrida pronunciou-se sobre a forma que o despacho em causa deveria, na sua perspectiva, revestir, e que não revestiu, ou seja, o objecto da mesma decisão incidiu sobre o não cumprimento das disposições adjectivas aplicáveis. Todavia, o Magistrado que proferiu a decisão em causa exprimiu claramente a aprovação e a habilitação legal para a intercepção. Só que, na perspectiva da decisão do Tribunal da Relação de Évora, tal autorização está insuficientemente fundamentada. É, assim, manifesto que não está em causa uma actuação dos órgãos do Estado, nomeadamente dos órgãos de polícia, que afecte ilegitimamente a privacidade dos cidadãos, configurando um meio proibido de prova, mas única e simplesmente uma decisão que não terá cumprido as regras procedimentais aplicáveis. Tal percepção remete-nos directamente para a diferença de regime entre a nulidade a que respeita a proibição de prova e a patologia relativa a regras de produção de prova. A decisão recorrida considerou como proibida a prova que deriva duma autorização judicial incorrectamente fundamentada sem curar de saber se efectivamente existiam, ou não, os pressupostos substanciais da mesma autorização. Porém, a falta de fundamentação da decisão, a existir, apenas poderia conduzir à existência duma nulidade processual. * Como refere Carlos Adérito Teixeira (Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e novos problemas Revista do CEJ 1º Semestre de 2008 número 9 pag 293) o regime aplicável ás intercepções é o das proibições de prova a que alude o nº3 do artigo 126, e que este convoca um regime diverso do número 1.Refere o mesmo que consequentemente, haverá que distinguir, caso a caso, à luz do parâmetro conceptual, os vícios que constituem verdadeiras proibições de prova ( 190.°,126.°, e nº3 3 do 118.° do CPP e art. 32.° nº 8 da CRP) das nulidades ou mesmo irregularidades. Na verdade, embora o legislador tenha cominado a nulidade para "os requisitos e condições" dos dispositivos que antecedem o art. 190.°, a verdade é que o art. 188.° mostra-se muito "regulamentador", havendo inúmeros aspectos formais que ali se subsumem e em face do que se afigura distorcer os conceitos, associando meras formalidades a violações de "limites materiais". Podemos, assim, concluir que existem situações que, decididamente, apontam para as proibições de prova quer no plano dos métodos, quer do modo de produção (v.g.a ausência de acompanhamento judicial), quer do tema (v.g. segredos), quer de limites de índole pessoal (v.g. elenco de pessoas "escutáveis"), quer das garantias de defesa (v.g. acesso a transcrição), quer da valoração (v.g. de informações pretensamente em código, de declarações de interlocutores anónimos, de conversações de mediadores de segredos estranhas ao. processo ou de utilizabilidade injustificada). Porém, noutros segmentos estamos perante regras de natureza procedimental que em nada afectam o direito tutelado. O exemplo de uma escuta legal, pois que os seus pressupostos existem, mas que não foi atempadamente sujeita á audição, imprime de uma forma impressiva a ideia de que o incumprimento da formalidade não é sinónimo da violação de um direito e que o fulminar com o regime de proibição- oficioso e insanável- o não cumprimento de uma regra formal é manifestamente desproporcional e compromete a funcionalidade da Justiça penal. A separação de regimes que têm subjacente a substância e a forma está patente no domínio específico das escutas telefónicas, na diferenciação entre o desrespeito pelos arts 187º ou 188.° que deve conduzir à aplicação de um regime sancionatório diverso entre si. Na verdade, poder-se-á dizer que o primeiro destes artigos assume uma maior importância, dado definir o catálogo de crimes em relação aos quais o uso deste meio de obtenção da prova pode ser autorizado, bem como os demais requisitos cumulativos. Trata-se, assim, de uma norma nuclear na matéria e que, como refere André Lamas Leite (ibidem) exprime, de forma mais directa, o difícil equilíbrio entre a boa administração da justiça e o respeito pelos direitos fundamentais envolvidos. Daí que a violação do art. 187.° deva implicar uma sanção mais radical: a «inutilização» do material probatório assim recolhido. Diversamente no art. 188.