Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | DIREITOS DE PERSONALIDADE COLISÃO DE DIREITOS RUÍDO DIREITO AO REPOUSO ESTABELECIMENTO COMERCIAL RELAÇÕES DE VIZINHANÇA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL LICENÇA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL E INDUSTRIAL PROTEÇÃO DA SAÚDE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 01/31/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I- É entendimento jurisprudencial que, havendo colisão de direitos de espécies diferentes, dum lado o direito à integridade física, ao descanso e ao sono, e do outro o direito ao exercício de uma atividade comercial, prevalece o que deva considerar-se superior, nos termos do n.º 2 do art. 335º do Cód. Civil e não há dúvida de que o direito ao repouso é de valor superior ao direito de exercício de uma atividade comercial. II- Sobre a interpretação deste artigo335º, a doutrina tem-se manifestado no sentido de que na hipótese de se concluir pela superioridade de um direito relativamente a outro, se deve encontrar uma solução que, sem prejuízo de dar prevalência ao superior, acautele na medida do possível um exercício residual e subsidiário do direito preterido. III- Não tendo a ré demonstrado na ação que era possível a redução eficiente do ruído mediante obras de insonorização (que não levou a cabo), ou, mediante a redução da capacidade de lotação do estabelecimento, há necessidade de garantir à autora o seu direito ao descanso, pelo menos entre as 0,00 horas e as 8,00 horas, assim tendo em conta o princípio da proporcionalidade e de modo a garantir que o exercício desse direito não implica a exclusão total do direito da ré ao exercício da sua atividade. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. AA, residente na Praça ..., ..., ..., ... ..., instaurou a presente ação especial de tutela da personalidade contra Locapirabares, Ldª, com sede na Quinta ..., ..., ..., BB, residente na Rua ..., ..., e CC, residente na Rua ..., ..., ... ..., pedindo, no que diz respeito à primeira ré: a) A condenação dela a abster-se de praticar qualquer actividade no estabelecimento nocturno e de bebidas, sito na Quinta ..., ..., entre as 22 horas e as 8 da manhã, incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações; b) A condenação dela a encerrar um dia de descanso semanal o referido estabelecimento nocturno; c) Fosse impedida de alienar por qualquer modo, directa ou indirectamente, o estabelecimento comercial sem que fizesse constar, expressamente, do título de transmissão que informou o adquirente das queixas de ruído e da presente acção ou sua decisão, se a ela já tivesse havido lugar; d) A condenação dela a retirar a máquina de extracção de fumos instalada abaixo da janela do quarto da autora e impedida de a colocar em qualquer outro lugar das traseiras do prédio em todo o perímetro da fracção da autora, da 1ª ré e das garagens; e) A condenação dela a retirar das traseiras do prédio (abaixo da janela do quarto da autora) o motor do ar condicionado que se encontra instalado no bar, determinando que a mesma o colocasse na parte da frente do prédio e se o condomínio desse o referido consentimento; f) A condenação dela numa sanção pecuniária compulsória, no montante de € 250,00, por cada dia de incumprimento de qualquer das condenações determinadas. Em relação ao terceiro réu, a autora pediu que ele fosse proibido de celebrar com a 1ª, ou quaisquer outros, arrendamento para fins não habitacionais, ou qualquer outro contrato sobre a fracção em causa, que tivesse por objecto qualquer actividade a desenvolver entre as 22 horas e as 8 da manhã. Para o efeito alegou, em síntese: 1.Que era dona e legítima proprietária de um prédio urbano composto por casa de habitação, destinado a habitação, sito na Praça ..., União de freguesias ... (..., ..., Almedina e ...); 2.Que o 3.º réu era dono e legítimo proprietário da fracção S, destinada a comércio, sita no ..., imediatamente em baixo do prédio da autora; 3.Que no prédio do 3.º réu encontrava-se instalado um estabelecimento de bebidas nocturno, bar, pub e aparelhos de som e jogos, que girava sob o nome “...”; 4.Que o estabelecimento comercial era propriedade da 1.ª ré, que o explorava com o objecto de exploração de café, bares, snack-bar e salão de jogos, sendo o 2.º réu o gerente da empresa; 5.Que o estabelecimento comercial tinha o seguinte horário de funcionamento: a) de Domingo a Quinta entre as 21h30 e as 04h00; b) Sextas e Sábados entre as 21h30 e as 4h30; c) Esplanada: até às 2h; 6.Que eram produzidos ruídos no estabelecimento (designadamente som de música, vozes, risos, gritos, rojar de cadeiras, bolas de snooker a bater umas nas outras e nos buracos, pancadas das setas no tabuleiro, rojar das mesas e das cadeiras de ferro) que eram ouvidos no interior da habitação da autora, nomeadamente na sala e no quarto; 7.Que os utentes do estabelecimento faziam-se transportar, maioritariamente, em veículos automóveis, cujo movimento de chegada e partida produzia ruídos permanentes de motores, incluindo buzinas, movimentos esses geralmente acompanhados de vozes em tom muito alto, risos, gargalhadas; 8.Que os sons acima descritos eram audíveis a partir do prédio da autora, não só do seu interior, como do exterior do edifício habitacional que o integrava e do prédio confinante; 9.Que entre a hora de abertura e as 24 horas, a autora não consegue ouvir tranquilamente a sua televisão nem ter uma conversa naquele local ou ao telefone, sem que se distraia com os ruídos vindos do estabelecimento; 10. Que não consegue dormir de forma repousada, tranquila e contínua, o que se estava a repercutir negativamente na sua saúde física e mental. A ré Locapirabares, Lda contestou, pedindo se julgasse improcedente a ação. O réu BB contestou por exceção e por impugnação. Em sede de exceção alegou: 1.Que a petição inicial era nula porque a autora não deduziu qualquer pedido contra ele, réu; 2.Que ele era parte ilegítima. Para o caso de assim se não entender, pediu se julgasse a ação improcedente. Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização. Para o efeito alegou que a autora fazia um uso manifestamente reprovável dos meios processuais. O réu CC, que apresentou contestação em audiência, alegou que o processo era nulo em relação a si por não ter factos que sustentassem o pedido contra ele deduzido. Na audiência, a Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou improcedente a alegação de que, em relação ao 3.º réu, a petição não tinha causa de pedir e afirmou a legitimidade de tal réu a ação. Determinou a realização de uma perícia antes de ser inquirida a prova testemunhal. Decisão provisória: Em 1 de Abril de 2019, a autora requereu a aplicação de uma medida provisória. Na data designada par a inquirição das testemunhas, 17 de Maio de 2019, a requerida alegou que, estando em causa o pedido de uma medida provisória de restrição de horário e tendo sido o Município ... a entidade administrativa competente que atribuiu o respectivo horário/licenciamento, esta matéria era da exclusiva competência do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., pelo que requeria se declarasse materialmente incompetente o tribunal a quo e se ordenasse, nesta parte, a remessa do autos ao referido tribunal Administrativo, tudo conforme o disposto nos artigos 576º, nº2, 577º, a) e 578º, todos do Código de Processo Civil. A requerente respondeu, pedindo se indeferisse a pretensão da requerida. O tribunal a quo julgou improcedente a excepção de incompetência material arguida pela requerida e afirmou que o tribunal a quo era competente para julgar tanto a acção principal como para decidir da medida provisória requerida. Por decisão proferida em 12-02-2021, o tribunal a quo declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) e e) da petição inicial, em virtude de a autora ter informado que a ré havia satisfeito os pedidos formulados em tais alíneas. O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da perícia e a produção da restante prova foi proferida sentença que decidiu: 1.Julgar o requerido BB parte ilegítima na presente ação, absolvendo-o da instância; 2.Condenar a requerida Locapirabares, Ldª, a abster-se de praticar qualquer atividade no estabelecimento noturno e de bebidas sito na ..., ... ..., entre as 00h00 e as 8 da manhã, incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações; 3.Condenar a ré Locapirabares, Ldª, a encerrar um dia de descanso semanal o referido estabelecimento noturno; 4.Condenar a ré Locapirabares, Ldª, numa sanção pecuniária compulsória, no montante de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de incumprimento das condenações determinadas na sentença; 5.Absolver a ré Locapirabares, Ldª, do mais peticionado; 6.Absolver o réu CC do pedido. A primeira ré, Locapirabares, Ldª,não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, sendo decidido Pelo Tribunal da Relação de Coimbra, após deliberação: “1. Julga-se procedente a reforma da sentença quanto a custas e em consequência completa-se o segmento da sentença quanto a custas nos seguintes termos: “Custas da acção pela autora e ré Locapirabares, Ldª, na proporção de, respectivamente, 35% e 65%”; 2. Julga-se improcedente a parte restante do recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Responsabilidade quanto a custas: Considerando o n.º 1 do artigo 27.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a ré ter ficado vencida no recurso, condenam-se as mesmas nas custas do recurso.” * Novamente inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ a 1ª Ré, e formula as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto, do acórdão da Relação de Coimbra que negou provimento à apelação e confirmou a sentença proferida pela Instância Local, com o qual a Recorrente não se conforma, (i) atenta a omissa fundamentação de facto e, a ausência de pronúncia sobre factos essenciais em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, o que consequentemente impõem (ii) a verificação das causas de nulidade previstas nas al.s b), c) e d) do art.