Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
741/22.1T8MAI.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
REENVIO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 05/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. São normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8., n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.

II. A regulamentação legal dos subsídios de férias e de Natal visa garantir aos trabalhadores a disponibilidade de dinheiro que lhe permitirá acorrer aos gastos acrescidos que essas épocas implicam ou podem implicar e, especificamente quanto às férias, motivá-los para o seu gozo efetivo, não assentando em ponderações de índole estritamente retributiva.

III. Ainda que o contrato individual de trabalho seja regulado pela lei de outro país (nos termos escolhidos pelas partes), é obrigatório o pagamento subsídio de férias e de Natal relativamente a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal.

IV. O reenvio pode ser recusado pelos tribunais nacionais de um Estado-Membro, mormente quando a resposta à questão suscitada não possa ter influência na solução do litígio ou quando não se coloque uma dúvida razoável quanto à interpretação da disposição de direito da União que esteja em causa.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 741/22.1T8MAI.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Ryanair Designed Activity Company Dac, Re na presente ação declarativa comum em que são Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II veio interpor recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a 10.07.2024 (retificado pelo acórdão de 9.09.2024). Nas alegações do recurso a Recorrente veio requerer a realização de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça.

O pedido apresentado pelos Autores na sua petição inicial foi o seguinte:

Nestes termos, e nos mais de direito, deve:

a) Reconhecer-se a nulidade dos contratos temporários dos Autores quer por falta de fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração;

b) Reconhecer-se a nulidade dos contratos de utilização a que se reportam os contratos dos Autores quer por insuficiência da fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração

c) Reconhecer-se que face à dupla nulidade, os contratos de trabalho dos Autores inicialmente celebrados com a sociedade C... se converteram num contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Ré.

d) Condenar a Ré a pagar aos Autores os seguintes montantes:

AA: € 42.730,42 a título de subsídio de férias e de Natal, € 60,00 a título de despesas com táxi, € 1.043,12 a título de formação não ministrada, € 74.933,25 a título de horas suplementares não pagas, € 3.930,00 a título de licenças sem vencimento impostas, € 2400,00 a título de bónus de produtividade, € 1.247,50 a título de férias não pagas e € 731,87 relativo a horas voadas em Fevereiro de 2020 não pagas, no total de €127,076,54.

FF: €38.604,38 a título de subsídio de férias e de Natal, € 1.043,70 a título de formação profissional não ministrada nos últimos dois anos; € 29.767,5 a título de trabalho suplementar; € 1.205,91 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade e € 914,00 a título de férias não gozadas, no total de € 73.335,49.

EE: € 36.915,36 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada; €3.534,00 a título de licenças sem vencimento impostas; € 53.030,25 a título de horas suplementares, € 1.800,00 a título de bónus de produtividade, € 2037,00 a título de férias não gozadas e € 144, 23 a título de horas voadas em fevereiro não pagas € 98.504,54.

BB: € 14042,36 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada, € 7.147,87 a título de trabalho suplementar; € 3.243,50 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade não pagos e € 790,00 a título de férias não gozadas, no total de € 28.067,43.

HH: € 30.083,85 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada, € 58.506,00 a título de trabalho suplementar; € 3.188,95 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade não pagos e € 2162,16 a título de férias não gozadas, no total de € 96.784,66.

DD: € 38.954,84 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada; € 25.358,47 a título de horas suplementares não pagas; € 1800,00 a título de bónus de produtividade e € 2.079,16 a título de horas não pagas de fevereiro, no total de € 70.236,17.

CC: € 27.381,95 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada, € 38.311,87 a título de trabalho suplementar; € 12.370,25 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade não pagos, € 873,25 a título de férias não gozadas e € 471,00 a título de horas de fevereiro, no total de € 72.252,06.

II: € 26.300,00 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada, € 3.043,00 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade não pagos e € 902.36 a título de férias não gozadas, no valor total de € 33.089,93.