° estamos apenas perante matéria procedimental que não contende com aqueles direitos. O momento decisivo em que estes foram colocados em causa surgiu com a autorização e verificação da existência dos respectivos pressupostos. Em ultima análise permanecem válidos os pressupostos que informaram a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria e, nomeadamente, o Acórdão de 2 Fev. 2005 (Colectânea de Jurisprudência, N.º 181, Tomo I/2005) que refere: Apesar de o artigo 189º do CPP se referir genericamente a nulidades, não assume a mesma gravidade a utilização de um meio proibido de prova, por ilegal intromissão nas telecomunicações, pelo que o vício não pode deixar de ser cominado com a nulidade absoluta, e a preterição de formalidades legais na recolha de escutas telefónicas validamente autorizadas, destinadas a documentar a operação e a salvaguardar o sigilo relativamente a elementos que não devem ser utilizados no processo. A nulidade cometida deveria ter sido arguida na prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito, nos termos do artigo 120º, nº 3, alínea c), do CPP. Não o tendo sido, ficou sanada (as referências a artigos são anteriores á reforma introduzida pela Lei 48/2007
A primeira conclusão é, assim, a de que a existir uma irregularidade processual na decisão proferida nunca a mesma poderia ser equiparada a uma proibição de prova.
II) Mas, tentemos agora equacionar a hipótese vertente nos termos propostos pela decisão recorrida, mesmo equiparando realidades que não são equiparáveis, ou seja, considerando que a falta de fundamentação da decisão de autorização acarreta uma proibição de prova. Assim, a questão que se coloca é a de saber se a decisão de autorização das intercepções telefónicas obedece, ou não, aos requisitos legais. No que concerne importa salientar que a falta de fundamentação implica a inexistência dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e só a falta absoluta de fundamentação determina a sua nulidade. Efectivamente não padece desse vício a decisão que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada ou como referia Alberto dos Reis «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.[8] Repete-se que a falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há-de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira. É pela fundamentação que a decisão se revela como um acto não discricionário e sim como uma operação lógica em cujas premissa a lei e os factos constituem o núcleo fundamental. É em virtude da mesma fundamentação que os intervenientes são chamados a aferir da razoabilidade da decisão [9] Deste modo, se conclui que a nulidade da decisão não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente, ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
O despacho do JIC que determinou as intercepções telefónicas em causa refere que: Resulta dos autos que uma organização criminosa, constituída por indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina, estará a diligenciar no sentido de importar de Marrocos, por via marítima, elevada quantidade de haxixe. Os dois indivíduos portugueses até ao momento identificados, tratam-se de AA e BB. Da investigação entretanto em curso foi possível apurar que o suspeito AA, nos seus contactos, usa o Posto Móvel 9xxxxxxxx. Como anteriormente se referiu [na decisão que validou a aplicação do regime de segredo de justiça – esclarecimento nosso], versam os presentes autos de inquérito a investigação de factos susceptíveis de integrarem a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22/01. Tendo bem presente a matéria sob investigação nos autos, bem como a sua inerente complexidade de investigação, conquanto as intercepções sejam um meio excepcional de aquisição de prova, porque compressoras de direitos constitucionalmente protegidos, no caso sub judice, revelam-se absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo certo que, no actual estado dos autos, de outra forma seria impossível, ou muito difícil de obtenção de prova. Consequentemente, defiro ao doutamente promovido, pelo que, autorizo a intercepção e gravação das comunicações estabelecidas e recebidas através do posto móvel supra indicado e IMEI’s associados, devendo incluir todas as comunicações por voz, fax, facturação detalhada com registo de “trace-back” e localização celular, a vigorar até ao dia 18-03-2010, ao abrigo do disposto nos artigos 187º, nº 1, 188º, 189º e 269º, nº 1, al. e), todos do CPP. Autorizo ainda que a respectiva operadora remeta a este TCIC os códigos de carregamento de tal Posto Móvel, bem como de todos os elementos de identificação que possua sobre o utilizador do mesmo.»