º 615.º, bem como exigirá a intervenção do STJ em sede de ampliação da matéria de facto – art.º 682, n.º 3 do CPC ou nos termos do mesmo preceito a remessa dos autos para a Relação e se necessário para o tribunal de primeira Instância; e ainda a (iii) violação da lei de processo; (iv) errada aplicação do direito decorrente de uma muito discutível e controversa interpretação normativa dos institutos aplicáveis aos autos; (v) verificada mediante contradição de acórdãos. 2. Observam-se os pressupostos legais que regem, condicionam e justificam o acesso à presente instância, - cf. al.s a), relevância jurídica da questão a apreciar; b) convocação de interesses de particular relevância social e, c) o acórdão da relação estar em contradição com outro; do n.° 1 do art.º 672.° do CPC. 3. A Revista interposta, é consequente da enunciada decisão passível de colocar termo ao litigio e que, opôs em rota de colisão DLG’s e titulares de direitos fundamentais, sem respeito pelas regras do confronto, à margem de um pedido e de uma causa de pedir devidamente concretizada e consequente fundamentação de facto e de direito bastante vertida nas decisões recorridas. 4. A decisão recorrida viola as mais amplas Garantias de um pleno Estado de Direito, nomeadamente, e sem exclusão de outras, as que se apresentam como corolários do (i) Acesso aos Tribunais, (ii) Segurança Jurídica, (iii) Equidade, e (iv) Igualdade das Partes. 5. Com efeito, veio a A. lançar mão de acção especial para tutela de direito de personalidade (Direito ao repouso) e peticionar, sem prejuízo de outros – vd. Ref.ª Citius ...00 de 01.02.2019 – que fosse “a 1ª Ré: a) Condenada a encerrar toda e qualquer actividade relacionada com o estabelecimento (inclusivamente a de limpeza) entre as 22h e as 8h da manhã, bem como condenada a encerrar no dia de descanso semanal (domingo).”, servindo de causa de pedir – cf. art.º 1.º a 8.º da PI ter adquirido em 03.11.2017, fracção autónoma de habitação contigua, à Recorrente que explora “alvará de licença de utilização n.º ...1, emitido pela Câmara de Municipal de ... em, com Lotação de 57 Lugares sentados e com o seguinte horário de funcionamento: a) de Domingo a Quinta entre as 21h30 e as 04h00 b) Sextas e Sábados entre as 21h30 e as 4h30, c) Esplanada: até às 2h”; “sem encerramento semanais ou férias, à excepção de 24 e 31 de Dezembro.”; e após 05.01.2018 se ter mudado para referida habitação, deparou-se com ruídos provenientes do estabelecimento que alegadamente a impediam de descansar. – cf. art.º 11.º e ss da PI; advertiu a Recorrente que realizou dois ensaios acústicos, último dos quais pela ADAI “Que (…) veio concluir que “os resultados obtidos configuram a satisfação dos respectivos requisitos regulamentares”- cf. art.º 32.º e 33.º da PI; 6. A R./Recorrente, contestou opondo-se à pretensão da A., pois que a sua actividade se encontrava licenciada – DL n.º 251/87 de 24.06 – desde 1991; que tal matéria é da competência administrativa e por conseguinte dos tribunais administrativos; que labora há cerca de 28 anos “sem que alguma vez tenha tido problemas, designadamente distúrbios ou desacatos, como é do conhecimento público.”; foram realizadas obras de insonorização em março 2018; que a A. conhece o estabelecimento da R. e o frequentava há vários anos; “em Maio de 2018 um nova avaliação dos ruídos à ADAI, (…) concluído, (…), que “os ruídos obtidos configuram a satisfação dos respectivos requisitos regulamentares””; após que “sem que tal fosse necessário, o chão do estabelecimento por um flutuante com tela acústica, não se percebendo, por ora, como pode referir a A. que o ruido do rojar das mesas e cadeiras de ferro no chão de tijoleira continua muito incomodativo” 3.º a 7.º, 24.º 25.º, 26.º da Contestação – vd. Ref.ª CITIUS ...96 de 21.02.2019 – apelando, caso assim não se entendesse que nos termos do art.º 335.º CC “sempre o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível, apenas devendo ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.” 7. No decurso dos autos foi requerida uma perícia ao ruído, que o tribunal determinou – cf. Ref.ª CITIUS ...19: “efectivamente a requerente apresenta prova circunstancial ou indiciária de que os ruídos são incomodativos, no entanto como é bom de ver esta prova apresentada pela requerente, apresenta-se sem a imparcialidade necessária (…) Daí que, como muito bem o Ilustre Mandatário da autora disse, é bem-vinda uma perícia.”; foram novamente realizadas obras de insonorização e nessa sequência foi proferido despacho de 12.02.2021 – CF. Ref.ª CITIUS ...19 - que enunciou: “Nos presentes autos (…), veio a Autora informar que a Ré (…), cumpriu, já na pendência da presente acção, com os pedidos formulados nas alíneas b), c) e d) da petição inicial. Em face do exposto e, nos termos da al. e) do artigo 277º do C.P.C., declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos pedidos formulados nas alíneas b), c) e d) da petição inicial.” i.e., nomeadamente, vd. PI: retirar máquina de extração de fumos e encerrar um dia de descanso semanal; a par de ser a própria Requerente vd. Declarações de Parte/Depoimento da Requerente, AA - 00:00:01 – Início Gravação - 17-05-2019 11:30:36 00:30:36 – (Requerente): ouço menos coisas, as cadeiras por exemplo, eles mudaram o chão (…) obviamente que eu sinto menos, (…) cem cadeiras de ferro, mesas ferro e chão de tijoleira (…) esse barulho reduziu, mas não era esse barulho que me impedia de dormir (…) 8. Realizada a referida perícia veio a mesma a concluir no mesmo sentido – cf. Correspondência Eletrónica CITIUS com a Ref.ª ...20 de 12.01.2021 – pela técnica responsável Eng. DD “(…) eventuais (…)”; “(…) pontuais(…)”; “(…) não suscetíveis de perturbar o descanso(…)”. 9. Após a realização da perícia, no decurso da audiência de discussão e julgamento, foi ainda removido o aparelho de extração de fumos – cf. Despacho de 12.02.2021. 10. Não obstante todo o processado foi produzida sentença – cf Ref.ª CITIUS ...05 de 27.04.2022 que enunciou a factualidade provada vertida nos ptos. 1 a 62, repetindo a contrario matéria já transitada em julgado vd. Despacho de 12.02.2021 – CF. Ref.ª CITIUS ...19, que julgou em sentido diverso, sem exclusão de outros, nomeadamente vd. Pto. 31., 32.º 33.º que contraditou nos ptos. 58.º, 59.º e 61.º, condenando a final, sem prejuízo de outras, após ter extinguido a instância com esse fundamento “a encerrara um dia de descanso semanal o referido estabelecimento nocturno”. 11. Não conformada com a decisão a R./Recorrente interpôs recurso – ref.ª CITIUS ...09 de 17.05.2021, pugnando sem prejuízo de outras (i) violação do principio da plenitude da assistência do juiz; (ii) verificação de impedimento da Juiz a quo (iii) violação do principio da legalidade, (iv) errónea e insuficiente apreciação da prova, dando como provados factos sem qualquer paridade à prova produzida e como não provados outros contrários à prova produzida, mais se abstendo de pronuncia e apreciação sobre outros arguidos e provados pelas partes, todos produzidos em audiência de discussão e julgamento; (v) errada interpretação e aplicação do direito aos factos; (vi) nulidade nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º, do CPC, nulidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º (vii) Violação do principio de gestão processual atento o conhecimento subsequente conhecimento de meios de prova testemunhal e documental pré-existentes à data da propositura da acção sobre os factos sem que tenham sido oficiosamente recolhidos; (viii) Violação da hierarquia da prova recolhida por preterição de meios de prova isentos e imparciais, nomeadamente técnico-científicos e documentais em função da errada valoração da prova testemunhal; (ix) inconstitucionalidade e desproporcionalidade da conciliação na tutela dos Direitos Consagrados; (x) violação do principio da legalidade (xi) falta de fundamentação da sanção compulsória; (xii) Errada ponderação e insuficiente determinação das custas; (xiii) violação principio da segurança jurídico 12. Tendo conhecido acórdão de 26.10.2021 sob a Ref.ª CITIUS ...84 o qual, à semelhança, da sentença recorrida, após transito em julgado de certas matérias; vd. Ptos Provados 31, 32, 33 e 34, que a par contradita nos ptos 58, 59, 60, 61, expressando – pág 57 de 65: “A proibição do funcionamento do estabelecimento para além das 24 horas, assentou nos seguintes factos: 1. No facto de o ruído ser perceptível em todo o apartamento da autora, nomeadamente na sala e no quarto, sete dias da semana, até ao encerramento do bar, às 4/4h30 da manhã; 2. No facto de ruído provir nomeadamente do arrastar de cadeiras no chão, de pancadas, do bater das bolas de bilhar, de vozes, de talheres, de copos; 3. No facto de tal ruído provocar na autora dificuldade/impossibilidade de dormir, sendo causa de alterações emocionais que se traduzem em cansaço, irritabilidade, ansiedade, angústia prejudiciais à sua saúde. – Quid iuris? Julgaram Juíza e Relatores processo diverso?! 13. Fácil é de compreender que à margem de a sentença e o acórdão recorridos apresentam decisões que estão em contradição insanável com a fundamentação (de facto e de direito), pecando a referida decisão de nulidade por falta de fundamentação, que inviabiliza a alegada “proporcionalidade” que veio a conformar o acórdão recorrido, cuja interpretação (I) desatendeu à matéria de facto necessária; (II) omitiu a clarificação e (III) concretização doutra imprescindível, suprimindo em absoluto um direito fundamental. 14. O acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do art.º 615.º, aplicável ex vi art.º 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC exigindo-se a intervenção do STJ em sede de ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 682º, n.º 3 do CPC, para a cabal e suficiente decisão de direito. 15. Os factos omissos e aqueles anteriormente julgados e transitados são verdadeiramente relevantes para a (a) solução jurídica do litígio, (b) concretização e (c) delimitação dos direitos em confronto, (d) determinação da sua hierarquia, (e) adequação da eventual restrição e medida, pelo que se impoem - cf. art.