Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8172/20.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: EDIFICAÇÃO URBANA
LOTEAMENTO
LICENÇA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONDIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
FACTOS CONCLUSIVOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA DOCUMENTAL
VIOLAÇÃO DE LEI
PROVA VINCULADA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA SANAR A CONTRADIÇÃO ENTRE FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Sumário :
I - Constar como facto provado que “A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”, é matéria de facto perfeitamente entendível para qualquer cidadão normal que lide com questões de urbanismo, loteamentos, projetos de construção e construção propriamente dita.

II - Salienta Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao Acórdão do STJ de 28/9/2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1, in  Blog IPPC, Jurisprudência 784 que,

“A chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil … Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão.

III - Embora podendo ser previsível que não viesse a haver obstáculo legal à aprovação da alteração á licença de operação de loteamento, essa alteração carecia de ser aprovada, ou seja, a Câmara Municipal teria de deferir o pedido e emitir a alteração à licença de operação de loteamento requerida, caso se verificassem cumpridos todos os demais pressupostos legais aplicáveis.

IV - Não pode haver licença aprovada, ou aprovação da alteração, quando ainda pode vir a ocorrer causa de indeferimento do pedido.

V - Entendendo o STJ que ocorre contradição na decisão da matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito, deve este tribunal devolver o processo ao tribunal recorrido, como preceitua o nº 3, do referido art. 682º. A regra da substituição prevista no art. 665º do CPC não funciona na revista (tal artigo não figura na remissão feita pelo art. 679º do CPC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.


Predialmarket2-Construção, Compra e Venda de Imóveis, Lda, propôs contra, Lusocastelo-Sociedade de Investimentos e Consultoria, Lda, ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a sua condenação a entregar-lhe a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescida de juros vencidos no valor de € 11.879,50 e, vincendos até integral pagamento mais pedindo, a título subsidiário, a nulidade da cláusula contratual relativa a pedido de informação prévia a aprovar por Câmara Municipal, com a consequente nulidade de todo o contrato e a consequente restituição à R da quantia de € 1.200.000,00 por ela entregue e a reversão do direito de propriedade sobre imóvel à A, com fundamento, em síntese, em que celebrou com a R um contrato de cessão de posição contratual relativo à aquisição de um imóvel, no qual consta uma cláusula contratual no sentido de que a R pagaria a quantia de € 400.000,00 desde que fosse assegurada possibilidade de construção de uma residência para estudantes, recusando-se a R a entregar esta quantia.

Citada, contestou a R dizendo em síntese que, a A não cumpriu a condição estabelecida na cláusula que invoca, pelo que lhe não é devida a quantia pedida e que o não cumprimento dessa cláusula não determina a nulidade do contrato, que se deve manter, pedindo a improcedência da ação.

Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença julgando a ação improcedente, absolvendo a R dos pedidos.


*


Inconformada com a sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação sendo, após deliberação, decidido:

“Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, alterando a decisão em matéria de facto nos termos acima definidos, revogando a sentença e condenando a apelada a entregar apelante a quantia de € 400 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, como peticionado, até integral pagamento.

Custas pela apelada”.


*


Agora inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ a ré, e formula as seguintes conclusões:

“A. Em primeira instância foi proferida nos autos de processo 8172/20.1T8LSB que correram termos no Juízo Central Cível ... J..., sentença que absolveu a aqui Recorrente de todos os pedidos, julgando não verificada a condição que as partes apuseram na clausula sexta do contrato de cessão da posição contratual que celebraram, uma vez comprovado nos autos que até à data de 30.06.2019 não logrou alcançar-se nem a alteração do alvará de licença de loteamento quanto ao uso do lote 53, nem a aprovação da edificabilidade de uma residência de estudantes com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 m2.

B. Foi interposto recurso de apelação, e apresentada resposta às alegações, no âmbito da qual a aqui Recorrente requereu a ampliação do objecto do recurso quanto aos factos 22, 39,44, 45, 48 e 27 dos factos provados e 2 dos factos não provados.

C. O Acórdão da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação interposta, alterou a decisão em matéria de facto, aditando um facto, julgou improcedente a pretensão de ampliação do objecto do recurso, e revogou a sentença condenando a apelada a entregar à apelante a quantia de €400.000,00 acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, por julgar cumprida a condição que as partes acordaram na cláusula sexta.

D. No Acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Lisboa decide do mérito da causa, em sentido oposto e com diferente fundamento de Direito do que havia sido decidido em primeira instância, e decidindo, quer quanto ao termos em que resultou fixada a matéria de facto, quer no que concerne à solução de Direito, em violação de lei substantiva, como ainda disposições de direito processual, o que, como infra se desenvolverá, fundamenta, ao abrigo do disposto nos nº1 e nº3 (a contrario) do art. 671º e alíneas a) e b) do nº1 e nº3 do art.º 674º do Código do Processo Civil, a interposição do competente recurso de revista.

I. DO ERRO DE DIREITO NA MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO (ADITAMENTO DO FACTO 51)

E. O tribunal a quo aditou aos factos provados o facto “ 51. A Ré sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”, julgando parcialmente procedente a alegação do recorrente que pretendia ver julgado provado que “A Ré sabia que o Pedido de Informação Prévia ainda vigente, Proc. nº 47/20..., permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7500 m2”.

F. O facto 51 aditado pelo Tribunal da Relação comporta na expressão “a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”, conteúdo que extravasa o juízo de facto, na medida em que contém um juízo valorativo e conclusivo que, só poderia resultar, em abstrato e sem prescindir, da subsunção jurídica da globalidade dos factos apurados.

G. Nos termos do disposto no nº4 do art. 607º do Código do Processo Civil, deve tribunal fazer constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, e expurgando deste segmento a matéria que consubstancie questão de Direito, aqui se incluindo juízos de valor ou conclusivos.

H. É de Direito, e não de apreciação da prova, o julgamento que é feito pelo Tribunal da Relação na afirmação de que a (putativa) admissibilidade da construção de sete pisos acima da quota de soleira “se traduzia em edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7500 m2”,

I. O tribunal a quo, aditou assim à matéria de facto matéria de Direito sob as vestes de um pretenso facto, em clara violação desde logo do nº4 do art. 607º do CPC, e sustentando-se num conceito de Direito, conclui, na motivação da decisão de aditamento deste “facto” aos factos provado, também de Direito, e em evidente violação das normas aplicáveis do RJUE e do Decreto Regulamentar 5/2019 de 27 de Setembro, que da definição do número máximo de pisos resulta a definição do que designa de “edificação” possível, quantificada em metros quadrados.

J. Incorre com efeito o tribunal a quo em violação de lei, porquanto desconsidera normas a que não podia deixar de atender, concretamente as normas previstas na alínea a) do art. 2º e 17º do RJUE e Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de Setembro de que resulta a definição legal e a clara diferenciação dos conceitos de edificação e de área de construção, bem como a evidência de que o número de pisos só por si não tem a aptidão de “se traduzir” em parâmetro urbanístico algum, que não o próprio número de pisos.

K. A correcta interpretação e aplicação do disposto no nº4 do art. 607º e dos limites previstos art. 662º impunha que o Tribunal da Relação não tivesse aditado aos factos provados o facto 51, em primeira linha porque a sua redacção comporta uma asserção que extravasa notoriamente o juízo de facto, na medida em que contém um juízo valorativo e conclusivo, de Direito, que só poderia (hipoteticamente) resultar da subsunção jurídica da globalidade dos factos apurados, mas também porque sempre seria um tal “facto” só susceptível de ser provado por documento, e especificamente por um dos documentos previstos no RJUE como títulos vinculativos da edilidade à definição da área de construção.

L. O aditamento do facto 51 aos factos provados configura uma decisão de modificação da matéria de facto tomada em ofensa ao disposto no nº5 do art. 607º e aos limites do preceituado no art. 662º do CPC porquanto não sustentada em elemento probatório que, nos termos da lei substantiva aplicável, o permitisse, mas tão só numa asserção de direito determinada também ela por errada interpretação das normas previstas na alínea a) do art. 2º e 17º do RJUE e Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de Setembro RJUE.

M. Da interpretação conjugada do disposto na alínea a) do art. 2º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro e Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro resulta que a expressão “edificação”, que o tribunal a quo faz inserir no facto 51, sendo um conceito legalmente definido, não tem correspondência no conceito jurídico-urbanístico de “área de construção”, nem é um parâmetro urbanístico constitutivo de direitos edificatórios do particular, e menos ainda susceptível de extrair do número de pisos, ou quantificável em metros quadrados.

N. Nenhum outro documento, que não os definidos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação como constitutivos do direito edificatório do particular, constitui elemento probatório com aptidão para julgar provado que a câmara municipal permitia uma qualquer área de construção no lote 53 ou o que o tribunal a quo designa de “edificação superior a 7500 m2”.

O. A asserção de Direito ínsita no FACTO 51 de que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7500 m2, não tem nem poderia ter, por impossibilidade jurídica, qualquer consagração nos documentos que foram sido exibidos à Ré, pelo que não podia o tribunal a quo ter extraído destes ou de quaisquer depoimentos qualquer conclusão probatória nem quanto à alegada “edificação” nem, em consequência, quanto ao pretenso conhecimento da Ré.

P. O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, ao modificar a decisão da matéria de facto aditando o facto 51 aos factos provados, assente em documentos que o não permitem e em depoimentos, julgou provado o facto 51 com base em meio legalmente insuficiente e em violação de regras de direito probatório material, incorrendo um erro de Direito por violação de lei substantiva e processual, concretamente do preceituado no nº1 do art.º 364º do Código Civil, nº4 do art. 607º do CPC,

Q. Termos em que, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça aplicar a regra vinculativa que resulta do direito probatório material prevista no nº1 do art.º 364º do CC e dos nº4 e 5 do art. 607º do CPC, deve, julgando procedente a revista, e ao abrigo do disposto no alínea a) e b) do nº1 e nº3 do art. 674, nº2 do art. 682, 607º e nº2 do art. 663º este ex vi 679º, todos do CPC, modificar a decisão da matéria de facto da sentença recorrida no sentido de ser excluído da matéria de facto provada o facto 51.

II. DO ERRO DE DIREITO NA DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO POR ALEGADO INCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NAS ALÍNEAS B) E C) DO Nº1 DO ART. 640º DO CPC;

R. O tribunal a quo, embora por manifesto lapso se refira ao art. 641º, julgou improcedente o requerimento de ampliação do objecto do recurso da Apelada, fundamentando a sua decisão no incumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC, numa interpretação destas normas com que não se conforma a Recorrente.

S. A motivação de decisão de facto da sentença de primeira instância, quanto aos pontos da matéria de facto sobre que incidiu o requerimento de ampliação de objecto do recurso, consubstancia-se no excerto “a prova dos factos 1 a 5, 7, 18 a 23, 26 a 32, 34 a 38, 40 a 42, 44, 46, 47 e 48 resultam da prova documental referenciada em cada um, conjugada com o depoimento das testemunhas. (…) os pontos 24 a 41 resultaram provados tendo em conta não só os documentos juntos, mas tais documentos conjugados com os depoimentos do arquitectos ouvidos” antecedido de um reporte, por súmula, do depoimento de cada uma das testemunhas, em que não se mostra feita uma efectiva análise e apreciação crítica e conjunta das provas, ou sequer (apenas) dos depoimentos.

T. A interpretação conforme ao sentido que o legislador quis atribuir ao preceituado nas alíneas a) a c) do art. 640º do CPC, impunha ao tribunal a quo que, à semelhança do que fez na apreciação do cumprimento deste ónus por parte do apelante, apreciasse fundamentadamente o alegado incumprimento do ónus de impugnação por referência a cada um dos factos sobre os quais pretendia a apelada que fosse modificada a decisão de facto, ao invés de, como fez, decidir pela improcedência da ampliação tout court, relativamente a todos os factos.

U. Omitindo tal apreciação, desconsiderou o tribunal a quo não só os diferentes termos e fundamentações que resultavam da alegação, como a circunstância de quanto à motivação da decisão de facto proferida sobre o facto 45 a sentença então recorrida ser totalmente omissa, com as necessárias consequências quanto aos termos em que deve ser jugado cumprido ou incumprido o ónus de impugnação.

V. A Recorrente então apelada, motivou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que julgou provado o facto 44 aludindo aos termos em que o tribunal havia motivado a sua decisão, invocando contra esta motivação que o facto em causa só poderia ser julgado provado por documento e não por prova testemunhal, mais alegando que não só o documento em que o tribunal a quo assentou a decisão (a fls. 121) não permitia afirmar tal facto, como o teor de outro documento junto aos autos (fls. 136) infirmava tal facto, e evidenciando ainda incongruência entre este facto 44 e o facto 50 dos factos provados, e entre os documentos que sustentam a respectiva prova.

W. A ratio legis das normas previstas nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC não acolhe a interpretação seguida pelo tribunal a quo, impondo antes que devam estas ser interpretadas no sentido de que, resultando da alegação da impugnante quanto ao facto 44 a fundamentação da discordância quanto ao raciocínio probatório da sentença, a explicitação dos concretos meios probatórios que impunham diversa, e a especificação da decisão que deveria ser proferida sobre a questão de facto impugnada, deve julgar-se cumprido o ónus previsto nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC.

X. O tribunal a quo ao decidir pela improcedência da impugnação da decisão de primeira instância que julgou provado o facto 44, decidiu em violação do preceituado nas alíneas b) e c) do nº1 do art.º 640º do CPC, de cuja interpretação conforme aos princípios de Direito teria resultado a decisão de julgar procedente a requerida ampliação do objecto do recurso para reapreciação do julgamento do facto 44.

