Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARMÉNIO SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | ROUBO SEQUESTRO CONCURSO APARENTE CONCURSO DE INFRACÇÕES PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO CONSUMPÇÃO PENA DE PRISÃO PENA DE MULTA PENA DE PRISÃO E MULTA REFORMATIO IN PEJUS ÂMBITO DO RECURSO APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES | ||
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Nº do Documento: | SJ200902120001105 | ||
Data do Acordão: | 02/12/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I -O critério decisivo da unidade ou pluralidade de infracções é dado pelo diverso número de valores jurídico-criminais negados (art. 30.º, n.º 1, do CP). Todavia, sempre que determinada conduta preencha vários tipos legais de crime, tal não significa que o agente responda necessariamente pela prática de diversos crimes, pois há tipos legais de crime que se encontram numa relação entre si que implica que a aplicação de um/uns exclui a aplicação de outro(s), verificando-se, portanto, um concurso aparente de infracções, sendo o agente, neste caso, condenado por um único crime, de harmonia com o princípio da proibição da dupla valoração. II -A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, no crime de roubo, sempre que a violência se traduza numa privação da liberdade ambulatória, o que integraria um crime de sequestro, o agente não será punido por este crime, se aquela privação de liberdade for utilizada como meio, e enquanto tal, para apropriação de determinado bem, existindo uma relação de consumpção do sequestro pelo roubo. III -Nos casos em que o sequestro se prolongue muito para além do tempo de violação da liberdade ambulatória necessário para que o agente, através da violência, se aproprie ou faça com que lhe seja entregue determinado bem, verifica-se existência de um concurso real de infracções. IV - No autos, deu-se como provado que: - os arguidos abordaram os ofendidos R e J cerca das 00h40 e, enquanto o arguido P ficou de guarda a R e a J, conservando-os sob a ameaça da «pistola», o arguido A logrou levantar a quantia de € 20 da conta bancária de R cerca das 02h32, “indo de seguida até às proximidades do campo de tiro existente no M…, onde deixou o Citroën [que pertencia a R], após o que voltou ao local onde deixara os ofendidos e o arguido P”; - quanto aos ofendidos T e AC, deu-se como provado que os arguidos os abordaram cerca das 23h45, tentaram então que os ofendidos se metessem na bagageira do Volkswagen que pertencia ao T, espaço que não era suficiente para os dois, pelo que ali obrigaram a entrar T enquanto AC viajaria no banco de trás, mas atolaram o veículo numa vala, o qual ficou imobilizado, pelo que o P ficou de guarda aos ofendidos, enquanto o A tentou levantar dinheiro num terminal Multibanco com o cartão da ofendida AC, que lhe forneceu o respectivo código, o que só conseguiu entre as 00h01 e as 03h00, “após o que voltou ao local onde se encontravam os restantes”. V - Os agentes planearam e executaram crimes de roubo, servindo o sequestro, apesar da sua duração, de crime-meio, pois permitiu aos agentes apoderarem-se de importâncias em dinheiro utilizando os cartões de débito Multibanco que, pela violência, retiraram aos seus legítimos portadores, tendo conseguido, por esse mesmo meio, determinar estes a revelarem-lhes os respectivos códigos de acesso. A manutenção dos ofendidos sem liberdade ambulatória foi necessária para que fosse confirmada a veracidade dos códigos de acesso, possibilitando os levantamentos de dinheiro, não tendo a privação da liberdade excedido, assim, o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados, pelo que deve o recorrente ser absolvido dos crimes de sequestro. VI -A circunstância de se dever considerar a limitação da liberdade deambulatória como integradora do crime de roubo, em vez de tal facto ser autonomamente punido como crime de sequestro, determina um agravamento da ilicitude do roubo, o qual se deve traduzir num aumento da medida da pena a aplicar aos crimes de roubo, que, no entanto, não pode, de modo algum, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus. VII - Sempre que, na pena única conjunta, tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa. VIII - Não obstante o trânsito em julgado da decisão quanto ao não recorrente A, cumpre retirar consequências do recurso do arguido P, na parte em que se fundamenta em motivos não estritamente pessoais, ou seja, quanto à não punição autónoma do crime de sequestro, conforme resulta do disposto no art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP. IX -A absolvição dos crimes de sequestro por que o referido A foi condenado, não significa, porém, uma diminuição da pena aplicada, uma vez que a privação da liberdade ambulatória a que as vítimas foram constrangidas, durante todo o tempo em que se prolongou, aumentou a ilicitude dos crimes de roubo praticados pelos dois agentes, determinando, mesmo para o não recorrente, o aumento da pena pelo crimes de roubo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No proc. nº 589/06.0GAPTL do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foram julgados os arguidos AA e BB, tendo sido condenados, pelo tribunal colectivo, como autores materiais de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 e n.° 2, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204°, n.° 2, alínea f), do Código Penal, de quatro crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n.° 1 do Código Penal e de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366°, n.° 1 do Código Penal, nas seguintes penas: o primeiro em 4 penas de prisão de 4 anos e 6 meses pelos quatro crimes de roubo, 4 penas de um ano de prisão pelos crimes de sequestro e 8 meses de prisão pelo crime de simulação de crime e, efectuado o cúmulo, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão; o arguido BB, pelos crimes de roubo em duas penas de 4 anos e em duas penas de 4 anos e 6 meses de prisão, em 4 penas de um ano de prisão pelos crimes de sequestro e em 8 meses de prisão pelo crime de simulação de crime e, em cúmulo, na pena única de 8 anos de prisão. Inconformados, recorreram ambos para o Tribunal da Relação de Guimarães que se declarou incompetente por estarem em causa recursos limitados à matéria de direito, vindo os recursos a ser conhecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão de fls. 609, foi decidido anular a decisão do tribunal colectivo, no segmento da fundamentação de facto, na parte em que é omissa quanto à alegada reparação efectuada pelo arguido BB aos ofendidos CC e DD. Baixados os autos, o tribunal colectivo cumpriu minimamente o que lhe foi ordenado, tendo apenas acrescentado à matéria de facto uma alínea na qual dá como provado que o arguido BB ressarciu os ofendidos CC e DD, tendo mantido em tudo o mais a decisão anulada, nomeadamente quanto às penas, quer parcelares, quer únicas. Continuando irresignado, o arguido BB interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de cuja motivação extraiu as conclusões que se transcrevem: I -O Recorrente BB foi condenado pela prática de quatro crimes de roubo previsto e punido pelo art. 210°, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204°, n.º 2, alínea f), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos pelos dois crimes de roubo de valor inferior e quatro anos e seis meses por cada um dos dois restantes crimes de roubo, pela prática de crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158°, n.º 1 do Código Penal na pena de um ano de prisão por cada um dos crimes levados a cabo e pela prática de crime de simulação de crime, previsto e punido pelo artigo 366°, n.º 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de oito anos de prisão II - O crime de roubo reúne os elementos do tipo furto e outros elementos de crimes contra as pessoas, sendo certo que o fim procurado por quem pratica o crime de roubo é a apropriação ilegítima de bens, constituindo a violência associada ao modus operandi do agente apenas um meio, que não a finalidade à qual se dirige a conduta. III - O crime de roubo é um crime complexo, sob o ponto de vista da variedade de bens jurídicos protegidos que atribuem aos factos a dignidade penal, na medida em a sua prática ofende, por um lado, bens jurídicos patrimoniais (por exemplo, o direito de propriedade), mas ofende também bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física, surgindo a ofensa destes últimos bens jurídicos pessoais como o meio de lesão de bens patrimoniais. IV - Protegendo o tipo legal do crime de roubo vários bens jurídicos, há que delimitar as situações em que este consome outros tipos legais que também tutelam algum ou alguns desses bens. V- Nos casos em que os factos provados integrem simultaneamente as previsões dos crimes de roubo e de sequestro e exista uma só resolução criminosa por parte do agente, haverá lugar à autonomização do sequestro se este se mantém para além do necessário à consumação do roubo; pelo contrário, se o sequestro é usado apenas como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo roubo. VI - Pelo que, consagrando o n.º 1 do artigo 30° do C. Penal - concurso de crimes e crime continuado - o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, de acordo com o qual o número de crimes se determina nomeadamente pelo número de tipos preenchidos, apenas afastado quando se verifiquem situações de especialidade, consumpção, subsidiariedade ou alternatividade entre as normas nas quais se enquadram os factos, e protegendo o tipo legal do crime de roubo vários bens jurídicos, há que delimitar as situações em que este consome outros tipos legais que também tutelam algum ou alguns desses bens. VII - Entre aqueles crimes contra as pessoas relativamente aos quais pode existir concurso aparente ou real conta-se o crime de sequestro, através do qual se protege o bem eminentemente pessoal da liberdade de locomoção ou ambulatória ("a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro). VIII - Sobre este ponto, permita-se-nos a referência a uma breve passagem do Comentário Conimbricense ao Código Penal, na qual se refere que "(…) a violência é prevista como meio típico da realização de uma multiplicidade de crimes. Tal é o caso, p. ex. do roubo (…). Também é evidente que esta violência pode traduzir-se na privação da liberdade de movimento. Ora esta consideração é decisiva para a questão do concurso; para resolver, em muitos casos, a questão da unidade ou pluralidade de crimes: Com efeito, sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo (…) e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro ("crime-meio") e o crime-fim: roubo (...), respondendo o agente somente por um destes crimes (...). Já haverá um concurso efectivo, quando a privação da liberdade de movimento ultrapassa aquela medida." Cfr. "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Tomo II, pág. 415. IX - Da análise dos factos provados decorre que a conduta do Recorrente se enquadra na privação da liberdade necessária à execução do crime-fim (o roubo, que era, claramente, o crime que o Recorrente e o seu parceiro decidiram cometer e para cuja concretização tiveram de privar da liberdade as suas vítimas, sendo certo que elas possuíam os bens objecto de apropriação, tendo, por conseguinte, interesse em opor-se à actuação do Recorrente e do co-arguido BB, sendo necessário vencer ou evitar a resistência que opusessem ou pudessem vir a opor) sem que se detecte excesso relevante. X - Revertendo as considerações supra expendidas ao caso sub judice, inequívoco se torna para o Recorrente que nos factos dados como provados não se encontram desenhados os contornos imprescindíveis à autonomização dos crimes de sequestro relativamente aos crimes de roubo, bem pelo contrário. XI - Com efeito da análise dos factos provados - cfr. O douto acórdão recorrido decorre precisamente que a conduta dos arguidos se enquadra na privação da liberdade necessária à execução do crime-fim (o roubo, que era, claramente, o crime que o Recorrente e o seu parceiro decidiram cometer e para cuja concretização tiveram de privar da liberdade as suas vítimas, sendo certo que elas possuíam os bens objecto de apropriação, tendo, por conseguinte, interesse em opor-se à actuação do Recorrente, sendo necessário vencer ou evitar a resistência que opusessem ou pudessem vir a apor) sem que se detecte excesso relevante. XII - Aliás, é o próprio acórdão recorrido que refere, quanto aos factos apurados no que concerne ao primeiro assalto, a circunstância de ter sido a privação da liberdade o modo de actuação escolhido para prosseguir o fim único de furtar os bens referenciados, "após o que (os arguidos) os mandaram embora (às vítimas), dizendo-lhes que fossem devagar e que encontrariam o Citroen na carreira de tiro" . XIII - Por outro lado, no que concerne ao segundo assalto, o Tribunal a quo, embora referindo que este foi interrompido pela proximidade do carro-patrulha da GNR, aponta para um modus operandi em tudo idêntico ao do primeiro assalto, ficando claro que os arguidos abandonaram o local logo após ter conseguido os seus intentos de se apoderarem ilicitamente dos bens em questão. XIV - Não se verificou, portanto, um prolongamento temporal da duração dos sequestros em relação à duração dos roubos que justifique a autonomização do primeiro crime. XV - Não se verificou também um excesso de violência que tivesse extravasado o propósito de salvaguardar qualquer possibilidade de resistência das vítimas ao crime-fim. que foi o roubo e nenhum outro. XVI - Pelo que entende o Recorrente que a privação da liberdade foi apenas o meio escolhido para os arguidos levarem a cabo o roubo, sendo este último o único crime que, em co-autoria com o arguido AA, decidiu cometer. A privação da liberdade foi usada apenas como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, sendo consumido pelo roubo (integrado no meio "pôr na impossibilidade de resistir" ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta). XVII - Ora, no caso em apreço, o sequestro serviu como se tem vindo a referir, como meio para obter a subtracção dos bens, pelo que estamos perante um concurso aparente de infracções, porquanto, apreciando o facto da privação da liberdade de que os ofendidos foram objecto, se poderá ou não consubstanciar um crime de sequestro, entendendo o Recorrente que se está perante uma relação de consumpção entre este e o crime de roubo, pois o tempo que os ofendidos foram privados da sua liberdade não excedeu o período estritamente necessário para que os arguidos procedessem ao levantamento das quantias monetárias nas caixas Multibanco através dos cartões dos ofendidos, não havendo uma privação da liberdade desnecessária e excrescente à consumação do crime de roubo - cfr. Acórdão do STJ de 02 de Março de 2007, processo 3382 e acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 1994, processo 44407. XVIII - Pelo que, no que respeita aos crimes de sequestro discordamos da condenação do aqui recorrente em concurso real com o crime de roubo, uma vez que, e apesar de serem diferentes os valores jurídicos ofendidos, é nosso entendimento que tais valores se encontram absorvidos pelo crime de roubo, a violência e a privação da liberdade que se mostrem absolutamente necessárias e proporcionadas pela prática da subtracção dos bens móveis dos ofendidos. XIX - No tocante ao crime de simulação de crime, previsto e punido pelo artigo 366, n.º 1 do Código Penal o aqui Recorrente foi condenado na pena de 8 meses de prisão, o que, salvo o devido respeito, é totalmente descabido de fundamento de tal condenação, atendendo aos factos provados só se aceita, salvo o devido respeito a absolvição do aqui Recorrente, uma vez que apenas foi dado como provado o seguinte: " nesse mesmo dia, pelas 05h50, os arguidos dirigiram-se ao posto da GNR de Prado, tendo o AA apresentado uma queixa, referindo que, entre as 23h00 e as 23h30 do dia anterior, no monte da Madalena, em Ponte de Lima, teria sido assaltado por desconhecidos, os quais teriam disparado dois tiros e se apoderado do 22-66-GH, e indicado como testemunha do facto o arguido BB". E, se não se entender que a absolvição é o única decisão justa, face aos factos provados, deverá o Recorrente, o que só se alega para mero efeito de raciocínio, ser condenado como cúmplice, nos termos do Artigo 27° do Código Penal. XX - Por outro lado, o acórdão, ao fixar uma pena de oito anos de prisão viola o princípio da proporcionalidade, vector fundamental do sistema axiológico-normativo da lei fundamental em matéria penal. XXI - Nestes termos, deverá considerar-se que o douto acórdão recorrido interpretou erroneamente as normas constantes dos artigos 158° n.º1, 210° n.ºs 1 e 2 al. b), 204° n° 2 al. f), 366° n.º 1 e artigo 27°, todos do Código Penal, mostrando-se as mesmas violadas, assim como o acórdão recorrido viola as regras de determinação da medida das penas e da punição do concurso de crimes - cfr. Artigos 71 ° e 77° n° 1 do Código Penal. XXII - Perante este quadro factual, verificando-se um concurso meramente aparente de crimes e não um concurso real, terá de proceder este fundamento do recurso, com o inerente reflexo na reformulação do cúmulo jurídico das penas aplicadas. XXIII - A escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva político-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.o 70° do Código Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição". Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade. XXIV - É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, se em seu entender "fazer-se justiça", abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor. XXV - Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efectiva. Antes de mais há que atender ás constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que "aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efectiva socialização". Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente "sensibilidade á privação da liberdade" possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional. XXVI - Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas - previstos no art. 40°, n.º 1 do Código Penal: "A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (sublinhado nosso). XXVII - Estes fins - comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização; XXVIII - O disposto no artigo 40° do Código Penal fornece os critérios que hão-de presidir à aplicação das penas: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo que "em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa". Compaginando o teor do artigo 40.° n° 2 e os elementos contidos no artigo 71.°, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infracção), deponham a favor do arguido ou contra ele. XXIX - Em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: "Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas". E termina: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente". XXX - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art. 71°, n.º 1 do Código Penal. Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal. XXXI - Nos termos do artigo 71 ° n.º 3 "na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena". O dever de fundamentação de uma decisão só se cumpre quando esta contiver os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse num sentido e não noutro. A fundamentação de uma decisão tem de permitir avaliar o porquê dessa decisão, ao contrário do que acontece no acórdão recorrido. Com efeito, a determinação da pena é o "procedimento através do qual o juiz fixa a espécie e a medida da pena cabidas no caso concreto". XXXII - Ora, salvo o devido respeito, no douto acórdão recorrido há uma clara insuficiência fundamentação no que se refere à medida da pena. XXXIII - O Tribunal continua sem fundamentar a sua decisão no que respeita à determinação da medida da pena, colocando-se mais uma vez em crise os termos em que se procedeu à determinação da medida concreta da pena, uma vez que apenas enuncia os fundamentos. XXXIV - Sem prescindir, afigura-se mesmo com a parca fundamentação expendida, e tendo em a matéria de facto dada como provada, os concretos valores e bens jurídicos protegidos e fins das penas, a culpa do agente e as concretas exigências de prevenção verificadas, ter sido excessiva e desmesurada a pena aplicada, a qual de todo não teve verdadeiramente em conta quer as concretas atenuantes, quer e principalmente a concreta culpa dos agentes, em particular do Recorrente que, apesar de grau elevado, não justificava uma pena tão pesada, mais a mais que as concretas exigências de prevenção geral e especial são reduzidas, tendo particularmente em conta, mas não só, a conduta do Recorrente BB que confessou o crime integralmente e sem reservas, demonstrou arrependimento, reparou os danos por si (e co-arguido) causados a 2 dos ofendidos - CC e DD-, demonstrando objectivamente uma interiorização do desvalor da sua conduta, o que tudo fundamentava e fundamenta a atenuação especial da pena, nos termos do art. 72°, n.º 2, al. c) do Código Penal; XXXV - Neste sentido, o douto Acórdão aqui posto em crise viola as regras do da punição do Concurso de crimes, bem como, supra referimos, não leva em linha de conta os fins da pena, numa dosagem equilibrada entre a prevenção geral e especial. XXXVI - Pelo exposto e atendendo ao facto do aqui Recorrente à data dos factos ser primário, da prática dos crimes acontecerem isoladamente numa única noite, deverá o mesmo, para além de ser absolvido do crime de simulação de crime nos termos propugnados, ver a sua pena reduzida a uma pena única que respeitosamente se defende e sugere não deverá ultrapassar os 4-5 anos de prisão, a qual, tendo em conta o tempo de prisão preventiva já cumprida (já se encontra preso há mais de 18 meses) e os concretos fins das penas e exigências diminutas no que se refere no nosso entendimento de prevenção geral e especial, deverá ser suspensa por igual período, sujeita as regras de conduta ou a regime de prova; XXXVI - Nestes termos, deverá considerar-se que o douto acórdão recorrido interpretou erroneamente as normas constantes dos artigos 158° nº 1, 210° n.ºs 1 e 2 al. b), 204° n.° 2 al. f), 366° n.º 1 e artigo 27º, todos do Código penal, mostrando-se as mesmas violadas. Assim como não leva em linha de conta os fins da pena, numa dosagem equilibrada entre a prevenção geral e especial. E por consequência, viola o princípio da Proporcionalidade, prevista no Texto Constitucional - Cfr: nO 1 do art. 77°, art. 70° e 71 ° do C.Penal. Termos em que em que deverá ser revogado o douto Acórdão, substituindo-se por outro que absolva o Recorrente nos exactos termos defendidos e que, sem prescindir, aplique uma pena única mais ajustada e que respeitosamente se sugere se enquadre no intervalo entre os 4 e 5 anos de prisão, a qual, tendo em conta o tempo de prisão já cumprido sujeito a medida de coacção privativa da liberdade e os concretos fins das penas e exigências diminutas no que se refere no nosso entendimento de prevenção geral e especial, deverá ser suspensa por igual período, sujeita as regras de conduta ou a regime de prova, fazendo-se a acostumada JUSTIÇA! O Ministério Público no tribunal recorrido respondeu a pugnar pela manutenção do decidido, tendo extraído da sua resposta as conclusões seguintes 1. A violência ou a ameaça ou a impossibilidade de resistir a que se refere o artigo 210.° do C.P. são apenas aquela violência, ameaça ou impossibilidade de resistir adequadas e proporcionadas à obtenção do resultado" subtracção". 2. Se forem excessivas, o agente comete em acumulação com este o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada 3. O excesso, a desadequação ou a desproporcionalidade da conduta levada a cabo pelo agente para o fim da subtracção deve aferir-se também em termos qualitativos e sopesando a necessidade em concreto dessa privação para vencer ou evitar qualquer resistência que as vítimas pudessem opor aos intentos do criminoso. 4. Os arguidos não necessitavam de colocar o EE e a CC na situação em que os colocaram, sem agasalho e sem veículo automóvel e em noite cerrada de Dezembro, em pleno Inverno, para se apropriarem de uns dinheiros, de umas peças de roupa, de uns telemóveis e de alguns objectos pessoais. 5. Os arguidos mantiveram as vítimas presas sob a ameaça de arma e despidas (uma delas até totalmente) seguramente mais de uma hora. 6. Portanto, houve uma efectiva desproporção dos meios empregues pelos arguidos, já que a violação do ius ambulandi das vítimas se estendeu para além da subtracção, para além do necessário à consumação do roubo. 7. Apesar de as vítimas do segundo acto criminoso se terem mantido presas dentro do veículo apenas no período correspondente aos vinte metros que os arguidos o conduziram, a desproporcionalidade na utilização desses meios ressalta desde logo pelo facto de só o DD ter sido colocado na bagageira. 8. Se foi para eles necessário e suficiente colocar a Ana no banco traseiro com a cabeça virada para baixo, também lhes bastaria sujeitar o DD à mesma situação, sendo manifestamente excessiva a conduta de o colocar na bagageira do veículo. 9. É a participação, ao nível do projecto criminoso, e a execução concertada em função do objectivo comum, que caracterizam a co-autoria, distinta da cumplicidade; nesta há um mero auxílio a quem detém o domínio do facto. 10. São autores do crime, aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, mas não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes ... bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração. 11. Há ainda, pois, co-autoria quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum. 12. É assim co-autor de um crime quem, embora o não pratique directamente, o combinou por palavras e gestos com outrem, e se encontra presente quando ele é cometido, para poder intervir se for necessário. 13. In casu, foi dado como provado que os arguido tinham um plano conjunto e agiram em comunhão de esforços para o concretizar, sendo que o arguido AA fez a queixa contra desconhecidos de um crime que ambos sabiam não se ter verificado e, para solidificar a mesma e ocultar de forma eficaz os crimes que ambos haviam cometido, o papel do recorrente era ser a testemunha dos factos constantes da queixa. 14. Se a testemunha se concertou, em plano concebido e projectado por ambos, pode-se classificar a conduta como integrante do instituto da co-autoria. 15. O acórdão recorrido atendeu de forma indubitável a todas as circunstâncias atenuantes da conduta do recorrente pois só tal justificará a pena única de 8 anos de prisão achada pelo colectivo de juízes no primeiro terço da moldura que se situa entre os 4 anos e 6 meses, para ambos os arguidos, e os 21 anos e 8 meses, para o recorrente BB. 16. Não poderia, como não fez, aquele colectivo situar as penas únicas muito próximas do limiar mínimo depois de ter entendido que «é elevado o grau de ilicitude dos factos e, no que concerne à culpa, de certa forma perverso o modo de actuação dos arguidos». Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público neste Tribunal apôs o seu visto. Não tendo o recorrente requerido a realização de audiência, o julgamento do recurso foi feito em conferência, após os competentes vistos. 2. Os factos provados são os seguintes: No dia 19DEZ2006, pelas 00H40, os arguidos circulavam pelas estradas do Monte de Santa Luzia, comarca de Viana do Castelo, para onde se tinham transportado utilizando o veículo de marca BMW, modelo 318TDS, com a matrícula ..........., pertencente ao arguido AA, quando repararam que, num descampado encostado a uma zona florestal, se encontrava estacionada a viatura de marca Citroen, modelo Xantia Break, com a matrícula ............, estando a mesma ocupada por um casal de namorados. Os arguidos estacionaram então o BMW nas imediações e enfiaram na cabeça uns capuzes, tendo-se munido com um machado de dimensões não apuradas e uma pistola ou uma réplica de uma pistola, usando, cada um deles, um destes objectos. De seguida, dirigiram-se ao Citroen e um dos arguidos dirigiu-se à porta do condutor, tendo partido o vidro da mesma com o machado, enquanto o outro se dirigiu à porta do pendura, apontando a «pistola» para os ocupantes do veículo, EE e CC. O que tinha partido o vidro disse então que se tratava de um assalto e ordenou ao EE e à CC que saíssem do veículo, o que ambos fizeram, tendo então um dos arguidos passado uma revista à viatura, enquanto o outro ordenava ao EE e à CC que se despissem e descalçassem, o que estes fizeram, tendo o EE ficado apenas com a roupa interior, enquanto a CC despiu o casaco e a camisa Entretanto, como os arguidos tinham encontrado o cartão Multibanco do EE, ordenaram-lhe que lhes fornecesse o respectivo código, ao que este acedeu de imediato, tendo então o arguido AA entrado no Citroen e se dirigido à cidade de Viana do Castelo, enquanto o arguido BB ficou de guarda ao EE e à CC, conservando-os sob ameaça da «pistola». O arguido AA acabou por conseguir levantar a quantia de vinte euros da conta bancária do EE, o que fez pelas 02H32, num terminal automático instalado na agência da Caixa Geral de Depósitos da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, indo de seguida até às proximidades do campo de tiro do exército existente no Monte de Santa Luzia, onde deixou o Citroen, após o que voltou ao local onde deixara os ofendidos e o arguido BB. De novo juntos, os arguidos apoderaram-se de um casaco de bombazina, de cor castanha escura, da marca Quebramar, no valor de cem euros, de um telemóvel da marca Sharp, modelo GX17, no valor de quarenta euros, bem como de uma carteira contendo diversos documentos de identificação e quinze euros em notas e moedas, pertencentes ao EE, bem como de uma camisa de cetim, da marca Stradivarius, no valor de trinta euros, uma caixa de CD's com cerca de quinze a vinte CD's, no valor de trinta euros, um leitor de MP3, no valor de trinta euros, um telemóvel de marca Philips, modelo 568, no valor de setenta euros, um baton e um creme para as mãos, no valor de cinco euros, e uma carteira com diversos documentos de identificação e cinquenta euros em notas, pertencentes à CC, após o que os mandaram embora, dizendo-lhes que fossem devagar e que encontrariam o Citroen junto da carreira de tiro. No dia mesmo dia, pelas 23H45, os arguidos circulavam pelo Loteamento da Quinta do Abade, nesta vila e comarca, fazendo-se transportar no .........., quando viram que ali se encontrava estacionado o veículo de marca Volkswagen, modelo Polo, com a matrícula ........., encontrando-se no seu interior um casal de namorados. Como o local em causa se situava numa zona onde ainda não tinham sido construídos quaisquer edifícios, situando-se os existentes a mais de duzentos metros, e nas proximidades de terrenos agrícolas, sendo mal iluminado, os arguidos estacionaram o BMW do lado do arruamento oposto àquele onde se encontrava o Volkswagen, e equiparam-se de novo com os capuzes, o machado e a «pistola», dirigindo-se o que tinha o machado para a porta do condutor e o que tinha a pistola para a porta do pendura. No interior do Pólo encontravam-se o DD e a EE, tendo-se ambos apercebido da aproximação de dois vultos. Assim, quando o arguido que empunhava o machado partiu com o mesmo o vidro da porta do condutor, foi recebido com uma patada no tórax, desferida pelo DD, que o fez recuar e levou a que batesse com o machado no pára-brisas, partindo-o também. Nessa altura, o arguido que empunhava a «pistola» dirigiu-se para a porta do condutor e ordenou que destrancassem as portas e saíssem, desferindo uma pancada com a «coronha» no sobrolho do DD, como forma de quebrar a resistência deste. De seguida, ordenaram ao DD e à EE que entrassem para a bagageira do Volkswagen. Porém, face à constatação de que o espaço não era suficiente para os dois, obrigaram o DD a entrar na bagageira, apontando-lhe a «pistola», e ordenaram à EE que se sentasse no banco traseiro, com a cabeça em baixo, após o que entraram também no veículo e o puseram em movimento, dirigindo-se a um caminho de terra batida existente nas traseiras do loteamento, com a intenção de se afastarem daquele local. No entanto, o veículo ficou atascado numa vala, e dali não saiu, tendo percorrido apenas uma vintena de metros. Os arguidos revistaram então todo o veículo e exigiram ao DD e à EE que lhes entregassem todo o dinheiro e cartões Multibanco que possuíssem, tendo a EE lhes entregado um cartão Multibanco e fornecido o respectivo código. Na posse desse cartão, o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto o arguido BB ficou no local, munido com a «pistola», a vigiar a EE e o DD. Entretanto, o arguido AA encontrou o terminal automático existente na agência do Banco Espírito Santo sita no lugar do Sobral, freguesia da Arca, nesta vila e comarca, tendo efectuado uma tentativa de levantar duzentos euros, que lhe foi recusada, uma consulta de saldo, um levantamento de cem euros e uma tentativa de levantar vinte euros, que lhe foi igualmente recusada, operações estas que decorreram entre as 00H01 e as 03H00 do dia 20DEZ2006, após o que voltou ao local onde se encontravam os restantes. Os arguidos começaram então a exigir ao DD e à EE que lhes dessem mais dinheiro e revistaram de novo o veículo, tendo-se apoderado de um telemóvel de marca Motorola, modelo V3x, no valor de duzentos e cinquenta euros, pertencente ao DD, bem como de uma bolsa de ganga, a qual continha uma carteira cor de rosa com diversos documentos de identificação e cem euros em notas, diversas chaves e um telemóvel de marca Motorola, modelo V3x, no valor de duzentos e cinquenta euros, pertencentes à EE. Nessa altura, os arguidos aperceberam-se da chegada ao local de um veículo, que rapidamente verificaram ser da GNR, e puseram-se em fuga, pelo caminho de terra, abandonando no local o BMW, veículo no qual, entre outros objectos, vieram a ser encontrados documentos de identificação e telemóveis de ambos, assim como o casaco de bombazina supra referido. Nesse mesmo dia, pelas 05H50, os arguidos dirigiram-se ao posto da GNR de Prado, tendo o AA apresentado uma queixa, referindo que, entre as 23H00 e as 23H30 do dia anterior, no monte da Madalena, em Ponte de Lima, teria sido assaltado por desconhecidos, os quais teriam disparado dois tiros e se apoderado do .............., e indicado como testemunha do facto o arguido BB. Durante os assaltos descritos, os arguidos tratavam-se como se fossem ciganos, procurando dessa forma ocultar as suas verdadeiras identidades e dificultar eventuais posteriores reconhecimentos, utilizando os capuzes para o mesmo efeito. Independentemente das reais características do objecto que faziam passar por pistola, incluindo a possibilidade de se tratar mesmo de uma arma de fogo, os arguidos agiam como se se tratasse mesmo de uma arma de fogo e pretendiam criar tal convicção nas pessoas assaltadas, o que sempre conseguiram. Com o comportamento descrito, pretenderam os arguidos apoderar-se, através do uso da força e de ameaças, do dinheiro, telemóveis e objectos que se encontrassem na posse das suas vítimas, mantendo-as aterrorizadas através da manipulação da «pistola» e do machado e impedindo-as de abandonarem os locais sem sua autorização, apesar de bem saberem que os objectos, documentos e valores de que se apoderaram não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus donos; pretenderam também criar nos órgãos de polícia criminal e nas pessoas encarregadas de administrar a justiça a convicção de que tinham sido vítimas de um assalto, apesar de bem saberem que tal não correspondia à verdade e que dessa forma obrigavam os serviços competentes do Estado a investigarem um crime que nunca aconteceu, o que também conseguiram. Agiram os arguidos em comunhão de esforços e na sequência de um plano previamente concertado entre ambos. Da discussão da causa resultou ainda que: O arguido AA exercia, antes de ser detido, a profissão de manobrador da qual auferia até 1000 euros e tem a seu cargo um filho e se em liberdade, tem emprego garantido; Quanto ao arguido BB, é solteiro e aufere da sua profissão €600. O arguido BB ressarciu os ofendidos DD e CC. Os arguidos não têm antecedentes criminais. 3. As questões suscitadas pelo recorrente são: - Não existe concurso real, mas aparente, entre os crimes de roubo e de sequestro; - O recorrente não é autor do crime de simulação de crime, mas quando muito cúmplice; - A medida da pena. 4. Sustenta o recorrente que a privação da liberdade foi apenas o meio escolhido para os arguidos levarem a cabo o roubo, sendo este último o único crime que, em co-autoria com o arguido AA, decidiu cometer, ou seja, que servindo o sequestro como meio para obter a subtracção dos bens, existe um concurso aparente de infracções e não um concurso real, conforme decidiu o acórdão recorrido. Segundo o art. 30º nº 1 do Código Penal, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”, o que significa que o critério decisivo da unidade ou pluralidade de infracções é dado pelo diverso número de valores jurídico-criminais negados. Conforme anota o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, pág. 136), “a concretização do que é um «tipo de crime» para efeito do concurso de crimes faz-se por referência ao critério da identidade do bem jurídico protegido pelo tipo, corrigido pelo critério da «conexão situacional» entre diversas realizações típicas homogéneas.” Todavia, sempre que determinada conduta preencha vários tipos legais de crime, tal não significa que o agente responda necessariamente pela prática de diversos crimes, pois há tipos legais de crime que se encontram numa relação entre si que implica que a aplicação de um/uns exclui a aplicação de outro(s), verificando-se, portanto, um concurso aparente de infracções, em que o agente é condenado por um único crime, de harmonia com o princípio da proibição da dupla valoração. A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, no crime de roubo, sempre que a violência se traduza numa privação da liberdade ambulatória, o que integraria um crime de sequestro, o agente não será punido por esse crime, se aquela privação de liberdade for utilizada como meio, e enquanto tal, para apropriação de determinado bem, existindo uma relação de consunção do sequestro pelo roubo (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 415 e II, pág. 177; tb Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 427). Consunção que opera sempre que os valores protegidos por determinadas normas criminais estão já contidos noutros tipos legais de crime, de modo que uma norma consome a protecção que outra concede, prevalecendo sobre ela e excluindo a sua aplicação. Todavia, nem sempre assim acontece com os crimes de roubo e de sequestro. Casos há em que o sequestro se prolonga muito para além do tempo de violação da liberdade ambulatória necessário para que o agente, através da violência, se aproprie ou faça com que lhe seja entregue determinado bem, verificando-se, então, nesse caso a existência de um concurso real de infracções. A decisão recorrida considerou a este respeito que “… o que é necessário é que a vítima seja privada da sua liberdade, não sendo relevante a distinção entre deter e prender, dado que o legislador, tipificando embora certas condutas privativas da liberdade (deter, prender), alargou o âmbito da norma através da expressão "de qualquer forma a privar da sua liberdade". Consequentemente, todo e qualquer processo de privação da liberdade ambulatória de outrem será tipicamente relevante. Caberão, portanto, aqui os exemplos oferecidos por Maia Gonçalves: privação de um deficiente dos seus meios de locomoção; privação de uma pessoa do seu vestuário de modo a não poder deslocar-se sem ferir o pudor; fazer ingressar outrem ilegalmente num estabelecimento psiquiátrico, etc. É facto provado que os arguidos, detiveram, e mantiveram privados na sua liberdade de acção - ius ambulandi - os aqui ofendidos. Acrescente-se ainda que no caso, tal processo privativo da liberdade foi ilegítimo Inexiste nos autos qualquer causa de legitimação da acção dos arguidos, antes pelo contrário, a sua acção é descabida e ilegítima. Por outro lado, tal processo de privação da liberdade deve ainda ser censurável. Na verdade, para que a conduta seja penalmente relevante, é necessário que se verifique uma verdadeira privação da liberdade ambulatória. Mas para isso bastará que a vítima esteja limitada nos seus movimentos por apenas alguns momentos? - É o problema da influência do elemento temporal ao nível do crime de sequestro. Ora, o certo é que o tipo não exige, para ser preenchido, um tempo mínimo de limitação da liberdade. Além disso, boa parte dos autores e da jurisprudência pronunciam-se no sentido dessa não exigibilidade. Porém, e como se refere no Ac. do STJ de 3-10-1990, relatado por Maia Gonçalves, "a privação da liberdade, para que possa ter algum significado e relevância como elemento do crime de sequestro, não deverá ter uma duração tão diminuta que verdadeiramente não afecte a liberdade de locomoção". Assim sendo, e na nossa perspectiva, a limitação da liberdade ambulatória tem de assumir uma relevância temporal que permita estender-lhe a tutela penal. De outra forma, tal conduta limitativa encontrar-se-á abaixo do limiar mínimo de tutela penal, não podendo reconduzir-se ao tipo aqui em análise. Por outras palavras, é necessário que a conduta de limitação da liberdade ambulatória atinja uma determinada duração, um certo relevo, por forma a que se possa afirmar ter sido a vítima privada da sua liberdade de locomoção, e ter sido ofendido o bem jurídico protegido. Tendo a conduta satisfeito este requisito (existindo privação da liberdade), já a duração da privação da liberdade apenas terá efeitos ao nível da dosimetria penal (grau de i1icitude e da culpa). Os ofendidos estiveram privados da liberdade, por acção dos arguidos, que o coarctaram nos seus movimentos por período seguramente superior a uma hora. Como se referiu, o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceder o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade nas situações em que a privação da liberdade se apresenta como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade (cfr., por todos os acs. de 05-01-2005 – proc. 4208/04). O concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongar ou se desenvolver para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro, a liberdade ambulatória, em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo (cfr. ac. de 22-11-2000 - proc. n° 2942/2000-3). No domínio da aplicação destes princípios podemos encontrar entendimentos diferentes, nomeadamente quando, como é o caso, depois de o agente se apropriar dum cartão de débito, como o de Multibanco, o ofendido permanece retido, sendo impedida a sua liberdade de circulação enquanto não forem feitos levantamentos da sua conta, através da utilização do cartão. Maioritariamente, este Supremo Tribunal tem entendido que, nesses casos, existe um concurso real entre os dois crimes, considerando que a “prolongada violação do ius ambulandi não era necessária ao cometimento do roubo e visava tão só assegurar [ao agente] mais oportunidades de delinquir e a maior impunidade possível”. (cfr., por todos o ac. de 2-10-2003 – proc. 2642/03). Todavia, noutras decisões entendeu-se que o crime de sequestro foi instrumental do crime de roubo, encontrando-se numa situação de concurso aparente, quando o agente limitou a liberdade de locomoção do ofendido, obrigando-o a acompanhá-lo a caixas Multibanco e aí a proceder a levantamentos. O referido acórdão de 2-10-2003 foi objecto de uma apreciação crítica na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, subscrita pela assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Drª Cristina Líbano Monteiro que partiu, para tanto, do seguinte enquadramento teórico: “O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. E esta tem diante de si o mundo da vida e não apenas outros tipos de crime. A acção social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais. Por isso o legislador oferece, com o tipo do roubo, uma protecção também plural. Ninguém contesta, pois, que esse crime congrega vários bens jurídicos que se mostram, por sua vez, aptos para fundar, individualmente, outras incriminações. Se assim é, deverá o intérprete redobrar a cautela, desconfiar, sempre que se trate de desunir o que a lei combinou, de devolver à efectividade o concurso que o tipo pretendeu tomar aparente.” Atentando, se seguida, nos factos, diz: “se a vítima tivesse dinheiro e não apenas cartões de débito, não precisaria de a levar consigo para que fosse ela, conhecedora do seu código, a fazer os levantamentos nas caixas Multibanco. Nas concretas circunstâncias, o plano do roubo precisava da presença forçada da vítima até ao exacto momento em que foi obrigado a deixá-la” [dada a intervenção de terceiros, a quem a ofendida pediu ajuda]. Vindo a concluir: “A unidade subjectivo-objectiva em que o delito consiste não parece ter aqui mais do que um sentido - o do roubo. A querer-se distingui-lo de tantos outros nos quais a liberdade de locomoção é igualmente lesada, não bastaria fazê-lo em sede de punição concreta? Não será suficiente a moldura penal do roubo para nela encontrar a medida da pena adequada a este tipo de comportamento? Precisamente por ela própria ser já, de algum modo, uma moldura de concurso, a penalidade do roubo oferece uma amplitude bastante para distinguir não só entre bens jurídicos atingidos (penso agora sobretudo nos pessoais, que podem variar), como também entre lesões mais e menos profundas ou extensas de cada um deles. (Para além de permitir ainda avaliar a gravidade da 'parte' patrimonial do delito.)” Esta chamada de atenção respeitante à interpretação dos factos encontrou eco no Supremo Tribunal de Justiça, que, no acórdão de 29-05-2008 – proc. 31/08 atendendo a que “sendo o plano inicial (ou subsequente) dos criminosos apoderarem-se de todos os bens das vítimas, em especial dos cartões de crédito ou de débito, para com o uso destes obterem maiores proventos do que os que transportavam fisicamente consigo, era indispensável manterem-nas sem liberdade ambulatória enquanto as mesmas não revelassem os códigos secretos e não fosse confirmada a veracidade da informação e concluídos os levantamentos/pagamentos” julgou que “a privação da liberdade [num dos casos de 10 horas] não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e executados”, e, em consequência, decidiu que os agentes cometeram apenas crimes de roubo, a que “acresce uma mais elevada censura objectiva e subjectiva, resultante de neles se considerar englobada uma maior privação da liberdade ambulatória do que a inicialmente considerada”. Volvendo ao caso dos autos. Conforme se deu como provado, ao arguidos abordaram os ofendidos EE e CC cerca das 00,40, e enquanto o arguido BB ficou de guarda ao EE e à CC, conservando-os sob a ameaça da «pistola», o arguido AA logrou levantar a quantia de € 20,00 da conta bancária do EE cerca das 02H32, “indo de seguida até às proximidades do campo de tiro existente no Monte de Santa Luzia, onde deixou o Citroen [que pertencia ao EE], após o que voltou ao local onde deixara os ofendidos e o arguido BB.” E quanto aos ofendidos DD e EE, deu-se como provado que os arguidos os abordaram cerca das 23H45, tentaram então que os ofendidos se metessem na bagageira do Volkswagen que pertencia ao DD, espaço que não era suficiente para os dois, pelo que ali obrigaram a entrar o DD enquanto a EE viajaria no banco de trás, mas atolaram o veículo numa vala, o qual ficou imobilizado, pelo que o BB ficou de guarda aos ofendidos, enquanto o AA tentou levantar dinheiro num terminal multibanco com o cartão da ofendida EE, que lhe forneceu o respectivo código, o que só conseguiu entre as 00h01 e as 03H00, “após o que voltou ao local onde se encontravam os restantes”. Também aqui os agentes planearam e executaram crimes de roubo, servindo o sequestro, apesar da sua duração, de crime-meio, pois permitiu aos agentes apoderarem-se de importâncias em dinheiro utilizando os cartões de débito Multibanco que, pela violência, retiraram aos seus legítimos portadores, tendo conseguido, por esse mesmo meio, determinar estes a revelarem-lhes os respectivos códigos de acesso. A manutenção dos ofendidos sem liberdade ambulatória foi ainda necessária para que fosse confirmada a veracidade dos códigos de acesso, possibilitando os levantamentos de dinheiro. Por isso pode concluir-se que a privação da liberdade não excedeu o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados. Procede, assim, nesta parte, o recurso, devendo o recorrente ser absolvido dos crimes de sequestro. Tal não significa, porém, como oportunamente se verá, que deva verificar-se uma diminuição da pena, na medida em que o crime de roubo surge agora agravado na sua ilicitude por nele se integrar o tempo em que os ofendidos estiveram privados da sua liberdade ambulatória. 5. A segunda questão suscitada pelo recorrente refere-se ao crime de simulação de crime, relativamente ao qual afirma não ter sido seu autor, admitindo, quando muito, ser cúmplice. Da matéria de facto consta o seguinte acerca desta parcela da actividade criminosa: “Nesse mesmo dia, pelas 05H50, os arguidos dirigiram-se ao posto da GNR de Prado, tendo o AA apresentado uma queixa, referindo que, entre as 23H00 e as 23H30 do dia anterior, no monte da Madalena, em Ponte de Lima, teria sido assaltado por desconhecidos, os quais teriam disparado dois tiros e se apoderado do ..............., e indicado como testemunha do facto o arguido BB. Com o comportamento descrito, pretenderam os arguidos … criar nos órgãos de polícia criminal e nas pessoas encarregadas de administrar a justiça a convicção de que tinham sido vítimas de um assalto, apesar de bem saberem que tal não correspondia à verdade e que dessa forma obrigavam os serviços competentes do Estado a investigarem um crime que nunca aconteceu, o que também conseguiram. Agiram os arguidos em comunhão de esforços e na sequência de um plano previamente concertado entre ambos.” Resulta indubitavelmente dos factos provados – que o recorrente aceitou, pois, nos dois recursos que interpôs, sempre os limitou a questões de direito – que, embora a queixa tenha sido apresentada por AA, sendo o ora recorrente BB indicado como testemunha, o que se compreende por o veículo BMW ........... ser propriedade do primeiro, ambos quiseram “criar nos órgãos de polícia criminal e nas pessoas encarregadas de administrar a justiça a convicção de que tinham sido vítimas de um assalto, apesar de bem saberem que tal não correspondia à verdade e que dessa forma obrigavam os serviços competentes do Estado a investigarem um crime que nunca aconteceu”. Segundo a definição do art. 26º do Código Penal, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.” Os factos mostram que o condenado AA e o recorrente BB quiseram ambos levar a efeito este crime, como forma de esconderem os seus roubos, procurando despistar as autoridades, especialmente a Guarda Nacional Republicana que se aproximara do lugar onde começaram a exigir de novo aos ofendidos DD e GG a entrega de bens, o que deu causa à sua fuga. Embora na posição formal de testemunha dos factos participados pelo seu companheiro, o recorrente tomou parte directa na execução do crime, devendo, por isso, ser considerado seu autor, conforme, muito correctamente, o acórdão recorrido o considerou. Improcede, assim, esta parte do seu recurso. 6. Questiona o recorrente, por fim, a medida da pena. Sustenta que a pena única de 8 anos de prisão viola o princípio da proporcionalidade, acrescentando que o Código Penal determina a opção pela pena de multa e que a decisão recorrida não se mostra fundamentada; tendo confessado, mostrado arrependimento e reparado os ofendidos, diz que a decisão recorrida não atendeu a estes aspectos; pelo que sugere que a pena única seja fixada entre 4 e 5 anos de prisão e seja suspensa na sua execução, levando-se em conta o tempo em que está em prisão preventiva. 6.1 A primeira questão que o recorrente coloca, a de que a pena única aplicada viola o princípio da proporcionalidade, só poderá ser convenientemente apreciada a final, quando nos debruçarmos sobre a pena proveniente do cúmulo. Passaremos, por isso, a apreciar a questão da espécie de pena. 6.2 Segundo o art. 70º do Código Penal, deve ser dada preferência às penas não detentivas sempre que estas realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. O julgador deve, assim, optar pela pena de multa, sempre que, através dela, for possível atingir os fins próprios da prevenção, quer da geral de integração, quer da especial de socialização, particularmente quando se trate de pequena e média criminalidade. Dos crimes que o recorrente praticou – roubo qualificado e simulação de crime – apenas, quanto a este, a lei prevê, em alternativa á pena de prisão, uma pena de multa. Deste modo, sempre o recorrente terá de ser condenado em pena de prisão pelos crimes de roubo. Sempre que, na pena única conjunta, tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa. (cfr. acs. de 5-2-2004 - proc. 151/04 e de 23-6-2005 - proc. 2106/05, relatados pelo Cons. Pereira Madeira e de 06-12-2007 – proc. 2813/07, do aqui relator). “Uma tal pena «mista» – afirma o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 154) – é profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!” Por tudo quanto se deixa exposto, deve manter-se a opção pela pena de prisão, como correctamente fez a decisão recorrida. 6.3 Começando por assacar à decisão uma parca e manifestamente insuficiente fundamentação relativa à medida judicial da pena, o recorrente acaba por afirmar que, tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, os concretos valores e bens jurídicos protegidos e fins das penas, a culpa do agente e as concretas exigências de prevenção verificadas, é excessiva e desmesurada a pena aplicada, a qual de todo não teve verdadeiramente em conta quer as concretas atenuantes, quer e principalmente a concreta culpa dos agentes, em particular do Recorrente que, apesar de grau elevado, não justificava uma pena tão pesada, mais a mais que as concretas exigências de prevenção geral e especial são reduzidas, tendo particularmente em conta, mas não só, a conduta do Recorrente BB que confessou o crime integralmente e sem reservas, demonstrou arrependimento, reparou os danos por si (e co-arguido) causados a 2 dos ofendidos - CC e DD -, demonstrando objectivamente uma interiorização do desvalor da sua conduta, o que tudo fundamentava e fundamenta a atenuação especial da pena, nos termos do art. 72°, n.º 2, al. c) do Código Penal; Há que reconhecer que a fundamentação do acórdão no que respeita à medida judicial da pena adoptou um estilo telegráfico, bem pouco consentâneo com uma decisão, especialmente quando proveniente dum tribunal colectivo. Mas, ainda assim, tem-se a decisão por fundamentada, por ser possível surpreender as razões que levaram o colectivo a optar pelas medidas das penas que aplicou aos dois agentes. A invocação do art. 71º do Código Penal e a indicação das circunstâncias que iriam ser tidas em conta [forma determinante de actuação; comunhão de esforços; plano previamente determinado; valor do roubo e utilização de armas relativamente insidiosas; reparação por parte do arguido BB dos danos causados a dois ofendidos] permitem depreender que a determinação da medida da pena pelo tribunal colectivo foi feita de forma correcta, distinguindo as penas aplicadas, aplicando penas mais benévolas a dois dos crimes. Registe-se a este propósito que, já na decisão anulada, o colectivo, não obstante não ter feito constar dos factos provados o ressarcimento de dois dos ofendidos levado a cabo pelo ora recorrente, tomou em conta essa circunstância, atenuando duas das penas aplicadas pelos crimes de roubo. 6.4 Como acima se deixou referido, a circunstância de se dever considerar a limitação da liberdade deambulatória como integradora do crime de roubo, em vez de tal facto ser autonomamente punido como crime de sequestro, determina um agravamento da ilicitude do roubo, o qual se deve traduzir num aumento da medida da pena a aplicar aos crimes de roubo, que, no entanto, não pode, de modo algum, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus. Em consequência, alteram-se para 5 anos as penas pelos crimes de roubo em que foram ofendidos EE e FF e para 4 anos e 6 meses, as penas dos crimes de roubo em que foram ofendidos DD e CC, levando em conta a circunstância de o recorrente os ter ressarcido. 6.5 Haverá que encontrar a pena única conjunta numa moldura que tem como limite mínimo 5 anos e como máximo 19 anos e 8 meses de prisão. O art. 77º nº 1 do Código Penal determina que na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, referindo o Prof. Figueiredo Dias que “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade dos crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Segundo o art. 40º do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, tendo natureza de prevenção geral positiva e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), encontrando-se sempre limitada pela medida da culpa, que é um limite inultrapassável. Constituindo esta o ponto máximo da moldura de prevenção, o ponto mínimo é dado pelo quantum de pena necessário, no caso concreto, para dar resposta à tutela dos bens jurídicos e às expectativas comunitárias, entendida esta como a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Nos fenómenos de carjacking, que constituem manifestação de especial violência contra as pessoas e contra os bens, são elevadas essas expectativas comunitárias, o que faz subir o ponto mínimo da moldura de prevenção. Todavia, não pode deixar de se atender a que os factos ocorreram na mesma noite, em dois assaltos, que foram levados a efeito contra dois casais. Tratou-se de uma clara situação de pluriocasionalidade, sendo os agentes eram primários. Por isso, afigura-se mais proporcionada uma pena de 7 anos de prisão. 7. Não obstante o trânsito em julgado da decisão quanto ao não recorrente AA, cumpre retirar consequências do recurso do arguido BB, na parte em que se fundamenta em motivos não estritamente pessoais, ou seja, quanto à não punição autónoma do crime de sequestro, conforme resulta do disposto no art. 402º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal. Segundo esta norma, e ressalvado o caso em que o recurso seja fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos comparticipantes aproveita aos restantes. Consta da matéria de facto que, após se terem apoderado dos cartões de débito Multibanco e depois de as vítimas lhes terem revelado o código de acesso, o BB dirigiu-se a um terminal Multibanco, enquanto o AA ficou a guardar os ofendidos, obstando à sua liberdade de circulação. Esta factualidade integra um concurso aparente entre o crime de roubo e o crime de sequestro, a punir na moldura do crime de roubo e, e não um concurso real de crimes, conforme se decidiu no acórdão condenatório do tribunal colectivo. A absolvição dos 4 crimes de sequestro por que o referido AA foi condenado, não significa, porém, uma diminuição da pena aplicada, uma vez que a privação da liberdade ambulatória a que as vítimas foram constrangidas, durante todo o tempo em que se prolongou, aumentou a ilicitude dos crimes de roubo praticados pelos dois agentes. Deste modo, o condenado AA é absolvidos dos quatro crimes de sequestro, mas as penas dos quatro crimes de roubo terão de sofrer modificação, fixando-se agora em 5 anos de prisão por cada um deles. Relativamente à pena única, resultante do cúmulo das penas aplicadas pelos quatro crimes de roubo com a pena de 8 meses de prisão pelo crime de simulação de crime, fixa-se em 7 anos e 6 meses de prisão, dada a circunstância de os factos terem ocorrido na mesma noite, em dois assaltos contra dois casais, numa clara situação de pliuriocasionalidade e não tendo o condenado antecedentes criminais. DECISÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência: a) absolvem-no da prática de quatro crimes de sequestro, por que vinha condenado em concurso real com quatro crimes de roubo; b) alteram as penas aplicadas aos crimes de roubo, fixando-as em 5 (cinco) anos de prisão quanto aos crimes em que foram ofendidos EE e EE e em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão quanto aos crimes em que foram ofendidos DD e CC c) procedem a novo cúmulo jurídico, fixando a pena única em 7 (sete) anos de prisão. No mais se mantendo a decisão recorrida. II – em retirar consequências desta decisão quanto ao não recorrente AA e, por isso a) absolvem-no da prática de quatro crimes de sequestro, por que vinha condenado em concurso real com quatro crimes de roubo; b) alteram as penas aplicadas aos crimes de roubo, fixando-as em 5 (cinco) anos de prisão por cada um deles; c) procedem a novo cúmulo jurídico, fixando a pena única em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. No mais se mantendo a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, na parte em que decaiu, com 4 UC de taxa de justiça. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009 Arménio Sottomayor (Relator) Souto Moura |