GG: € 33.562,52 a título de subsídio de férias e de Natal; € 1.043,70 a título de formação não ministrada, € 3576,16 a título de licenças sem vencimento impostas; € 1.800,00 a título de bónus de produtividade não pagos € 1.829,66 a título de férias não gozadas e € 577,20 relativas às horas de fevereiro no valor total de € 116.054,61.

e) Condenar a Ré no pagamento das quantias correspondentes aos salários intercalares desde a data do despedimento até decisão da ilicitude do despedimento, calculada tendo por base o vencimento fixo, a médias das horas voadas nos últimos 12 meses, o complemento de chefia e o complemento de fardamento;

f) Condenar a Ré no pagamento das diferenças salariais face à diminuição unilateral da retribuição, pagando aos Autores AA e DD a quantia de € 1.425,68 a cada e € 1.185,68 ao Autor GG.

g) Condenar a Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados a todos os Autores, no valor mínimo de € 5.000,00”.

Nestes termos e nos demais de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e por via dela:

- Ser reconhecida a existência de contrato de trabalho entre Autor e 1ª Ré desde dezembro de 1986 até ao dia 01 de abril de 2019, data em que foi despedido;

- Ser reconhecido que o Autor desempenhava, à data da cessação do contrato de trabalho, a função de Diretor de Serviços;

- Ser fixado o vencimento do Autor, aquando da cessação da relação laboral, no montante ilíquido fixo de € 13.571,43;

- Ser considerado ilícito o despedimento de que o Autor foi alvo e, em consequência, serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento àquele, a título de créditos laborais, do montante de € 148.616,39, conforme detalhado supra no presente articulado, com juros desde as datas de vencimento das verbas que compõem tal quantia e sem prejuízo dos vincendos até integral pagamento.

- Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento das retribuições do Autor desde 30 dias antes da propositura da ação, incluindo férias, subsídios de férias e Natal até ao transito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescido dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

- Ser a 1ª Ré condenada na reintegração do Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização que, no caso em apreço, e se for exercida, deve ter em conta a elevada ilicitude da conduta e, por isso, ser fixada no montante máximo admissível, sendo as 2ª e 3ª Ré condenadas solidariamente com a 1ª Ré ao pagamento dessa quantia a liquidar, acrescido dos juros até integral pagamento;

- Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento de € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento”.

Citada, Ré contestou.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento. Na sessão de 11.01.2023 foi proferido despacho a declarar a inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a), b), c) e e).

Em 2.02.2023, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar parcialmente procedente a ação e, em conformidade:

I. Condenar a ré a pagar aos autores a retribuição dos dias de férias não gozadas (no máximo de dois dias por ano) a apurar em liquidação de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento do respetivo crédito até ao seu integral e efetivo pagamento.

II. Condenar a ré a pagar aos autores as horas de voo realizadas em março de 2020 a apurar em liquidação de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento do respetivo crédito até ao seu integral e efetivo pagamento.

III. Condenar a ré a pagar ao autor AA a quantia de € 60,00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento do respetivo crédito até ao seu integral e efetivo pagamento.

IV. Absolver a ré dos restantes pedidos formulados pelos autores”.

Os Autores interpuseram recurso de apelação.

Por acórdão de 10.07.2024, retificado por acórdão de 9.09.2024, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em:

“1. Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos sobreditos1.

2. Julgar parcialmente procedente a apelação por erro na aplicação do direito, revogando-se parcialmente a sentença, para em substituição:

a) Reconhecer o direito dos Autores a receberem os Subsídios de Férias e os Subsídios de Natal que nunca auferiram ao longo da relação laboral e, em consequência, condena-se a Ré a pagar-lhes tais subsídios durante os períodos de vigência dos contratos em que prestaram a sua atividade em território nacional, sendo os montantes a apurar em liquidação posterior nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do Código de Processo Civil.

c) Reconhecer aos Autores o direito à remuneração dos períodos de licença sem vencimento que lhes foram impostos pela Ré durante o tempo de vigência dos contratos em que prestaram a sua atividade em território nacional e, em consequência, condena-se a Ré a pagar-lhes a correspondente remuneração, sendo os montantes a apurar em liquidação posterior nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do Código de Processo Civil.

3) Quanto ao mais, improcede o recurso, confirmando-se a sentença”.

A Ré veio interpor recurso de revista, no qual requereu a realização de reenvio prejudicial.

Os Autores contra-alegaram.

O recurso de revista foi admitido com efeito meramente devolutivo.

Ao abrigo do artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

A Recorrente respondeu ao Parecer.

Fundamentação

De Facto

Considera-se reproduzida para todos os efeitos legais a matéria de facto apurada nas instâncias, designadamente os seguintes factos com interesse direto para o recurso:

14. Os Autores sempre desempenharam, as funções de Tripulante de Cabine sob ordens e instruções da Ré e de acordo com o horário de trabalho por esta designado.

15. A Ré nunca pagou subsídio de férias aos Autores durante todo o período de vigência do contrato nem esses valores estavam incluídos na remuneração mensal destes.

16. Nos contratos de trabalho é feita a referência de que as relações laborais entre o trabalhador e o empregador devem ser feitas ao abrigo da lei irlandesa.

17. Os Autores desempenhavam as funções de Tripulante de Cabine ao serviço da Ré e encontravam-se adstritos à base aérea do Aeroporto do ....

18. Os Autores fixaram a sua residência habitual em Portugal, sendo este o local onde habitualmente gozam as suas folgas e onde têm inserida o seu centro de vida e família.

20. Portugal é o País no qual os Autores se apresentam a trabalhar e o País onde iniciam e ao qual regressam no final da sua jornada de trabalho.

53. Em 28 de Novembro de 2018 a ré celebrou um acordo com o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo e Aviação Civil, onde acordaram que “a Ryanair não contestará a jurisdição dos tribunais portugueses para dirimir quaisquer disputas laborais entre a Ryanair e os Tripulantes de Cabine”.

54. O referido acordo produzia efeitos a partir de dia 01 de fevereiro de 2019.

55. Nos contratos de trabalho dos autores não havia qualquer referência quer ao subsídio de férias quer ao subsídio de Natal.

56. Na retribuição anual que foi acordada entre as Partes e que consta dos contratos de trabalho não foi incluído nenhum montante correspondente ao pagamento de subsídios de férias ou Natal.

57. A Ré ao longo da vigência dos contratos, e até fevereiro de 2019, não pagou a nenhum dos trabalhadores qualquer valor a título de subsídio de férias e subsídio de Natal.

58. A partir de fevereiro de 2019 a Ré passou a identificar em alguns recibos de vencimento a rubrica correspondente aos subsídios, mas somando e subtraindo esse valor.

87. Todos os contratos previam, expressamente, a aplicação da lei irlandesa (alterado pelo Tribunal da Relação)

122. A Ré enviou comunicações aos seus trabalhadores, incluindo os AA., oferecendo a possibilidade de estes receberem o salário em 14 prestações mensais, opção que não foi tomada por nenhum dos AA.

130.Todos os AA. celebraram com a R. um contrato de trabalho que previa uma remuneração anual global.

153. Na sequência da comunicação efetuada em 31.1.2019 (n.º 122 dos factos provados) quando os AA. AA, DD em 1.7.2021 foram reintegrados após o despedimento coletivo, a R. passou a dividir a remuneração anual acordada (€ 14.970,00) por catorze mensalidades em vez de doze, pagando-lhes a título de remuneração mensal fixa o montante de € 1069,29, e os subsídios de férias e de Natal em duodécimos (aditado pelo Tribunal da Relação).

154. Na sequência da comunicação efetuada em 31.1.2019 (n.º 122 dos factos provados) quando o A. GG em 1.7.2021 foi reintegrado após o despedimento coletivo, a R. passou a dividir a remuneração anual acordada (€ 12450,00) por catorze mensalidades em vez de doze, pagando-lhe a título de remuneração mensal fixa o montante de € 889,29, e os subsídios de férias e de Natal em duodécimos.

155. Nos contratos de trabalho celebrados entre os AA. e a Ré, a cláusula atinente ao salário, apresenta a seguinte redação:

“1. Ser-lhe-á pago um salário base anual bruto de… (valor variável de caso para caso). O salário acumulará de dia para dia e é pago em prestações idênticas no dia 28 de cada mês na sua conta bancária.

2. A sua remuneração foi calculada de modo a incluir um prémio para todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando aos relatórios pré e pós voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo a utilização pelo sistema portátil EPOS. O seu salário inclui também um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados.” (aditado pelo Tribunal da Relação).

De Direito

As questões que o Recorrente coloca no seu recurso de revista são as seguintes:

a. se, ao alterar oficiosamente o ponto 131 dos factos assentes, o Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil;

b. se é devido o pagamento de subsídios de férias e de Natal desde 2011 (decidindo-se qual a lei aplicável - portuguesa ou irlandesa);

c. se, não tendo os Autores logrado provar os dias em que estiveram de licença sem vencimento por imposição da Ré, o Tribunal da Relação podia condenar a Ré nos montantes que se vierem a apurar em liquidação de sentença.

Relativamente à primeira questão pode ler-se no douto Parecer do MP junto aos autos:

“O facto 131 articula-se com o 130 pelo que se deve considerar o teor dos dois. Assim, é esta redação desses factos:

130. Todos os AA. celebraram com a R. um contrato de trabalho que previa uma remuneração anual global.

131. Esse valor anual, incluía todas as rubricas que representavam a contrapartida do trabalho contratada, o que os AA. sempre conheceram e aceitaram.

Importa, por outro lado, ter presente que a questão central a decidir nos autos é a de saber se é devido aos autores o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, por força da lei portuguesa.

Ora, sendo este o thema decidendum é manifesto que a redação do facto 131 já conteria em si a resposta à questão jurídica a decidir, visto que se se desse como provado que na retribuição anual acordada estavam incluídas “todas as rubricas” da remuneração devida aos trabalhadores estaria “provado” que os subsídios de férias e de Natal já estavam incluídos naquela retribuição anual e que, por isso, não seriam devidos.

Dizer-se que a remuneração anual «incluía todas as rubricas», sem que se identifiquem quais são essas “rubricas” e, particularmente, os subsídios de férias e de Natal que são objeto da disputa entre as partes nestes autos, assume um caráter claramente genérico e conclusivo que não pode constar dos factos provados.

Procedeu, assim, corretamente o Tribunal da Relação ao eliminar esse ponto 131 do elenco dos factos provados, pelo que não assiste razão à Ré recorrente”.

A segunda questão, referente à determinação da lei aplicável e ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal já foi objeto de decisão neste Supremo Tribunal a respeito do mesmo empregador e de trabalhadores em situação similar à dos Autores. Referimo-nos, designadamente, ao Acórdão proferido a 06-03-2024 no processo n.º 5001/21.2T8MAI.P1.S1 (Relator Conselheiro Mário Belo Morgado).

Nesse Acórdão, para cuja fundamentação remetemos afirma-se a respeito da lei aplicável:

Sobre esta matéria, o acórdão de 15.07.2021 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Primeira Secção, proferido nos processos (apensos) C-152/20 e C-218/20 (DG e EH contra SC Gruber Logistics SRL e Sindicatul Lucrătorilor din Transporturi contra SC Samidani Trans SRL)4, declarou que «[O] artigo 8., n. 1, do Regulamento Roma I, (...) deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.ºs 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir a aplicação desta última, com exceção das “disposições não derrogáveis por acordo" por força da mesma, na aceção do artigo 8.", n.º 1, deste regulamento (...)», esclarecendo-se no ponto n° 27 da respetiva fundamentação: "[A] aplicação correta do artigo 8.° (...) implica (...) num primeiro momento, que o órgão jurisdicional nacional identifique a lei que teria sido aplicável na falta de escolha e determine, segundo esta, as regras não derrogáveis por acordo e, num segundo momento. que esse órgão jurisdicional compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras."

Por outro lado, decidiu-se, igualmente, que as normas que prevêm o pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal são normas inderrogáveis na ordem jurídica portuguesa.

Pode ler-se, com efeito, e designadamente que:

“Como sinaliza Monteiro Fernandes, o objetivo da regulamentação legal das prestações pecuniárias relativas aos períodos de férias e de Natal é que «o trabalhador tenha garantido, nos meses de férias e do Natal, a disponibilidade do “dobro do dinheiro", que lhe permitirá acorrer aos gastos acrescidos que essas épocas implicam ou podem implicar»; e, especificamente quanto às férias, "motivá-lo para o gozo efetivo do repouso "12. Identicamente, diz Jorge Leite, no tocante ao subsídio de Natal, que se trata de "uma prestação retributiva de vencimento anual cujo regime se encontra pré- ordenado à finalidade de proporcionar aos trabalhadores, na quadra natalícia, a disponibilidade de um maior rendimento que lhes permita fazer face ao acréscimo de despesas, considerado normal (...) nesta época do ano" (citações no original)”.

Sublinhe-se que os subsídios de férias e de Natal são devidos de acordo com a lei portuguesa a todos os trabalhadores, independentemente do seu nível salarial, quer dizer, seja qual for o montante da retribuição que auferem. Não faz sentido, por isso mesmo, comparar o salário português com o salário praticado na Irlanda para efeitos de aplicação do artigo 8.º do Regulamento Roma I (Regulamento (CE) 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008). Com efeito, não se ignora que o salário mínimo e o salário médio português são inferiores aos correspondentes noutros Estados Membros da União, incluindo a Irlanda. Mas do que se trata não é do montante do salário, mas da obrigação prevista na lei portuguesa de pagamento de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal por razões sociais e culturais.

As normas legais que preveem estes subsídios são, segundo jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, normas inderrogáveis, preocupando-se a lei em fixar os momentos em que tais subsídios devem ser pagos (artigo 263.º, n.º 1 do Código de Trabalho – o subsídio de Natal deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano; artigo 264.º n.º 3 sobre o subsídio de férias). A lei admite (artigo 264.º n.º 3) que por acordo escrito das partes seja alterado o momento do pagamento do subsídio de férias, mas não que o mesmo seja excluído ou dividido pelos doze meses do ano (o que frustraria o objetivo que alei prossegue ao autonomizar o subsídio de férias). Destarte importa, desde já, sublinhar que o pedido de reenvio do Recorrente assenta em premissas erradas ao afirmar que as normas que preveem o subsídio de férias e o subsídio de Natal podem ser afastadas por acordo das partes do contrato individual de trabalho. Não se ignora que há doutrina nesse sentido, mas tal não tem sido o entendimento reiterado deste Tribunal.

Também por isso o reenvio ao Tribunal de Justiça solicitado pelo Recorrente se revela inútil. Nos termos atrás expostos não há que fazer qualquer comparação entre o montante dos salários praticados na Irlanda e em Portugal, mas apenas reconhecer que a lei que seria aplicável, na falta de acordo das partes, e que seria a lei portuguesa, face ao local de execução da prestação de trabalho, contém normas inderrogáveis, como as que preveem o subsídio de férias e o subsídio de Natal. Não é, pois, pertinente a questão da comparação dos montantes retributivos o que torna inútil o reenvio2, razão pela qual tal pedido é indeferido.

Quanto à última questão, importa considerar, como muito bem referiu o Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal, que ficou reconhecida a obrigação de pagamento da remuneração nos dias que a recorrente impôs aos autores como dias de licença, faltando, apenas, o apuramento dos concretos dias, com vista à quantificação do valor daquela obrigação. Uma vez que a existência da obrigação de pagamento já foi afirmada pelo Acórdão recorrido e não foi, em rigor, objeto do recurso de revista, a mesma, como bem destaca o mencionado Parecer, transitou em julgado. Assim sendo, não se vê qualquer obstáculo legal a que a quantificação dessa obrigação, cuja existência é já inquestionável, possa ser feita em incidente de liquidação (artigo 609.º n.º 2 do CPC).

Decisão: Negada a revista

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 15 de maio de 2025

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

José Eduardo Sapateiro

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1. Os factos alterados pelo Tribunal da Relação constam na página 82 da sentença.↩︎

2. Acórdão proferido a 6 de outubro de 2021, C-561/19, Consorzio Italian Management, Catania Multiservizi SpA contra Rete Ferroviaria Ilaliana SpA", n.º 33: "Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetiveis de recurso jurisdicional de direito interno só pode ser isento desta obrigação quando tenha constatado que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta interpretação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável".↩︎