Y. Termos em que deve este Supremo Tribunal de Justiça, julgar procedente a presente revista por violação, por errada aplicação, do preceituado nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC, na decisão que julgou improcedente a ampliação do objecto do recurso quanto ao facto 44 dos factos provados, e evidenciada que fica no acórdão recorrido a ofensa do preceituado no nº5 do art. 607 do CPC e nº1 do 364º do Código Civil, que afasta da livre apreciação do juiz os factos que só podem ser provados por documento, e considerando ainda que se mostra junto aos autos, a fls. 136, documento de cujo teor resulta prova de facto contrário ao julgado provado sob 44, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 e nº3 do art. 674 e nº2 do art. 682 do CPC bem como do nº2 do art. 663º ex vi art. 679 todos do CPC, modificar a decisão da matéria de facto no sentido de julgar como não provado o facto 44 dos factos provados.

Z. A doutrina, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando a razão de ser da exigência de rigor subjacente às previsões das normas plasmadas nas alíneas a) a c) do nº1 do art.º 640º do CPC, têm porém evidenciado a necessidade de interpretar estas mesmas com integração dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material que se afigurem aptos a garantir a definição do objecto da impugnação (com a enunciação do pontos de facto em causa), a seriedade da impugnação (que não pode ser vaga, mas antes sustentada em meios de prova explicitados) e definição pelo recorrente do sentido da decisão que o recorrente pretendido com a impugnação.

AA. Afigura-se ser desconforme à ratio legis das normas previstas nas alíneas a) a c) do nº1 do art. 640º do CPC a interpretação destas no sentido seguido no acórdão recorrido de que, mesmo em face de uma motivação da decisão recorrida da qual não se extrai materialmente uma apreciação crítica e conjugada dos elementos probatórios (que são apenas invocados), é exigível ao recorrente, sob pena de incumprimento do ónus de alegação aí preceituado, a demonstração fundamentada da incorrecção da motivação que o julgador não tenha explicitado em efectiva e material obediência ao preceituado no art. 607º do CPC.

BB. As normas previstas nas alíneas a) a c) do nº1 do art. 640º do CPC deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, à luz do princípio da proporcionalidade, com a necessária compatibilização do grau de exigência do seu cumprimento pelo impugnante com os termos em que se mostre motivada a decisão da matéria de facto concretamente quanto aos factos objecto de impugnação.

CC. Termos em que, deve este Supremo Tribunal de Justiça, julgar procedente a presente revista por errada aplicação no acórdão recorrido do preceituado nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC, na decisão que julgou improcedente o requerimento de ampliação do objecto do recurso quanto aos demais factos objecto do mesmo, e cuja interpretação conforme à sua ratio legis determinará que, admitida a revista, seja revogada a decisão que julgou improcedente a ampliação do objecto do recurso por alegado incumprimento do ónus de alegação aí previsto.

III. DO ERRO DA SOLUÇÃO DE DIREITO APLICADA

DD. O Acórdão ora recorrido julgou procedente à apelação tendo por base a resposta afirmativa à questão de “saber se o pedido principal da A. deve proceder por se ter concretizado a condição contratual de que dependia”.

EE. Ainda que este Supremo Tribunal de Justiça não julgasse procedente nenhum dos erros de Direito invocados, o que só por hipótese académica se configura, nem em face da matéria de facto julgada assente em segunda instância, poderia o Tribunal da Relação de Lisboa ter respondido afirmativamente à questão assim enunciada, porquanto não o permite sequer a subsunção dos factos que fixou ao Direito aplicável e a que não podia ter deixado de atender.

III.1 - DO ERRO DE DIREITO NA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 236º DO CÓDIGO CIVIL QUANTO À DEFINIÇÃO DO SENTIDO E CONTEÚDO A ATRIBUIR ÀS DECLARAÇÕES DOS CONTRATANTES PLASMADAS NA CLÁUSULA SEXTA;

FF. No acórdão recorrido o tribunal da Relação de Lisboa definiu o sentido e conteúdo das declarações negociais plasmadas na cláusula sexta sub iudice com apelo ao regime estatuído no art.º 236º do Código Civil, e nos artigos 14º, 27º e 74º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro na redacção em vigor, concluindo que em face da cláusula sexta (…) um declaratário normal colocado na posição de qualquer das contraentes tomaria necessariamente o entendimento de que as partes quiseram atingir o fim em vista com o instrumento processual legal relativa ao urbanismo adequado, fosse ele o episodicamente referido Pedido de Informação Prévia (PIP) ou qualquer outro”;

GG. A subsunção dos factos ao Direito que resulta da motivação do Acórdão revela ter incorrido o tribunal a quo em manifesta violação do preceituado no art.º 236, 237º e 238º do Código Civil na determinação do sentido juridicamente relevante das declarações negociais, porquanto faz errada aplicação dos critérios/comandos interpretativos impostos por estas normas.

HH. À declaração plasmada na cláusula “Caso a Primeira Outorgante, em colaboração com a Segunda Outorgante, consiga aprovar (….) um pedido de informação prévia até ao dia 30 de Junho de 2019(…) garantindo a mudança de uso”, não podia o tribunal a quo, sob pena de incorrer em flagrante violação de lei por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos art.º 236º a 238º do Código Civil, atribuir o sentido de significar que as partes não se comprometeram à aprovação até 30.06.2019 de um pedido de informação prévia.

II. Da leitura conjugada do disposto nos art.º 236º a 238º do Código Civil resulta que nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, podendo, apenas valer esse sentido se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a essa validade (art. 238º do CC), e sendo certo que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º).

JJ. Da interpretação do sentido das declarações negociais plasmadas na cláusula sexta, em obediência a qualquer um destes cânones interpretativos, resulta a absoluta incorrecção da aplicação deste acervo normativo no Acórdão recorrido.

Com efeito,

KK. O valor que o tribunal a quo atribuiu às declarações negociais das partes vertidas na clausula sexta desde logo não encontra o “mínimo de correspondência no texto do respectivo documento” exigido pelo art. 238º do Código Civil,

LL. As partes fizeram expressa menção à “aprovação de um pedido de informação prévia”, na redacção não apenas desta cláusula sexta como, em plena coerência se sentido, também na cláusula sétima do contrato, em que estabeleceram que, verificada a condição, o pagamento da quantia acordada seria efectuado no prazo de 10 dias contados da notificação da aprovação do pedido de informação prévia, reconhecendo, assim, o pedido de informação prévia como instrumento susceptível de constituir uma situação jurídica consolidada na esfera jurídica de uma das partes.

MM. A definição do sentido das declarações plasmadas na cláusula sexta que passe pela desconsideração de um elemento literal que assume esta relevância será sempre violadora do preceituado no nº1 do art. 236º do Código Civil porquanto desatende ao sentido objectivo da cláusula contratual, entendido como o alcance que um declaratário típico extrairia da declaração.

NN. A correcta aplicação aos factos provados do comando interpretativo que resulta do nº2 do art. 236 º do Código Civil determinava ao tribunal a quo que não desconsiderasse, como desconsiderou em absoluto, que o conhecimento que o declaratário tinha da vontade do declarante apontava nitidamente no sentido de a realização da operação urbanística depender de um outro acto, constitutivo de direitos, distinto da mera alteração do uso.

OO. Resulta provado, e o tribunal a quo não podia ter deixado de considerar, que ambas as partes contratantes exercem actividade profissional no sector imobiliário, em actividade no mercado há quase duas décadas, para quem, portanto, os conceitos aqui em causa não são estranhos, nem indiscriminadamente utilizados,

PP. como resulta provado, e o tribunal a quo não podia ter deixado de considerar, que a própria recorrida adoptou condutas demonstrativas não apenas da não desconsideração da importância pedido de informação prévia, mas pelo contrário, de uma intensa valorização do pedido de informação prévia,

QQ. desde logo na primeira reunião havida com a aqui Recorrente em 17.10.2018, como aliás até neste autos em que sustenta a desnecessidade de apresentação de um pedido de informação prévia, não por tal instrumento ser desnecessário à constituição do direito pretendido, mas por defender que os Pedidos de Informação Prévia que juntou aos autos, porquanto na sua (errada) percepção constitutivos de direitos, cumpriam já tal objectivo RR. As partes reconheceram ao pedido de informação prévia aprovado, e não a qualquer outro, a natureza de instrumento jurídico constitutivo de direitos na esfera jurídica da aqui Recorrente e por isso atribuíram à notificação da aprovação desse instrumento o valor de ato constitutivo do correspectivo direito ao recebimento da quantia acordada,

SS. o que, se dúvidas houvesse ainda a sanar, à luz do último dos comandos interpretativo, ínsito no art. 238º do CC e que impõe ao intérprete que atenda à determinação do sentido juridicamente relevante das declarações que comporte um maior equilíbrio das prestações, teria afastado a conclusão a que chegou o tribunal a quo.

TT. Dos factos provados 29 a 44 em que se sustenta o tribunal a quo nada resulta que ponha em crise o resultado da necessária aplicação dos comandos normativos previstos nos artigos 236º a 238º do Código Civil.

UU. A circunstância de terem as partes, em conjunto, empreendido as diligências formalmente adequadas a alcançar a alteração do uso do lote, através da alteração do alvará e licença de loteamento e de ter sido publicitado um edital que dá conhecimento aos interessados da pendência de tal pedido junto da edilidade, não permite concluir, como se pretende na motivação, que daí decorra que as partes não configuraram o pedido de informação prévia como necessário para atingir os fins pretendidos.

VV. A determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais, comporta em si mesmo a aplicação, correcta ou incorrecta, dos critérios normativos previstos no art. 236º a 238º do Código Civil, termos em que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do art. 674º do CPC, cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revista, a apreciação da correcta ou incorrecta aplicação dos critérios normativos plasmados no art. 236º a 238º do Código Civil pelo Tribunal da Relação.

WW. A correcta aplicação dos critérios e comandos normativos plasmados no art. 236 a 238º do CC não permite o resultado interpretativo do sentido das declarações negociais que o acórdão recorrido extrai do texto da cláusula sexta do contrato de cessão da posição contratual, que assim se mostra eivado de violação de lei, e pelo contrário impõe, jugando procedente a revista, se revogue a decisão recorrida e se julgue como sentido juridicamente relevante das declarações apostas na cláusula sexta que as partes se obrigaram a alcançar a alteração de uso do lote, e se obrigaram à aprovação de um pedido de informação prévia até ao dia 30/06/2019.

III.2 - DO ERRO DE DIREITO NO JULGAMENTO DO CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO

XX. No Acórdão Recorrido decidiu o tribunal a quo que “O desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, como o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, o que aconteceu antes de 30.06.2019, na medida em que “o que as partes tiveram em vista não foi a própria aprovação da alteração de uso e da área de construção, mas apenas que essa aprovação ficasse assegurada/garantida” garantia de aprovação essa que foi dada com o edital de maio 2019.

YY. Tais asserções nem são extraíveis dos factos provados 24 a 44, como se pretende no acórdão recorrido, nem são conformes ao Direito aplicável que deveria o tribunal a quo ter convocado para fundamentar uma conclusão que, sendo de Direito, só do Direito poderia ter sido extraída.

ZZ. Além de ser manifestamente violador do princípio geral da liberdade contratual previsto no art. 405º do Código Civil o entendimento vertido no acórdão de que as partes não podem definir o instrumento processual a que recorrem para atingir o desiderato que pretendem, é desconforme ao Direito o entendimento, seguido no Acórdão, de que as partes indicaram erradamente o instrumento processual para atingir o seus desiderato.

AAA. A avaliação da essencialidade da aprovação de um pedido de informação prévia para a constituição na esfera da Recorrente de um direito edificatório com o conteúdo previsto na clausula sexta exige a rigorosa análise do enquadramento jurídico em face da multiplicidade de disposições de Direito do Urbanismo vigentes, o que determinou a Recorrente a solicitar a elaboração de parecer a reputado jurisconsulto, o Exmo. Senhor Professor Doutor João Miranda, Professor Associado da Faculdade de Direito de Lisboa, tendo por objecto a questão jurídica em discussão nos autos, e em que, entre o demais o Exmo. Senhor Professor invoca o PARECER N.º 33/2016, DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA.

BBB. O tribunal a quo ao decidir que “O desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, como o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento”, interpretou e aplicou erradamente o preceituado nos artigos 14.º, n.º 2 e 17.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e no artigo 15.º, n.º 1, da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio.

CCC. Da correcta interpretação destes preceitos legais, a que o Tribunal a quo não atendeu, em manifesto erro da determinação da norma aplicável, resulta que, tal como as partes bem expressaram na cláusula, além alteração do uso, era imprescindível a aprovação de um pedido de informação prévia que concretizasse a edificabilidade permitida no lote ...3, como condição sine qua non da constituição do direito edificatório previsto na cláusula sexta na esfera da aqui Recorrente.

DDD. A correcta interpretação e aplicação das normas que, no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação actual, regulam o pedido de informação prévia, traz à luz o manifesto erro de Direito em que incorre o Tribunal da Relação ao decidir que “Em 30 de maio de 2019 tanto a aprovação da alteração de uso como a área de construção estão já “garantidas” tal como contratualmente estipulado pelas partes “

EEE. O edital de 30.05.2019 apenas formaliza a obrigatória notificação dos proprietários dos lotes para se pronunciarem sobre uma proposta de alteração da licença de loteamento apresentada à edilidade, em cumprimento do disposto nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3, do REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E DA EDIFICAÇÃO, tratando-se, assim, de um mero ato preparatório inserido num procedimento e sem qualquer conteúdo decisório, e que, como tal, não confere qualquer tutela jurídica ao interessado de que irá obter uma decisão favorável.

FFF. Sendo, em consequência irrelevante a alusão que é feita no Acórdão recorrido ao art. 49º do Regime Jurídico das Autarquias Locais aprovado pela Lei 75/2013 de 12 de Setembro, em manifesto erro sobre a norma aplicável.

GGG. Da leitura conjugada do preceituado no nº3 e nº8 do art.º27º, nº2 do artº 28º, e nº2 do art. 74º e art. 78º todos do REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E DA EDIFICAÇÃO, estas sim normas que o tribunal a quo não podia ter deixado de atender e aplicar, resulta que a decisão de alteração da licença de alvará de loteamento tomada em deliberação camarária em 18.09.2019 sempre teria a sua eficácia jurídica condicionada à indispensável titulação em alvará e à posterior publicação do mesmo com as alterações aprovadas, que veio a ocorrer, como resulta do facto provado 50, em 03.02.2020.

HHH. A correcta interpretação do preceituado nos nº3 e nº8 do art.º 27º, nº2 do art.º 74º, art.º 78º e nº2 do art.º 28ºdo RJUE, no sentido que se deixa explanado, evidencia o flagrante erro de Direito em que incorreu o tribunal a quo no Acórdão recorrido ao julgar que em 30.05.2019 se verificou a “garantia de aprovação da alteração de uso como a área de construção”, e impõe que seja julgado que apenas em 3.02.2020, com a publicação do aditamento ao alvará, a decisão de alteração do uso tomada por deliberação camarária em 18.09.2019, se tornou plenamente eficaz.

III. A correcta interpretação e subsunção aos factos provados ao preceituado nos art.º17º, nº3 e Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de Setembro, impõe concluir que não se mostrando sequer definida no alvará de licença de loteamento ...2, alterado em 3.02.2020, a área máxima de construção permitida no lote ...3, a definição da área de construção aí permitida para uma concreta operação urbanística, só poderia resultar de um de dois instrumentos jurídicos possíveis: ou uma pronúncia camarária favorável a pedido de informação prévia com esse objecto, ou uma licença consequente de um projecto aprovado, e nunca do alvará de licença de loteamento.

JJJ. A verificação da condição plasmada na cláusula sexta do contrato de cessão da posição contratual exigia que até 30.06.2019 tivesse sido alterado o uso do lote ...3 e tivesse sido aprovado um pedido de informação prévia que constituísse na esfera jurídica da Recorrente o direito a edificar nesse lote uma residência de estudantes com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 m2, e,

KKK. subsumindo os facto provados ao Direito aplicável supra explicitado, impõe-se concluir que tal não aconteceu, donde não pode ter se por cumprida a condição prevista na clausula sexta nem em 30.05.2019, nem, como subsidiariamente admite o tribunal a quo, em 18.09.2019.

LLL. Em face do quadro normativo exposto, e Independentemente das teses que, em violação de lei, se tenham esboçado nestes autos quanto ao momento em juridicamente pode afirmar-se alterado o uso do lote ...3, incontornável é que no que concerne à área de construção de 7500m2 acima do arruamento da Rua ..., não pode sob ter-se por cumprida a condição aposta na cláusula sexta.

MMM. Na definição do sentido e conteúdo das declarações das partes, como na putativa invocação do instituto da boa-fé ou do abuso de Direito, é essencial que o julgador não só não abandone como efectivamente norteie o seu julgamento pela para salvaguarda do equilíbrio das prestações das partes no negócio.

NNN. Só desconsiderando em absoluto os comandos normativos que resultam do preceituado nos art. 236º a 238º do Código Civil, solução que o Direito não acomoda, pode o tribunal a quo, em face da cláusula sexta, ter concluído que a data de 30.06.2019 não constituía um elemento essencial para se encontrar preenchida a condição estipulada por ambas as partes.

OOO. A desconsideração da essencialidade do factor tempo como determinante para o preenchimento da condição, resulta de uma interpretação negocial afastada do sentido objectivo da declaração e geradora de um desequilíbrio dasposições das partes contratuais, ao arrepio do estabelecido como critério hermenêutico no artigo 237.º do Código Civil, e como tal não pode este SupremoTribunal de Justiça manter.

PPP. A invocação pelo tribunal a quo da aplicação do disposto no art.334º do Código Civil, na vertente do manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, afigura-se manifestamente infundada, não apenas por não se mostrar fundamentado no acórdão recorrido em que se consubstanciaria ou revelaria o alegado manifesto excesso dos limites da boa fé, como ainda por resultar claro que

QQQ. nenhuma das sub-figuras do abuso de Direito doutrinariamente trabalhadas como violações dos limites impostos pela boa fé, entendidas como violações do princípio da confiança, é passível de ser convocada a regular de Direito uma situação de facto em que, fixado um termo para a verificação de uma condição que as partes aceitaram, o mesmo não é cumprido, e tudo sem que seja esboçada, ou esboçável sequer, a imputação à aqui Recorrida de qualquer conduta violadora do referido princípio da confiança.

RRR. Ao referir-se na motivação do acórdão recorrido ao pretenso acréscimo de valor do lote ...3 que a Recorrente teria encabeçado em face da alteração de uso e do “aumento da área de construção”, incorre uma vez mais o Tribunal da Relação em notória violação de lei, motivando a sua decisão em asserções puramente conclusivas e sem qualquer suporte na matéria de facto dada como provada, a que talvez por isso sequer se aluda, tanto quanto é certo que, não tendo sido definida em momento algum nestes autos a área de construção permitida no lote ...3, por imperativo logico básico, não podia o tribunal a quo concluir ter havido aumento, diminuição ou manutenção da mesma.

SSS. Aplicando este Supremo Tribunal de Justiça o regime jurídico julgado adequado aos factos materiais que sejam fixados atendendo a todo o supra alegado, como ao teor do douto parecer elaborado pelo jurisconsulto Exmo. Senhor Professor Doutor João Miranda sobre matéria de Direito que fundamenta a revista e se junta, não poderá deixar de julgar-se a condição aposta na cláusula 6º do contrato de cessão da posição contratual como não cumprida,

TTT. Termos em que, admitindo e julgando procedente o presente recurso de revista, deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e substituído por outro que, aplicando devidamente o Direito, julgue improcedente a acção por não cumprimento da condição prevista na cláusula sexta do contrato de cessão da posição contratual celebrado entre as partes, absolvendo a recorrente de todos os pedidos contra si formulados pela aqui Recorrida.

Assim fazendo este Supremo Tribunal Justiça”.

Pela recorrente é junto parecer jurídico, no qual se formulam as seguintes conclusões:

“1.ª) Tendo por base a regra interpretativa do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, há que atender ao sentido objetivo da declaração negocial, pelo que, aludindo-se expressamente na cláusula sexta do contrato de cessão da posição contratual ao pedido de informação prévia, não se revela correto interpretar a referida cláusula procedendo à eliminação desse instituto jurídico-urbanístico como revelador da vontade das partes contratuais;

2.ª) À luz desta regra interpretativa, é preciso ainda atender ao comportamento das partes, tendo havido condutas da empresa Predialmarket2-Construção, Compra e Venda de Imóveis, Lda., demonstrativas de que foi assumida a relevância da existência de um pedido de informação prévia, em especial a circunstância de ter informado a empresa Entidade Consulente que uma tal pretensão havia sido efetuada por outro possível interessado no terreno, a empresa L... – Empreendimentos Imobiliários, S.A. e que até uma determinada altura se entendeu que o pedido de informação prévia apresentado por esta empresa poderia ser utilizado para considerar verificada a condição suspensiva;

3.ª) Caso fosse aventada a possibilidade de existirem dúvidas quanto ao alcance a dar às cláusulas contratuais postas em crise no presente litígio judicial, sempre o Tribunal teria de guiar-se pelo critério do “maior equilíbrio das prestações”, o que não sucedeu aqui, porque o Tribunal da Relação de Lisboa conferiu, invocando o “interesse do credor”, prevalência ao interesse da Predialmarket2-Construção, Compra e Venda de Imóveis, Lda. sobre o da Entidade Consulente;

4.ª) Outro critério interpretativo, aplicável aos negócios formais, também resultou castigado pela solução a que chegou o Tribunal da Relação de Lisboa de proceder a uma autêntica “interpretação corretiva” do clausulado contratual, considerando “letra morta” a alusão à informação prévia, que inclusive é desmerecido no acórdão desse Tribunal superior como o “episodicamente referido Pedido de Informação Prévia” (cfr. pág. 32 da decisão), tudo se passando como se esse elemento do texto não existisse;

5.ª) A liberdade de estipulação das partes contratuais no estabelecimento de cláusulas acessórias ao negócio jurídico constitui um reflexo da autonomia privada, não se antevendo nenhum óbice ou proibição legais à previsão de uma condição suspensiva no contrato a impor que se “consiga aprovar na Câmara ... um Pedido de Informação prévia (PIP) até ao dia 30 de Junho de 2019, garantindo a mudança do uso do terreno objecto deste contrato para residência de estudantes com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 m2”;

6.ª) Fixando o contrato de cessão da posição contratual dois pressupostos autónomos – a obtenção de informação prévia favorável e a necessidade de alteração do uso do terreno para residência de estudantes –, mais não fizeram as partes do que dar tradução no contrato ao princípio da aquisição gradual de faculdades urbanísticas, presentemente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio;

7.ª) Por regra, a aquisição de faculdades urbanísticas é realizada em diferentes etapas ou fases, através das quais se vão consolidando progressivamente situações jurídicas urbanísticas na esfera jurídica dos particulares, não tendo essa consolidação plena lugar com a simples licença de urbanização para realização de obras de urbanização e loteamento urbano e carecendo ainda num momento subsequente da obtenção da licença de obras para edificação;

8.ª) É neste contexto que se deve entender a estipulação no contrato de cessão da posição contratual de duas atuações distintas – a obtenção de alteração do uso do solo através de modificação do alvará de loteamento e a obtenção de informação prévia favorável –, constituindo este segundo ato jurídico o instrumento adequado para obtenção da edificabilidade no lote ...3 por vincular a Câmara Municipal na apreciação do concreto projeto edificatório a licenciar ou a ser objeto de comunicação prévia;

9.ª) O alvará de loteamento é relevante para reconhecimento de direitos edificatórios, todavia incompletos, condicionados e condicionais, pelo que esse ato jurídico não dispensa a obtenção de outro ato, seja uma licença, seja a comunicação prévia, ou seja ainda a informação prévia favorável, que vão concretizar a edificabilidade permitida;

10.ª) É precisamente com este enquadramento que se deve compreender a previsão na cláusula sexta do contrato de duas fases distintas - uma destinada à alteração do uso do solo e outra respeitante à edificabilidade em concreto – , pelo que as partes contratuais expressaram corretamente a sua vontade, ao prever duas etapas, não sendo nenhuma delas dispensável;

11.ª) Cotejando o disposto no artigo 14.º, n.º 2, com o artigo 17.º, n.º 1, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, facilmente se evidencia a vantagem do recurso, facultativo para os interessados, à apresentação de pedido de informação prévia, uma vez que se trata de um instrumento que permite precisar de forma concretizada o objeto de uma operação urbanística e conferir aos seus beneficiários um ato constitutivo de direitos, quando for favorável;

12.ª) Consequentemente, constitui um elemento revelador da plena validade da cláusula sexta, contendo a condição suspensiva, e infirma que a mesma teria um objeto impossível, pois, na realidade, a obtenção de informação prévia favorável é, em abstrato, apta a assegurar a edificabilidade do ato;

13.ª) Mesmo que se procurasse o maior aproveitamento para terceiros do conteúdo de uma informação prévia desfavorável, nunca se poderia inferir que a resposta transmitida pela Câmara Municipal ... em 26 de outubro de 2018 à L... – Empreendimentos Imobiliários, S.A. tinha o condão de considerar preenchida a cláusula sexta do contrato de cessão da posição contratual, na parte em que impunha a apresentação de pedido de informação prévia;

14.ª) A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa revela desconhecimento, quanto à especial natureza da licença de loteamento, que contém vinculações que se repercutem nas relações interprivados, nomeadamente entre titulares de direitos reais sobre os lotes ( Cfr. JOÃO MIRANDA / SANDRA GUERREIRO, A proteção dos proprietários dos lotes na alteração da licença de operação de loteamento à luz da mais recente alteração ao RJUE, in Questões Atuais de Direito Local, n.º 5, janeiro/março de 2015, pp. 45 e ss.), e sempre teria de haver uma participação destes no procedimento, à luz do artigo 27.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que dispõe: “(…) a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias”;

15.ª) Deste modo, o ato de “garantia da aprovação” para o Tribunal da Relação de Lisboa mais não é do que uma notificação dos proprietários dos lotes para se pronunciarem sobre uma proposta de alteração da licença de loteamento e pode merecer a discordância desses proprietários, sendo um mero ato preparatório praticado no procedimento administrativo, que foi entendido incorretamente pelo Tribunal como garantindo a aprovação, não conferindo qualquer tutela jurídica ao interessado de que irá obter uma decisão favorável, nem certificando qualquer conformidade técnica do pedido de alteração;

16.ª) A publicitação do edital camarário em 30 de maio de 2019 não se destinava a dar conhecimento de qualquer aprovação, mas sim a permitir que os titulares de direitos sobre outros lotes se pronunciassem, ao abrigo do artigo 27.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, sobre a alteração pretendida, constituindo, pois, a publicitação de um ato preparatório do procedimento administrativo e não de qualquer decisão;

17.ª) O n.º 8 do artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação é absolutamente claro, no sentido de que as alterações à licença de loteamento são aprovadas por deliberação da câmara municipal e só quando este ato é praticado se pode aludir a uma decisão de alteração da licença de loteamento;

18.ª) A data relevante para efeitos de conclusão do procedimento de alteração da licença de loteamento nunca poderia ser 30 de maio de 2019, mas sim 18 de setembro de 2019, mas, além disso, é preciso ter ainda em conta que essa alteração depende da sua titulação em alvará, que é condição da respetiva eficácia (artigo 74.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação) e, por sua vez, o alvará de loteamento tem de ser publicado, nos termos do artigo 78.º do mesmo Regime Jurídico;

19.ª) Compulsando o aditamento ao alvará de loteamento, verifica-se que nele não se define qualquer área de construção ou edificabilidade no lote ...3, à luz dos conceitos técnicos de “área de construção do edifício” e “edificabilidade” constantes do Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro, que define os conceitos técnicos atualizados nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo;

20.ª) Na realidade, ao contrário do que sucede com os demais lotes de terreno, no aditamento ao alvará não se especifica qualquer área de construção no lote ...3, pelo que esse aspeto que era condição essencial para a verificação da condição suspensiva prevista no contrato nem sequer aconteceu até à data”.

Responde a autora concluindo a sua alegação:

“1 - Como é sobejamente sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas na peça recursória.

2 - Não obstante, além dos limites de tal análise impõe-se a limitação dos poderes de cognição legalmente previstos, in casu, tratando-se de um recurso de revista apenas questões de direito poderão ser sindicadas.

3 - O recurso de revista não merece provimento pois a decisão da segunda instância é imaculada.

4 - Com efeito, V. Exas. atentarão que a decisão da primeira instância foi alterada no que respeita à matéria de facto e tal resultou na alteração do sentido da decisão inicial que, assim, deu total procedência ao recurso de apelação e condenou in tottum a Ré, ora Recorrente.

5 - Como é evidente, a matéria de facto fixada é imutável e verificar-se-á que a sua subsunção ao direito não merece reparo, aliás, bem ao invés, merece aplauso pelo rigor na análise, sensibilidade judicativa e profundos conhecimentos de direito demonstrados.

6 - Demonstrar-se-á isso mesmo na infirmação dos pontos relevantes para análise e não se deixará de dar uma palavra sobre o que seja o “parecer” junto aos autos… Isto sem prejuízo de, como se protestará juntar, a Recorrida fazê-lo igualmente.

7 - A Recorrente separa tematicamente, na sua alegação e nas conclusões de recurso expendidas, os pontos que no seu entender devem colocar em crise o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

8 - O primeiro ponto, o tribunal alega erro de direito no que respeita à modificação da matéria de facto levada a cabo pelo tribunal recorrido dentro dos poderes de cognição que lhe assistem.

9 - O tribunal de segunda instância e na reapreciação de prova que lhe incumbiu, formou a sua própria convicção com base nos factos e provas indicadas pela ora Recorrida, então Apelante, fundamentado de forma inatacável a sua decisão.

10 O Supremo Tribunal de Justiça não tem, em sede de revista, poderes para reapareciar a prova como feito pela instância anterior ao invés do que a Recorrente tenta encapotadamente submeter a apreciação.

11 - Este entendimento é pacífico:“I - O reforço dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho tem a virtualidade de colocar os juízes desembargadores num plano decisório que, tanto quanto possível e pese embora a falta de imediação, é equivalente ao do juiz da 1ª instância. II - Em sede de reapreciação da prova, tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo fundamentar a decisão tomada (art. 607º, nºs 4 e 5 e 663º, nº 2, do CPC).III – Está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o erro na livre apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, exceto se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/09/2019, proferido pela 4.º Secção no âmbito do Proc. n.º 1555/17.6 T8LSB.L1.S1).

12 - Assim, sem mais, as conclusões expendidas pelas letras E) a Q) não devem sequer ser apreciadas.

13 - Caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que não assiste razão à Recorrente porquanto o tribunal na apreciação do ponto 1 dos factos dados como não provados produziu um juízo crítico sobre a razão pela qual da formulação de: “1. A R. sabia que o Pedido de Informação Prévia ainda vigente, Proc. n.º 47/20..., permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2” deu como provado que “51. A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2.”

14 - O juízo crítico em que o tribunal recorrido alicerçou o seu pensamento está evidenciado e fundamentado nas análises dos depoimentos das testemunhas AA e BB, nas declarações de parte de CC, legal representante da Recorrida e no documento n.º 5 junto com a p.i..

15 - Mais: concatenou-se esta apreciação de prova com o que constava já dado como provado nos pontos 7, 11, 12, 13, 15, 16, 29, 31, 32, 38, 41, 42, 43 e 44 da sentença que supra transcrevemos para melhor compreensão.

16 - Assim, foi e – e bem – considerado que foi feita a devida prova de que o Município se tinha proposto a aceitar a construção de sete pisos acima da cota de soleira e que isso se traduzia em edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2 e que a R., ora Recorrida, ficou disso logo a saber na reunião de 17 de Outubro de 2018 como, repita-se, consta harmonizado dos pontos da matéria de facto dada como provada acima indicada.

17 - Ora, esta apreciação não contém, em si, nenhum juízo conclusivo mas sim um facto relevante: o conhecimento tido pela R., ora Recorrente, de que a edilidade já antes se vinculara a aceitar a construção construção de sete pisos acima da cota de soleira e que isso se traduzia em edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2, justamente como referido contratualmente como uma condição para pagamento do valor suplementar de 400.000,00€.

18 - O que a Recorrente pretende é trazer a sua análise jurídica quanto ao teor dos documentos constantes dos autos (e não impugnados) e na prova dos factos que sustentaram por tal não lhe interessar e por isso discordar. Haja honestidade intelectual!

19 - Com efeito, é insofismável que a R. tinha esse conhecimento e foi justamente isso que resultou provado.

20 - No tratamento jurídico da questão, os Exmos. Srs. Juízes-Desembargadores evidenciaram que a documentação junta aos autos e que a A., ora Recorrida, entregou à R., ora Recorrente, permitia a construção de 7 pisos acima da cota de soleira na Rua ... e que tal correspondia a 7.500 m2.

21 - Foi claramente afirmado que, ao arrepio do que se despudoramente se quer fazer crer, consta do documento n.º 5 junto com a p.i. que no documento camarário relativo ao Proc. n.º 417/20..., reporta em 4.5.5. que “em face da avaliação das volumetrias dominantes e da respectiva moda, a volumetria aceitável para a presente operação urbanística não deverá ultrapassar 7 pisos acima da cota de soleira” e, em 5.3. Que “a presente informação poderá ser revista, podendo viabilizar-se a presente operação urbanística desde que seja alterado o alvará de licenciamento do loteamento n.º 75/72 quanto ao uso permitido para o lote ...3, nos termos do disposto no ponto 4.5.1, e o projecto garanta o cumprimento dos pontos 4.5.5, 4.5.8, 4.6 e 4.7.1, deste parecer técnico.”.

22 - Sem margem para qualquer dúvida:

- a R., ora Recorrente, sabia “que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2.” e tal factualidade foi devidamente aditada e não respeita a nenhum conceito jurídico ou facto conclusivo.

- o referido documento consistiu na vinculação camarária de viabilização da volumetria pretendida (!!!) desde que .., fosse alterado o alvará de licenciamento do loteamento, matéria que nos ocupará adiante.

23 - A expressão edificação utilizada pelo tribunal respeita à alegação factual feita pelas partes, no caso, a A. e que tem sentido mundano que lhe é atribuído.

24 - Inexiste, pois, qualquer violação do disposto nos arts. 364.º, n.ºs 1, 4 e 5 do Código Civil (adiante, CC) ou dos arts. 607.º e 662.º, n.º 1, ambos do C.P. Civil.

25 - Pretende ainda R., ora Recorrente, sustentar um erro na decisão dos Venerandos Srs. Juízes-Desembargadores Relatores quanto à decisão de julgarem improcedente o pedido de ampliação do objecto do recurso formulado.

26 - É igualmente temerária a pretensão da Recorrente ao pretender que houve erro na decisão posta em crise por ter considerado que justamente a R., não apelada não deu cumprimento ao ónus de impugnação que sobre si impendia.

27 - A Recorrente pretendia, então, que fosse ampliado o conhecimento do recurso e que os factos 22, 27, 39, 44, 45 e 48 da factualidade dada como provada fossem dados como não provados.

28 - Porém, não deu cumprimento ao ónus devido como bem se observou no acórdão proferido: “É que, apesar de discorrer longamente sobre a sua discordância relativamente aos factos que indica, a apelada não cumpre o ónus que sobre ela impende de demonstrar que tais factos não resultaram provados, começando por reportar-se, como devia, à motivação da decisão recorrida, que mais não fosse na síntese em que refere que “… a prova dos pontos 1 a 5, 7, 18 a 23, 26 a 32, 34 a 38, 40 a 42, 44, 46, 47 e 48 resultam da prova documental referenciada em cada um, conjugada com o depoimento das testemunhas ouvidas” (cfr. acórdão recorrido, pág. 30).

29 - Na verdade, a Recorrente pretende ignorar o labor e juízo crítico da prova feito a cada ponto da matéria de facto, documentação que lhe serviu de base e prova testemunhal pois, não resistimos em citar “para além desta síntese lapidar, a motivação da decisão recorrida reporta o depoimento de uma das testemunhas em termos muito concretos”, o que a apelada ignora (e não a apelante).

30 - O que a Recorrente pretende é, mais uma vez, subverter as regras e poderes de cognição, em revista, do Supremo Tribunal de Justiça, ímpeto que merece veemente repúdio e um liminar juízo de improcedência do recurso também neste segmento.

31 - Apenas por mera cautela de patrocínio, dir-se-á ainda que o ponto 44 da matéria de facto resultou da correcta concatenação do documento de fls. 121 e da prova testemunhal produzida não sendo, pois, merecedora de qualquer reparo.

32 – No que respeita às críticas quanto à solução de direito constante da decisão posta em crise, a Recorrente sustenta um alegado erro na aplicação do direto, designadamente na interpretação das vontades negociais fetas ao abrigo do art. 236.º do CC, porém, sem razão.

33 - A decisão recorrida fez uma análise brilhante da interpretação a dar à vontade das partes tendo por base os factos dados como provados e o comportamento das partes na execução do contrato.

34 - Discorreu sobre o desiderato da claúsula contratual estabelecida (defeituosamente) pelas partes para, após, verificar pelo seu cumprimento.

35 - Dispõe o art. 236.º, n.º 1 do CC que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”

36- Como já se ventilou, é necessário ter em conta – aliás, como até foi pacificamente sustentado por todas as partes – que o PIP não teria a virtualidade de proceder à alteração de uso como pretendido pelas partes.

37 - O que A, ora Recorrida,. e R., ora Recorrente, pretendia com tal cláusula resultou cristalino da sua real vontade e comportamento! Daqui não há fugir!

38 – Por não saber dizer melhor, a Recorrida socorre-se do que tão brilhantemente foi deixado escrito pelo Tribunal da Relação de Lisboa:

39 - “Esta questão tem na sua base a cláusula sexta do contrato celebrado entre a apelante e a apelada, cujo cumprimento ocorreu pacificamente, excepto no que respeita a esta mesma cláusula.

40 - Como consta sob o número dos factos provados da sentença, a cláusula sexta tem o seguinte conteúdo: “(…) Caso a Primeira Outorgante em colaboração com a Segunda Outorgante, consiga aprovar na Câmara ... um Pedido de Informação Prévia (PIP) até ao dia 30 de Junho de 2019, garantindo a mudança de uso do terreno objecto deste contrato para residência de estudantes, com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 metros quadrados, a Primeira Outorgante terá de pagar mais 400 mil euros à Segunda Outorgante; (…)”

41 - A primeira questão interpretativa que a cláusula suscita, longamente presente nos articulados e no julgamento da 1ª instância, mas até agora incorrectamente abordada, poraquê analisada em perspectivas laterais, desviantes, tem a ver com o acordado Pedido de Informação Prévia.

Sobre o Pedido de Informação Prévia a que as partes contratantes se reportam duas asserções são pacíficas nos autos.

42 - A primeira é que o Pedido de Informação Prévia é um instrumento processual do urbanismo, previsto no art. 14.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo DEc. Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e nos termos do n.º 1 desse preceito legal tem o seguinte espectro de utilização: “ 1 - Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.”

43 - A segunda é que, para atingir o fim em vista pelas partes contratantes, qual, seja, a mudança do uso do prédio urbano e a área de construção, o instrumento processual a utilizar perante o órgão competente não era esse, mas sim um Pedido de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, como decorre dos factos sob os números 39 e 40 da sentença e do disposto nos art.ºs 27.º e 74.º do RJUE.

44 - A estas duas asserções podemos desde já, acrescentar uma outra, que dela decorre e que é pacífica entre as partes nestes autos, fazendo aliás parte dos conhecimentos de qualquer cidadão médio bem informado, e esta é que as partes não podem definir o instrumento processual de urbanismo a que recorrem para prosseguirem as suas pretensões.

45 - A primeira entropia na interpretação e aplicação desta cláusula sexta consiste, pois, em saber, o que é que as partes quiseram na realidade acordar e em termos técnicos jurídicos, qual foi o sentido das respectivas declarações negociais, como imposto pelo n.º 1, do art.º 236.º, do Código Civil, o qual, inserido na Subsecção do Código Civil relativa a Interpretação e integração, sob a epígrafe “Sentido normal da declaração” dispõe que: “ 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”

46 - Em face da cláusula sexta em que as partes contratantes exararam o seu desiderato e indicaram, aliás erradamente, o instrumento processual para o atingir, um declaratário normal colocado na posição de qualquer dos contraentes tomaria necessariamente o entendimento de que as partes quiseram atingir o fim em vista com o instrumento processual legal relativa ao urbanismo adequado, fosse ele o episodicamente referido Pedido de Informação Prévia (PIP) ou qualquer outro.

47 - A controvérsia relativa ao PIP fica, pois aqui e nestes termos, ou seja, na cláusula sexta do contrato as partes propuseram-se atingir a mudança do uso do prédio urbano e a área de construção a que se reportam, com o recurso ao instrumento processual legal de urbanismo que para esses fins se impunha.

48 - Se alguma réstia de dúvida interpretativa houvesse, cuja razoabilidade não vislumbramos, a mesma resulta esclarecida pelo próprio comportamento das partes em execução do contrato, como decorre dos números 29 a 44 da matéria de facto da sentença.

49 - Não obstante a clareza da interpretação em causa, importa referir que no âmbito do quadro legal aplicável, onde pontifica o citado art.º 236.º, do C. Civil, o facto sob o n.º 22, segundo o qual, “A R. colocou na redacção do contrato, que foi assinado pela A., que tais possibilidades resultassem da aprovação de um Pedido de Informação Prévia pela edilidade de ...”, se configura com lateral e inócuo, atento também o disposto no n.º 1, do art. 217.º, do C. Civil, não se vislumbrando qualquer fundamento para chamar aqui á colação a figura jurídica da reserva mental a que se reporta o art.º 2444.º, do C. Civil.”

50 - Como decorre dos números 24 a 44 da matéria de facto da sentença, o desiderato das partes relativo à alteração do uso do prédio urbano e á área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, com o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento.

51 - O tribunal recorrido interpretou, pois, correctamente a vontade das partes, a qual foi revelada na sua conduta e tudo isso tem respaldo na factualidade dada como provada.

52 - A Recorrente, em desespero, pretende que seja entendida a vontade das partes quanto a tal cláusula como, por um lado, efectuar uma alteração de uso de lote e, por outro, fazer aprovar um PIP, até ao dia 30/06/2019…

53 - A R., ora Recorrente despreza olimpicamente o elemento literal em que antes se apoiou para desprezar ainda mais as regras de interpretação das vontades negociais, designadamente a norma do art. 236.º, n.º 1 do CC devidamente dissecada e aplicada no acórdão em revista.

54 - A cláusula sexta do contrato (condições) foi cumprida na sua totalidade.

55 - É inelutável que as partes se obrigaram no sentido da A., ora Recorrida, garantir à R., ora Recorrente, uma determinada possibilidade de volumetria de construção e a possibilidade de alteração de uso.

56 - Mais: esta possibilidade é que justifica que a R., Recorrente, pagasse mais 400.000,00€ à A., Recorrida. Daqui não há fugir!

57 - E esta realidade, desejada pelas partes, verificou-se e para tal foi fulcral a conduta das partes no sentido de alcançarem tal desiderato.

58 - A Recorrente pretende fazer passar a ideia que a condição a verificar dependia de uma aprovação de um PIP que concretizasse a edificabilidade permitida e também a alteração de uso.

59 - Soçobra razão à Recorrente pois, por um lado, esta insiste em pretender verificar o cumprimento das condições dentro de uma ideia de interpretação da vontade das partes que não colhe; e

60 - Por outro lado, a verificação das condições – das garantias de possibilidade – de alcançar determinada volumetria de construção e alteração de uso resultaram evidentes: - do documento n.º 5 junto com a p.i. que no documento camarário relativo ao Proc. n.º 417/20..., reporta em 4.5.5. que “em face da avaliação das volumetrias dominantes e da respectiva moda, a volumetria aceitável para a presente operação urbanística não deverá ultrapassar 7 pisos acima da cota de soleira” e, em 5.3. Que “a presente informação poderá ser revista, podendo viabilizar-se a presente operação urbanística desde que seja alterado o alvará de licenciamento do loteamento n.º 75/72 quanto ao uso permitido para o lote ...3, nos termos do disposto no ponto 4.5.1, e o projecto garanta o cumprimento dos pontos 4.5.5, 4.5.8, 4.6 e 4.7.1, deste parecer técnico.” (cfr. acórdão recorrido).

61 - Sem margem para qualquer dúvida, o referido documento consistiu na vinculação camarária de viabilização da volumetria pretendida desde que fosse alterado o alvará de licenciamento do loteamento, repita-se, razão pela qual a garantia foi dada em tempo.

- com a afixação do edital, em 30 de Maio de 2019, a garantia de aprovação contratualmente ajustada entre as partes passou a verificar-se.

62 - Insiste-se e, novamente não sabendo dizer tão bem e de forma assertiva, na lição expendida no imaculado acórdão recorrido: “(…) o que as partes tiveram em vista não foi a própria aprovação da alteração de uso e da área de construção mas apenas que essa aprovação ficasse assegurada/garantida.

Ora, essa garantia de aprovação foi dada como edital da entidade competente a que se reporta o facto sob o n.º 44 da sentença, não na perspectiva em que a edilidade se tenha vinculado a uma aprovação futura, porque não é esse o efeito do processo de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, mas na perspectiva em que a publicação do edital pressupõe a conformidade técnica de alteração a que o mesmo se reporta.

E é, aliás, neste sentido que se deve interpretar o facto sob o n.º 44 quando mesmo se reporta a “aprovação” de alteração do alvará.”

63 – “A aprovação técnica vincula a deliberação subsequente, a qual só poderá divergir com fundamentação técnica melhor, a qual não se vislumbra porque nem alegada foi.

64 -Podemos, pois, concluir que, em 30 de Maio de 2019, tanto a aprovação da alteração de uso, como a área de construção estão já “garantidas”, tal como contratualmente estipulado pelas partes.” (cfr. acórdão citado).

65 - Assim definido o sentido e conteúdo das declarações dos contratantes, importa agora aquilatar do seu cumprimento.

66 - Como decorre dos números 24 a 44 da matéria de facto da sentença, o desiderato das partes relativo à alteração do uso do prédio urbano e á área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, com o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento.”

67 - As partes acordaram em que o citado desiderato relativo á alteração de uso e área de construção fosse atingido até ao dia 30 de Junho de 2019.

68 – “Não sendo controversa a data acordada e colocado o PIP no seu lugar acima referido, importa, todavia, precisar o desiderato em causa, ao que se reportam as expressões “consiga aprovar” e “garantindo”.

69 - Atentas tais expressões e também o disposto n.º n.º 1, do art. 17.º do RJUE, o que as partes tiveram em vista não foi a própria aprovação da alteração de uso e da área de construção mas apenas que essa aprovação ficasse assegurada/garantida.

70 - Ora, essa garantia de aprovação foi dada como edital da entidade competente a que se reporta o facto sob o n.º 44 da sentença, não na perspectiva em que a edilidade se tenha vinculado a uma aprovação futura, porque não é esse o efeito do processo de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, mas na perspectiva em que a publicação do edital pressupõe a conformidade técnica de alteração a que o mesmo se reporta.

71 - E é, aliás, neste sentido que se deve interpretar o facto sob o n.º 44 quando mesmo se reporta a “aprovação” de alteração do alvará.

72 - A aprovação técnica vincula a deliberação subsequente, a qual só poderá divergir com fundamentação técnica melhor, a qual não se vislumbra porque nem alegada foi.

73 - Podemos, pois, concluir que, em 30 de Maio de 2019, tanto a aprovação da alteração de uso, como a área de construção estão já “garantidas”, tal como contratualmente estipulado pelas partes.

74 - Como decorre do facto provado sob o n.º 50 da sentença e do documento de fls. 135 que reproduz, intitulado “4.º Aditamento ao Alvará de Licença de Loteamento n.º ...5/1972”, o aditamento/alteração ao Alvará de Loteamento, operando já as alterações prosseguidas pelas partes contratantes, foi decidido por deliberação tomada na 18.ª Reunião Ordinária (pública nos termos do disposto no art. 49.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro) de 18/09/2019 e só foi publicado em 3 de Fevereiro de 2020.

75 - Nos termos desse 4.º Aditamento, as alterações que as partes se propuseram apenas “garantir” foram “aprovadas” por deliberação camarária de 18/09/2019.

76 - Sendo insofismável que nesta data de 18/09/219 as alterações a que se reporta a cláusula sexta estão, não apenas “garantidas”, como até aprovadas, pode suscitar-se a dúvida sobre se m 30 de Maio essas alterações já estavam “garantidas”, tanto mais que, apesar desse tratar de matéria técnica da área do urbanismo e de os edis incorrerem em perda de mandato caso contrariem sem fundamento a respectiva proposta técnica, em teoria, poderão fazê-lo.

77 - E neste âmbito, a sentença recorrida, não destrinçando entre “garantir” a aprovação e a “aprovação” ela mesma, decidiu com base no entendimento de que a condição a que se reporta a cláusula sexta apenas ocorrei em 3 de Fevereiro de 2020.

78 - Como decorre do antes exposto e da exegese dos factos provados sob os n.ºs 44 e 50 da sentença, não sancionamos esse entendimento, mas porque a sentença em sindicância decidiu nesse sentido, não podemos deixar de abordar a questão de sabermos se, no caso de a “garantia” de aprovação não se ter consolidado em 30 de Maio de 2019, mas apenas em 18 de Setembro de 2019, com a aprovação, a condição se deve considerar como não cumprida uma vez que as partes acordaram a data de 30 de Junho de 2019.

79 - Sem embargo de se tratar de uma obrigação de prazo certo, a análise desta proposição deve ser feita na perspectiva do interesse do credor porque esta é a única que nos permite valorar a questão da relevância ou irrelevância da data no âmbito da própria cláusula.

80 - Ora, nesta perspectiva, não podemos deixar de considerar que o interesse do credor na prestação se mantém mesmo após 30 de Junho e que o mesmo foi satisfeito, por excesso 8aprovação mais que garantia) em 18 de Setembro, nada tendo sido aduzido em contrário, nomeadamente no que poderia respeitar à essencialidade da data acordada.

81 - Nestas circunstâncias, tendo sido atingido e até ultrapassado desiderato prosseguido pelas partes, tendo o prédio urbano em causa sido valorizado com a alteração de uso e aumento de área de construção, assim se encontrando plenamente assegurado o interesse do credor e encabeçando a apelada esse acréscimo de valor, conseguindo também com a acção da apelante, a invocação de data excedida, só por si, não deixaria de se reconduzir à figura do abuso de direito por não corresponder a um interesse digno de protecção legal, assim excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, como dispõe o art. 334.º, do C. Civil.

82 - Temos, pois, que concluir que também por esta via a condição a que se reporta a cláusula sexta teria ocorrido embora apenas em 18/09/2019.

83 - Não obstante, como também já referimos, nesta data o que ocorreu foi a própria aprovação, a qual já se encontrava garantida desde 30 de Maio, portanto, desde data anterior àquela que foi estipulada pelas partes.”

84 -A condição pretendida pelas partes foi, pois, observada.

85 - Uma última e pequena palavra para o teor do parecer junto aos autos, da autoria do Prof. João Miranda, cujos méritos intelectuais e catedráticos não são colocados em causa mas que, salvo o devido respeito – e é muito – no que tange às considerações jurídicas expendidas na consulta constante dos autos merece a nossa dura crítica.

86 - Por um lado, o parecer emitido é deselegante quanto aos Exmos. Srs. Juíz-Desembargadores ao referir-se a desconhecimento quanto quem sabe movido pelos impulsos de parcialidade na análise da sua questão olvida algo tão simples como isto:

87 - O PIP emitido junto aos autos (nos termos em que o foi) era e é vinculativo para um pedido de licenciamento que visse a ser entregue em cumprimento das condições nele definidas.

88 - O jurisconsulto esquece-se que as questões em apreço respeitam à interpretação das vontades negociais das partes como o Tribunal da Relação de Lisboa o entendeu para, após e em conformidade, verificar se as condições foram ou não satisfeitas tendo em conta o grau de garantia que fôra ajustado.

89 - Em síntese, a interpretação da declaração das vontades negocias q cumpria estabelecer e a posterior observação do cumprimento das condições em que as partes fundaram a decisão de contratar, ou seja, a verificação de garantias que justificassem o pagamento uma quantia pecuniária suplementar é indiscutível.

90 - Como bem se sumariou na decisão recorrida: (…)

“3. As partes contratantes não podem definir o instrumento processual legal de urbanismo a que recorrem para prosseguirem as suas pretensões. 4. Se no âmbito de um contrato, as partes acordaram em lançar mão de um Pedido de Informação Prévia para atingir o seu desiderato e posteriormente vieram a verificar que o procedimento que ao caso cabia era um Pedido de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 236.º, do C. Civil, deverá interpretar-se ter sido esse o sentido das respectivas declarações negociais. 5. Se o desiderato proposto foi atingido com o Pedido de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento deverá considerar-se cumprida a cláusula em que as partes se reportaram ao Pedido de Informação Prévia.””

91 - Assim, foi decidido e tal teor deve ser mantido, sendo negada a revista pretendida e confirmando-se, na totalidade, o acórdão recorrido e consequente condenação da R., ora Recorrida, no pagamento à A., ora Recorrente, da quantia de 400.000,00€, acrescida de juros vencidos e vincendos, como peticionado, até integral pagamento.

Assim decidindo farão V. Exas. a mais lídima JUSTIÇA!”.


*


O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Nos autos foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“A.1. provados os seguintes factos:

1. A A. é uma sociedade comercial que, entre outras, desenvolve a sua actividade no âmbito da compra, venda e revenda de imóveis; Cfr. Doc. 1.

2. A Lusocastelo Lda., aqui R., é uma sociedade que desenvolve a sua actividade, através da compra e venda de bens imobiliários, nomeadamente para construção de residências para estudantes; Cfr. doc. n°6.

3. Em 20 de Junho de 2018, a A. e a sociedade "A..." celebraram um contrato promessa de compra e venda com eficácia real mediante o qual a A. se obrigava a comprar o lote de terreno para construção, denominado lote ...3, sito na Alameda ..., Urbanização ... - Zona A, freguesia e concelho ..., com a área de 1.190 m2, propriedade da segunda, pelo valor de 850.000,00€ (oitocentos e cinquenta mil euros; Cfr. doc. n.° 2 (fls.19 v. e ss.).

4. Da cláusula nona do referido contrato consta: “O promitente comprador pode ceder a sua posição no presente contrato ou indicar um terceiro para a outorga da escritura pública de compra e venda”; Cfr. doc. n.° 2.

5. O contrato promessa de compra e venda foi objecto de um aditamento pelas partes tendo sido acordado novo prazo para outorga da escritura pública; Cfr. doc. n°3 (fls.23 e ss.).

6. Enquanto decorria o prazo para outorga da escritura pública, referido em 5, a A. tomou conhecimento que a sociedade “L... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, a qual pretendia a aquisição do imóvel para edificação de um empreendimento turístico, no caso, um hotel de três estrelas;

7. Para tal objectivo, a sociedade "L...” deu entrada de um Pedido de Informação Prévia (PIP), o qual deu origem ao Proc. n.° 417/20..., para indagar da viabilidade de construção do pretendido empreendimento para fins turísticos; Cfr. docs. n° 4 e 5 (fls.24 e ss).

8. A A. tinha já negociações praticamente concluídas com a sociedade “L...” quando travou conhecimento com a R. que podia estar interessada na aquisição do imóvel tendo como finalidade a construção de residências para estudantes;

9. A escritura de compra e venda do imóvel pela A. ou pela sociedade cessionária “L...” estava marcada para o dia 19 de Outubro de 2018, pelas 10h00;

10. A A. informou a Ré que tinha uma reunião marcada para o dia 16 de Outubro de 2018 com a sociedade “L...”, a qual serviria para ultimar os termos negociais pois esta reunião seria - como foi - precedida de uma reunião dos responsáveis da “L...” com os técnicos da Câmara Municipal ... para fazer um ponto de situação sobre o estado do Pedido de Informação Prévia (PIP);

11. Em 17 de Outubro de 2018, pelas 10h00 ocorreu reunião entre a A., representada pelo Dr. CC, o Sr. BB, AA, e a R, representada pelo Dr. DD.

12. O interlocutor BB tinha conhecimento das potencialidades de edificação do imóvel (lote ...3), tendo em conta o Pedido de Informação Prévia pendente pois acompanhara já a A.  em reuniões junto da Câmara Municipal ... e atestou todas essa informação à R., na pessoa do Dr. DD;

13. Nessa reunião o representante legal da A. fez a apresentação do terreno e das suas potencialidades, transmitindo e facultando à R. toda a informação e documentação relativa ao imóvel, designadamente: - as imagens de localização e do levantamento fotográfico; (doc.n.0 7) - as plantas de localização do Plano Director Municipal (PDM); Cfr. doc. n°8 - o alvará de loteamento n.° ...2; Cfr. doc. n°9 - a Informação n.° 1...9/7/DAU/FF/96.07.01; Cfr. doc. n.° 10 - o processo 10128/OP, aprovado em 18/09/2009; Cfr. doc. n.° 11 e 12 - a informação técnica da Câmara Municipal ..., de 18 de Junho de 2009, dirigida à sociedade então proprietária “A...”; Cfr. n.° 13 - o estudo volumétrico e a memória descritiva efectuada pelo Arq. EE, o qual apontava para a possibilidade de edificação de 8.341,00 m2 acima do arruamento da Rua Prof. Dr. Egas Moniz; Cfr. n.° 14; - o Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado pela “L...” e que deu origem ao Proc. n.° 417/20... Rua ...; Cfr. n.° 15.

14. A R. manifestou então o seu interesse na aquisição do imóvel mediante a cessão da posição contratual da A.

15. A R. questionou se a A. tinha em seu poder algum documento emitido pela Câmara Municipal ... que garantisse a possibilidade de alteração de uso do imóvel a edificar, de clínica para residências de estudantes, tendo o representante legal da A. dito que não dispunha de nenhum documento escrito que o previsse mas que tal alteração resultava da lei;

16. E informou ainda que tal lhe tinha sido já assegurado pelo Sr. Vereador, o Dr. FF e pelo Director do Urbanismo, o Arq. GG pelo que a possibilidade de edificação pretendida estava já assegurada e a alteração de uso também seria admitida;

17. A A. comunicou à R. que pretendia o valor de 2.500.000,00€ (dos quais 750.000,00€ seriam para entregar à sociedade “A...” enquanto proprietária do imóvel, tendo a R. contraposto o valor de 1.600.000,00€, proposta que teria de ser aceite até às 14h00 do dia 18 de Outubro de 2018;

18. A A. e a R. ajustaram que, pelo preço de 1.200.000,00€ (um milhão e duzentos mil euros), a R. assumia a posição de promitente compradora do imóvel pertencente à “A...”; cfr. doc. n.° 15.

19. Pode ler-se no contrato de cessão de posição contratual na sua cláusula quinta o seguinte: "(...) A Primeira Outorgante paga pela cessão da posição contratual referida na Cláusula anterior o preço de 1 200 000 euros (um milhão e duzentos mil euros), da seguinte forma: 1) 750 mil euros no acto da escritura pública de compra e venda a realizar no dia 19 de Outubro às 10 horas, valor que será pago à empresa A... Lda, actual dona do terreno; 2) 250 mil euros no acto da escritura referida no número anterior à ordem da Predialmarket 2 Lda. 3) Os restantes 200 mil euros serão pagos a Predialmarket2 Lda até ao dia 26 de Outubro de 2018. (...)”.

20. Do contrato de cessão da posição contratual celebrado, na sua cláusula sexta, resulta:

“(...) Caso a Primeira Outorgante em colaboração com a Segunda Outorgante, consiga aprovar na Câmara ... um Pedido de Informação prévia (PIP) até ao dia 30 de Junho de 2019, garantindo a mudança do uso do terreno objecto deste contrato para residência de estudantes, com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 metros quadrados, a Primeira Outorgante terá de pagar mais 400 mil euros à Segunda Outorgante; (...)” Cfr. doc.16.

21. A verificar-se a condição acima referida, estabelecia a cláusula sétima do contrato de cessão, que:"(...) Caso se verifique a situação referida na Cláusula anterior, o pagamento ali previsto terá de ser efectuado até 15 dias após a notificação da Câmara Municipal ... da aprovação do referido PIP. (...)”.

22. A R. colocou na redacção do contrato, que foi assinado pela A., que tais possibilidades resultassem da aprovação de um Pedido de Informação Prévia pela edilidade de ....

23. A R. e a sociedade ‘‘A...” celebraram a escritura de compra e venda do imóvel acima descrito e tal aquisição foi efectuada, no dia 19 de Outubro de 2018; Cfr. docs. n°18 e 19.

24. Logo após a aquisição do imóvel feita pela R., esta e a A., em concertação de esforços como ajustado, trataram de encetar as diligências necessárias com vista a alcançar a verificação da condição negocial pois da mesma resultaria valorização do prédio para a R. e a A. poderia receber o pagamento devido;

25. Tais diligências tinham em conta, todo o histórico documentado junto da Câmara Municipal ... e do qual foi dado prévio e pleno conhecimento pela A. à R.;

26. No momento em que a A. celebrou o contrato promessa de compra e venda com a “A...", o lote de terreno para construção estava autorizado para uso de clínica e tinha sido apresentado o pedido de licenciamento n.° 10128/OP para fim compatível de equipamento social (casa de saúde e casa de saúde com residências assistidas) (cfr. docs. n.°s 11 e 12).

27. Em 4 de Junho de 2009, no imóvel (terreno para construção) era possível a construção de edifício com seis pisos acima da cota de soleira e quatro em cave para estacionamento com a volumetria de 7.860,33 m2; Cfr. doc. n.° 9.

28. Em 26 Outubro de 2018, a Câmara Municipal ... informou, a propósito do Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado pela “L...”, que “o uso definido para o lote ...3 (clínica) não é compatível com o uso proposto”; Cfr. doc. n.° 20.

29. A edilidade informou ainda que “a viabilidade da presente operação urbanística ficará sempre condicionada à alteração do alvará de licenciamento do loteamento n.° 75/72 quanto ao uso definido para o lote ...3, devendo essa avaliação ser aferida no âmbito do respectivo procedimento administrativo.”; Cfr. doc. n° 20.

30. Ou seja: a Câmara Municipal ... informou que para a alteração de uso era necessário proceder ao pedido de alteração da licença do loteamento n.° 75/72; cfr. doc n.° 20

31. O município ... referiu ainda que em relação à volumetria de construção "a volumetria aceitável para a presente operação urbanística não deverá ultrapassar 7 pisos acima da cota de soleira” (cfr. doc. n.° 20) sendo que, de forma cumulativa...;

32."deverá ser garantido o cumprimento do art. 59.° do RGEU, quanto à definição do n.° de pisos e altura da fachada e edificação através do cumprimento da regra dos 45.° prevista nesta norma”; cfr. doc. n.° 20.

33. As partes ficaram cientes de tais informações;

34. A A. e a R., recorreram aos serviços do gabinete de arquitectos “T...” a fim de iniciar o procedimento de alteração do alvará de licença de loteamento, conforme consta da troca de emails entre A. e R.; Cfr. docs. n° 21 a 31.

35. Para tal, A. e R. ficaram cientes que a alteração de uso pretendida e para salvaguardar a hipótese de edificação de empreendimento hoteleiro ou de residências para estudantes coadunava- se melhor com o pedido de alteração para uso de actividades económicas; Cfr. doc. n.° 32.

36. Advertiu ainda o Arq. HH, por parte da edilidade, que deveria ser mencionado o número máximo de pisos (7) e que quanto à área de construção deveria ser mencionado que "a edificabilidade para o lote ...3 será determinada pelo n.° máximo de pisos e pela aplicação dos artigos 59.° e 60.° do RGEU, quanto à relação volumétrica do edifício com os edifícios dos lotes 10 ,16, 17 e 18.”; cfr. doc. n.° 32.

37. Terminou ainda sugerindo que fosse apresentado o respectivo estudo volumétrico e de implantação, "com base no estudo realizado pelos Serviços Técnicos no âmbito do processo n.° 417/20...”(cfr. doc. n.° 32), ou seja...

38....tendo por base a prévia avaliação da viabilidade de construção de sete pisos acima da cota de soleira e que garantia a volumetria de construção contratualmente estabelecida como condição (cfr. doc. n.° 20).

39. A R. ficou então ciente e esclarecida que a alteração de uso pretendida teria que ser feita mediante a alteração à licença de loteamento já existente.

40. Assim, em 25 de Fevereiro de 2019, a R., em concertação de esforços com a A., deu entrada na Câmara Municipal ... do pedido de alteração à licença de loteamento n.° ...2 para efeitos de alteração de uso de "clínica” para "actividades económicas”; Cfr. doc. n°33.

41. Na apreciação liminar de tal pedido, foi considerado que havia sido apresentado um PIP -Proc. n.° 47/20...-sobre a viabilidade de construção de uma edificação para construção de um edificação para empreendimento turístico-hotel 3 *, conforme documento junto a fls.112 e ss. (fls113);

42. Em adenda à memória descritiva apresentada, a R., em concertação de esforços com a A., no dia 15 de Abril de 2019 efectuou a rectificação quanto ao número de pisos a edificar; Cfr. doc. n.° 35.

43. O pedido apresentado ficou instruído, aguardando apenas a decisão camarária quanto à pretendida alteração de uso e fixação da limitação altimétrica de construção de 7 pisos acima de cota de soleira.

44. No dia 30 de Maio de 2019, foi afixado o edital camarário onde foi dado conhecimento público da aprovação de alteração do alvará de licença de loteamento n.° ...2 (Proc. n.° ...87...) no que respeita à alteração de uso de clínica para actividades económicas e a clarificação quanto à limitação altimétrica do edifício relativamente às construções envolventes com a introdução do número máximo de sete piso; Cfr. edital-doc. n.° 36;

45. A A. deu conhecimento à R. da verificação da condição contratual ajustada em face da alteração de uso que permite a edificação de residências para estudantes e a possibilidade de volumetria de edificação superior a 7.500 m2 acima do arruamento da Rua ....

46. A A. interpelou formalmente a R. quanto à verificação da condição contratual prevista e consequente pagamento ajustado; Cfr. carta registada com aviso de recepção junta como doc. n.° 37

47. A A. enviou igualmente idêntica interpelação à R., através de email remetido ao sócio-gerente, Dr. DD; Cfr. doc. n° 38.

48. A R. respondeu à A. alegando não ter qualquer notificação formal por parte da Câmara Municipal ... relativa à aprovação do Pedido de Informação Prévia (PIP) que garantisse a mudança de uso do imóvel e a possibilidade de edificação mínima de 7.500 m2 acima do arruamento da Rua ...; Cfr. doc.n.0 39.

49. O procedimento para alteração de uso não era o Pedido de Informação Prévia (PIP) mas sim - como sucedeu - o pedido de alteração do alvará de licença de loteamento;

50. O aditamento ao alvará de loteamento alterando a especificação do uso de “clinica” para “actividades económicas” data de 3 de Fevereiro de 2020. Cfr. fls.136.

51.[aditado pelo Tribunal da Relação] -A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2.

A.2. Não provados os seguintes factos:

1.[alterado pelo Tribunal da Relação] -O Pedido de Informação Prévia ainda vigente, Proc. n.° 47/20..., permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”,

2. A condição estabelecida, determinava aprovação de um Pedido de Informação Prévia;

3. Na sequência da comunicação de 26 de outubro de 2018 da Câmara Municipal ..., a R. tomou conhecimento que a viabilização da operação urbanística pretendida implicaria “alteração do alvará de licença do loteamento 75/72, quanto ao uso para o lote ...3”;

4. Em 30 de Maio de 2019, foi aprovada a alteração do uso do imóvel”.


*


Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

No caso em análise questiona-se:

- Alteração, pelo Tribunal recorrido, da matéria de facto – aditamento do facto 51 aos provados.

E saber se se trata de matéria de facto ou se contém juízo valorativo e conclusivo;

Saber se se trata de matéria apenas suscetível de ser provada por documento;

Saber se houve violação dos arts. 2º e 17º, do RJUE.

- Não conhecimento da ampliação requerida ao objeto do recurso de apelação.

- Erro de direito relativamente à solução jurídica aplicada pelo acórdão recorrido.

Saber se houve violação do disposto nos arts. 236º a 238º do Código Civil relativamente à interpretação do conteúdo da clausula VI do contrato;

Saber se os factos provados, nomeadamente o 29 a 44 suportam a interpretação seguida pelo acórdão recorrido.

- Erro de direito ao julgar-se cumprida a condição constante da referida clausula VI.


*


- Alteração, pelo Tribunal recorrido, da matéria de facto – aditamento do facto 51 aos provados.

O facto 51º acrescentado pelo Tribunal recorrido, que constituía parte do 1º dos não provados, ficou com a seguinte redação:

“A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”.

A alteração resultou de, como consta do acórdão recorrido: “Analisados os depoimentos, declarações e documento em causa, tendo presente a motivação da decisão recorrida, constatamos que a testemunha AA foi ouvida a essa matéria tendo, além do mais, declarado “...passei os olhos por um processo que tinha o timbre da Câmara, em que dizia que já estava de alguma forma aprovada a construção para 7.800. Portanto, essa questão ...para mim era um dado adquirido".

Por sua vez, a testemunha BB, depois de ter referido “tinha um dossier completo...ele viu-o...mas o essencial foi-lhe dito ali...e eu percebi que o Dr. DD era uma pessoa que se apercebe facilmente e que está habituado a todo este conjunto de trâmites das Câmaras e leu rapidamente a documentação...", reportando-se à quantia e € 400 000,00, refere também que “Era a garantia de que a área de construção tinha de ter pelo menos 7.500 m2".

O declarante CC, depois de referir que “Eu apresentei toda a documentação, porque eu tinha andando a tratar de todos os aspetos burocráticos e ... e todas as viabilidades de construção, seja com o vereador, seja com o diretor do urbanismo, seja com os técnicos da Câmara. E, portanto, sabia tudo acerca da Câmara e fiz uma apresentação como deve ser, porque eu tinha aquilo na ponta da língua...”, acrescenta que “...Eu passei a informação ... que a Câmara estava a elaborar um estudo volumétrico, estava a responder a um PIP para um hotel... e que, propriamente, ele já sabia, a L..., que iria admitido com os sete pisos...’’, e concluiu “...foi isso que eu pedi sempre ao vereador e ao diretor do urbanismo, veio, ele veio-me dizer que mais de sete pisos que não era possível. Portanto, que a Câmara tinha parado nos sete pisos”.

Por sua vez, o documento n.° 5 junto com a petição, relativo ao Proc. n.° 417/20..., reporta em 4.5.5 que “Em face da avaliação das volumetrias dominantes e da respectiva moda, a volumetria aceitável para a presente operação urbanística não deverá ultrapassar 7 pisos acima da quota de soleira", e em 5.3 que “A presente informação prévia poderá ser revista, podendo viabilizar-se a presente operação urbanística desde que seja alterado o alvará de licenciamento do loteamento n.° 75/72 quanto ao uso permitido para o lote ...3, nos termos do disposto no ponto 4.5.1, e o projeto garanta o cumprimento dos pontos 4.5.5, 4.5.8., 4.6 e 4.7.1, deste parecer técnico".

As citadas declarações, depoimentos e documento, não permitem declarar provado o facto sob o n.° 2 dos factos não provados em toda a sua dimensão e complexidade, mas também não permitem corroborar o julgamento a 1a instância e sua motivação, de que não foi feita prova bastante, desde logo porque esse julgamento entra em contradição ou, pelo menos, em dislexia com os factos provados sob os números 7,11, 12, 13, 15, 16, 29, 31, 32, 38 e 41 a 44 da sentença.

Não foi feita prova de que o Pedido de Informação Prévia em causa estivesse "vigente" porque foi atendido e consequentemente não foi feita prova de que o mesmo permitia edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2, mas foi feita prova de que o Município se tinha proposto aceitar a construção de sete pisos acima da cota de soleira, que isso se traduzia em edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2 e que á R ficou a saber isso na reunião de 17 de outubro de 2018, a que se reportam os factos provados sob os n.°s 11 e 12.

Ou seja, em relação ao facto não provado sob o n.° 1, articulado em 15 a 18 e 92 da petição, impugnados na contestação, os factos tidos como assentes sob os números 7, 11, 12, 13, 15, 16, 29, 31, 32, 38 e 41 a 44 da sentença e as declarações, depoimentos, documento n.° 5 e restantes documentos reportados nos indicados números da matéria de facto, determinam que resulta provado”.

Verifica-se que o Tribunal da Relação alterou este facto, incluindo-o nos provados, fazendo uso dos poderes que lhe competem, como determina o nº 1 do art. 662º, do CPC.

E passar a constar que “A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”, é matéria de facto perfeitamente entendível para qualquer cidadão normal que lide com questões de urbanismo, loteamentos, projetos de construção e construção propriamente dita.

O facto mais não diz que a ré tinha conhecimento que a entidade competente para autorizar a construção e volumetria da mesma, em determinada área ou zona, permitia a construção, naquele local específico, com a dimensão pretendida pelos contraentes.

É certo que a matéria de facto apenas pode integrar acontecimentos ou factos concretos, mas não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Mas naquele facto não estão integrados conceitos normativos nem encerra juízos conclusivos e não é o termo “edificação”, perfeitamente entendível por qualquer cidadão comum, que faz com que o termo encerre apenas um conceito jurídico/normativo. O termo encontra-se enraizado no vocabulário do povo e, edificação permitida mais não é que construção permitida.

E não é pelo facto de o RJUE no art. 2º dizer o que se deve entender por “edificação” que vai alterar o sentido.

“a - «Edificação», a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.

E o art. 17º dizer que “1 - A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia”.

São conceitos técnicos que concretizam uma realidade de facto, mas não são conceitos jurídico/normativos nem encerram conclusões. Mas, ainda que contivesse componente conclusiva, resulta que também contem um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão que o Tribunal da Relação teve como justa, pois que serviu para alterar o sentido da decisão em relação à da 1ª Instância.

E este STJ já entendeu, no acórdão de 13/11/2007, processo n.º 07A3060 que “Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder‑se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar‑se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas” (sublinhado nosso).

Sendo que o afirmado neste acórdão ainda faz mais sentido face ao atual CPC.

Salienta Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao Acórdão do STJ de 28/9/2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1, in  Blog IPPC, Jurisprudência 784 que, ““Lembre-se, a este propósito, que, enquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra (…)

A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte atuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há-de afetar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há-de afetar a sua prova). O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorreta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objeto de prova. A ideia é, efetivamente, incorreta, porque cabe perguntar como é que sem a prova do dolo (através dos respetivos factos probatórios) se pode aplicar, por exemplo, o disposto no art. 483.º, n.º 1, CC quanto à responsabilidade por facto ilícito. É claro que o preceito só pode ser aplicado se, no caso de o dolo ser um facto controvertido, houver prova desse facto. Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto”.

E também não se vislumbra porque demonstrar-se que a ré sabia daquela situação, sabia qual a área e volumetria de construção era permitida naquele local se trata de matéria apenas suscetível de ser provada por documento. A ré poderia ter tomado conhecimento por qualquer meio.

Assim que improcede o recurso neste segmento.


*


- Falta de conhecimento, pelo Tribunal recorrido, da ampliação requerida ao objeto do recurso de apelação.

No acórdão recorrido justifica-se o não conhecimento da matéria da ampliação do âmbito do recurso a requerimento da recorrida, nos seguintes termos:

“4) Quanto à quarta questão, relativa à ampliação do recurso, a saber, se os números 22 e 39, 44, 45, 48 e 27 dos factos provados da sentença devem ser declarados não provados.

Em relação à ampliação do objeto da apelação, por pertinente e imprescindível, não podemos deixar de reproduzir aqui o que em traços largos foi expendido no âmbito da questão segunda da apelação relativamente ao paradigma legal da impugnação da decisão em matéria de facto.

É que, apesar de discorrer longamente sobre a sua discordância relativamente aos factos que indica, a apelada não cumpre o ónus que sobre ela impende de demonstrar que tais fatos não resultaram provados, começando por reportar-se, como devia, à motivação da decisão recorrida, que mais não fosse na síntese em que refere que “...a prova dos pontos 1 a 5, 7, 18 a 23, 26 a 32, 34 a 38, 40 a 42, 44, 46, 47, 48, resultam da prova documental referenciada em cada um, conjugada com o depoimento das testemunhas ouvidas".

Para além desta síntese lapidar, a motivação da decisão recorrida reporta o depoimento de cada uma das testemunhas em termos muito concretos, que a apelante ignora de todo na sua apelação, como a título de mero exemplo acontece com o facto sob o n.° 39, facto pessoal da apelada, e sobre o qual o Director do Departamento do Urbanismo da Câmara Municipal ..., declarou “...ter intervindo no processo de alteração do uso constante do alvará de loteamento de “clínica” para actividades económicas. Referiu que este pedido de alteração foi apresentado pela Ré e veio a dar origem ao aditamento ao alvará de loteamento que se mostra junto a fls.136” e que a apelada silencia, apesar de se reportar longamente ao depoimento da testemunha.

Nestas condições, não tenho a apelada cumprido o ónus que sobre ela decorre das ais, b) e c), do n.° 1, do art.° 641.°, e do n.° 1, do art.° 662.°, ambos do C. P. Civil, não pode deixar de improceder a sua pretensão de alteração da decisão em matéria de facto.

Sintetizando, o acórdão recorrido não conheceu esta matéria porque entendeu que a apelada não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de demonstrar que aqueles fatos não resultaram provados.

O art. 640º do CPC impõe ao recorrente que (aplica-se ao recorrido que requer a ampliação do âmbito do recurso) concretize os meios probatórios que impõem decisão diversa, ou seja, o recorrente, sob pena de rejeição, devia ter indicado quais os meios probatórios que impunham que aqueles factos fossem julgados não provados.

Se o Tribunal entendeu que a recorrida no requerimento de ampliação não cumpriu aquele ónus em relação a todos os factos que pretendia fosse alterado o seu sentido, não tinha de repetitivamente o dizer em relação a cada facto impugnado.

Não era imposto “ao tribunal a quo que, à semelhança do que fez na apreciação do cumprimento deste ónus por parte do apelante, apreciasse fundamentadamente o alegado incumprimento do ónus de impugnação por referência a cada um dos factos sobre os quais pretendia a apelada que fosse modificada a decisão de facto, ao invés de, como fez, decidir pela improcedência da ampliação tout court, relativamente a todos os factos”, como entende a ora recorrente.

A apelada e ora recorrente apenas se pronunciou contra a convicção do Tribunal, dela discordando, pois que, entende que não se fez prova daqueles factos.

Agora acentua os pontos de facto nºs 44º e 45º, dizendo que a sentença era omissa quanto à fundamentação da matéria do ponto 45º e em relação ao ponto 44º, havia alegado que apenas podia ser provado por documento e que evidenciava a incongruência entre a matéria deste ponto 44º e a do ponto nº 50º.

Sob estes pontos diz a apelada requerente da ampliação na sua alegação:

O facto 44 dos factos provados foi incorrectamente julgado pelo tribunal a quo porquanto os meios probatórios aptos a produzir a sua prova impõem que se dê como não provado que” e, “não só não se mostra fundamentado em que depoimento possa ter assente tal convicção”.

Porém, em momento algum evidencia porquê vários pontos da matéria de facto só podem ser provados por documento.

Vista a sentença é certo que na fundamentação da matéria de facto, certamente por lapso nada se diz em relação ao facto 45º.

Mas tal circunstância acarretaria eventual nulidade por omissão de pronuncia ou por não especificação dos fundamentos que justificavam a decisão, mas não sendo alegada como nulidade, o entendimento de que configurava erro de direito na fixação dos factos, não dispensava a apelada do cumprimento do ónus de concretização dos meios probatórios que impunham decisão diversa em relação àqueles factos.

Assim que concordamos com a decisão de incumprimento do ónus imposto pelo art. 640º, do CPC.

Improcedendo o recurso neste segmento.

Relativamente à alegada incongruência entre os factos provados 44º e 50º, infra nos pronunciaremos.


*


- Erro de direito relativamente à solução jurídica aplicada pelo acórdão recorrido.

Entende a recorrente que mesmo com a matéria de facto constante dos autos como provada, a solução de direito devia ser outra, ou seja, a absolvição da ré.

Que é incorreta a interpretação feita relativamente ao conteúdo da clausula VI do contrato, verificando-se violação do disposto nos arts. 236º a 238º do Código Civil.

É do seguinte teor a referida clausula VI: “Caso a Primeira Outorgante em colaboração com a Segunda Outorgante, consiga aprovar na Câmara ... um Pedido de Informação prévia (PIP) até ao dia 30 de Junho de 2019, garantindo a mudança do uso do terreno objecto deste contrato para residência de estudantes, com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 metros quadrados, a Primeira Outorgante terá de pagar mais 400 mil euros à Segunda Outorgante;”.

Escreveu-se na sentença que, “Analisando a cláusula sexta do contrato de cessão, devemos desde logo concluir, que as partes não escreveram o que na realidade pretendiam. O que a Ré pretendia era, que a A. diligenciasse pela alteração do uso do alvará de forma a permitir-lhe edificar no locado residências para estudantes e isso, conforme já se anotou apenas se alcança através da alteração do alvará”.

E diz o acórdão recorrido: “Sobre o pedido de informação Prévia a que as partes contratantes se reportam duas asserções são pacíficas nos autos.

A primeira é que o Pedido de Informação Prévia, é um instrumento processual do urbanismo, previsto no art.° 14.° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo Dec. Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro (…)

A segunda é que, para atingir o fim em vista pelas partes contratantes, qual seja, a mudança do uso do prédio urbano e a área de construção, o instrumento processual a utilizar perante o órgão competente não era esse, mas sim um Pedido de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, como decorre dos factos sob os números 39 e 40 da sentença e do disposto nos art.°s 27.° e 74.° do RJUE”.

E acrescenta: “A primeira entropia na interpretação e aplicação desta cláusula sexta consiste, pois, em saber, o que é que as partes quiseram na realidade acordar e em termos técnico jurídicos, qual foi o sentido das respectivas declarações negociais, como imposto pelo n.° 1, do art.° 236.°, do Código Civil, o qual, inserido na Subsecção do Código Civil relativa a Interpretação e integração, sob a epígrafe “Sentido normal da declaração" dispõe que:

“1. A declaração negociai vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele".

Em face da cláusula sexta em que as partes contratantes exararam o seu desiderato e indicaram, aliás erradamente, o instrumento processual para o atingir, um declaratário normal colocado na posição de qualquer dos contraentes tomaria necessariamente o entendimento de que as partes quiseram atingir o fim em vista com o instrumento processual legal relativa ao urbanismo adequado, fosse ele o episodicamente referido Pedido de Informação Prévia (PIP) ou qualquer outro.

A controvérsia relativa ao PIP fica, pois, aqui e nestes termos, ou seja, na cláusula sexta do contrato as partes contratantes propuseram-se atingir a mudança do uso do prédio urbano e a área de construção a que se reportam, com o recurso ao instrumento processual legal de urbanismo que para esses fins se impunha.

Se alguma réstia de dúvida interpretativa houvesse, cuja razoabilidade não vislumbramos, a mesma resulta esclarecida pelo próprio comportamento das partes em execução do contrato, como decorre dos números 29 a 44 da matéria de facto da sentença.

(…)

Como decorre dos números 24 a 44 da matéria de facto da sentença, o desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, com o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento”.

Refere o acórdão deste STJ de 12-06-2012, proferido no Proc. nº 14/06.7TBCMG.G1.S1 que, “I - O apuramento da vontade real das partes, no quadro da interpretação dos negócios jurídicos, apenas constitui matéria de direito – sujeita ao controle do STJ – quando, sendo ela desconhecida, devam seguir-se, para o efeito, os critérios fixados nos arts. 236.º a 238.º do CC.

II - As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).

III - Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real”.

Das clausulas do contrato, bem como dos demais factos provados resulta que as partes quiseram encontrar um fundamento desbloqueador que lhes permitisse atingir as finalidades previstas que era conseguirem que a Câmara ... aprovasse a construção, permitisse a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2, assim como a alteração de uso, tendo, agora, como finalidade a construção de residências para estudantes.

Os representantes das partes contraentes, erroneamente pensavam que o conseguiam com a formulação de um Pedido de Informação Prévia (PIP), mas não era desse modo que obteriam a finalidade pretendida, mas sim com a alteração do alvará de loteamento.

Mas a indicação na clausula de um (PIP) era apenas o meio entendido pelos contraentes como correto para a obtenção do resultado final que era a autorização pela Câmara da mudança do uso do terreno objeto do contrato para residência de estudantes e, com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 metros quadrados. Quando souberam que formular um PIP não era o meio correto, as partes adotaram o procedimento correto para chegarem ao fim pretendido.

Este é também o entendimento expresso no parecer junto pela recorrente, no qual é referido, “Em face da cláusula sexta em que as partes contratantes exararam o seu desiderato e indicaram, aliás erradamente, o instrumento processual para o atingir, um declaratário normal colocado na posição de qualquer dos contraentes tomaria necessariamente o entendimento de que as partes quiseram atingir o fim em vista com o instrumento processual legal relativa ao urbanismo adequado, fosse ele o episodicamente referido Pedido de Informação Prévia (PIP) ou qualquer outro”.

Assim temos como correta a interpretação feita acerca do sentido da declaração integrada naquela clausula VI.

E os factos provados, nomeadamente o 29 a 44 suportam esta interpretação e confirmam-na, pois, as partes diligenciaram pela alteração da licença do alvará quando souberam que a pretensão não era conseguida com apresentação de um PIP, e por isso, conforme facto provado nº 40, “a R., em concertação de esforços com a A., deu entrada na Câmara Municipal ... do pedido de alteração à licença de loteamento n.° ...2 para efeitos de alteração de uso de "clínica” para "actividades económicas”.

Mas não podemos concluir como no acórdão recorrido onde se refere: “Como decorre dos números 24 a 44 da matéria de facto da sentença, o desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita foi atingido em pleno, com o recurso ao meio processual legal de urbanismo adequado, que era e foi a Alteração à Licença e Alvará de Loteamento”, concluindo apenas que o modo de atingir o desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita, só podia ser atingido (e não que foi atingido) através do pedido de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento.

Saber se o desiderato das partes relativo à alteração de uso do prédio urbano e à área de construção que nele podia ser feita foi, ou não, atingido em pleno, será analisado infra fazendo a análise da Clausula VI e saber se houve, ou não, cumprimento integral da condição.

Assim que, não houve violação interpretativa do estatuído nos arts. 236º a 238º, do Código Civil.

O sentido da interpretação exposta era o que um declaratário normal teria, se interveniente fosse num contrato com clausula idêntica.


*


Cumprimento integral da condição constante da referida clausula VI:

Fazia parte da condição a verificação da mesma em certo prazo, garantir a mudança do uso do terreno objeto do contrato para residência de estudantes e com a volumetria pretendida até ao dia 30 de junho de 2019.

E está provado que a R., em concertação de esforços com a A., no dia 15 de Abril de 2019 efetuou a retificação quanto ao número de pisos a edificar, sendo o pedido instruído e apresentado à Câmara, ficando a aguardar a decisão camarária quanto à pretendida alteração de uso e fixação da limitação altimétrica de construção de 7 pisos acima de cota de soleira.

E provado, textualmente:

44. No dia 30 de Maio de 2019, foi afixado o edital camarário onde foi dado conhecimento público da aprovação de alteração do alvará de licença de loteamento n.° ...2 (Proc. n.° ...87...) no que respeita à alteração de uso de clínica para actividades económicas e a clarificação quanto à limitação altimétrica do edifício relativamente às construções envolventes com a introdução do número máximo de sete piso; Cfr. edital-doc. n.° 36;” (sublinhado nosso).

Mas também está provado, textualmente:

50. O aditamento ao alvará de loteamento alterando a especificação do uso de “clinica” para “actividades económicas” data de 3 de Fevereiro de 2020. Cfr. fls.136” (sublinhado nosso).

A condição ficou cumprida com a publicitação feita través do edital camarário afixado em 30 de maio de 2019 ou, só ficou cumprida em 3 de fevereiro de 2020, data do aditamento ao alvará?

Estes dois pontos da matéria de facto revelam-se contraditórios entre si.

Se antes de 30 de maio de 2019 houve aprovação da alteração do alvará de loteamento nº ...2, essa alteração tinha de constar do respetivo alvará já alterado.

A publicitação feita através de edital referido no ponto 44º dos factos provados visa dar cumprimento ao estatuído no art. 27º, nº 3 do RJUE.

Dispõe o art. 27º do RJUE (Dl. nº 555/99, de 16 de dezembro), com a epígrafe «Alterações à licença», nos seus nºs 1 e 3, que:

“1 - A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias”.

Face ao que diz este preceito legal, em 30 de maio de 2019, quando foi afixado o edital camarário, pelo mesmo não podia ter sido dado conhecimento público da aprovação da alteração do alvará de licença de loteamento n.° ...2 (Proc. n.° ...87...) no que respeita à alteração de uso de clínica para atividades económicas e a clarificação quanto à limitação altimétrica do edifício relativamente às construções envolventes com a introdução do número máximo de sete piso, porque essa aprovação ainda não existia legalmente. Face ao teor do edital, poderia haver expetativas fortes e fundamentadas de que a aprovação era viável e viria a ocorrer, salvo ponderáveis não previstas, mas não passava de expetativa, ou seja, ainda não havia aprovação.

Embora podendo ser previsível que não viesse a haver obstáculo legal à aprovação da alteração á licença de operação de loteamento, essa alteração carecia de ser aprovada, ou seja, a Câmara Municipal teria de deferir o pedido e emitir a alteração à licença de operação de loteamento requerida, caso se verificassem cumpridos todos os demais pressupostos legais aplicáveis.

Não havendo oposição escrita, deverá a alteração ser deferida se cumprir todos os demais trâmites legais aplicáveis.

A não oposição escrita não é um requisito da instrução da alteração à licença de loteamento, a oposição consubstanciar-se-á (se vier a existir), numa causa de indeferimento da alteração pedida.

 E não pode haver licença aprovada, ou aprovação da alteração, quando ainda pode vir a ocorrer causa de indeferimento do pedido.

E, não existindo causa de desaprovação, mesmo assim, necessário se tornava para a consumação da alteração a deliberação e aprovação pela Câmara e concessão da respetiva licença.

Situação que o facto 51º dos provados "1. A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2", introduzido pelo Tribunal da Relação não resolve, pois que, desconhece-se quando ocorreu a tomada de conhecimento pela ré de que fora autorizada a construção com aquela volumetria.

O Tribunal recorrido parece ter dado conta da questão, ao referir: “Ora, essa garantia de aprovação foi dada com o edital da entidade competente a que se reporta o facto sob o n.° 44 da sentença, não na perspectiva em que a edilidade se tenha vinculado a uma aprovação futura, porque não é esse o efeito do processo de Alteração à Licença e Alvará de Loteamento, mas na perspectiva em que a publicação do edital pressupõe a conformidade técnica da alteração a que o mesmo se reporta.

E é, aliás, neste sentido que se deve interpretar o facto sob o n.° 44 quando o mesmo se reporta a “aprovação” de alteração do Alvará.

A aprovação técnica vincula a deliberação subsequente, a qual só poderá divergir com fundamentação técnica melhor, a qual se não vislumbra porque nem alegada foi.

Podemos, pois, concluir que, em 30 de maio de 2019, tanto a aprovação da alteração de uso, como a área de construção estão já “garantidas”, tal como contratualmente estipulado pelas partes”.

Mas não é viável a interpretação dada pelo Tribunal recorrido ao conteúdo do facto 44º dos provados. Aí se diz que o edital afixado dava conhecimento público da aprovação de alteração do alvará de licença de loteamento e não, que dava conhecimento público de garantia de aprovação da alteração, como interpreta a Relação.

Basta analisar o conteúdo do edital.

Mas a interpretação dada pela Relação, de que bastava garantir a alteração pretendida e que em 30 de maio de 2019, tanto a aprovação da alteração de uso, como a área de construção estão já “garantidas”, não satisfaz a condição incluída na clausula VI.

Reproduzimos de novo o teor da referida clausula VI: “Caso a Primeira Outorgante em colaboração com a Segunda Outorgante, consiga aprovar na Câmara ... um Pedido de Informação prévia (PIP) até ao dia 30 de Junho de 2019, garantindo a mudança do uso do terreno objecto deste contrato para residência de estudantes, com uma área de construção acima do arruamento da Rua ... mínima de 7500 metros quadrados, a Primeira Outorgante terá de pagar mais 400 mil euros à Segunda Outorgante;”.

Da clausula resulta que era necessário que a Câmara aprovasse (consiga aprovar na Câmara), fosse através de um PIP ou através de outro instrumento como acima se concluiu, e essa aprovação seria a garantia segura, acordada pelas partes, de que a mudança de uso do terreno operaria.

Daí a relevância da data da aprovação da alteração do alvará de licença de loteamento, sendo contraditórios os factos 44º e 50º provados. Ou incongruentes, como indica a recorrente.

Nos termos do disposto no art. 662º, nº 2 al. c), do CPC, a Relação, mesmo oficiosamente, deve anular a decisão da 1ª Instância quando repute contraditória a decisão sobre ponto determinado da matéria de facto.

Podendo a Relação substituir-se à 1ª Instância se dispuser dos elementos necessários, conforme preceitua o art. 665º, do mesmo CPC.

Mas não o pode fazer este STJ, pois que o nº 2 do art. 682º, do CPC, preceitua que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no nº 3 do art. 674º”.

Assim entendeu o Ac. desta Secção, de 24-05-2022, no Proc. nº 824/17.0T8MFR.L1.S1, onde se refere: “I. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (cf. artigo 662.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), a não ser nas hipóteses previstas no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, situações que  não foram invocadas e não estão em causa no caso.

II. Sendo a prova livremente apreciadas pelo julgador, o pretenso erro de julgamento cometido pela Relação escapa aos poderes cognitivos do STJ no domínio da matéria de facto”.

Mas assim não é no caso de se entender que ocorre contradição na decisão da matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito, o STJ deve devolver o processo ao tribunal recorrido, como preceitua o nº 3, do referido art. 682º.

É que a regra da substituição prevista no art. 665º do CPC não funciona na revista (tal artigo não figura na remissão feita pelo art. 679º do CPC).

Nesta conformidade, embora o STJ só possa conhecer de matéria de direito e da aplicação do regime jurídico aos factos provados pelas Instâncias, considera-se que a descrita contradição e obscuridade entre a factualidade provada torna, só por si, inviável a solução de direito, pois que é contraditória a data em que a Câmara ... aprovou a alteração do alvará de licença de loteamento, desconhecendo-se a data concreta em que a ré teve conhecimento dessa aprovação ou de que estava garantida essa aprovação.

Configura-se, pois, a situação excecional a que alude a parte final do n.º 3 do art. 682º CPC, impondo-se o uso da faculdade aí contemplada, com vista à sanação da aludida contradição/ambiguidade, ficando, por ora, prejudicada a decisão jurídica do pelito.

Assim que deve ser revogado o acórdão recorrido, por necessidade de sanação da contradição apontada.

Só depois de sanada a contradição nos factos apontados poderá vir a constituir-se base suficiente para uma criteriosa decisão de direito, pelo que, deve o mesmo ser submetido a julgamento em harmonia com o regime jurídico supra-enunciado, se possível pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento, conforme o nº 1 do art. 683º, do CPC.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I - Constar como facto provado que “A R. sabia que a Câmara Municipal permitia a edificação acima do arruamento da Rua ... superior a 7.500 m2”, é matéria de facto perfeitamente entendível para qualquer cidadão normal que lide com questões de urbanismo, loteamentos, projetos de construção e construção propriamente dita.

II - Salienta Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao Acórdão do STJ de 28/9/2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1, in  Blog IPPC, Jurisprudência 784 que,

“A chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil … Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão.

III - Embora podendo ser previsível que não viesse a haver obstáculo legal à aprovação da alteração á licença de operação de loteamento, essa alteração carecia de ser aprovada, ou seja, a Câmara Municipal teria de deferir o pedido e emitir a alteração à licença de operação de loteamento requerida, caso se verificassem cumpridos todos os demais pressupostos legais aplicáveis.

IV - Não pode haver licença aprovada, ou aprovação da alteração, quando ainda pode vir a ocorrer causa de indeferimento do pedido.

V - Entendendo o STJ que ocorre contradição na decisão da matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito, deve este tribunal devolver o processo ao tribunal recorrido, como preceitua o nº 3, do referido art. 682º. A regra da substituição prevista no art. 665º do CPC não funciona na revista (tal artigo não figura na remissão feita pelo art. 679º do CPC).


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Decisão:

Em face do exposto, acordam no STJ e 1ª Secção Cível em:

- Julgar o recurso parcialmente procedente e, revogar o acórdão recorrido;

- Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que seja providenciado pela sanação da contradição na matéria de facto nos termos e dentro dos parâmetros sobreditos.

Sem custas.

Lisboa, 11-10-2022


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto