Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7342/21.0T9PRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CARLOS CAMPOS LOBO
Descritores: ABSOLVIÇÃO EM 1.ª INSTÂNCIA
CONDENAÇÃO NA RELAÇÃO
FALSIDADE DE TESTEMUNHO OU PERÍCIA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE
ERRO DE JULGAMENTO
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 10/01/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – Na sequência do posicionamento legiferante trazido pela Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro, sobre a questão da recorribilidade, é claro que, independentemente da pena aplicada, toda a decisão condenatória ex novo do Tribunal da Relação é recorrível para o STJ, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 400º, do CPPenal, sendo tal extensível a todos os casos de reversão de absolvição em 1ª Instância e condenação pelo Tribunal da Relação, mesmo naqueles em que se absolve por um crime e condena por outro.

II – Todavia, e mesmo assim sendo, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410º, nºs 2 e 3 do CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do nº 1 do artigo 432º do mesmo complexo normativo, não sendo admissível, nos termos da alínea b) do mesmo nº 1, o recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do dito artigo 410º.

III – Nesse desiderato, não é possível discutir a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal da Relação, pela via da impugnação nos termos do estatuído no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPPenal – erro de julgamento -, sendo que, igualmente, o recurso à ponderação dos vícios insertos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, só poderá levar-se a cabo a título oficioso.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1.No processo nº 7342/21.0T9PRT da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 2 , figurando como arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em D-M-2003, solteiro, com ultima residência conhecida na Rua 1, e titular do cartão de cidadão nº ......94, foi proferida sentença, em 7 de novembro de 2024 onde se decidiu absolver aquele, da prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360º, nºs 1 e 3 do CPenal, do qual vinha acusado.

2. Discordando do assim decidido, o Digno Mº Pº recorreu para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, suscitando as seguintes questões:

- Erro de julgamento quanto aos factos dados como não provados descritos nos pontos a) e b) da sentença proferida em 1ª Instância;

- Condenação do arguido como autor material do crime de falsidade de testemunho que lhe vinha imputado na acusação.

3. Por Acórdão de 14 de maio de 2025, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, pronunciando-se sobre as questões supra notadas, decidiu da seguinte forma:

- Modificar a matéria de facto dada como não provada, passando a constar dos factos provados:

5º -A Quando prestou declarações, o arguido previu e quis alterar a verdade dos factos que se reputavam essenciais para a decisão da causa, prejudicando assim a administração da justiça.

5ª B Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

- Condenar o arguido AA como autor material de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art. 360º nºs 1 e 3 do Cód. Penal, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de € 3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros).

4. Inconformado, o arguido veio recorrer, para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando o aresto prolatado, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

1. Realizado o julgamento em primeira instância veio o recorrente por sentença datada (e depositada) de 07/11/2024, absolvido da prática do crime que lhe vinha imputado;

2. O ministério público não satisfeito, veio interpor recurso daquela decisão para o TRP, justificando-se pelo erro de julgamento;

3. O TRP julgou procedente o recurso do ministério público, condenando o recorrente pela prática de um crime de falsidade de depoimento, na pena de multa de 3.150,00€;

4. O recorrente, por não concordar de todo com o Acórdão proferido por esta Relação, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o que lhe é permitido nos termos do art. 400º, nº 1 alínea e) do CPP;

5. Lida a decisão de primeira instância e vista a prova, não encontramos contradição, insuficiência ou erro de apreciação que permitam considerar verificados quaisquer dos vícios a que alude o artigo 410º do código de processo penal, de conhecimento oficioso.

6. É irrelevante argumentar sobre um qualquer desmesurado peso que as declarações do arguido mereceram face a outro, pois que, não estando consagrado o regime da prova vinculada, o específico peso que um ou outro depoimento tem no processo de formação da convicção depende única e exclusivamente do julgador.

7. Apresentando-se a fundamentação esclarecedora sobre as provas de que o tribunal se socorreu para chegar à absolvição do arguido e, bem assim, como as conjugou entre si, seguindo um processo lógico e racional, e revelando-se o juízo de inferência razoável, respeitando a lógica da experiência da vida, e não já arbitrário, absurdo ou infundado, não ocorre violação do princípio da livre apreciação da prova.

8. A absolvição está assente em prova diversa, máxime nas declarações do arguido que embora pudesse ter-se remetido ao silêncio explicou ao Tribunal a sua versão dos factos, que o tribunal aceitou como credível - cf. a motivação da decisão de facto.

9. Não ficando o tribunal em dúvida sobre a não responsabilidade criminal do recorrente, é destituída de fundamento qualquer alegação da violação do in dubio pro reo.

10. Acresce que, considerados os princípios da oralidade e da imediação, inerentes a qualquer julgamento, ao tribunal de recurso não cabe fazer uma reavaliação da percepção que o tribunal de julgamento retirou da prova que foi produzida.

11. E nada do que foi alegado pelo MP no seu recurso para a Relação quanto à pretensa má apreciação da prova está refletida na decisão de primeira instância, pelo que o Tribunal da Relação jamais poderia ter alterado a decisão e concluído que houve no caso concreto erro notório na apreciação da prova, porque não houve nem, tal resulta do texto da decisão de primeira instância.

12. Nestes termos deve ser proferido Acórdão por este STJ que julgue procedente o presente recurso devendo ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância nos termos e com os fundamentos que supra aduzimos e, em conclusão ser o arguido absolvido do crime de falsidade de depoimento em que a Relação o condenou.

5. O Digno Ministério Público, junto do Venerando Tribunal da Relação do Porto, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, concluindo: (transcrição)

1º O Ministério Público não questiona a admissibilidade do presente recurso, atento o sentido da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 14 de maio de 2025, e pelo qual, alterando a decisão absolutória proferida em 1ª Instância, veio a condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art.º 360º nºs, 1 e 3 do Código Penal, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros).

2º Contudo, entende o Ministério Público que desta decisão, de condenação por parte do Tribunal da Relação do Porto, somente cabe recurso de revista alargada para o Supremo– ou seja, apenas relativo ao reexame da matéria de direito -, e não um pleno recurso sobre matéria de facto, já que das alterações introduzidas pelo art.º 11º da Lei n.º 94/2021 à alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º e ao art.º 434º, ambos do CPP, resulta expressamente que o STJ não tem poderes de cognição sobre a matéria de facto fixada nas decisões condenatórias de primeira instância das Relações.

3º Ou seja, a competência do STJ nestes casos cinge-se à apreciação da questão fundamental da culpa em hipóteses de desacordo entre instâncias, com possibilidade de conhecer da existência de contradição insanável na fundamentação, erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria provada para a decisão tomada.

4º No que concerne ao mérito do recurso, e pese embora os argumentos invocados pelo recorrente, entende o Ministério Público que não lhe assiste razão, e que se deverá manter, na íntegra, o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 14 de maio de 2025, e pelo qual, alterando a decisão absolutória proferida em 1ª Instância, condenou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art.º 360º nºs, 1 e 3 do Código Penal, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros).

5º Assim, subscrevemos integralmente a argumentação constante do acórdão recorrido, nomeadamente, a constante de páginas 9 a 15, no sentido de que se deve manter a decisão condenatória do recorrente, já que se verifica do acórdão recorrido que o tribunal da Relação fez uma correta apreciação da prova que foi indicada pelo recorrente Ministério Publico, tendo concluído, e bem, que o tribunal de 1ª instância tinha incorrido no vício indicado pelo recorrente, de erro de julgamento, como ali demonstrou, e por isso concluiu pela procedência do recurso.

6º A que acresce dizer que, lido o acórdão recorrido, do seu teor não se detetam quais vícios dos previstos no art.º 410º, n.º 2 do CPP que cumpra a esse colendo Tribunal conhecer, ou seja, não se deteta qualquer contradição insanável na fundamentação, erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria provada para a decisão condenatória que foi proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.

7º Por isso, a conclusão que se impõe é a de que a decisão do Tribunal da Relação de Porto que, nos termos do disposto no art.º 431º, al. b) do CPP, procedeu à modificação da matéria de facto dada por não provada, vertida nas alíneas a) e b), passando tais factos a constar do elenco dos factos dados como provados e, em consequência, condenou o arguido pela prática de um crime de falsidade de depoimento mostra-se correta, devidamente fundamentada, não padece de qualquer vício e não viola quaisquer disposições legais, nomeadamente, a norma indicada pelo recorrente.

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)1

(…)

A resposta do Ministério Público junto do Tribunal a quo identifica detalhadamente todas as questões a dirimir, equacionando-as devidamente, e rebate com fundamentação profunda e sólida todos os argumentos do recorrente, demonstrando a sua evidente falta de razão.

Com efeito, o recorrente não aponta à decisão recorrida quaisquer erros ou vícios que mereçam a intervenção deste Supremo Tribunal.

(…)

Examinados os fundamentos do recurso, sufragamos integralmente a argumentação expendida pela Senhora Procuradora Geral Adjunta na Relação do Porto na sua resposta, dando-a aqui por reproduzida e emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Não foi apresentada qualquer resposta.

7. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19952, bem como a doutrina dominante3, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir4.

Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo do arguido – nem sempre muito claro quanto ao pretendido -, e os poderes de cognição deste tribunal, sempre considerando que o tribunal de recurso deve observar uma ordem de apreciação preclusiva das questões que se suscitem, importa apreciar e decidir:

- Da admissibilidade recursiva e sua dimensão (questão prévia);

- Erro de julgamento;

- Vícios prevenidos no artigo 410º do CPPenal.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição5)

Factos provados

1º. No dia 01-06-2021, o arguido AA prestou depoimento na qualidade de testemunha, em audiência de discussão e julgamento, no âmbito do processo 37/19.6SGPRT, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto.

2º. Nessa ocasião, depois de ter prestado juramento e ter sido advertido do dever de responder com verdade e das consequências penais da violação de tal dever, quando questionado relativamente aos factos em julgamento, AA afirmou que o ali arguido DD, que se encontrava acusado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, não tinha sido o condutor do veículo automóvel na ocorrência sob julgamento.

3º. Com efeito, afirmou que o veículo foi conduzido por um primo de nome EE e que seguiam no mesmo, como passageiros: no lugar do pendura, o seu primo FF, e, no banco traseiro, o seu tio DD, arguido naqueles autos, o próprio AA e o seu primo GG.

4º. Concluído o julgamento, veio a apurar-se que foi DD quem conduziu a viatura e que seguia sozinho na mesma, conforme decorre dos factos provados sem sede de sentença, já transitada em julgado, e correspondente motivação da decisão de facto.

5º. O arguido sabia que, ao prestar declarações na qualidade de testemunha, estava vinculado ao dever de responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas e se encontrava sob juramento quando prestou declarações em audiência de discussão e julgamento.

5º -A Quando prestou declarações, o arguido previu e quis alterar a verdade dos factos que se reputavam essenciais para a decisão da causa, prejudicando assim a administração da justiça6.

5º - B Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação7.

Mais se provou que:

6.º O arguido não tem antecedentes criminais.

Provou-se ainda que:

7.º O arguido é solteiro e vive com uma tia.

8.º É feirante, no que aufere entre €500,00 e €600,00 mensais.

2.2 Motivação da Decisão8

i) 1ª Instância (transcrição)

Para o apuramento da matéria de facto supra dada como provada, o Tribunal fundou a sua convicção na conjugação dos elementos juntos aos autos com os depoimentos prestados em audiência de julgamento.

Relevaram a certidão de fls. 4 e seguintes; a informação relativa ao trânsito em julgado, de fls. 90; a transcrição de fls. 40 e seguintes; as declarações gravadas em suporte digital, junto na contracapa.

O arguido esclareceu que no dia em causa, quem conduzia era o primo EE, seguindo o arguido e DD atrás, mantendo, assim, as declarações por si prestadas em audiência de julgamento, o que fez de forma insistente, pois, como disse, estava presente e foi assim que ocorreu.

Tais declarações, note-se reportam-se a momento em que o arguido se encontrava presente.

Não obstante, quanto a qualquer outro momento, disse desconhecer se o DD pegou ou não no veículo, só podendo atestar o que aconteceu na sua presença.

Neste aspecto, note-se que da sentença proferida nos outros autos, pese embora não constar, do elenco dos factos provados, que o visado estava sozinho, tal consta expressamente da motivação de facto quando a Srª Juiz se reporta aos depoimentos dos Srs agentes policiais, os quais “atestaram, de forma contextualizada (…) o local onde foi visualizado o veículo/hora (apenas com uma pessoa no seu interior, a conduzir)”. A ser assim, como decorre da sentença, não é, de facto, suposto, o aqui arguido ter conhecimento se o ali visado conduziu ou não aquele veículo, na medida em que não estava presente.

Prestou as suas declarações de forma algo confusa, mas insistente quanto à presença de DD, consigo, no banco de trás do veículo, reiterando não ter sido aquele quem o conduzia, mostrando-se convicto de ser esse o momento em causa nos autos – e não outro, que disse desconhecer - tendo merecido credibilidade.

Relativamente à ausência de antecedentes criminais relevou o CRC junto aos autos.

As condições socioeconómicas do arguido resultaram das declarações do mesmo.

A factualidade dada como não provada resultou, como vimos, das declarações do arguido, na medida em que se reportava a momento distinto daquele que, afinal, estava em causa e que consta da sentença proferida nos outros autos.

ii) Tribunal da Relação do Porto (transcrição)

(…)

Analisada a referida prova documental (a totalidade do depoimento do aqui arguido naqueloutro processo, na qualidade de testemunha) ao abrigo do disposto no art. 412º 6 do CPP, verificamos que a razão se encontra do lado do recorrente.

Efetivamente, a Sra. Juiz a quo no segmento “C- Motivação” justifica a conclusão a que chegou para dar como não provados os factos descritos nos pontos a) e b) do segmento “B-FACTOS NÃO PROVADOS” – de que o depoimento prestado pelo aqui arguido, enquanto testemunha na audiência de julgamento no proc. nº 37/19.6SGPRT se referiam ao momento em que estava presente, (momento esse em que era transportado no banco de trás do veículo juntamente com DD, arguido no referido processo, onde lhe era imputada a prática de um crime de condução de veículo sem para tal estar legalmente habilitado, reportando-se a momento distinto daquele que estava em causa no dito proc. nº 37/19.6SGPRT e consta da sentença aí proferida de condenação de DD), nas declarações do aqui arguido AA que, nos presentes autos, manteve o depoimento que prestou no proc. nº 37/19.6SGPRT; contudo a conclusão retirada pela Sra. Juiz a quo não encontra suporte no próprio depoimento da ali testemunha AA, aqui arguido ou em qualquer outro elemento de prova.

E a falta de suporte da conclusão retirada pela Sra. Juiz a quo encontra-se plasmada nos excertos selecionados pelo recorrente/Ministério Público, a saber:

“Juiz de Direito: Pronto, e então? E então o que é que aconteceu?

Testemunha: Fomos abordados pela polícia.

Juiz de Direito: Foram abordados os dois?

Testemunha: Hum-hum. E os meus primos também.

Juiz de Direito: E então? E depois o que é que a polícia disse?

Testemunha: Não me lembro porque começaram a teimar com o meu tio que era ele que ia a conduzir...

(…)

Juiz de Direito: E quando chegou a polícia estavam os cinco já todos outra vez.

Testemunha: É isso que eu lhe estou a dizer desde o princípio, isto foi um caso de segundos.

Juiz de Direito: Olhe, mas isto terá acontecido tudo no mesmo dia ou já aconteceu outra vez abordar noutro dia?

Testemunha: Não, no mesmo dia.

Magistrada do M.P.: Olhe, quantas vezes o seu outro tio foi detido?

Testemunha: Qual tio?

Magistrada do M.P.: Que o senhor está a dizer que foi detido. O senhor está a dizer que houve um tio que foi detido, que foi preso, e por isso andavam a coletar dinheiro...

Magistrada do M.P.: Para... E uma vez que não se recorda do dia em que isto aconteceu estou-lhe a perguntar quantas vezes o seu tio foi detido. Que tenha conhecimento.

Testemunha: O senhor DD? Nesse dia, só foi esse dia.

Magistrada do M.P.: Só foi esse dia...

Testemunha: Exatamente

Magistrada do M.P.: Mas foi a única vez que esse seu tio foi detido, não foi mais nenhuma vez? (cfr. ainda pág. 40 da transcrição);

Testemunha: Não, mais nenhuma vez (cfr. ainda pág. 40 da transcrição)”.

Para sustentar a conclusão retirada pela Sra. Juiz a quo seria necessário que a dita testemunha AA ( arguido nos presentes autos) tivesse afirmado que o seu tio DD - arguido no proc. nº 37/19.6SGPRT – tinha sido intercetado/abordado pela autoridade policial noutra ocasião do mesmo dia ou em dias anteriores, em que o aqui arguido não se encontraria presente, o que não sucedeu; ou, pelo menos, que a conclusão extraída pela Sra. Juiz a quo estivesse apoiada em qualquer outro elemento de prova produzido e/ou examinado em audiência que – inexiste - e se mostrasse compatível com o depoimento da testemunha, aqui arguido.

Ocorreu, pelo exposto, um erro de julgamento e, em consequência, nos termos do disposto no art. 431º b) do CPP haverá que modificar a matéria de facto dada por não provada vertida em a) e b), passando tais factos a constar do elenco dos factos dados como provados (…).

2.3. Das questões a decidir

Exulta, como primeiro mote a ponderar, a questão da dimensão da admissibilidade recursiva, suscitada na resposta apresentada pelo Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação do Porto – (…) entende o Ministério Público que desta decisão, de condenação por parte do Tribunal da Relação do Porto, somente cabe recurso de revista alargada para o Supremo– ou seja, apenas relativo ao reexame da matéria de direito -, e não um pleno recurso sobre matéria de facto, já que das alterações introduzidas pelo art.º 11º da Lei n.º 94/2021 à alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º e ao art.º 434º, ambos do CPP, resulta expressamente que o STJ não tem poderes de cognição sobre a matéria de facto fixada nas decisões condenatórias de primeira instância das Relações (…).

E tal aspeto surge, ao que se pensa, porque o arguido recorrente, em grande parte do seu instrumento recursivo, ainda que de forma pouco clara, socorre-se de notas respeitantes à valoração da prova, aos elementos probatórios em que o Venerando Tribunal da Relação do Porto se ancorou, aflorando e referindo a ideia de erro de julgamento, enunciando em termos majestáticos a existência dos vícios expressos no artigo 410º do CPPenal.

Perante tal, há que tomar posição, e neste conspecto, tal como o pugnado pelo Digno Mº Pº junto deste STJ, sempre se dirá que a grandeza recursiva, in casu, não pode assumir a abrangência que, ao que se intui, pretende o arguido recorrente.

Desde logo, e visitando conjugadamente os normativos que encerram os artigos 432º, nº 1, alínea b)9 e 400º, nº 1, alíneas e) e f)10, ambos do CPPenal, pacificamente entendidos, pensa-se que os mesmos delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas não privativas da liberdade ou superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância11.

Cabe, também, sublinhar, que se não desconhece a discussão havida, anteriormente à redação do artigo 400º do CPPenal trazida pela Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro, sobre a questão da recorribilidade, ou não, para o STJ de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que inovatoriamente face à absolvição em 1ª instância, revertendo a decisão absolutória, condenam o arguido em pena não privativa da liberdade (multa, pena suspensa, proibição do exercício de profissão, função ou actividades, prestação de trabalho, admoestação), como é aqui o caso12.

Porém, e decorrente do posicionamento legiferante trazido pelo diploma acima citado, é claro que agora, independentemente da pena aplicada, toda a decisão condenatória ex novo do Tribunal da Relação é recorrível para o STJ, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 400º, do CPPenal, sendo tal extensível a todos os casos de reversão de absolvição em 1ª Instância e condenação pelo Tribunal da Relação, mesmo naqueles em que absolve por um crime e condena por outro13.

E, nesse desiderato, sempre se terá de concluir que o recurso é admissível.

Conquanto, essa admissibilidade não tem o alcance / extensão que o arguido recorrente pretende ensaiar, crê-se.

Importa clamar, nesta matéria, pela normação conjugada dos artigos 410º, 432º e 434º do CPPenal.

O primeiro, exibindo-se como norma de carácter geral, prescreve que sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, ou seja, o recurso pode ter por fundamento aspetos de natureza adjetiva ou substantiva, que não sejam excluídos por lei e não se encontrem definitivamente resolvidos.

Acresce que, mesmo nos casos em que o recurso apenas se pode dirigir à matéria de direito, é possível intervenção nos matizes da existência de vícios decisórios expressos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, conquanto resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, bem assim, em casos de alguma nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por seu turno, o segundo inciso apontado, como se anteviu, elenca as situações em que é possível o recurso para o STJ, indicando o artigo 434º do CPPenal que, nesta sede, apenas se pode intervir quanto à matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º, do diploma que se vem citando.

Nesse ensejo, e considerando o regime vigente advindo das alterações ao CPPenal, introduzidas pela Lei nº 94/2021, de 21/12, o recurso para o STJ, nos casos subsumíveis à previsão das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, visa-se exclusivamente o reexame da matéria de direito, a existência dos vícios decisórios ou a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por outro lado, a literalidade da alínea b) do nº 1 do citado inciso legal, não referenciando que o recurso nela previsto se destina exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou aos fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPPenal, impõe a conclusão de que foi propósito do legislador excluir como fundamento dos recursos subsumíveis à sua previsão, o conhecimento dos vícios decisórios.

Ou seja, nos recursos cabíveis na alínea b) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, os recorrentes não podem invocar, como fundamento do recurso, a existência, no acórdão recorrido, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso.

Assim, tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410º, nºs 2 e 3 do CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do nº 1 do artigo 432º do mesmo complexo normativo, não sendo pois, nos termos da alínea b) do mesmo nº 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do dito artigo 410º, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios decisórios, quando a correta decisão de direito a proferir possa vir a ser afetada pela sua subsistência14.

Este expendido, imediatamente conduz à ideia de que, aqui e agora, não é possível discutir a matéria de facto dada como assente pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, pela via da impugnação nos termos do estatuído no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPPenal – erro de julgamento -, sendo que, igualmente, o recurso à ponderação dos vícios insertos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, só poderá levar-se a cabo a título oficioso.


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Sequentemente, e considerando a leitura restritiva da amplitude recursória aqui possível, um olhar sobre a existência de alguma das máculas precavidas no artigo 410º, nº 2 do CPPenal, já que, oficiosamente tal não está vedado a este Alto Tribunal.

No dizer do arguido recorrente, e sem a menor concretização foi violado o (…) Artigo 410º do CPPenal (…).

Ora, percorrendo todo o aresto em dissídio, tanto quanto do mesmo se extrai, nada ressalta elucidativo da verificação de alguma das condições enunciadas na dita normação – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova.

Emerge como assente que os vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, para efeitos de indagação, como resulta do citado preceito, têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento15.

Diga-se, igualmente, que aqui não se visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em discordância, assumindo-se antes como um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

O que está em causa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa16.

Olhando à vertente da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, reporta-se essencialmente à existência de hiatos fatuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de um juízo seguro de condenação ou absolvição e não o foram.

Pretende-se, assim, saber se a matéria de facto apurada, na sua globalidade (provada e não provada) é ou não capaz e bastante para sustentar a decisão tomada. De outro modo, o que se almeja saber através da verificação deste vício é se o tribunal, tendo em atenção o objeto processual em presença em cada caso, indagou ou não, os factos necessários ao esclarecimento daquele, independentemente do resultado dessa averiguação – confirmativo ou infirmativo do objeto processual17.

O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última -. E isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre matéria relevante alegada pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão na sua globalidade18.

Percorrendo todo o espetro decisório constante do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, mormente todo o explicativo apresentado para concluir em sentido diverso da 1ª Instância, e atrás descrito, nada ressalta que possa enquadrar-se neste vício, sendo bastantes e seguros os factos que conduziram à condenação do arguido recorrente.

E tanto assim é que o arguido recorrente, ainda que invocando a violação – global – do artigo 410º do CPPenal, em nenhum momento, ainda que subtilmente, concretiza como e em que medida.

Prosseguindo, no elenco de máculas sugeridas no preceito legal em ponderação, emerge a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Este vício assumindo três vertentes / possibilidades: contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos, pode (…) emergir de factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (…) como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão19.

Visitando todo o decidido, nada exulta que o possa configurar.

Na realidade, todo o caminho traçado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, mormente no que concerne ao que assentou como provado e as consequências que daí retirou, não revela / exibe / denota qualquer contradição e / ou confronto.

Finalmente, considere-se o erro notório na apreciação da prova.

Tal abrange o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível), a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos20.

Mostram-se aqui incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro “(…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”21.

Surge, também, como entendimento da jurisprudência configurar tal noção, tudo o (…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta22.

Calcorreando toda a decisão recorrida não emerge erro notório na apreciação da prova, entendido como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto do Acórdão conjugado com as regras da experiência comum.

Na verdade, o que ocorre é uma mera leitura divergente das declarações prestadas pelo arguido recorrente e como as mesmas foram consideradas.

Atentando no que se narra no Acórdão recorrido, partindo do que o arguido recorrente disse na audiência de discussão em julgamento – (…) Para sustentar a conclusão retirada pela Sra. Juiz a quo seria necessário que a dita testemunha AA ( arguido nos presentes autos) tivesse afirmado que o seu tio DD - arguido no proc. nº 37/19.6SGPRT – tinha sido intercetado/abordado pela autoridade policial noutra ocasião do mesmo dia ou em dias anteriores, em que o aqui arguido não se encontraria presente, o que não sucedeu; ou, pelo menos, que a conclusão extraída pela Sra. Juiz a quo estivesse apoiada em qualquer outro elemento de prova produzido e/ou examinado em audiência que – inexiste - e se mostrasse compatível com o depoimento da testemunha, aqui arguido (…) – não se descortina / vislumbra / divisa qualquer ilogicidade, e muito menos, qualquer erro de apreciação / ponderação.

Faceando, conclui-se que o recurso em causa é de baquear.

III – Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso do arguido AA, confirmando-se a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.


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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 6 (seis) UC – artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.

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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 1 de outubro de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

António Augusto Manso (1º Adjunto)

José Vaz Carreto (2º Adjunto)

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1. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão em sindicância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.

2. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

3. SILVA, Germano Marques da Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

4. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

5. Consigna-se que o Venerando Tribunal da Relação do Porto, mantendo intacta a factualidade dada como assente na 1ª Instância, procedeu a uma alteração de factos, considerando provados, alguns dos ali tidos como não provados.

6. Facto considerado provado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.

7. Facto considerado provado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.

8. Reproduzem-se as considerações advindas da 1ª Instância e todo o justificativo elaborado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa relativo à factualidade nova por este introduzida.

9. Artigo 432.º

  Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

  1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

  a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n. os 2 e 3 do artigo 410.º;

  b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

  c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n. os 2 e 3 do artigo 410.º;

  d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

  2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

10. Artigo 400.º

  Decisões que não admitem recurso

  1 - Não é admissível recurso:

  a) De despachos de mero expediente;

  b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

  c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

  d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

  e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

  f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

  g) Nos demais casos previstos na lei.

  2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

  3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

11. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 02/05/2024, proferido no Processo nº 4315/21.6JAPRT.P1.S1V – (…) Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância (…) este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. , disponível em www.dgsi.pt..

12. Sobre esta questão, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 30/10/2019, proferido no Processo nº 455/13.3GBCNT.C2.S1, de 19/09/2019, proferido no Processo nº 8083/15.2TDLSB.E1.S1, de 16/05/2019, proferido no Processo nº 407/14.6TAVRL.C1.S1 (este com voto de vencimento), onde também se citam diversos arestos do Tribunal Constitucional.

13. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo V Artigos 399º a 524º, 2024, Almedina, p. 70.

14. Neste sentido, entre outros, os Acórdão do STJ, de 31/10/2024, proferido no Processo n.º 18/18.7GTCBR.C1.S1 - (…) nos recursos previstos na referida al. b), não pode o recorrente invocar, como seu fundamento, a existência na decisão recorrida, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso, como é entendimento consolidado deste STJ (…) -, de 29/02/2024, proferido no Processo n.º 9153/21.3T8LSB.L1.S1 - (…) Nestes casos, e porquanto a Lei 94/2021, de 21-12 não aditou expressamente (podendo tê-lo feito, se fosse essa a intenção do legislador) à parte final da al. b) o n.º 1 do art. 432.º a referência aos “fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP”, diferentemente do que sucedeu expressamente com as als. a) e c) do mesmo preceito, não pode o recurso, nos seus fundamentos, convocar no todo ou em parte, os vícios ali aludidos nesse art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP (…) -, de 08/11/2023, proferido no Processo nº 52/18.7GBSLV.E2.S1 – (…)poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º do CPP, que visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP) – e de 01/03/2023, proferido no Processo nº 589/15.0JABRG.G2.S1 – (…) Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

15. Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; SANTOS, Simas, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.

16. Neste sentido ver Acórdãos do S.T.J., de 14 de março de 2007, Processo 07P21, de 23 de maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt.

17. Neste sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, Almedina, p. 1274.

18. Neste sentido os Acórdãos do STJ de 4/10/2006, proferido no processo n.º 06P2678, disponível em www.dgsi.pt e de 05/09/2007, proferido no processo n.º 2078/07 e de 14/11/2007, proferido no processo n.º 3249/07, sumariados em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais.

19. GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 1274-1275

20. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem p. 1095.

21. GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem p.1275

22. Ver os Acórdãos do STJ de 12.11.98, BMJ 481, p.325 e de 9.12.98, BMJ 482, p.68.