Pode-se entender que tal fundamentação é demasiado sintética, mas não existem, a nosso ver, quaisquer dúvidas sobre as razões que levaram ao deferimento das intercepções solicitadas:-a existência duma organização criminosa: a existência de indivíduos de várias nacionalidades; a importação de levadas quantidades de haxixe: importação proveniente de Marrocos. A decisão conclui pela complexidade da investigação e pela indispensabilidade do meio em causa. Pode-se questionar as razões subjacentes ao despacho proferido, mas que elas são patentes do mesmo é um facto inegável.
Aliás, lateralmente dir-se-á que a decisão recorrida se reconduz-se a uma confusão entre fundamentação deficiente e fundamentação sumária sendo certo que esta é uma forma legalmente admissível de formatar a decisão judicial. Como refere Mouraz Lopes (Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português Legitimar, Diferenciar, Simplificar; 2011 Almedina; Coleção: Teses de Doutoramento) a fundamentação sumária traduz-se num modo de elaboração da fundamentação da decisão que consiste numa redução do âmbito da estrutura justificativa dos actos decisórios tendo em conta a especificidade estrutural que cada acto assume no procedimento. Adianta o mesmo autor que a vinculação genérica ao princípio da completude, evidenciado no tratamento jurisdicional justificatório de todas as questões suscitadas, como corolário do princípio constitucional da fundamentação das decisões, não colide com a admissibilidade de uma redução desse conteúdo completo, sustentada em razões justificativas e de acordo com a modulação diferente da estrutura dos actos decisórios. As razões fundantes que podem justificar a existência dessa compressão do dever de fundamentação encontram-se, numa primeira variante, na modulação diferente da estrutura dos actos decisórios interlocutórios ou finais que não sejam sentenças. A emergência da fundamentação de todos os actos decisórios nomeadamente decorrente da imposição generalista do princípio constitucional da fundamentação das decisões não pode deixar de ser interpretada de acordo com a diversa estrutura que sustenta a tipologia das decisões. Mesmo no domínio do processo penal, onde a imposição normativa estabelecida no artigo 97º nº 5 do CPP sobre a exigência de fundamentação dos actos decisórios é inequívoca, a diversidade dos actos processuais que estão em causa e a estrutura racional de cada decisão, embora diferente, exige um tratamento em termos de fundamentação também ele diferenciado. Trata-se, neste domínio, ao contrário do esquema estrutural típico em que assenta a fundamentação da sentença, de actos sustentados num modelo de construção que não tem que ser semelhante ao modelo delineado para, sentença, onde não está em causa o processo definitivo de fixação da verdade material, como fim fundamental do processo penal. Em todos os actos decisórios, tanto nas decisões interlocutórios como finais, que não a sentença, a sua fundamentação é válida desde que cumprido um conteúdo mínimo assente nas exigências legais pré-estabelecidas de modo a que possam ser concretizadas as finalidades da fundamentação vinculadamente constitucionais, mas especificamente determinadas em relação a cada acto decisório e às suas próprias finalidades. Nada obsta a que na sua formulação, desde que respeitado esse conteúdo mínimo exigível a cada uma das decisões, seja possível uma forma de fundamentação sumária, desde que garantida a possibilidade do seu Controlo. No caso dos actos decisórios que não sejam sentenças finais, o controlo da fundamentação sumária é assegurado pela alusão clara e expressa aos motivos que prevalecem, de entre aqueles que determinaram a emissão da decisão. No caso o despacho considerado nulo, sendo sintético, contem uma catalogação precisa das razões que justificam a autorização das intercepções e permite um perfeito controle de tais razões à face da lei.
III Mas, determinados os termos em que, a nosso ver, se equaciona a questão em termos em função do instituto da proibição de prova e duma eventual patologia processual importa agora que subamos um patamar e apreciemos a correcção do despacho de autorização de intercepções telefónicas à face do regime que lhe é específico (o que a decisão recorrida não fez pois que se quedou pela regularidade formal do despacho de autorização). Na verdade, a) Como refere Nuno Serrão de Faria (Acesso ao registo das escutas telefónica em prova Criminal e Direito de defesa Coimbra Almedina 2011 pag 205 e seg) a intercepção e a gravação de conversações telefónicas só pode ser autorizada se elas se revelarem, fundamentadamente, indispensáveis para a descoberta da verdade. O legislador procurou salientar a excepcionalidade, e a proporcionalidade, de que o recurso às escutas se deverá revestir. Efectivamente, a intercepção telefónica só é admissível porquanto é necessário acautelar a realização da justiça e a descoberta da verdade material, finalidades do processo penal que com aqueles valores se conjugam, entrando num jogo de equilíbrio que modela todo o regime legal nesta matérias. Um outro requisito legal das escutas, que não tem paralelo ao nível dos demais mecanismos de captação de provas é o de que a prova se afigure, de outra forma, impossível, ou muito difícil, de obter, com o que sublinhou a lógica de subsidiariedade que deverá presidir à sua utilização. Esta ideia de excepcionalidade, e de subsidiariedade do meio, é compreensível, em razão da danosidade social que acarreta, por colidir com direitos constitucional e legalmente consagrados. Consequentemente, o regime das escutas não é mais do que uma concretização da restrição admitida pelo legislador constitucional em matéria de processo penal (art. 34.°, nº 4, da CRP), contrariando, desse modo, a proibição constitucional que resultaria do art. 32.°, nº 8, da CRP que considera "nulas" todas as provas obtidas mediante "( ... ) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações", e que é retomada pelo legislador ordinário no art. 126.°, nº 3, do CPP. * Relativamente á afirmação da natureza excepcional do regime das escutas e a sua tradução nos requisitos formais da indispensabilidade, e impossibilidade ou dificuldade de obtenção de prova por outro meio, é uniforme o posicionamento dos Autores. Assim se pronunciam Manuel Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 2008, p. 928) referindo que: «as escutas telefónicas são admissíveis no nosso ordenamento processual penal, mas a título de excepção apenas para determinadas situações e verificadas que sejam especiais circunstâncias». Igualmente José Damião da Cunha escreve que (O regime legal das escutas telefónicas-algumas breves reflexões", in Revista do CEJ, nº 9, Almedina, 1.° semestre de 2008, p. 207) existe uma clara intenção de afirmar, e acentuar, a "excepcionalidade" (quando não o carácter de ultima ratio) do recurso às escutas telefónicas». Por seu turno Benjamim Rodrigues, (Das Escutas Telefónicas p. 76) considera que «trata-se de um meio de obtenção de prova frutífero e excepcional. Para Fátima Mata Mouros (Escutas Telefónicas - o que não muda com a reforma", in Revista do CEJ, nº 9, Almedina, 1.° semestre de 2008, p. 240) sublinha que esta previsão «expressa com maior veemência a sujeição da medida ao princípio da proporcionalidade». Cristina Ribeiro (Escutas Telefónicas p. 69,) enfatiza que «o recurso das autoridades judiciárias às escutas telefónicas como meio de obtenção de prova, atento o seu carácter lesivo dos direitos fundamentais dos cidadãos, deve pois assumir um carácter excepcional, mostrando-se sempre orientado para os fins específicos previstos na lei processual penal ( ... ) e pautar-se sempre por critérios de proporcionalidade, adequação e necessidade». Lamas Leite (Entre Péricles e Sísifo: o novo regime legal das escutas telefónicas", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 17.°, nº 4, Coimbra Editora, Outubro/Dezembro de 2007, p. 625), é peremptório ao afirmar que «o legislador terá pretendido que as escutas sejam o único meio de atingir a verdade material, ou seja, quando existirem outras formas de obtenção da prova aptas a atingir uma das finalidades últimas de todo o processo pena, as escutas serão ilegais». Segundo Carlos Adérito Teixeira (Escutas telefónicas: A mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas", in Revista do CEJ, nº 9, Almedina, 1º semestre de 2008, p. 247) frisa que «( ... ) não pode deixar de haver um rigoroso escrutínio das circunstâncias do caso concreto, à luz de uma ideia de proporcionalidade entre a "danosidade social polimórfica" e o estado de necessidade qualificado da investigação». Por seu turno o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já por diversas ocasiões estabeleceu que, inerente ao regime jurídico das escutas telefónicas, está o estabelecimento, na lei nacional dos Estados, de uma forma clara e expressa, sobre a natureza das infracções em relação às quais é admissível a escuta telefónica, servindo esta exigência como uma garantia do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Marco fundamental na pronuncia do TEDH sobre o capítulo das escutas é o processo Huving e Kruslin de 1990 no qual o Tribunal entendeu que não existia a protecção adequada dos direitos fundamentais dos indivíduos uma vez que, o sistema francês não definia, entre outros requisitos, quais as infracções em que era permitido a realização de escutas telefónicas.Como se refere no repositório constante do dossier Iordachi contra República da Moldávia de 10/02/2009 The expression “in accordance with the law” under Article 8 § 2 requires, first, that the impugned measure should have some basis in domestic law; it also refers to the quality of the law in question, requiring that it should be compatible with the rule of law and accessible to the person concerned, who must, moreover, be able to foresee its consequences for him (see, among other authorities, Kruslin v. France, 24 April 1990, § 27,Series A no. 176-A; Huvig v. France, 24 April 1990, § 26, Series A no. 176-B; Lambert v. France, 24 August 1998, § 23, Reports of Judgments and Decisions 1998-V; Perry v. the United Kingdom, no. 63737/00, § 45, ECHR 2003-IX (extracts); Dumitru Popescu v. Romania (no. 2), no. 71525/01, § 61, 26 April 2007; Association for European Integration and Human Rights and Ekimdzhiev v. Bulgaria, no. 62540/00, § 71, 28 June2007; Liberty and Others v. the United Kingdom, no. 58243/00, § 59, 1 July 2008)
b) Na configuração assumida actualmente pelo artigo 187 do CPP assume especial importância a Lei nº 48/2007 em que se inscreve a última reforma do processo penal. Analisando a “Exposição de Motivos" da respectiva Proposta de Lei é, desde logo, possível traçar no capítulo das escutas telefónicas, os eixos essenciais das alterações introduzidas. Ali se refere que: O regime de intercepção e gravação de conversações ou comunicações é modificado em múltiplos aspectos. Confina-se este meio de obtenção de prova à fase de inquérito e exige-se, de forma expressa, requerimento do Ministério Público e despacho fundamentado do juiz. Ao elenco de crimes contido no n.º 1 do artigo 187.º acrescentam-se a ameaça com prática de crime, o abuso e simulação de sinais de perigo e a evasão quando o arguido tiver sido condenado por algum dos crimes desse elenco. O âmbito de pessoas que podem ser sujeitas a escutas é circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso, mediante o consentimento efectivo ou presumido). A autorização judicial vale por um prazo máximo e renovável de 3 meses. Esclarece-se que os conhecimentos fortuitos só podem valer como prova quando tiverem resultado de intercepção dirigida a pessoa e respeitante a crime constantes dos correspondentes elencos legais. Consequentemente, consagraram-se em letra de lei as seguintes linhas essenciais no capítulo dos requisitos materiais de admissibilidade: -Acentuação da excepcionalidade, e subsidiariedade, das escutas telefónicas, através de expressões que exprimem a força daqueles princípios. Assim, onde anteriormente se exigia que houvesse razões para crer que a diligência se revelaria de grande interesse para a descoberta da verdade, ou para a prova, passou agora a impor-se que haja razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter. Como acentua Damião da Cunha («O regime legal das escutas telefónicas», Revista do CEJ nº9-especia-1.° semestre de 2009) « mantendo-se uma espécie de duplo fundamento (descoberta da verdade/obtenção de prova) existe uma intenção clara de afirmar, e acentuar a "excepcionalidade" (quando não o carácter de ultima ratio) de recurso às escutas telefónicas. Estamos em crer que, sem embargo da salvaguarda dos princípios constitucionais-artigo 18 da Constituição- que regem a matéria de restrições de direitos, liberdades e garantias (acrescidos pela especifica garantia conferida pela denominada reserva de juiz-artigo 32 nº4 da Constituição) se trata, no momento de autorização e na comprovação dos seus fundamentos, de um juízo de prognose face á situação concreta das investigações e aos elementos recolhidos, abrangendo a sua complexidade, mas também a sua eficácia. O mesmo pensamento tem André Lamas Leite (Revista Portuguesa de Ciência Criminal Ano 17 nº4 pag 636 e seg) quando refere que, com as alterações introduzidas, a densidade fundamentadora do despacho de autorização é acrescida. Os elementos que justificam o recurso às escutas, funcionando como critérios aferidores da respectiva legalidade, conhecem um aumento de exigência: a descoberta da verdade e a obtenção da prova “qua tale”. Para a primeira, a diligência tem agora de ser «indispensável» e não apenas «de grande interesse». O legislador terá pretendido que as escutas sejam o único meio de atingir a verdade material, ou seja, quando existirem outras formas de obtenção da prova aptas a atingir uma das finalidades últimas de todo o processo penal, as escutas serão ilegais. Quanto à relevância para a obtenção da prova, diz-se agora que elas só devem ser usadas quando, de outra forma: esse material seja «impossível ou muito difícil de obter» . Porém, tal excurso teórico não será suficiente para escamotear as dificuldades de aplicação prática do critério uma vez que, como refere Fátima Mata Mouros (ibidem) com a reforma não se ultrapassou o limiar mais elementar da vacuidade e indeterminação conceptual. Entre as razoes de tal situação, refere a mesma Autora, destaca-se a inexequibilidade da cláusula de subsidiariedade nas normas habilitantes das medidas para além das dificuldades praticamente inultrapassáveis na aplicação rigorosa do princípio da proporcionalidade. É que, não sendo viável uma graduação em abstracto das medidas de investigação em função de critérios como o da respectiva potencialidade lesiva para os direitos dos visados, ou do grau de eficiência que oferecem para a investigação de cada tipo de crime, dificilmente a cláusula da subsidiariedade poderá adquirir eficácia prática. Seguindo ainda a mesma linha de raciocínio, que se perfilha, o respeito pelo princípio da proporcionalidade na autorização destas medidas pressupõe desde logo uma estabilização, ou delimitação, dos factos a investigar que, por via de regra, não se encontra ainda determinada no momento em que a polícia solicita a realização da escuta. Na verdade, a realização de uma escuta telefónica, na nossa ordem jurídica, só tem cabimento em sede de processo penal, como impõe a Constituição (art. 34 nº4) Por outro lado a consagração de tais requisitos suscita desde logo a sua adequação à própria finalidade do meio de obtenção de prova em causa Efectivamente, a apreciação dos pressupostos enunciados implica a instauração de um inquérito, e para tanto, é necessária a notícia de um crime, ou seja, em princípio, o campo de utilização das escutas telefónicas no nosso país reconduz-se à investigação de crimes já cometidos ou, pelo menos já iniciados. Todavia, a importância das escutas não reside muitas vezes na prova de crimes já consumados, mas sim na investigação, e mesmo na prevenção, de crimes que se suspeita poderem vir a ser cometidos. Tal conclusão é, precisamente o inverso das limitações que decorrem da nossa Lei Fundamental e do regime estabelecido no nosso Código de Processo Penal. A ponderação da indispensabilidade para descoberta da verdade, ou o juízo sobre a impossibilidade, ou a muita dificuldade, em obter prova por outra forma pressupõe que, num determinado contexto de inquérito, se tenha a noção precisa de qual a verdade material que se pretende obter ou, então, um juízo de valor sobre meios de obtenção de prova alternativos relativamente aos quais, porém, não se tem a noção exacta da respectiva configuração porque ainda não foram produzidos. Na verdade, caso tais meios de obtenção de prova fossem produzidos previamente á decisão sobre a escuta esta perderia todo o interesse investigatório uma vez que os eventuais escutados estariam já alertados para a possibilidade da sua existência. A conjugação de tais circunstâncias implica que o juízo de ponderação que fundamenta a autorização tenha, normalmente de ser avaliado em relação a hipóteses, ou possibilidades, que são os elementos de prova que poderiam ser obtidos através dos meios alternativos de obtenção de prova e os que se pretende obter através da escuta telefónica. O segundo pressuposto material é a consagração do princípio da «reserva do juiz», através da exigência de um despacho fundamentado, quando antes apenas se aludia a «despacho do juiz». O legislador quis acentuar o papel do juiz, dentro daquele princípio de reserva, como garante dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, no confronto da restrição destes com os pressupostos da autorização das escutas. * c) A fundamentação da decisão que autoriza a intercepção é uma exigência do regime democrático. Tal dever de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional-artigo 208-em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderado e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (citada Constituição Anotada pag 799). Ao apontar a necessidade de fundamentação do despacho o artigo não faz mais do que integrar neste segmento aquilo que é uma exigência derivada da própria Constituição Porém, importa precisar que o facto de a fundamentação assentar num juízo hipotético, deve configurar a forma como se desenham as exigências relativas a tal fundamentação. Se o tipo de crime tem de ser indicado nos estritos limites do catálogo já as razões da sua indiciação, que podem ser efectuadas com remissão para os elementos relevantes, não podem conter uma exigência de precisão que torne inviável a sua concretização. Avaliar a impossibilidade de obter por outra forma a prova que se pretende com a escuta pressupõe um juízo tanto mais genérico quanto mais próximo estamos na fase inicial da investigação sendo certo que, mesmo dentro dos crimes do catálogo, alguns existem que, pela sua gravidade e especificidade imprimem desde logo uma ideia de indispensabilidade da escuta Efectivamente, a escuta é exactamente o meio de obtenção de prova que se pretende para obter prova de um determinado crime e estar a exigir previamente uma indiciação profunda do crime para o qual se pretende a escuta é uma contradição. Como refere Benjamim Rodrigues (Das Escutas Telefónicas Coimbra Coimbra Editora 2008 Tomo I pag 228) não se deve cair no exagero de que a motivação seja tão completa como se se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria deslegitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. Aliás, é essa ausência de certeza que permite e justifica a intervenção nas comunicações privadas levadas a cabo pelas redes de comunicações electrónicas publicamente acessíveis. Segundo Lainz (La intervención de las comunicaciones ...Barcelona Bosch 2004 , p. 82-83) a decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita “de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação da perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; chegar a tais níveis de exigências levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais e nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tomariam supérflua a investigação. Insistimos, pois, em que o imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer por que se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais”
d) O despacho de autorização da escuta deve, fundamentalmente, tornar perceptíveis as razões que, em face do artigo 187 do Código de Processo Penal, levam o juiz a autorizar a escuta, permitido o escrutínio da sua decisão, Só o incumprimento de tal ónus de fundamentação dos requisitos legais da escuta pode justificar a sanção da nulidade do artigo 190 do mesmo diploma e não a existência de uma fundamentação deficiente, mas suficientemente explicita nos seus fundamentos. Não subscrevemos o entendimento de que constitui uma formalidade essencial do despacho de autorização a exigência de indicação dos factos em relação aos quais se autoriza a escuta uma vez que o que está em causa são crimes e não factos, sendo certo que não se vislumbra como é que, antes da escuta se consumar, se possa adivinhar quais os factos sobre os quais ela vai incidir (em sentido contrário Ana Raquel Conceição “Escutas Telefónicas” Lisboa Quid Juris 2009 pagina 105 e seg). Por igual forma nos parece ser de difícil concretização o requisito formulado por Helena Susano (Escutas Telefónicas Coimbra Coimbra Editora 2009 pag 24) no sentido de que o despacho em causa deve ter um sentido de exclusão, explicitando as razões pelas quais os outros meios de obtenção de prova não servem ao caso, a fim de fundamentar que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter - sendo que, por exclusão de meios, só resta o recurso às intercepções. Na verdade, para afirmarmos que os outros meios não servem para o caso concreto temos de nos firmar numa conjectura sobre o seu valor pois que não foram produzidos. Conforme se referiu, a produzirem-se previamente às escutas é evidente que recurso a tais meios tornaria inúteis as mesmas escutas pois que a busca, o depoimento da testemunha, a prova pericial, em suma toda a panóplia de actos processuais susceptível de obter prova, coloca de sobreaviso o arguido. Consequentemente, a utilidade da escuta depende do facto de aqueles meios ainda não se terem produzido e, consequentemente, o juízo valorativo que fundamenta a concessão da autorização para a escuta emerge daquilo se pensa ser o resultado de outros meios de obtenção de prova e não aquilo que eles efectivamente são. * Face a tais considerações importa considerar que merecem concordância as razões apontadas no despacho em causa que, mesmo considerando o seu teor sintético, contêm suficientemente explanadas razões de facto que conduzem à conclusão de que as intercepções telefónicas constituíam no caso vertente não só um meio indispensável como proporcional de obtenção de prova. Na verdade, pressupondo a existência de tráfico de droga de âmbito internacional é evidente que o acompanhamento do desenrolar das operações logísticas com o mesmo relacionadas apenas pode ser alcançado através da recolha de informação em tempo útil. Existindo, como existe, um contacto dos arguidos utilizando telemóveis não se vislumbra outro meio que possa substituir a intercepção que se afigura, então, como essencial. Igualmente é certo que a utilização de tal meio de obtenção de prova se afigura como proporcional no equilíbrio entre os fins que com o mesmo se pretende obter e a restrição que consuma sobre a privacidade dos arguidos.
Por outro lado discorda-se em absoluto da exigência constante da decisão recorrida de que do mesmo despacho constem os elementos probatórios que permitam afirmar a investigação de factos susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefaciente p.p. no artigo 21 do Decreto Lei. A excepcionalidade e a essencialidade da intercepção aferem-se em função duma realidade que se pretende indagar. Se nos autos devem existir elementos que já suportem a afirmação da existência dum crime de catálogo para o qual se autoriza a escuta, tal como pretende a decisão recorrida, deixa, então, de existir necessidade de intercepção.
O despacho do qual irradia, na perspectiva da decisão recorrida, uma proibição de prova é, em nosso entendimento, legal e está suficientemente fundamentado
Termos em que se revoga a decisão recorrida considerando-se válidas as intercepções telefónicas realizadas e inexistente qualquer patologia processual ou substancial que afecte a sua legalidade. Consequentemente determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora que deverá apreciar a matéria de facto em função da validade do referido meio de obtenção de prova com as inerentes consequências em termos de apreciação da responsabilidade criminal. Sem custas Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Março de 2014 [[1]] Os relatos de diligência externa que constam de fls. 200 e 201 e de fls. 395 e 396 nada de útil acrescentam ao processo. [[2]] Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 61. [[3]] Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 315. [[4]] Cfr. “Para uma Reforma Global do Processo Penal”, in “Para uma Nova Justiça Penal”, Coimbra, 1983, página 208. [[5]] Publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 2004 e também acessível em www.tribunalconstiticuional.pt [[6]] “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 62 e seguintes. [[7]] Ana Raquel Conceição, in obra citada, páginas 203 e 204. [8] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140. [9] Segundo Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”. E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221]. Ou, como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” [In CPC, pg. 297]. No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” [in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194]. E como advertia o Professor Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.° do art. 668.°” [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140]. |