º 682.° do CPC -, (A) a remessa dos autos para a Relação e, se necessário, à instância local, para apuramento e concretização, em audiência de julgamento, da matéria de facto imprescindível à decisão, (B) a anulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo em matéria de facto, a fim de se proceder à respectiva ampliação. 16. Resultam dos autos a existência de diferentes momentos, todos, subsequentes, com alterações substanciais dos factos: frequência e intensidade; sem que o Tribunal a quo, e Tribunal ad quem, tenham logrado tal destrinça, à revelia de tal realidade ser reconhecida, em despachos intercalares a fls…, e até na sentença, condenando e absolvendo as partes, por inutilidade superveniente parcial, respectivamente, o que determina ainda NULIDADE por contradição entre a fundamentação e a decisão – CPC 615.º, n.º 1, al. b). 17. No decurso da audiência, ocorreram obras de insonorização; remoção de fontes de ruido – confirmadas e aceites pela Recorrida -, cujo tribunal a quo, e o tribunal ad quem furtaram-se a transcrever e concretizar de forma suficiente para a factualidade dada como provada – cf. Ptos. 58. A 61. e não provada, priorizando, mal, prova caduca e obsoleta – testemunhal, anterior a 2019 cf- Ptos. 13. a 33.: “2008” “2017”, “2018”, desconsiderando a realidade à data da prolação das decisões. 18. Não obstante suscitada tal situação pela Recorrente, não se encontra suprido o vício, mediante esclarecimento e/ou concretização da matéria de facto, nomeadamente e s/excl., por critérios de tempo (datas) e modo (níveis de ruído e incomodidade), dado terem sido erradicadas na pendência da acção aqueloutras residuais que resultavam do relatório pericial do ISQ, junto dos autos (a fls…) pela técnica responsável Eng. DD que concluiu por “(…) eventuais (…)”; “(…) pontuais(…)”; “(…) não suscetíveis de perturbar o descanso(…)”. 19. A Recorrente após a perícia e na pendência da audiência, retirou a unidade A/C; isolou o chão; substituiu e isolou o manípulo do café, cf. Despacho de 12.02.2021 – CF. Ref.ª CITIUS ...19 sem que tal haja sido transposto para factualidade provada; estropiando uma deficiente fundamentação e mais grave, dando como provados factos inexistentes que impuseram a extinção parcial da instância, mediante decisão transitada para mais tarde repetir a condenação. 20. Por outro lado a A./Recorrida e instâncias recorridas – cf. PI, Sentença e Acórdão a fls.. não concretizam nem delimitam o direito da Recorrida (qual o período de descanso da A.?! Qual o período de trabalho? Que horário passa em casa?), vertendo-o em factos que a recorrente pudesse validamente impugnar, o que configura além da ineptidão da petição inicial – cf. art.º 186.º, n.º 1 e 2, al. a) 576.º, n.º 1 e 2; 577.º al. b); cominando a nulidade das decisões – art.º 615.º, n.º 1, al.s b) e d), todos do CPC, e/ou, a par invalidade das mesmas, pois que terão de ser anuladas, bem como todo o processado subsequente à causa de nulidade. 21. Nestes termos deverão ser decretadas as nulidades insupríveis de conhecimento oficioso arguido e absolvida a Recorrente da Instancia. 22. Caso assim não se entenda, porquanto fica dito impõem-se a reapreciação de toda prova e a consequente reapreciação da matéria de facto, que aqui se dá por integralmente reproduzida, constante dos Pontos 8, 10 a 17, 20, 25, 26, 27, 29 a 56 a 62, dos Factos Provados e dos Pontos 1 a 10 dos Factos Não Provados, e ser aditado um novo ponto aos factos provados como o seguinte teor: “poderão ser pontualmente percetíveis alguns ruídos, não sendo estes susceptíveis de perturbar o descanso. !!!” – conforme perícia técnico-cientifica, não contraditada por qualquer elemento de prova de valor superior; 23. A Relação, erradamente, na esteira da primeira instância, dá como provada a existência de um ruído permanente através da produção de prova testemunhal "indireta", à revelia das perícias efectuadas, requeridas pela Recorrente, violando de forma flagrante o enunciado n.º2 do art.º 393.º do CC “(…) não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.” 24. O Tribunal a quo, erradamente, na esteira da primeira instância, dá como provada a existência de um ruído permanente através da produção de prova testemunhal "indireta", à revelia das perícias efectuadas, requeridas pela Recorrente, violando de forma flagrante o enunciado n.º2 do art.º 393.º do CC “(…) não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.” 25. Viola os princípios de valoração da prova, bem como as regras de instrução e julgamento, incumprindo o princípio do inquisitório (art.º 411.º) devendo a factualidade e prova produzida dever ser interpretada, dando prevalência à prova técnico-ciêntifica obtida: (…), não sendo estes susceptíveis de perturbar o descanso” absolvendo-se a Requerente do pedido, ou caso, assim não se entenda, atenta a última alteração das circunstâncias ser posterior a perícia realizada, deverá ser decretada reaberta a instância nos termos acima expostos e ordenada a realização de nova perícia. 26. Tudo, à margem de no caso em apreço o Município ... licenciou e tem reconhecido ao longo destes 30 anos a importância do bar “N...” sito Praça ..., em ..., certificando a conformidade deste com todos os requisitos legalmente exigidos para a sua instalação e manutenção em matéria de ruído e sociais. - Regulamento n.º 345/2016, publicado na 2ª série do DRE, n.º 63 de 31.03.2016 – Regulamento Municipal de Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais da Camara Municipal ... admite expressamente: art.º 7.º, n.º 4 — “Aos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, neste último caso estabelecimentos com área contínua acessível ao público inferior a 100 m2 , com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde se dance (CAE 56105, CAE 56305), é aplicável o horário de funcionamento compreendido entre as 7 horas e as 4 horas do dia seguinte.” 27. A Recorrida peticiona a redução do horário de funcionamento do bar “N...”, que se encontra licenciado por acto da administração pública e por tal facto haverá lugar a litisconsórcio necessário e a incompetência material das instâncias a quo e ad quem – cf. art.º 33.º n.º 1 e 2 e a art.º 64.º e 65.º e 576.º, n.º 1 e 2; 577.º al.s a) e e); 578.º do CPC – exceções de conhecimento oficioso que impõem a absolvição da instância. 28. Caso assim não se entenda o que por mera cautela de patrocínio se dispõem, a presente Revista convoca o confronto da recém aquisição do direito de propriedade; contra a existência pública e notória da actividade da Recorrente, superior a 30 (trinta) anos – o que contraria todas as causas cometidas a jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores. 29. A decisão recorrida coloca em crise a prevalência dos direitos adquiridos com prioridade; o princípio da segurança jurídica e bem assim a confiança da sociedade nos referidos preceitos. 30. Exemplo: C abre e explora por 30 anos um estabelecimento, numa zona remota, sem qualquer edificação num raio de 2Km. B, decide construir casa de habitação em prédio contiguo?! Logo que se muda, começa a ouvir ruidos. Quid iuris?! Será adequado extinguir aquele direito económico em função deste segundo por abstratamente ser hierarquicamente superior? Salvo o devido respeito, parece-nos que não! ! ! 31. No caso é o que sucede. Devendo ser rejeitadas soluções não razoáveis, desadequadas ou tão pouco proporcionais só porque, o direito de personalidade é abstrata e genericamente hierarquicamente superior. 32. Por vezes há que radicalizar e extremar a factualidade vertida para nos apercebermos da injustiça das soluções, algumas incautas. 33. Donde releva no essencial ponderar se cumpre o princípio da proporcionalidade e da proteção da confiança, uma decisão que propugna em abstrato pela aplicação do artigo 335.°, n.°s 1 e 2 do Código Civil, e extingue a iniciativa económica, à margem de fundamentação bastante. 34. As decisões recorridas impuseram: Condeno a requerida a abstenção “de qualquer actividade no estabelecimento noturno e de bebidas sito na ..., ... ..., entre as 00h00 e as 8 da manhã, incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações;” – cf. Sentença e Acórdão Ref.ª CITIUS ...05 de 27.04.2022 e Ref.ª CITIUS ...84 de 26.10.2021. 35. Primeiramente, repita-se, As instâncias recorridas ao não cuidaram de concretizar e delimitar adequadamente o direito da Recorrida, vertendo-o em factos que a recorrente pudesse validamente impugnar, aliás conforme evitou também a recorrida peticionar, o que impede por ora, um verdadeiro confronto entre DLG’s, pois que não é possível à Recorrente e aos autos distinguir o Direito da A./Recorrida para o contrapor ao da Recorrente e, a final limitá-lo. 36. Ficou assim prejudicada, a justeza das soluções tiradas, por impossibilidade de prover à correta aplicação do princípio da proporcionalidade, enquanto forma de justificação e legitimação daquelas, bastada com fundamentos abstratos/generalistas de uma ajaezada hierarquia díspar da factualidade sub judice. 37. Não obstante sempre se dirá, as nulas decisões tiradas impuseram o encerramento da atividade da ora recorrente. 38. A recorrente explora há 30 anos, de forma sustentada, no local licenciado e a cumprir todas as normas legais regulamentares aplicáveis, um estabelecimento nocturno no horário compreendido entre as 21h30m e as 04h00m e a solução tirada (fecho entre as 24:00 e as 08:00), incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações; que deverão ocorrer no período restante 21h30 a 23:59, extinguem em absoluto o direito da Recorrente. 39. Entre a Recorrente e o 3º Réu CC existe um contrato de arrendamento celebrado por escritura pública há 25 anos para exploração do bar, que transitou do primeiro titular do estabelecimento para a Recorrente, com o horário primitivo (vide Ponto 5 da Matéria de Facto Assente) pelo preço actual de 1.000,00€; 40. Não resulta provada a violação de quaisquer parâmetros do Regulamento Geral do Ruído; pelo que deveria ter-se automaticamente por excluída a ilicitude da conduta em razão dos valores da prossecução e da concretização do bem-comum ou do interesse público, valores que devem prevalecer por via da concordância prática consagrado no artigo 335.° do C. Civil; 41. Em face do circunstancialismo, não é de ignorar que a Recorrida adquiriu um prédio onerado com a Recorrente, com horário até às 04h.30m, contando que qualquer restrição consubstanciar-se-ia num empobrecimento para a Recorrente e num enriquecimento sem causa, nos termos do Art.º 473.° e ss do CC, para a Recorrida, que viu o seu prédio altamente valorizado, e para a 3.ª Ré que receberia os mesmos montantes a título de rendas, a expensas da Recorrente; 42. A Recorrida interpôs a presente demanda, no dia 01.02.2019, após aquisição, conhecedora de que ali existia a Recorrente pois que habitou durante vários anos na urbanização e após 1 (um) ano de habitação ininterrupta sem necessidade de pernoitar em local diverso; 43. A conduta da recorrida configura um procedimento abusivo violador dos princípios da boa-fé e da confiança, devendo operar o instituto do Abuso de Direito (art.° 334.º do C. Civil) - (abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium); 44. As decisões tiradas atentam contra o progresso coletivo e sacrifica em absoluto o direito à livre iniciativa privada, quando o propósito, se reputava à salvaguarda do exato contrário. 45. O Tribunal Recorrido ao decidir como decidiu, na ponderação que fez dos dois direitos fundamentais em confronto, optando por um dos direitos em detrimento do outro, - i.é., obrigando a Recorrente a reduzir em cerca de quatro (4) a cinco (5) horas os horários de funcionamento que pratica há mais de vinte e cinco (25) anos (!!!) -, teria ainda de alegar e demonstrar a "inconveniência" ou a "impossibilidade técnica" de uma outra solução ou alternativa de isolamento, de que "o bar teria necessariamente de passar", o que seria de todo impossível. Seria, seguramente, a falência de todo o sistema de licenciamento(s), ou a sua implícita "revogação" via judicial; 46. Face à zona onde a Recorrente está inserida, conclui-se que estão igualmente em causa no presente processo, interesses de particular relevância social nos termos do art.º 672.º, n.° 1, al. b) do CPC e 335.º do C.C.), uma vez que o mesmo é frequentado diariamente por inúmeros jovens, estudantes, universitários, muitos casais e idosos da referida Quinta ...; todas situações que além do mais merecem a tutela constitucional. 47. É inadequada a restrição da actividade, a 01h30m/dia, independentemente dos concretos dias da semana, das épocas de férias/festivas/feriados, ou ausências da Recorrida, sem qualquer amenização ou medida complementar de compensação, quando haveria outras opções, desatendidas. 48. Competia a contrario interpretar e aplicar a norma legal convocada, cf. n.° 2 do artigo 335.° do CC, sobre o obelisco Constitucional e égide do princípio da proporcionalidade, de forma menos intrusiva. – omitindo o Acórdão proferido os deveres de pronuncia que sobre si impendiam, tanto mais quando a Recorrente peticionou decisão, será então nulo nos termos enunciados. 49. Conclui-se pela aplicação indevida do art.º 335.° n.° 2 do CC - cf. Prof. EE do ambiente e direito de propriedade - Crítica de Jurisprudência Ambiental, de que "a priori e em abstrato, é juridicamente incorreto dizer que o direito ao ambiente «pesa», «vale mais» ou é «mais forte», do que o direito de propriedade (...), não se terá de ater só à natureza dos direitos em confronto, mas também ao grau que cada um deles, no concreto possa ser sacrificado se se der prevalência ao outro;-, por violação do princípio da proporcionalidade e a respetiva harmonização dos direitos em confronto, desconsiderando-se o momento em que cada um dos direitos em apresso surgiu; e a factualidade suficiente para adequadamente se poder caracterizar o grau de lesão e/ou de contracção a impor. 50. No mesmo sentido vinham indiciando as decisões a fls.. em crise apesar de decidirem de forma diversa: "A decisão do conflito de interesses terá que ser em concreto casuisticamente ponderada em função do princípio da proporcionalidade…” e “ (…) o facto de o Locapirabares ser um bar noturno, com horário de abertura às 21h30 e ter licença de utilização desde 1991”; 51. Pois que a solução a determinar, da harmonização dos direitos colidentes, não poderá passar pela inteira supressão de um deles e para isso é necessário conhecer a delimitação daqueles e o consequente efeito de cada uma dessas medidas. 52. Dispõem o artigo 18.°, n.° 2, da CRP, que "em caso de conflito de direitos desiguais, deve, por regra [não sendo imperativo], dar-se prevalência àquele que, nas circunstâncias concretas, seja superior, mas as restrições impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda dos outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos." 53. - vd. Também (P. Lima e A. Varela, C. C. Anot., 4 a ed., pág. 104, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, págs. 145-146, J. Gomes Canotilho, RLJ, 125º- 538) 54. e ainda Acórdão, cujo sumário se transcreve e se junta com o presente recurso cf. Acórdão JTRC de 06.12.2005 – 2º Juízo, nos autos 2962/05, em que foi Relatora a Excelentíssima Desembargadora REGINA ROSA: “(…) III – Frequentemente há conflito de direitos fundamentais, podendo, nomeadamente, ser conflituantes o exercício do direito de propriedade sobre um estabelecimento que emite ruídos, e o direito de outrem ao sossego, ao repouso, a um ambiente sadio . IV – Avaliando colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, dispõe o artº 335º, nº 1, do C. Civ. que devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bd559e244ba97cf58025866 50045a285?OpenDocument 55. A interpretação das decisões recorridas contraria o acórdão enunciado pois extingue em absoluto o direito menor. 56. No mesmo sentido Acórdão STJ de 25/09/2003 (disponível em www.dgsi.pt), "os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas: obedecendo embora a determinados limites, são consentidas interferências ou restrições a esses direitos que devem satisfazer a três pontos essenciais:1. - Serem justificados pelos objectivos de interesse público a alcançar; 2. - Serem proporcionais a esses objectivos; 3. - Não atingirem a substância do direito protegido". 57. Também se pode ler no Ac. do STJ de 15/06/1999 - que "embora o direito ao repouso" (o qual se integra no "direito à integridade física" e "a um ambiente de vida humana sadio e economicamente equilibrado" e, através destes, no "direito à saúde e qualidade de vida" se inclua no elenco dos direitos de personalidade (artigos 64° e 66° da CRP e 70° do C.C.), não pode considerar-se um "direito ilimitado", sofrendo, pois, limites internos e externos. 58. Cumpre à contrario esclarecer que, a invocada tendência da jurisprudência do STJ no sentido da prevalência do direito ao repouso e ao descanso, (Acórdãos do STJ de 02.12.2013, 30.05.2013) nada têm que ver com a realidade sub judice pois que a grande maioria dos estabelecimentos analisados e licenciamento são contemporâneos com as fracções habitacionais, sendo neste caso concreto o direito económico é muito mais antigo que o direito reclamado pela recorrida, em pelo menos vinte e cinco (25) anos mais. 59. Em suma, a supressão absoluta do direito da Recorrente, peja as decisões recorridas, mormente da interpretação dada aos preceitos que as fundamentam de inconstitucionalidade, pelo que deverão, no caso concreto, de ser desaplicadas. 60. Devendo ser outra a interpretação preferível, in caso, face ao momento em que nasce cada um dos direitos, e a responsabilidade na valência de cada um dos titulares, parece-nos ser outro sim o entendimento preferível: atenta a idade, o período de exercício, tratar-se de um local público e notório; o direito a considerar no caso sub judice como hierarquicamente superior será o direito económico da Recorrente sobre o rogado, nascituro e incauto, direito de personalidade da Recorrida adquirido limitado e com essa consciência. 61. Se assim não se entender, diga-se que"(…) o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer se e na medida adequada e proporcional à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante." 62. No limite, o que sempre se concede, procedendo-se a alguma adequação/compensação, como solução intermédia i.e., o fecho entre as 02h45 e as 09h00, que permitiria uma laboração em Part-time, i.e. 5 horas. 63. Termos em que a Recorrente sempre, concederia, por exemplo: - no encerramento um dia de descanso semanal já decretado; na redução da capacidade do estabelecimento a 75% da lotação a partir das 23h45m; na redução da capacidade do estabelecimento a 60% da lotação a partira das 01h15m; (acautelando-se em ambos os casos trinta minutos de tolerância para garantir a respectiva diminuição junto dos clientes); Nos períodos de férias ou ausências pontuais da A./Recorrida, a recorrente poderá laborar sem restrição, situação não ponderada pelas instâncias recorridas e que em nada interfere com qualquer direito da Recorrente. 64. Tanto mais que na ausência de conciliação adequada e proporcional dos direitos em confronto, com a consequente extinção do núcleo essencial peja qualquer decisão de inconstitucionalidade. 65. Por quanto fica exposto, andou mal o tribunal a quo, tendo V. Exas. Ilustres Conselheiros de ponderar a repetição do julgamento ou ordenar a reposição dos horários de funcionamento do bar tal como se encontravam até à data da propositura desta acção ou, caso assim não se entenda, proceder a uma correcta, adequada e proporcional ponderação, mais justa, adaptada que concilie os direitos em confronto. Assim, decidindo, como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra fez errada apreciação, da matéria de facto que considerou provada em audiência de julgamento e igualmente fez errada interpretação da Lei, violando ou não atendendo, além do mais, ao disposto nos art.º 334.º, 335.º, C.Civil. e 672.º, 672.º, N.º 1, als. a), b) e c) (ex vi. Art.º 666.º e 615.º a 617.º, 682.º, n.º 3 e 684.º, n.º 1 e 2) 674.º, Nº 1, ALÍNEAS A), B) e C E 675.º DO CPC, n.º 1 do art.º 70.º do C. Civil, art.º 25.º da Declaração Universal dos Direitos do homem, artº.s 25.º, 61.º, 62.º 64.º e 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e art.º 70.º do Código Civil. Nestes termos e nos melhores de Direito, com o Douto suprimento de Vªs. Excelências, Muito Ilustres Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça deverá revogar-se o douto despacho que considerou improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta do tribunal, absolvendo da instância a recorrente, ou, caso assim não se considere, a sentença e o acórdão ora recorrido e, em consequência, ser proferido Acórdão absolvendo a Recorrente do pedido ou ordenando a repetição do julgamento. Assim decidindo, farão Vªs. Exas. Inteira JUSTIÇA”. Responde a autora, concluindo: “A) POR INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO I. O presente recurso não deve ser admitido, por não haver fundamento para a revista exepcional, nomeadamente, não foi apresentado qualquer acórdão em contradição e por nenhum vicío, além de nulidades ter sido assacado ao mesmo. II. Não havendo fundamento para recorrer do Acórdão, deveria a Recorrente, em 10 dias, invocar as nulidades que entendia existirem. Não o tendo feito nos 10 dias e apenas em sede de recurso, precludiu o direito de as invocar. B) POR INCUMPRIMENTO PELA RECORRENTE DO ÓNUS DE APRESENTAR CONCLUSÕES III. Na senda do vertido e decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação ... (Processo nº 6322/11...., datado de 14/04/2017) e do Tribunal da Relação ... (Processo: 18625/18...., datado de 09/11/2020), não deve ainda ser admitido o Recurso apresentado, porque se deve entender que a Recorrente não cumpriu o ónus de apresentar alegações. IV.Com efeito, do confronto entre a motivação constante do corpo das suas alegações de recurso onde se expõe as razões de discordância quanto à decisão proferida, a verdade é que na parte que apelida de “conclusões”, a Recorrente reproduz, ipsis verbis, desde a primeira à ultima linha, o que foi afirmado no corpo das alegações, alterando quando muito as primeiras duas palavras, e mantendo, inclusivamente temas das alegações, como é o exemplo do ponto 90 das conclusões , onde apenas se lê “VI- DA CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS”, Ou o ponto 92, em que a Recorrente copia o quadro com o alegado acórdão em contradição, tal como fez na motivação… V. Basta, aliás, ver que as conclusões apresentadas são (nem mais nem menos) que todos os parágrafos do corpo da motivação de recurso, mas separados por números… -veja-se o Doc. 1 que se junta, em que se coloca o nº respectivo de cada conclusão, em negrito e bold, antes de cada parágrafo no corpo das alegações, para este Douto Tribunal comprovar o que aqui se invoca. VI. Sucede que, a reprodução integral do alegado no corpo das suas alegações de recurso, não pode ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões e conforme tem entendido a jurisprudência, não cabe ao Tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”.- como foi o caso da recorrente. VII. Assim, e concluindo-se, que as alegações apresentadas pela Recorrente não contêm verdadeiras conclusões, será de rejeitar o recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº2, al. b), do NCPC SEM PRESCINDIR DIR-SE-Á AINDA QUE SEJA ADMITIDO O RECURSO, O QUE POR MERA HIPÓTESE ACADÉMICA SE ADMITE, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE PORQUE: VIII. Não padece o Acórdão recorrido das nulidades que lhe são assacadas, designadamente, as previstas nas alíneas c) e d) do art 615 do CPC, nem possui o mesmo qualquer vício, distinguindo-se sim, pela aplicação coerente e bem fundamentada do direito aos factos provados. IX. A fundamentação do Acórdão é inatacável, uma vez que a mesma contém o reexame crítico das provas, como os depoimentos das inúmeras testemunhas, as declarações das partes, a vasta prova documental junta que o Tribunal “a quo”, e até a prova perícial- tudo, num ensaio objectivo e rigoroso levado a cabo pelo Tribunal recorrido. X. Por outro lado, apesar de no ponto 7 das conclusões, a Recorrente requerer a ampliação da matéria de facto, a verdade é que, nos termos do nº 2 do art 682 do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto só pode ser alterada, no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º e em parte alguma a Recorrente invocou esta exceção para a reapreciação da matéria de facto (conclusões 53 a 57). Isto é, não alega qualquer erro na apreciação das provas nem a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova. XI. Na verdade, além das nulidade assacadas, que terão de improceder, a Recorrente não identifica qualquer vício a apontar ao Acórdão, a não ser tecer apenas as suas (interessadas e parciais) considerações que nenhuma relevância jurídica têm para efeitos do presente recurso. XII.NÃO ASSISTE razão à Recorrente (desde logo, pela Mediocridade e veleidade do fundamento) ao alegar que no caso do presente conflito de direitos, o direito económico prevalece sobre o Direito ao repouso da Recorrida, por o bar ali se encontrar há mais 25 anos…insistindo (sem qualquer pejo) que os anos de actividade lhe dão uma espécie de servidão de ruído e de perturbação do descanso sobre a recorrida e sobre todos os que naquele imóvel venham alguma vez a residir depois da autora XIII. Contudo, e ainda que este argumento dos anos de actividade contasse (o que não se concede) a verdade é que -antes da compra da fração pela própria Recorrida- a Recorrente já violava o direito ao repouso de terceiros! (como aliás, resulta da prova documental, notada e bem pelo douto Tribunal recorrido) XIV. A Título de exemplo, resulta tal violação anterior do Direito ao repouso de Terceiros, nomeadamente: a) das actas do condomínio (do prédio onde se encontra a Residir a Recorrida) desde a abertura do estabelecimento da Recorrente ( há mais de 25 anos), que prova as várias queixas de outros condóminos e antigo proprietário da fração da Recorrida; b) bem como resulta da certidão emitida das 21 queixas na PSP, apresentadas pelo vizinho da Recorrida, que apesar de ser residente noutro prédio, constantemente se queixava de ruídos causados pela recorrente- e em anos em que a Recorrente ainda não era sequer proprietária da sua casa. Nestes termos e nos melhores de Direito, não deve o presente recurso ser admitido por inexistência de fundamente e pelo incumprimento pela Recorrente de Presentar Alegações. Ainda que assim não se entenda deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido.” * O recurso foi admitido liminarmente. E por acórdão deste STJ de 13-09-2022: Foi admitido e conhecido o recurso no que respeitava ao segmento da matéria de facto e, determinou-se a remessa dos autos à Formação para admissão ou rejeição do recurso quanto ao segmento da matéria de direito. Sendo decidido: “1- Julgar o recurso da ré improcedente, no que respeita à matéria de facto, negando-se a revista; 2-Oportunamente remeter os autos à Formação para efeitos de esta se pronunciar sobre a requerida revista excecional”. Pela Formação foi proferido acórdão a admitir o recurso. Cumpre apreciar e decidir. * Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos: “Factos provados: 1. A autora é proprietária da fracção autónoma ... do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...29 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., destinada a habitação, sita na Praça ..., União de freguesias ... (..., ..., Almedina e ...). 2. O direito de propriedade sobre a referida fracção foi adquirido pela autora através da celebração de contrato de compra e venda no dia 3 de Novembro de 2017. 3. O 3º réu é proprietário da fracção ..., destinada a comércio, sita no ..., imediatamente abaixo da fração da autora. 4. Na fracção do 3º réu encontra-se instalado e em funcionamento um estabelecimento de bebidas noturno, bar, pub e aparelhos de som e jogos, sob a designação “...”. 5. O referido estabelecimento comercial é propriedade da 1ª ré, que o explora com o objeto de exploração de café, bares, snack-bar e salão de jogos, sendo o 2º réu gerente da 1ª ré. 6. Tal estabelecimento tem o alvará de licença de utilização nº ...1, concedido por despacho de 30.12.1991, com lotação de 57 lugares sentados, com o seguinte horário de funcionamento: a) De Domingo a Quinta entre as 21h30 e as 04h00; b) Sextas e Sábados entre as 21h30 e as 04h30; c) Esplanada até às 2 h; 7. Sem encerramentos semanais ou para férias, excepto nos dias 24 e 31 de Dezembro. 8. O referido estabelecimento está inserido em zona habitacional, conhecida por Quinta ..., junto à Rua ..., existindo em todo o seu raio até 200 metros apenas fogos e edifícios habitacionais, para além de um café, uma pastelaria e alguns estabelecimentos comerciais todos de laboração diurna; 9. O dito estabelecimento é composto, entre outros equipamentos e utensílios, por mesas, cadeiras, aparelhagem de música, mesa de snooker, jogo de setas e televisores, espaço destinado a café, cozinha de refeições rápidas e uma esplanada exterior que funciona sempre que as condições meteorológicas são mais favoráveis, em especial na Primavera e Verão; 10.Desde que a autora passou a ter a sua residência na fracção autónoma identificada em 1, no dia 5 de Janeiro de 2018, que se deu conta que era quase impossível ali descansar, sobretudo à noite; 11.Nessa primeira noite, por força do ruído oriundo do funcionamento do estabelecimento da 1ª ré, a autora, pelas 4 horas da manhã, ligou para a PSP que se dirigiu ao local e registou a ocorrência; 12.Nesse momento, o 2º réu e dois agentes da PSP que se encontravam de patrulha, subiram à habitação da autora para comprovarem os ruídos; 13.O ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento da 1ª ré foi sempre objeto de discussões nas assembleias de condomínio do prédio em questão, desde a sua abertura, em 1991 até ao ano de 2008, data em que os ante-proprietários da fração autónoma da autora (...) deixaram de nela habitar e passaram a ceder o seu uso a estudantes; 14.ruído provindo daquele estabelecimento perturba habitualmente alguns moradores dos prédios confinantes; 15.Um morador do prédio que confina com aquele onde se situa a fração autónoma da autora informou-a que no ano de 2017 se havia queixado, pelo menos, 21 vezes à PSP, do ruído provindo do estabelecimento; 16.O ruído provém, nomeadamente, do arrastar de cadeiras no chão, de pancadas, do bater das bolas de bilhar, de vozes, de talheres, de copos; 17.Desde o dia em que a autora instalou a sua residência que se começou a queixar (pessoalmente, telefonicamente e por escrito) junto da 1ª ré, na pessoa do 2º réu, dos ruídos provindos do bar, implorando por uma solução; 18.A 1ª ré promoveu um ensaio acústico tendente a medir os níveis de ruído emitidos pelo funcionamento do estabelecimento instalado no prédio do 3º réu, ensaio efetuado pela ADAI – Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial, tendo este sido realizado no dia 24 de Janeiro de 2018; 19.No seguimento desse ensaio acústico, a 1ª ré levou a cabo algumas intervenções/obras no espaço tendentes melhorar o isolamento acústico; 20.Os ruídos supra expostos continuaram a incomodar a autora até à presente data; 21.Em 20.04.2018, a autora apresentou reclamação do ruído contra a 1ª ré junto da Câmara Municipal ...; 22.Em 16.05.2018, a autora requereu a suspensão da reclamação por ter tido conhecimento que o gerente da 1ª ré tinha sido alertado, pelos serviços da Câmara Municipal ..., de marcação de avaliação sonora a realizar na sua residência, sendo do entendimento da autora que a mesma deveria ter carácter surpresa; 23.Tal situação deu origem a um processo de inquérito interno da Câmara, no âmbito do qual a autora foi chamada a prestar declarações; 24.Em 26.04.2018, a autora foi interpelada por carta enviada pela mandatária da 1ª ré, para realizar novo ensaio acústico ao local (após as obras executadas); 25.Em 03.05.2018, a autora respondeu que aceitaria o dito ensaio, informando a mandatária da 1ª ré que, independentemente do resultado daquela nova avaliação, as obras não tinham resolvido o problema da propagação do ruído de funcionamento do Bar/Pub, como diversas vezes já tinha informado a 1ª ré, na pessoa do seu gerente; 26.Na mesma data da interpelação da 1ª ré à autora, aquela enviou, através da sua mandatária, uma missiva ao condomínio a reportar a situação, sugerindo que a eventual responsabilidade pelo ruído que decorre do funcionamento do Bar/Pub pudesse ser imputada à construção do edifício que, pela idade, não estaria preparado para suportar (abafando) tais ruídos; 27.No dia 14.05.2018, o Sr. Administrador do condomínio, Dr. FF, respondeu, referindo que já tinha conhecimento da situação e que as obras não tinham surtido qualquer efeito; 28.Em 09.05.2018, foi efectuado pela ADAI um ensaio acústico para aferir do efeito prático das obras realizadas, o qual (com a aplicação de uma margem de erro prevista) veio concluir que “os resultados obtidos configuram a satisfação dos respectivos requisitos regulamentares”; 29.No espaço, o som da música, das vozes, risos, gargalhadas, gritos, copos e garrafas atravessa as paredes do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento e, ainda, as suas janelas e portas; 30.Sendo tais ruídos percetíveis em todo o interior da habitação da autora, nomeadamente na sala e quarto; 31.No interior da habitação da autora ouvem-se as bolas de snooker a bater umas nas outras e nos buracos, nas tabelas e as pancadas das setas no quadro do jogo respectivo; 32.O ruído do rojar das mesas e das cadeiras no chão é incomodativo, ouve-se com muita intensidade na residência da autora e de alguns vizinhos; 33.Ouvem-se as pancadas para limpeza das borras de café ao longo de toda a noite, assustando a autora de cada vez que sucedem, acordando-a; 34.Ouvem-se ruídos provenientes das arrumações diárias levadas a cabo no estabelecimento, bem como ruídos provindos de arrastamento de cadeiras e mesas e de copos e louças a partir ou bater entre si; 35.Na residência da autora ouvem-se vozes dos utentes do estabelecimento, sendo, por vezes, percetíveis as palavras ditas; 36.É habitual os utentes do espaço permanecerem no exterior do estabelecimento durante o seu período de funcionamento e para além do mesmo, conversando em voz alta, berrando e gritando e deixando garrafas no pavimento, nomeadamente nas madrugadas de Primavera e Verão, quando se encontra a esplanada aberta; 37.Por vezes, os utentes do estabelecimento fazem-se transportar em veículos automóveis, cujo movimento de chegada e partida produz ruídos de motores, incluindo buzinas, movimentos esses, por vezes acompanhados de vozes em tom alto, risos e gargalhadas; 38.Os referidos sons são audíveis no prédio da autora, tanto no interior, como no exterior do edifício e no prédio confinante; 39.Entre a hora da abertura do estabelecimento, cerca das 20h30, e as 24 horas, horário durante o qual a autora costuma descansar na sala, a autora não consegue ouvir a sua televisão sem lhe aumentar o volume de som para o máximo, nem ter uma conversa naquele local ou ao telefone sem ser perturbada com os ruídos vindos do estabelecimento; 40.Os tampões para os ouvidos e comprimidos para a ansiedade fazem parte do dia a dia da autora, desde a 1ª semana em que se mudou para aquela casa; 41.A autora toma diariamente essa medicação e usa os referidos tampões auriculares para tentar dormir; 42.A autora teve que adquirir uma coluna para optimizar o som da sua televisão, por não conseguir ouvir as palavras ali proferidas pelo facto de as mesmas serem abafadas pelo ruído do bar; 43.Mesmo com os tampões auriculares colocados, a ansiedade da autora não diminui, passando noites em que acorda de hora em hora; 44.E outras em que só adormece quando o bar encerra (a partir das 5 h da manhã); 45.Mal se mudou para aquela habitação, a autora começou a tomar comprimidos naturais, sem necessidade de receita médica, para conseguir descansar; 46.A partir de Abril, recorreu ao seu médico de família porque precisava de medicação mais forte; 47.Passando, desde então, a tomar Alprazolan; 48.A autora pediu a amigas que a pudessem albergar em noites que não estava a conseguir descansar e precisava de o fazer, por ter de acordar muito cedo para trabalhar; 49.A autora não consegue descansar na sua própria casa, desde o 1º dia em que para lá foi residir, desde a abertura do bar até às 5 da manhã, passando várias horas sem dormir, sendo que, quando adormece, acorda constantemente nervosa e ansiosa; 50.Por vezes, a autora acolhe amigos na sua casa; 51.Estas visitas, quando lá pernoitam, com muita dificuldade conseguem adormecer, por força dos sons produzidos pelo bar; 52.Durante os períodos de funcionamento do espaço, a autora anda permanentemente irritada, nervosa, sob stress e revoltada, não conseguindo descansar, o que se está a repercutir na sua saúde, condição física e mental; 53.Durante o dia, a autora anda habitualmente cansada, com sono, dores de cabeça, melancólica, angustiada e ansiosa com a resolução da situação; 54.A autora tem vindo a ter ataques de pânico durante a noite, situação que nunca lhe tinha acontecido; 55.A autora vê a sua casa como um símbolo do seu trabalho e do esforço que implicou a sua aquisição e não está disposta a vendê-la; 56.Os factos descritos estão a prejudicar a tranquilidade, sossego e paz que a autora aspirava vir a ter depois do sacrifício feito para poder ter o seu lar; 57.Na Praça ... existem, pelo menos, mais dois estabelecimentos comerciais: um de restauração e um café - ...; 58.A ré realizou obras de melhoramento de insonorização do estabelecimento; 59.O estabelecimento comercial encontra-se aberto ao público desde 1991; 60.A ré substituiu o chão do estabelecimento por um flutuante com tela acústica; 61.A ré revestiu o recipiente de armazenamento de desperdícios para onde são depositadas as borras de café com tela de borracha acústica; 62.A autora foi cerca de duas vezes ao estabelecimento da ré. Não se provou: 1.Que a 1ª ré nunca teve problemas, designadamente distúrbios ou desacatos; 2.Que nunca a situação do ruído foi colocada pelos anteriores proprietários; 3.Que o café referido em 58º dos factos provados tem esplanada e música e está aberto todo o ano até cerca das duas horas da manhã; 4.Que as obras referidas em 59º dos factos provados eliminaram todo e qualquer ruído; 5.Que o estabelecimento comercial tem as mesmas condições de insonorização com que abriu e que se mantiveram inalteradas até Março de 2018, sem que tenham ocorrido quaisquer reclamações; 6.Que nunca foi dado conhecimento à ré do teor das actas das Assembleias de Condomínio que tiveram por objecto de discussão o ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento; 7.Que as pessoas que frequentam o bar são da redondeza e deslocam-se maioritariamente a pé; 8.Que o acesso ao Bairro ... faz-se quase exclusivamente por ali; 9.Que o estabelecimento da ré garante emprego a cerca de 3 ou 4 trabalhadores diariamente; 10. Que a exploração do estabelecimento não produz actualmente qualquer ruído.” * Conhecendo: São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C. No caso em análise temos que apenas há que decidir o recurso no segmento respeitante à matéria de direito, a recorrente questiona: - A errada aplicação do direito decorrente de uma muito discutível e controversa interpretação normativa dos institutos aplicáveis aos autos; - Verificada mediante contradição de acórdãos. Tendo em conta o deliberado pela Formação no acórdão que proferiu e no qual refere: “o facto de das decisões das instâncias ter resultado uma restrição, de caráter não desprezível, dos direitos fundamentais da requerida, consubstanciada na limitação do funcionamento do estabelecimento comercial por si explorado, avulta como suficientemente relevante para merecer a atenção, à luz do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, deste Supremo Tribunal - até porque a presente temática tem estado ausente da sua jurisprudência mais recente.” Está em causa o direito ao descanso e ao repouso da autora na sua casa, fração de um prédio em propriedade horizontal e o direito de laborar da ré que explora um estabelecimento numa outra fração do mesmo prédio. Não ocorre, como alega a recorrente que as decisões recorridas extinguem em absoluto o seu direito, considerado direito menor. Apenas se verifica restrição ou limitação ao exercício da atividade comercial da recorrente, limitação que esta tem por exagerada. A recorrente cita, entre outros o Ac. da Rel. de Coimbra, de 06-12-2005, no Proc. nº 2962/05, que tem o seguinte sumário: “I– O descanso, a tranquilidade e o sono são direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, que se inserem no direito à integridade física, preceituado no artº 25º, nº 1, da CRP, bem como no direito ao ambiente e qualidade de vida, como resulta do artº 66º da mesma Constituição. II– No campo da lei ordinária, o direito ao repouso é, ainda, um direito de personalidade que beneficia da tutela do artº 70º, nºs 1 e 2, do C. Civ. . III– Frequentemente há conflito de direitos fundamentais, podendo, nomeadamente, ser conflituantes o exercício do direito de propriedade sobre um estabelecimento que emite ruídos, e o direito de outrem ao sossego, ao repouso, a um ambiente sadio. IV – Avaliando colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, dispõe o artº 335º, nº 1, do C. Civ. que devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.” Nesse processo estava em causa o direito ao descanso, do autor e dos seus familiares, que era perturbado pelo funcionamento de um estabelecimento bar petisqueira. Nesse processo foi proferida sentença, na qual se julgou a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se, consequentemente, a Ré do pedido, sendo esta decisão mantida no recurso de apelação. Nesse processo o Tribunal da Relação de Coimbra manteve a decisão de manutenção da laboração do estabelecimento réu porque, “… na sequência do que fora determinado à ré em sede de procedimento cautelar instaurado pelo A., a mesma realizou em 13.7.02 obras de remodelação e aumento do isolamento acústico. Em teste de isolamento realizado após essas obras apurou-se que os níveis sonoros situam-se dentro dos valores limites estabelecidos no DL 129/02, de 11.Maio. Acresce que os ruídos emanados do bar – barulho dos copos, pratos e chávenas, manuseamento de tachos e panelas – que reputamos como sendo os mais intensos, são audíveis na habitação do A. até cerca das 21.30H, mas não depois das 23H. Ora, o A. encerra o seu estabelecimento de snack-bar ás 22.30H, o que significa que ao regressar a casa pouco ou nenhum barulho perturbará o seu direito ao descanso. Em suma, não está demonstrado que os ruídos produzidos na «C...» sejam insuportáveis e agressivos para quem habite as fracções vizinhas e tem de descansar, exigindo a cessação da actividade a partir das 22 horas como vem peticionado. O A. e familiares poderão ser sensíveis ao barulho proveniente do estabelecimento vizinho, mesmo depois das 23H, e que lhes perturba o sono. Mas isso não é suficientemente relevante, ou, dito de outra maneira, não constitui um prejuízo substancial lesivo dos direitos de personalidade, para justificar limitações ao direito de propriedade e de livre iniciativa privada da ré como quer impor. No confronto dos direitos e interesses em jogo, os direitos do A. e familiares terão, portanto, de ceder face àqueles direitos da ré.” A situação é substancialmente distinta da que se verifica nestes autos onde ficou provado, entre outros: -Desde que a autora passou a ter a sua residência na fracção autónoma identificada em 1, no dia 5 de Janeiro de 2018, que se deu conta que era quase impossível ali descansar, sobretudo à noite. - Nessa primeira noite, por força do ruído oriundo do funcionamento do estabelecimento da 1ª ré, a autora, pelas 4 horas da manhã, ligou para a PSP que se dirigiu ao local e registou a ocorrência. - A fração da autora situa-se por cima do estabelecimento da ré. - O ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento da 1ª ré foi sempre objeto de discussões nas assembleias de condomínio do prédio em questão, desde a sua abertura, em 1991 até ao ano de 2008, data em que os ante-proprietários da fração autónoma da autora (...) deixaram de nela habitar e passaram a ceder o seu uso a estudantes. - O ruído provindo daquele estabelecimento perturba habitualmente alguns moradores dos prédios confinantes. - Um morador do prédio que confina com aquele onde se situa a fração autónoma da autora informou-a que no ano de 2017 se havia queixado, pelo menos, 21 vezes à PSP, do ruído provindo do estabelecimento. - O ruído provém, nomeadamente, do arrastar de cadeiras no chão, de pancadas, do bater das bolas de bilhar, de vozes, de talheres, de copos. - Desde o dia em que a autora instalou a sua residência que se começou a queixar (pessoalmente, telefonicamente e por escrito) junto da 1ª ré, na pessoa do 2º réu, dos ruídos provindos do bar, implorando por uma solução. - A 1ª ré promoveu um ensaio acústico tendente a medir os níveis de ruído emitidos pelo funcionamento do estabelecimento instalado no prédio do 3º réu e, no seguimento desse ensaio acústico, a 1ª ré levou a cabo algumas intervenções/obras no espaço tendentes melhorar o isolamento acústico. - Os ruídos supra expostos continuaram a incomodar a autora até à presente data. - Os serviços da Câmara Municipal ..., após queixa da autora promoveram a marcação de avaliação sonora a realizar na sua residência, sendo do entendimento da autora que a mesma deveria ter carácter surpresa, mas o gerente da 1ª ré tinha sido alertado, pelo que o teste foi suspenso. - A autora foi interpelada por carta enviada pela mandatária da 1ª ré, para realizar novo ensaio acústico ao local (após as obras executadas) e em 03.05.2018, a autora respondeu que aceitaria o dito ensaio, informando a mandatária da 1ª ré que, independentemente do resultado daquela nova avaliação, as obras não tinham resolvido o problema da propagação do ruído de funcionamento do Bar/Pub, como diversas vezes já tinha informado a 1ª ré, na pessoa do seu gerente. - O Sr. Administrador do condomínio pronunciou-se, referindo que as obras não tinham surtido qualquer efeito. - No espaço, o som da música, das vozes, risos, gargalhadas, gritos, copos e garrafas atravessa as paredes do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento e, ainda, as suas janelas e portas. - Sendo tais ruídos percetíveis em todo o interior da habitação da autora, nomeadamente na sala e quarto. - No interior da habitação da autora ouvem-se as bolas de snooker a bater umas nas outras e nos buracos, nas tabelas e as pancadas das setas no quadro do jogo respectivo. - O ruído do rojar das mesas e das cadeiras no chão é incomodativo, ouve-se com muita intensidade na residência da autora e de alguns vizinhos. - Ouvem-se as pancadas para limpeza das borras de café ao longo de toda a noite, assustando a autora de cada vez que sucedem, acordando-a. - Ouvem-se ruídos provenientes das arrumações diárias levadas a cabo no estabelecimento, bem como ruídos provindos de arrastamento de cadeiras e mesas e de copos e louças a partir ou bater entre si. - Na residência da autora ouvem-se vozes dos utentes do estabelecimento, sendo, por vezes, percetíveis as palavras ditas. - É habitual os utentes do espaço permanecerem no exterior do estabelecimento durante o seu período de funcionamento e para além do mesmo, conversando em voz alta, berrando e gritando e deixando garrafas no pavimento, nomeadamente nas madrugadas de Primavera e Verão, quando se encontra a esplanada aberta. - Entre a hora da abertura do estabelecimento, cerca das 20h30, e as 24 horas, horário durante o qual a autora costuma descansar na sala, a autora não consegue ouvir a sua televisão sem lhe aumentar o volume de som para o máximo, nem ter uma conversa naquele local ou ao telefone sem ser perturbada com os ruídos vindos do estabelecimento. - Os tampões para os ouvidos e comprimidos para a ansiedade fazem parte do dia a dia da autora, desde a 1ª semana em que se mudou para aquela casa. - A autora toma diariamente essa medicação e usa os referidos tampões auriculares para tentar dormir. - A autora teve que adquirir uma coluna para optimizar o som da sua televisão, por não conseguir ouvir as palavras ali proferidas pelo facto de as mesmas serem abafadas pelo ruído do bar. - Mesmo com os tampões auriculares colocados, a ansiedade da autora não diminui, passando noites em que acorda de hora em hora. - E outras em que só adormece quando o bar encerra (a partir das 5 h da manhã). - A autora pediu a amigas que a pudessem albergar em noites que não estava a conseguir descansar e precisava de o fazer, por ter de acordar muito cedo para trabalhar. - Por vezes, a autora acolhe amigos na sua casa e, estas visitas, quando lá pernoitam, com muita dificuldade conseguem adormecer, por força dos sons produzidos pelo bar. - Os factos descritos [e outros constantes dos provados] estão a prejudicar a tranquilidade, sossego e paz que a autora aspirava vir a ter depois do sacrifício feito para poder ter o seu lar. Enquanto no acórdão proferido naquele outro processo indicado pela recorrente como fundamento não está demonstrado que os ruídos produzidos sejam insuportáveis e agressivos para quem habite as frações vizinhas e tem de descansar, no caso vertente é notório que a atividade levada a cabo pela ré produz ruídos que anormalmente e de forma intensa prejudicam o direito da autora ao sossego e descanso e lesam o direito de personalidade da autora já que são ofensivos da integridade física e moral da autora e prejudicando de forma acentuada a sua saúde. Desde o início da década de 1960 são conhecidos os processos contra o metropolitano de ... pelos incómodos causados pelas obras de construção por ofenderem ilicitamente o direito à saúde e ao repouso, sendo este direito defendido pelas decisões tomadas. No caso, a ré nunca se preocupou em demonstrar que os ruídos produzidos no estabelecimento observavam o disposto na lei do ruído, atualmente o Dl. n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, que aprovou o Regulamento Geral do Ruído. Apenas se provou que no seu estabelecimento são produzidos ruídos que em muito incomodam a vizinhos e essencialmente a autora, cuja fração se situa mais próxima (por cima do estabelecimento em causa). Embora, em princípio a autorização administrativa e respetiva licença de exploração do estabelecimento ao serem concedidas é porque o estabelecimento observa os requisitos legais, mesmo no que se reporta a barulhos, mas tal legalidade não concede o direito a efetuar barulhos ou ruídos que importunem o direito ao descanso e ao repouso dos vizinhos e, o direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, direito à saúde e qualidade de vida é ofendido, independentemente de haver legalização administrativa. Verificando-se colisão de direitos, dispõe o art. 335º, nº 1, do Cód. Civil que devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Isto quando a colisão se verifica entre direitos iguais, ressalvando o nº 2 a prevalência do direito considerado superior quando os direitos forem desiguais ou de espécie diferente. E como é entendimento deste STJ, havendo colisão de direitos de espécies diferentes, dum lado o direito à integridade física, ao descanso e ao sono, e do outro o direito ao exercício de uma atividade comercial, prevalece o que deva considerar-se superior, nos termos do n.º 2 do art. 335º do Cód. Civil e não há dúvida de que o direito ao repouso é de valor superior ao direito de exercício de uma atividade comercial. Sobre este artigo a doutrina tem-se manifestado no sentido de que “na hipótese de se concluir pela superioridade de um direito relativamente a outro, se deve encontrar uma solução que, sem prejuízo de dar prevalência ao superior, acautele na medida do possível um exercício residual e subsidiário do direito preterido. Com efeito, a prevalência de um direito relativamente ao exercício de outro direito não significa a exclusão obrigatória e completa deste último. Sempre que seja viável, o juiz deve tentar assegurar alguma oportunidade de exercício ao direito tido como inferior” (Elsa Vaz Sequeira, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 793); noutra obra, de referência, pode ler-se “o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses, inclusivamente, caso sejam possíveis e adequados vários modos de exercício dos direitos superior e inferior, a solução legal do conflito impõe que as partes adoptem modos alternativos de exercício que respeitem a diferença axiológico-jurídica em causa e se mostrem não colidentes entre si ou, se isso não for possível, impõe que o titular do direito predominante adopte o modo de exercício mais moderado ou menos gravoso, que limite no mínimo o direito secundário ( Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, 1995, pág. 549). Portanto, a prevalência de um direito superior relativamente ao inferior não significa o “esmagamento” do segundo pelo primeiro. E este princípio de proporcionalidade sai reforçado se ambos os direitos forem, como é o caso, tutelados constitucionalmente: os direitos de personalidade encontram abrigo no art. 25º da CRP, subordinado à epígrafe” Direito à Integridade Pessoal”, que inclui a integridade moral e física (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, volume I, 4ª edição revista, pág. 455); e o direito de exploração de atividade comercial no art. 61º da CRP, que protege a liberdade de iniciativa privada (ob. cit. pág. 790). Neste caso, a harmonização de tais direitos deverá conformar-se com as exigências contidas no art. 18º da Constituição mormente com o princípio da proporcionalidade inscrito na parte final do nº 2. No Ac. deste STJ de 06-04.2021, em que fomos adjunto, proferido no Proc. nº 19/18.5T8CBC.G1.S1 se entendeu que, “1. O direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de uma parte prevalece sobre o direito à actividade económica da outra; 2. A harmonização entre esses direitos há-de obedecer ao princípio da proporcionalidade de modo que, se possível, a afirmação de um direito não implique necessariamente a exclusão do outro;” Neste sentido, também, o Ac. do STJ de 13-03-1997, no Processo n.º 557/96, “Na interpretação do art. 335.º, a propósito de a colisão ocorrer entre um direito de personalidade e um direito que não de personalidade, devem prevalecer, em princípio, os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais.” Como também é entendimento da jurisprudência, o repouso não pressupõe silêncio completo, pois o ruído é algo de inerente à civilização moderna, integrado na sua essência; o que pode e deve é domar-se, tornar-se suportável. E não é a produção de qualquer ruído que acarreta ilicitude: este há-de ser caracterizado por frequência ou intensidade que o tornem insuportável. Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 10-12-1998, Revista n.º 1044/98. E como resulta dos factos provados, o direito ao exercício de uma atividade comercial tem sido exercido, pela ré, de forma a prejudicar a integridade física da autora no direito desta ao sono e repouso. A ré vem exercendo esta sua atividade como se a pudesse exercer sem qualquer limitação e como se não estivesse a importunar ninguém. Deve-se tentar harmonizar os direitos da autora e da ré, cedendo a autora e a ré na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, com o menor prejuízo para qualquer das partes. Mas dos facto provados resulta que a ré nada fez de relevante para minorar os efeitos nocivos que o seu estabelecimento produz, no que respeita a ruídos. Alega a recorrente que, “No limite, o que sempre se concede, procedendo-se a alguma adequação/compensação, como solução intermédia i.e., o fecho entre as 02h45 e as 09h00, que permitiria uma laboração em Part-time, i.e. 5 horas. Termos em que a Recorrente sempre, concederia, por exemplo: - no encerramento um dia de descanso semanal já decretado; na redução da capacidade do estabelecimento a 75% da lotação a partir das 23h45m; na redução da capacidade do estabelecimento a 60% da lotação a partira das 01h15m; (acautelando-se em ambos os casos trinta minutos de tolerância para garantir a respectiva diminuição junto dos clientes); Nos períodos de férias ou ausências pontuais da A./Recorrida, a recorrente poderá laborar sem restrição, situação não ponderada pelas instâncias recorridas e que em nada interfere com qualquer direito da Recorrente.” Mas, sem obras de insonorização que diminuam substancialmente os ruídos produzidos no estabelecimento temos que se torna impraticável a habitação da autora na sua fração, porque horas de descanso serão apenas aquelas em que o estabelecimento da ré está encerrado. Não se provou que houvesse períodos de laboração em que fosse de menor volume o ruído. Basta atentar na matéria de facto provada e já reproduzida supra. No entanto, a ré não demonstrou na ação que era possível a redução eficiente do ruído mediante obras de insonorização (que não levou a cabo), ou, mediante a redução da capacidade de lotação do estabelecimento, há necessidade de garantir à autora o seu direito ao descanso, pelo menos entre as 0,00 horas e as 8,00 horas, assim tendo em conta o princípio da proporcionalidade e de modo a garantir que o exercício desse direito não implica a exclusão total do direito da ré ao exercício da sua atividade. E além disso, o tribunal está impedido de proceder a uma decisão condicional, que faça depender a validade da paralisação da atividade de eventuais obras de insonorização (v. Ac. STJ de 19.4.2012, proc. 3920/07.8TBVIS.C1.S1, em www.dgsi.pt), prejudicando a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na ação e a efetividade da tutela alcançada pelo demandante (Ac. STJ de 7.4.2011, proc. nº 419/06.3 TCFUN-L1.S1, também em www.dgsi.pt). Portanto, não basta à ré alegar que realizou obras de melhoramento de insonorização do estabelecimento, se não se provam melhoras resultantes dessas obras. E irrelevante é a ré alegar que “a exploração do estabelecimento não produz atualmente qualquer ruído”, se tal matéria resultar não provada. Face ao exposto há-de o recurso ser julgado improcedente mostrando-se, face á inexistência de insonorização do estabelecimento da ré, já restringido na medida do possível o direito da autora ao ter de suportar todos os incómodos que resultam dos factos provados, entre as 08,00 horas e as 24,00 horas. Devendo manter-se o acórdão recorrido. * Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC: I- É entendimento jurisprudencial que, havendo colisão de direitos de espécies diferentes, dum lado o direito à integridade física, ao descanso e ao sono, e do outro o direito ao exercício de uma atividade comercial, prevalece o que deva considerar-se superior, nos termos do n.º 2 do art. 335º do Cód. Civil e não há dúvida de que o direito ao repouso é de valor superior ao direito de exercício de uma atividade comercial. II- Sobre a interpretação deste artigo335º, a doutrina tem-se manifestado no sentido de que na hipótese de se concluir pela superioridade de um direito relativamente a outro, se deve encontrar uma solução que, sem prejuízo de dar prevalência ao superior, acautele na medida do possível um exercício residual e subsidiário do direito preterido. III- Não tendo a ré demonstrado na ação que era possível a redução eficiente do ruído mediante obras de insonorização (que não levou a cabo), ou, mediante a redução da capacidade de lotação do estabelecimento, há necessidade de garantir à autora o seu direito ao descanso, pelo menos entre as 0,00 horas e as 8,00 horas, assim tendo em conta o princípio da proporcionalidade e de modo a garantir que o exercício desse direito não implica a exclusão total do direito da ré ao exercício da sua atividade. * Decisão: Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente.
Lisboa, 31-01-2023
Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto |