Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2631/17.0T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
VELOCÍPEDE
DUPLA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I.— O controlo, em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em averiguar (i) se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; (ii) se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; (iii) se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, (iv) na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.
II.— A afectação da integridade físico-psíquica, designada como dano biológico, pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

  1. AA, residente em …, demandou a Generali Companhia de Seguros, SA, com sede em …, na presente acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da Ré no pagamento do total de € 475.000,00 e juros, desde a citação e até integral pagamento, ao dobro da taxa legal, e no pagamento de despesas no futuro derivadas de sequelas do acidente que sofreu.

  2. O Tribunal de 1.ª instância:

     I. — condenou a Ré Generali Companhia de Seguros, SA, no pagamento ao autor, AA, das seguintes quantias:

  a. — € 125.000,00, a título de dano biológico;

  b. — € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais;

 c. — juros, à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desse a data desta decisão e até integral pagamento;

  II. — absolveu a Ré Generali Companhia de Seguros, SA, “de tudo o mais contra ela pedido”.

   3. Inconformada, a Ré Generali Companhia de Seguros, SA, interpôs recurso de apelação.

   4. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) O presente recurso limita-se à discussão do valor arbitrado a título de danos não patrimoniais, por considerar a Recorrente que o valor de €: 100.000,00 é manifestamente excessivo;

2) Antes de mais, cumpre referir que o douto Tribunal a quo teve em consideração, tanto na fixação de indemnização por dano biológico como na indemnização por danos não patrimoniais, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer;

3) Ora, tal factor apenas poderia ser tido em conta para uma das indemnizações, sob pena de haver uma duplicação dos montantes indemnizatórios;

4) Pelo que, estando já o mesmo reflectivo no montante arbitrado a título de dano biológico, terá de ser excluído do quadro em análise para constatação dos danos não patrimoniais;

5) Relativamente aos danos não patrimoniais, considera a Recorrente que o tribunal a quo fez uma errada análise dos factos, designadamente, ao considerar, na fixação do quantitativo indemnizatório por danos não patrimoniais, uma “repercussão permanente na actividade sexual” da lesões sofridas pelo Recorrido.

6) Sucede que, conforme consta do Relatório do IML, não foi atribuído qualquer grau nesse parâmetro.

7) O qual é, tal como os restantes parâmetros, mensurável.

8) O próprio Recorrido, não sentiu qualquer necessidade de mencionar, aos Senhores Peritos, qualquer déficit na sua actividade sexual.

9) Tal facto nem consta do elenco da matéria factual dada como provada.

10) Assim, não poderia o Tribunal a quo ter considerado, no âmbito dos danos não patrimoniais, que houvesse repercussão permanente na actividade sexual.

11) Não será, de igual modo, relevante a menção de que o facto de o Autor se deslocar de muleta e apresentar algumas cicatrizes seja de modo algum pouco aliciante para uma eventual parceira sexual,

12) Não só porque tal consideração não tem qualquer importância para efeitos de repercussão permanente na actividade sexual, como tais características físicas do Autor não serão determinantes para a interacção sexual, nem isso resulta da matéria de facto provada;

13) De modo que, para a quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, não podia o tribunal ter considerado qualquer repercussão na vida sexual do Autor, o que implica uma revisão do valor fixado;

14) Por outro lado, cumpre referir, relativamente aos episódios de tristeza de que padece o Autor, que os mesmos são esporádicos, não justificando de modo algum o montante arbitrado a título de danos não patrimoniais;

15) Sendo que resultou expressamente não provado que o Recorrido sofra de depressão;

16) Como resultou não provado que o Recorrido se sinta diminuído perante os amigos e conhecidos e que tenha desistido de todos os seus objectivos, o que o desgosta profundamente e lhe causa grande tristeza, frustração e angústia.

17) Assim, considerando as sequelas que efectivamente o Autor sofreu, em concreto o quantum doloris de grau 6, o dano estético de grau 5, o período de tratamentos de que foi alvo e os momentos de tristeza, julga-se excessivo, o montante de €: 100.000,00.

18) Acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01 de março de 2018, no âmbito do qual, para um homem de 40 anos (mais novo que o Recorrido), ao qual foi atribuído um quantum doloris de grau 5, um dano estético de grau 2, um prejuízo sexual de grau 1, e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32,90 pontos, incompatível com a actividade profissional habitual, foi determinada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €: 40.000,00 (quarenta mil euros);

19) O caso referido no supra citado acórdão é semelhante ao dos presentes autos e, em muitos factores, mais gravoso, por se tratar de um homem mais novo, que ficou com prejuízo sexual, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica mais elevado e incompatível com o exercício da sua profissão;

20) Já o Recorrido, conforme mencionado, não ficou afectado de qualquer repercussão na actividade sexual, nem o défice funcional é impeditivo do exercício da sua actividade profissional, apenas impõe, nalguns casos, um esforço acrescido.

21) Atendendo ao valor arbitrado naquele caso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que se julga justo e equitativo, é manifesto que qualquer indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar ao Recorrido, ter-se-á que conter dentro dos parâmetros fixados naquele aresto.

22) Mais, não poderemos igualmente olvidar que, muitos dos factores referidos e que terão que ser considerados, nomeadamente o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer se encontrarem já contemplados ou, melhor, indemnizados, no quantum fixado para o dano biológico, o qual é já, por si só, bastante significativo.

23) Não podendo, por isso, ser alvo de indemnização em duplicado.

24) Ou seja, de tudo o exposto entende a Recorrente que deverá fixar-se um montante indemnizatório entre os € 40.000,00 e os € 50.000,00 devido a título de danos morais, montante esse que se afigura justo e equitativo face à actual situação do Autor.

25) Ao assim não decidir, violou a Sentença recorrida quanto dispõem, entre outros, os artigos 483º e 496º do Código Civil e, bem assim, o artº 5º do Cód. de Proc. Civil.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com suprimento, deve ser concedido provimento ao recurso apresentado pela Recorrente em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA.

  5. O Autor AA contra-alegou.

  6. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1 - Por sentença proferida pelo Tribunal Recorrido, foi a Ré Apelante condenada a pagar ao A. Apelado as seguintes quantias:

— € 125.0000,00 a titulo de dano biológico

— € 100.000,00 a titulo de danos não patrimoniais

— Juros à taxa legal sobre cada uma das referidas quantias, contados desde a data da douta decisão e até integral pagamento.

2 - Não se conformando com a douta decisão, apenas na parte que quantificou os danos não patrimoniais em € 100.000,00, vem a Ré Apelante recorrer desta parte da decisão, alegando para tanto, considerar tal valor excessivo, que esse valor teve por base pressupostos que não se mostram provados, que o Tribunal recorrido teve em consideração tanto na fixação da indemnização por dano biológico, como na indemnização por danos não patrimoniais a repercussão permanente das lesões do recorrido nas actividades desportivas que o mesmo praticava, entendendo haver duplicação de valores.

3 - Mais considera a Recorrente nas suas alegações que, quanto aos danos não patrimoniais, o Tribunal recorrido efectuou uma errada análise dos factos ao considerar uma repercussão permanente na actividade sexual do Autor mercê das suas lesões.

4 - Não tem o Apelante qualquer razão no que alega.

5 - Conforme resulta dos factos provados, bem como do relatório pericial do IML e, da fundamentação da douta sentença recorrida, o A. Em consequência do acidente, sofreu lesões gravíssimas, que lhe causaram um profundo sofrimento e desgosto.

6 - Com efeito, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, a última das quais devido a infecção pós operatória, efectuou transfusões sanguíneas, esteve cerca de 34 dias internado em hospitais, 672 dias em tratamentos, dos quais 574 com incapacidade para a actividade profissional, período durante o qual, além de outros tratamentos, efectuou 317 sessões de fisioterapia, sofreu dores profundas e, encontra-se com o corpo repleto de cicatrizes, deslocando-se actualmente com grande dificuldade e com o auxilio de uma canadiana, da qual está dependente até ao fim da vida, tal como de acompanhamento médico e de medicamentos.

7 - O défice funcional permanente da integridade físico ou psíquica foi fixado em 31 pontos, o qual não obstante ser compatível com a actividade profissional, exige esforços suplementares acrescidos, sendo que existem muitos trabalhos que não consegue efectuar, nomeadamente aqueles que exijam esforços, o que lhe causa profundo sofrimento e desgosto.

8 - O quantum doloris foi quantificado em grau 6 numa escala de 7, ou seja próximo do insuportável, dores essas que ainda se mantêm.

9 - O dano estético foi fixado em grau 5 em 7, devido ao seu corpo se encontrar repleto de cicatrizes.

10 - A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foram fixadas em grau 6 em 7, o que representa uma impossibilidade total para a prática de qualquer desporto, sendo que antes, o Autor era desportista nato, que ao longo da vida e até à data do acidente, manteve sempre uma ligação permanente ao desporto, da qual ficou definitivamente impedido, dado que actualmente se arrasta a coxear lentamente nas suas deslocações com o auxilio de uma canadiana.

11 - O acidente causou-lhe ainda uma repercussão permanente na sua actividade sexual.

12 - Tendo ainda ficado a depender para o resto da sua vida de ajudas técnicas para as suas deslocações (canadiana), bem como de medicamentos e tratamentos médicos, nomeadamente da realização de fisioterapia para manutenção da capacidade restante ao nível do membro inferior direito, de forma a evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.

13 - Resulta assim do exposto que, em consequência do acidente, o A. padeceu e padece de um sofrimento profundo, o que só por si é fundamento mais do que suficiente para quantificar os danos não patrimoniais em € 100.000,00, tal como o fez a douta sentença recorrida, não sendo necessário sequer a prova de repercussão da actividade sexual permanente.

14 - Porém, independentemente de a douta sentença recorrida não ter mencionado tal facto nos factos provados (o que sempre poderá ser aditado por este Supremo Tribunal aos factos provados nos termos do artigo 636 do C.P.C.), nada impede que o Tribunal recorrido dos mesmos tome conhecimento nos termos em que o fez.

15 - No caso concreto, como resulta dos factos provados, o A. devido às graves lesões sofridas, nomeadamente à ausência de rotula no joelho, arrasta-se com o auxilio de uma canadiana, encontrando-se o seu corpo repleto de cicatrizes, o que naturalmente causa um forte impacto negativo no sexo feminino, além de que, a falta de uma rotula no joelho é causa de graves limitações permanentes no A. entre outras, a nível sexual, tanto mais que se tratava de um desportista que por opção própria vivia sozinho, pelo que, bem decidiu o Tribunal recorrido ao considerar tal facto na fundamentação da decisão.

16 - Porém, caso assim se não entenda, sempre poderá este Venerando Tribunal proceder à ampliação da matéria de facto nos termos do artigo 636 do C.P.C. dado que tal facto foi alegado na P.I., nomeadamente no artigo 93 e, consta do relatório pericial do IML como repercussão permanente na actividade sexual do Autor. Podendo pois este Venerando Tribunal proceder ao aditamento de tal facto, de forma a que passe a constar como provado o seguinte:

"O A. em consequência do acidente ficou a padecer de repercussão permanente na actividade sexual”

17 - Relativamente à apreciação dos factos, não se verifica igualmente qualquer duplicação na fixação da indemnização por dano biológico e por dano não patrimoniais, dado que a titulo de dano biológico a douta sentença recorrida apenas considerou os prejuízos na esfera patrimonial do A., no que se inclui os esforços significativamente acrescidos que o A. terá de efectuar até ao fim da vida, bem como a quantia de € 100,00 mensais que terá de dispender com uma terceira pessoa na limpeza da casa e tratamento de roupa e, o que deixou de auferir na actividade de contabilista, tendo assim o dano biológico sido valorado como dano patrimonial, independentemente da repercussão em sede de danos não patrimoniais, que terá de ser valorado autonomamente.

18 - Pois, nada impede que as sequelas decorrentes do acidente sejam indemnizáveis como danos patrimoniais e, compensadas também como danos não patrimoniais.

Neste sentido, decidiu entre outros, o douto acórdão da Relação de Guimarães no processo nº 1760/16.2T8VCT.G1 de 30/05/2019.

19 - Refere ainda o Apelante que, o valor fixado a título de danos não patrimoniais, deverá ser reduzido para € 40.000,00 ou € 50.000,00, baseando tal alegação num Acórdão por si referido, cujo o sofrimento, quer no que se refere ao quantum doloris, quer no que se refere ao dano estético, é manifestamente inferior ao caso em apreciação nos presentes autos.

20 - No caso em apreciação nos autos, o Autor Apelado à data do acidente tinha 48 anos, era um desportista nato, profundamente ligado a actividades desportivas que sempre praticou ao longo da vida e até à data do acidente, das quais ficou definitivamente impedido e que, além da incapacidade com que ficou de 31 pontos, sofreu dores extremamente dolorosas, cujo Quantum Doloris foi fixado em grau 6, próximo do insuportável, o dano estético foi fixado em grau 5 e, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, foram fixadas em grau 6, ou seja, impossibilidade total para a prática de desporto, a que acresce ainda uma repercussão permanente na actividade sexual, encontrando-se ainda dependente de ajudas técnicas nas suas deslocações, médicas e medicamentosas até ao final da vida.

21 - Pelo que, face às lesões sofridas no acidente pelo A. Apelado e, melhor descritas na douta sentença recorrida, o valor de € 100.000,00 mostra-se ajustado e de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente com a proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 275/13.5TBTVR.E1 6 Secção de 9/1/18, em que no caso de uma incapacidade de 30 pontos, numa pessoa de 41 anos, com o Quantum Doloris e estético de 6 numa escala de 7, foi fixado o dano não patrimonial em € 125.000,00. […]

- E, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/08 Proc. nº 08BP3380, disponivel para consulta em www.dgsi.pt, fixou a uma jovem de 17 anos com uma IPP de 45%, no futuro acrescido de 5%, o montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais. Sublinhado nosso

22 - Pelo que, face a todo o exposto, o valor fixado a titulo de danos não patrimoniais no montante de € 100.000,00 e aqui objecto de recurso, mostra-se correctamente fixado e, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Não merecendo assim a sentença recorrida qualquer reparo, devendo como tal manter-se na integra.

  7. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, reduzindo a indemnização dos danos não patrimoniais para 75 000 euros.

  8. Inconformados, o Autor AA e a Ré Generali Companhia de Seguros, SA, interpuseram recurso de revista.

  9. O Autor AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. — Por douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, foi a Ré Recorrida condenada a pagar ao A. Recorrente as seguintes quantias:

— € 125.0000,00 a titulo de dano biológico

— € 100.000,00 a titulo de danos não patrimoniais

— Juros à taxa legal sobre cada uma das referidas quantias, contados desde a data da douta decisão e até integral pagamento.

2 - Não se conformando com a douta decisão, apenas na parte que quantificou os danos não patrimoniais em € 100.000,00, veio a Ré Recorrida interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação.

3 - Por douto acórdão do Tribunal da Relação foi o valor dos danos não patrimoniais reduzido para € 75.000,00, valor com o qual o Recorrente não se conforma face à gravidade das lesões sofridas no acidente, sequelas e sofrimento que lhe foi causado e que transformaram a sua vida num inferno.

4 - Conforme resulta dos factos provados, bem como do relatório pericial do IML e, da fundamentação da douta sentença recorrida, o A. em consequência do acidente, sofreu lesões gravíssimas, que lhe causaram um profundo sofrimento e desgosto.

5 - Com efeito, sofreu as fracturas descritas nos factos provados que se dão por reproduzidos, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, a primeira com redução cruenta e osteosintese interna com placa e parafusos das fracturas do fémur e tíbia direita e, ainda, com placa e parafusos nos ossos do antebraço esquerdo e patelectomia total tenorrafia quadricipeto - rotuleana no joelho direito e transfusão sanguínea e, a segunda na sequência de infecção pós operatória.

6 - Permaneceu internado em tratamento em hospitais 34 dias e, 672 dias em tratamentos ambulatórios, dos quais 574 com incapacidade para a actividade profissional, período durante o qual, além de outros tratamentos, efectuou 317 sessões de fisioterapia com a duração média de 2 horas a 2h 30m diárias que foram causa de grande dor e sofrimento, o qual ainda se mantém, sendo que nos primeiros tempos após alta hospitalar permaneceu totalmente dependente de terceiros.

7 - Actualmente como sequelas do acidente desloca-se com marcha claudicante, ou seja, sempre a coxear e com o auxilio de uma canadiana, situação que se manterá até ao fim da vida, apresentando ainda, deformação fusiforme dura no joelho direito, sem rótula, amiotrofia da coxa direita, com circunferência de 43 centímetros para 50 centímetros à esquerda, à custa do quadricípite, em particular vasto externo; mobilidade do joelho limitada a 10 graus em extensão e 90 graus em flexão e, não consegue apoio unipodal nem adoptar posição de cócoras.

8 - Além disso, apresenta cicatrizes profundas na região mentoniana; linear, de características cirúrgicas, com dez centímetros de comprimento na face posterior e terço médio do antebraço esquerdo; linear alargada, de características cirúrgicas, deprimida e hiperpigmentada, com vinte e sete centímetros de comprimento, apresentando configuração em arco de convexidade externa, contornando pelo lado externo o joelho direito; vestígio arredondado, com maior diâmetro medindo quatro centímetros, na face interna e terço médio da perna esquerda, conforme consta do ponto 39 dos factos provados, padecendo ainda de dores nos membros superior esquerdo e inferior direito com especial incidência quando faz esforços físicos ou permanece muito tempo de pé, dores estas que sofreu igualmente de forma muito acentuada no acidente, durante os tratamentos, após estes e que se mantêm.

9 - Apresenta ainda o Autor em consequência do acidente tristeza e angústia por se ver aos 51 anos de idade (48 anos à data do acidente), com as graves limitações físicas de que padece, sempre a coxear e dependente de uma canadiana para as suas deslocações, e com dificuldades de equilíbrio, tendo ainda a nível social passado a isolar-se em casa, encontrando-se frequentemente triste.

10 - O Autor Recorrente à data do acidente tinha 48 anos, era um desportista nato, profundamente ligado a actividades desportivas que sempre praticou ao longo da vida e até à data do acidente, das quais ficou definitivamente impedido face à incapacidade de que padece.

11 - O acidente causou-lhe ainda uma repercussão permanente na sua actividade sexual, conforme consta do relatório pericial.

12 - Tendo ainda ficado a depender para o resto da sua vida de ajudas técnicas para as suas deslocações (canadiana), bem como de medicamentos e tratamentos médicos, nomeadamente da realização de fisioterapia para manutenção da capacidade restante ao nível do membro inferior direito, de forma a evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.

13 - As lesões resultantes do acidente e sequelas daí derivadas, representam para o Autor Recorrente um défice funcional permanente da integridade física ou psíquica de 31 pontos, o qual não obstante ser compatível com a actividade profissional, são impeditivas para o exercício de qualquer actividade física ou profissional que exija esforços, o que lhe causa profundo sofrimento e desgosto.

14 - O quantum doloris foi quantificado em grau 6 numa escala de 7, ou seja próximo do insuportável, dores essas que ainda se mantêm.

15 - O dano estético foi fixado em grau 5 em 7, devido ao seu corpo se encontrar repleto de cicatrizes.

16 - A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foram fixadas em grau 6 em 7, o que representa uma impossibilidade total para a prática de qualquer desporto, sendo que antes, o Autor era desportista nato, que ao longo da vida e até à data do acidente, manteve sempre uma ligação permanente ao desporto, da qual ficou definitivamente impedido, dado que actualmente se arrasta a coxear lentamente nas suas deslocações com o auxilio de uma canadiana.

17 - Resulta assim do exposto que, em consequência do acidente, o A. padeceu e padece de um sofrimento profundo, devendo em consequência os danos morais ser quantificados em valor que o compense minimamente do sofrimento resultante do acidente de que foi vítima, totalmente imputável ao segurado da Ré Recorrida.

18 - Pelo que, face às lesões, sequelas e sofrimento do A. Recorrente em consequência do acidente e, melhor descritas no douto acórdão recorrido e sentença de 1ª Instância e, atento o principio da equidade e da igualdade, o valor de € 100.000,00 inicialmente fixado a título de dano não patrimonial em 1ª Instância, mostra-se ajustado e de acordo com a equidade e com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente com os doutos acórdãos proferidos por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos seguintes processos:

— Proc. nº 275/13.5TBTVR.E1 6 Secção de 9/1/18, em que no caso de uma incapacidade de 30 pontos, numa pessoa de 41 anos, com o Quantum Doloris e estético de 6 numa escala de 7, foi fixado o dano não patrimonial em € 125.000,00.

— E, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/08 Proc. nº 08BP3380, disponivel para consulta em www.dgsi.pt, fixou a uma jovem de 17 anos com uma IPP de 45%, no futuro acrescido de 5%, o montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.

19 - Estando assim o referido valor de € 100.000,00 em conformidade com o supra descrito.

20 - O douto acórdão recorrido ao reduzir o valor do dano não patrimonial nos termos em que o fez, violou salvo melhor opinião o preceituado nos artigos 483 e 496 do C. Civil, devendo em consequência, a douta decisão recorrida ser revogada/ alterada e em consequência, fixado o valor do dano não patrimonial em € 100.000,00 tal como foi decidido em 1ª Instância.

TERMOS EM QUE

E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA E, ALTERADO O VALOR AÍ FIXADO A TÍTULO DE DANO NÃO PATRIMONIAL PARA O MONTANTE DE € 100.000,00, TAL COMO DECIDIDO EM 1ª INSTÂNCIA.

ASSIM, SE FARÁ JUSTIÇA

  11. A a Ré Generali Companhia de Seguros, SA, finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) O presente recurso limita-se à discussão do valor arbitrado a título de danos não patrimoniais, por considerar a Recorrente que o valor de €: 75.000,00 é manifestamente excessivo;

2) Questiona-se se, o Tribunal de Primeira Instância podia ou não, assim como o Tribunal da Relação de Coimbra, para fixação de duas indemnizações de cariz diverso, considerar e usar, no modesto entendimento da aqui Recorrente, os mesmos parâmetros, o que levaria a uma indubitável duplicação indemnizatória.

3) É que, para apuramento de ambas as indemnizações, o Tribunal teve em conta a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer do sinistrado.

4) E se assim é, não se salvaguarda aquele que é também um princípio basilar, o evitar duplicar indemnizações, pelos mesmos danos.

5) O próprio Acórdão o aflora quando explana que “Contudo, importa que a avaliação autónoma deste dano seja acompanhada duma correta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições ou super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado)”

6) Considerar essa mesma repercussão em ambos os itens indemnizatórios significará, a final, uma duplicação dos montantes indemnizatórios, já que, os mesmos danos se mostram valorizados em duas diferentes vertentes.

7) Mas mesmo que assim não se entendesse, mesmo que apenas considerado o valor arbitrado de € 75.000,00 sem ter em linha de conta aquelas repercussões, considera a Recorrente que o valor é elevado face aos concretos danos que o Recorrido sofreu em virtude do sinistro,

8) Considerando as sequelas que efectivamente o Autor sofreu, em concreto o quantum doloris de grau 6, o dano estético de grau 5, o período de tratamentos de que foi alvo e os momentos de tristeza, julga-se excessivo, o montante de €: 75.000,00.

9) Acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01 de março de 2018, no âmbito do qual, para um homem de 40 anos (mais novo que o Recorrido), ao qual foi atribuído um quantum doloris de grau 5, um dano estético de grau 2, um prejuízo sexual de grau 1, e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32,90 pontos, incompatível com a actividade profissional habitual, foi determinada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €: 40.000,00 (quarenta mil euros);

10) O caso referido no supracitado Acórdão é semelhante ao dos presentes autos e, em muitos factores, mais gravoso, por se tratar de um homem mais novo, que ficou com prejuízo sexual, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica mais elevado e incompatível com o exercício da sua profissão;

11) Já o Recorrido, conforme mencionado, não ficou afectado de qualquer repercussão na actividade sexual, nem o défice funcional é impeditivo do exercício da sua actividade profissional, apenas impõe, nalguns casos, um esforço acrescido.

12) Atendendo ao valor arbitrado naquele caso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que se julga justo e equitativo, é manifesto que qualquer indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar ao Recorrido, ter-se-á que conter dentro dos parâmetros fixados naquele aresto.

13) Mais, muitos dos factores referidos e que terão que ser considerados, nomeadamente o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer se encontrarem já contemplados ou, melhor, indemnizados, no quantum fixado para o dano biológico, o qual é já, por si só, bastante significativo.

14) Não podendo, por isso, ser alvo de indemnização em duplicado.

15) Ou seja, de tudo o exposto entende a Recorrente que deverá fixar-se um montante indemnizatório entre os € 40.000,00 e os € 50.000,00 devido a título de danos morais, montante esse que se afigura justo e equitativo face à actual situação do Recorrido.

26) Ao assim não decidir, violou a douta Sentença recorrida quanto dispõem, entre outros, os artigos 483º e 496º do Código Civil.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser concedido provimento ao presente Recurso em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA

  12. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir in casu é, tão-só, a seguinte: — se a compensação dos danos não patrimoniais deverá ser aumentada para 100000 euros (como pretende o Autor) ou deverá ser reduzida para um montante entre os 40000 e os 50000 euros (como pretende a Ré).

II. — FUNDAMENTAÇÃO

        OS FACTOS

    13. Em relação aos factos alegados pelo Autor na petição inicial, o Tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes: 

1 — Ocorreu no dia 9 de Julho de 2014, cerca das 16 horas e 50 minutos, na E.N. …, ao Km 97.300, …., concelho de …, um acidente de viação.

2 — Foram intervenientes nesse acidente, o velocípede s/ matricula pertencente ao A. e por ele conduzido, o velocípede s/ matricula pertencente a BB e por ele conduzido e a viatura matrícula …-…-NX, pertencente a CC e conduzido por DD.

3 — O velocípede conduzido pelo A., bem como o outro velocípede interveniente no acidente, circulavam na referida E.N. …, no sentido T…. - Vale …, em fila, junto à berma direita da hemifaixa de rodagem atento o sentido em que seguiam e, a cerca de 20 cm desta berma, seguindo o A. à frente e o outro velocípede imediatamente atrás.

4 — A viatura matricula ...-...-NX circulava na mesma E.N. …, no sentido Vale … - T…, ou seja, em sentido contrário ao do A.

5 — Ao Km 97.300 da referida estrada, a viatura NX, sem que nada o fizesse prever, saiu fora da sua hemifaixa de rodagem.

6 — Entrou na hemifaixa de rodagem contrária àquela em que seguia e onde circulava o A. na sua mão de trânsito.

7 — E foi embater com a sua frente contra a parte frontal do velocípede do A. e no próprio A., projectando-o ao chão, onde ficou inanimado.

10 — O proprietário do veículo automóvel, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 008…33, transferiu para a Ré Generali S.A. a sua responsabilidade civil pelos danos causados por aquela viatura resultantes de acidentes de viação até ao montante de € 1.200.000.

14 — A E.N. … no local tem a largura de 7 metros.

15 — O local do acidente é uma recta.

16 — O estado do tempo à data do acidente era bom.

18 — O velocípede do A. [f]icou totalmente destruído, de cujo valor o A. já foi indemnizado pela Ré seguradora.

19 — Imediatamente após o acidente, foi o A. transportado de ambulância para as urgências do Centro Hospitalar Oeste Norte, Unidade de …, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.

20 — Depois de lhe terem sido colocadas talas de madeira no membro inferior direito e superior esquerdo e ter sido devidamente sedado e ventilado, por apresentar risco de deterioração neurológica, foi o A. transferido no mesmo dia para o Hospital de …, com acompanhamento médico e de enfermagem.

21 — O autor deu entrada no Hospital de … às 00 h 16 m do dia seguinte (10/07/2014) em plano duro, sedado, entubado, ventilado, imobilizado, com colar cervical, com traumatismo craneano, torácico, bem como dos membros superiores e inferiores, com hemorragias intra ventricular intra craniana, fractura exposto IIIB do joelho direito com perda de substância da rótula e fracturas cominutivas do côndilo femoral interno e do planalto do tibial interno, fractura do 1/3 médio da diáfise dos ossos do antebraço exposta IIIA, do colo da glenoide e da coracoide esquerda, e fractura da extremidade proximal do perónio esquerdo, tendo ainda à chegada ao referido Hospital apresentado GCS 14, apresentando ainda acidose metabólica e taquicardia supra-ventricular.

22 — No referido Hospital de …, após observação, foram diagnosticadas ao A. as seguintes lesões:

a) Fractura exposta grau IIIB cominutiva do côndilo femural interno direito.

b) Fractura exposta IIIB cominutiva do planalto tibial interno à direita (schatzker IV)

c) Fractura exposta cominutiva com perda de substância da rótula direita.

d) Fractura exposta III A 1/3 médio diáfise dos ossos do antebraço esquerdo. e) Lesão neurologica pós traumatica do membro inferior direito.

f) Fractura do colo da glenóide esquerda.

g) Fractura da caracóide esquerda

h) Fractura da extremidade proximal do perónio direito

i) Traumatismo craniano com hemorragia intraventricular intra craniana.

j) Ferida do mento suturada.

23 — No Hospital de …, foi colocada indicação pela Neurocirurgia para vigilância e repetição da TC-CE às 24 se ocorresse deterioração neurológica.

24 — O autor foi submetido a intervenção cirúrgica, tendo-lhe sido efectuado lavagem e desbridamento das fracturas expostas e iniciada antibioterapia com ceptriaxone, gentamicina e metronizadol de acordo com o protocolo para fracturas e, feita:

a) Redução cruenta e osteosintese interna com placa e parafusos das fracturas do femur e da tibia direita.

b) Redução cruenta e osteosintese com placa e parafusos nos ossos do antebraço esquerdo.

c) Patelectomia total tenorrafia quadricipeto - rotuleana no joelho direito.

25 — No decurso da cirurgia, foram ainda realizadas ao A. transfusões sanguíneas, plasma e plaquetas com normalização dos parâmetros vitais e metabólicos.

26 — Devido a infecção pós operatória, viria o A. a ser submetido a nova intervenção cirúrgica em 23/7/2014, para lavagem cirúrgica do joelho direito, tendo na sequência da mesma ficado com hemodreno colocado em drenagem activa.

27 — No Hospital de … permaneceu o A. internado de 10/7/2014 a 24/7/2014.

28 — Data esta última, em que foi transferido para o Centro Hospitalar do …. - Unidade de …, onde deu entrada no dia 25 de Julho de 2014 e onde ficou internado com o seguinte diagnostico:

- Fractura exposta grau IIIB cominutiva do côndilo femoral interno

- Fractura exposta grau IIIB cominutiva do planalto tibial interno (Schatzker IV)

- Fractura exposta cominutiva com perda de substância da rótula

- Fractura exposta IIIA 1/3 médio diáfise dos ossos do antebraço

- Lesão neurológica pós traumática do membro inferior

- Fractura colo da glenóide

- Fractura coracóide

 - Fractura extremidade proximal perónio (sem instabilidade ligamentar)

- Traumatismo craniano com hemorragia intraventricular

- Infecção pós operatória do joelho direito com necessidade de lavagem cirúrgica.

29 — No Hospital de …, permaneceu o A. internado de 25 de Julho de 2014 até 11 de Agosto de 2014.

30 — Hospital este onde efectuou 15 dias de antibioterapia com vancoricinia e iniciou treino de marcha com auxiliares de marcha.

31 — Em 11 de Agosto de 2014, foi pelos serviços clínicos daquele hospital, dado alta ao A. para casa.

32 — Data após a qual passou a ser assistido nas consultas externas de ortopedia e de neurologia do Hospital de … e, ainda, nas consultas externas de ortopedia do Centro Hospital do …, Unidade de …, bem como nos serviços clínicos da Ré.

33 — Por lapso de tempo que não foi possível fixar com rigor, com excepção das deslocações às consultas externas e à fisioterapia no Hospital Termal, permaneceu o A. em casa da irmã EE em …, totalmente dependente de terceiros para actos da sua vida diária, tais como higiene pessoal ou deslocações dentro de casa, devido à sua debilidade física, dificuldade de locomoção e desequilíbrio de que padecia.

34 — Fazendo as suas deslocações nesse período, inicialmente com o auxílio de um andarilho e de terceiros, pois encontrava-se débil, sem força e sem equilíbrio, após o que passou a andar com duas canadianas, o que ocorreu durante lapso de tempo que não foi possível fixar com rigor, após o que reduziu o seu uso para uma canadiana, situação que se mantém até à presente data, e que se manterá para o resto da sua vida.

35 — Após a alta do Hospital de …, devido a politraumatismo musculo esquelético e cranio-encefálico com sequelas neuro-musculoesqueléticas e repercussão funcional marcada, iniciou o A. um período de reabilitação no Centro Hospitalar do …. de … em 18/8/2014, o qual se manteve até 13/6/2016, data em que lhe foi dada alta, por se encontrarem as lesões do A. estabilizadas.

36 — Efectuou o Autor 317 (trezentas e dezassete) sessões de fisioterapia, com a duração média diária entre 2 h a 2 h 30 m, sendo que, no primeiro ano, as sessões eram diárias e dolorosas, passando posteriormente a 3 vezes por semana.

38 — Em resultado do acidente, sofreu o autor as seguintes lesões:

— Traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoídea e componente hemática intraventricular;

— traumatismo torácico com fractura do segundo arco costal direito;

— traumatismo do membro superior esquerdo com fracturas coracóide e do colo da glenóide a nível do ombro, fracturados ossos do antebraço à esquerda;

— traumatismo do membro inferior direito com fractura exposta cominutiva do côndilo femoral interno, fractura cominutiva com perda de substância da rótula e do planalto tibial interno, à direita, e da extremidade proximal do perónio à direita;

— lesão neurológica pós-traumática do membro inferior direito.

Em resultado do acidente, das lesões aí sofridas e supra descritas, e como consequência directa destas, o autor apresenta actualmente as seguintes sequelas:

— marcha claudicante, com recurso ao uso de uma canadiana, coxeando à direita;

— deformação fusiforme dura no joelho direito, não se palpando à rótula;

— amiotrofia da coxa direita, com circunferência de 43 centímetros para 50 centímetros à esquerda, à custa do quadricípite, em particular vasto externo;

— mobilidade do joelho limitada a 10 graus em extensão e 90 graus em flexão;

— não consegue apoio unipodal nem adoptar posição de cócoras.

39 — O autor ficou a apresentar as seguintes cicatrizes:

— Infra centimétrica, na região mentoniana;

— Linear, de características cirúrgicas, com dez centímetros de comprimento, na face posterior e terço médio do antebraço esquerdo;

— Linear alargada, de características cirúrgicas, deprimida e hiperpigmentada, com vinte e sete centímetros de comprimento, apresentando configuração em arco de convexidade externa, contornando pelo lado externo o joelho direito;

— Vestígio arredondado, com maior diâmetro medindo quatro centímetros, na face interna e terço médio da perna esquerda.

40 — Padece o autor de dores nos membros superior esquerdo e inferior direito, com especial incidência quando faz esforços físicos ou permanece muito tempo de pé.

41 — O A., em consequência do acidente e das lesões daí derivadas, apresenta ainda, por vezes, tristeza e angústia, por se ver com 51 anos de idade e com graves limitações físicas, sempre a coxear, dependente de uma canadiana para as suas deslocações e com dores.

42 — As lesões resultantes do acidente e sequelas daí derivadas, representam para o A. um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 31 pontos.

43 — As lesões supra descritas, resultantes do acidente de que o A. foi vítima, são funcionalmente limitativas para o exercício de qualquer actividade física ou profissional que exija esforços físicos.

44 — Exigindo, para a actividade que o A. exerce como professor do ensino secundário, esforços acrescidos até ao final da vida.

49 — O autor tem dificuldades de equilíbrio, o que lhe pode provocar quedas.

50 — Tais limitações têm repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, tais como limpezas da casa, tratamento de roupas ou ida às compras, sendo que, para as limpezas de maior vulto, recorreu aos serviços de terceira pessoa, um dia por semana, no que despende cerca de € 100,00 mensais.

56 — À data do acidente, o A. tinha 48 anos, exercia a actividade de professor do Ensino Secundário, da qual auferiu, no ano de 2013, um vencimento anual de € 26.782,30 (vinte e seis mil setecentos e oitenta e dois euros e trinta cêntimos), e, no ano de 2014, um vencimento € 25.875,26 (vinte e cinco mil oitocentos e setenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos).

57 — Sendo o seu vencimento mensal actual, resultante da sua actividade profissional como professor, de € 2.081,84.

58 — O Autor, no seu percurso profissional, alcançou a classificação de muito bom em ..., tendo leccionado entre 1989 e 1999 a disciplina de …, após o que, na sequência de obtenção de licenciatura em … em 24/09/1999, no ano lectivo de 2000 leccionou a disciplina de … e, no ano lectivo 2000/2001, passou a integrar o actual grupo disciplinar de … no ensino oficial, tendo no curso de formação de ciências da educação para o grupo de docência PS …, em 2001, obtido a classificação de 19 valores.

59 — Em 2008 concluiu o curso de formação especializada em … pela Universidade de … com a classificação de 17 valores.

60 — Em 2009 passou a integrar o conselho geral do agrupamento de escolas de … .

61 — Entre Setembro de 2009 e Dezembro de 2013 exerceu o cargo de … .

62 — Em 23/11/2012 concluiu o mestrado em … pela Universidade de …, sendo que era seu objectivo o exercício do cargo de … .

63 — Até à data da alta, o autor ficou impedido de concorrer a tal cargo.

66 — Em consequência do acidente, da paragem de 2 anos e da incapacidade com que ficou, manifestada na grande dificuldade de mobilidade e locomoção, bem como na tristeza subsequente, o A. não se candidatou a … .

67 — Acresce ainda que, em paralelo com a actividade de professor, o A. pretendia iniciar após Setembro de 2014, em colaboração e apoio ao amigo Dr. FF, a actividade de …, em cuja Ordem dos … certificados já se encontrava inscrito, actividade da qual iria obter proveitos económicos que não foi possível apurar.

72 — O A. à data do acidente tinha 48 anos.

73 — Gozava da saúde correspondente ao seu escalão etário.

82 — O autor mantinha, antes do acidente, convívios regulares com os seus amigos.

83 — O autor gostava de andar de bicicleta, jogar à bola, correr, praticar surf, ir à praia.

84 — Desde jovem o autor foi praticante de desporto.

85 — Praticou, entre outras, as modalidades de … e atletismo.

86 — O autor ingressou na faculdade de motricidade humana.

87 — Leccionou a disciplina de … em escolas do ensino público.

88 — Na idade adulta, e até à data do acidente, manteve a prática da actividade desportiva regular, de que gostava.

89 — Em consequência do acidente e das lesões daí resultantes, ficou totalmente incapaz para a prática das actividades desportivas que fazia.

90 — Actualmente, não pode correr, saltar, andar de bicicleta, jogar à bola ou praticar surf.

91 — Não pode tomar banho de mar sempre que a ondulação é mais forte, tendo ainda vergonha de ir à praia devido às lesões e cicatrizes que apresenta no corpo, nomeadamente no joelho e supra descritas.

92 — A nível social, passou a isolar-se em casa.

94 — Encontrando-se frequentemente triste.

98 — Em consequência do acidente, o A. sofreu e ainda sofre dores.

105 — O autor experimentou um quantum doloris de grau 6 e ficou a padecer de um dano estético quantificado em grau 5.

109 — No futuro, o A. terá que continuar a usufruir de ajudas técnicas permanentes (lesionais, funcionais ou situacionais, neste caso, canadianas), ajudas medicamentosas permanentes e regulares (analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos e anti-inflamatórios), e tratamentos médicos regulares, mormente de ortopedia e de fisioterapia (para manutenção da capacidade restante ao nível do membro inferior direito e evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas).

117 — Depois de o autor lhe ter enviado uma proposta, a Ré apresentou uma contraproposta ao A., em 30/08/2016, no valor de € 42.000,00.

  14. Em relação aos factos alegados pela Ré na contestação, o Tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes:

1º — Entre a Generali e CC, foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, através do qual se garantia a responsabilidade civil do veículo ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo … 1.1, de matrícula ...-...-NX, no valor correspondente ao mínimo obrigatório, conforme Condições Particulares da Apólice nº 0084 ...3 000.

7º — A Ré liquidou ao Autor todas as despesas médicas e medicamentosas que o mesmo lhe apresentou.

8º — Liquidou-lhe todas as perdas salariais que o mesmo incorreu até à data da sua alta clínica, a 12 de Julho de 2016.

9º — O Autor não foi medicamente tratado pelos serviços clínicos da Ré, porque a tal não acedeu.

21º — O Autor não padece de qualquer incapacidade cognitiva que o impeça de concorrer a qualquer cargo no âmbito da … escolar.

24º — Para o exercício do cargo de … é habitualmente aberto um concurso.

52º — Para apuramento da proposta que apresentou, seguiu a Ré os critérios definidos no software de que, para o efeito, dispõe, e que foi produzido em consonância com os critérios da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio.

   15. Entre os factos alegados pelo Autor na petição inicial, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os seguintes:

33 — O autor permaneceu em casa da irmã EE em … durante cinco meses.

34 — O autor andou com duas canadianas durante 7 meses.

38 — O autor ficou a padecer de mobilidade do joelho com flexão de 140, diminuição da força do músculo quadricipital com ecografia a referir atrofia marcada e secção de completa do quadricípede, e lesão do nervo femural documentado com EMG.

41 — O A., em consequência do acidente e das lesões daí derivadas, apresenta estados de depressão.

42 — As lesões resultantes do acidente e sequelas daí derivadas, representam para o A. a incapacidade geral, parcial e permanente do ponto de vista ortopédico, de pelo menos 33 pontos, a que acresce ainda a incapacidade psíquica de que o A. padece, de pelo menos mais 7 pontos, que com a idade tenderão a agravar.

43 — As lesões supra descritas são impeditivas para o A do exercício de qualquer actividade física ou profissional que exija esforços físicos, posições dobradas, de joelhos, permanência de pé por períodos prolongados, subir ou descer escadas, entre muitas outras.

44 — Tais lesões exigem esforços em percentagem igual à incapacidade com que ficou e que com a idade irão agravar.

51 — O tempo despendido em deslocações é quatro vezes superior em relação à data anterior ao acidente.

64 — Se não tivesse ocorrido o acidente, o A. actualmente exerceria o cargo de …, que além do prestigio de tal função, lhe conferia a obtenção de uma melhoria significativa no seu vencimento de pelo menos mais € 450,00 mensais, valor que aufere a mais um … na escola onde o A. lecciona.

65 — E, se não tivesse ocorrido o acidente, o A. teria iniciado ainda o doutoramento, o que tencionava efectuar no ano de 2014/ 2015.

66 — Em consequência da incapacidade com que ficou o A. foi forçado a desistir de todos os seus objectivos, o que o desgosta profundamente e lhe causa grande tristeza, frustração e angústia.

67 — Em colaboração e apoio ao amigo Dr. FF, o autor iria auferir € 600,00 mensais.

79 — À data do acidente o autor encontrava-se na flor da idade.

91 — O autor tem vergonha de ir à praia devido às lesões e cicatrizes que apresenta no corpo, nomeadamente no joelho.

92 — Alguns dos amigos com quem saia à noite, afastaram-se, por o A. não os poder acompanhar.

93 — Para o acto sexual, tem de procurar uma posição que evite o apoio do joelho por falta de rótula.

94 — O autor encontra-se deprimido.

99 — Nos momentos imediatos a seguir ao acidente e logo que tomou consciência, o A. pensou que ia morrer.

102 — O autor sente-se diminuído perante amigos, conhecidos e outros, nomeadamente perante o sexo feminino, devido às lesões de que padece.

      O DIREITO

   15. O acórdão recorrido decidiu que a indemnização dos danos não patrimoniais devia ser reduzida de 100000 para 75000 euros, por três razões:

 I. — Em primeiro lugar, porque o Relatório de perícia de avaliação do dano corporal faz uma referência à repercussão permanente na actividade sexual do lesado, “sem mais desenvolvimente ou explicitação”. II. — Em segundo lugar, porque do elenco dos factos dados como não provados constam os n.ºs 91, 93 e 102:

91 — O autor tem vergonha de ir à praia devido às lesões e cicatrizes que apresenta no corpo, nomeadamente no joelho.

93 — Para o acto sexual, tem de procurar uma posição que evite o apoio do joelho por falta de rótula.

102 — O autor sente-se diminuído perante amigos, conhecidos e outros, nomeadamente perante o sexo feminino, devido às lesões de que padece.

  III. — Em terceiro lugar, porque do elenco dos factos dados como não provados constam os n.ºs 41, 43, 66, 92 e 94:

41 — O A., em consequência do acidente e das lesões daí derivadas, apresenta estados de depressão.

43 — As lesões supra descritas são impeditivas para o A do exercício de qualquer actividade física ou profissional que exija esforços físicos, posições dobradas, de joelhos, permanência de pé por períodos prolongados, subir ou descer escadas, entre muitas outras.

66 — Em consequência da incapacidade com que ficou o A. foi forçado a desistir de todos os seus objectivos, o que o desgosta profundamente e lhe causa grande tristeza, frustração e angústia.

67 — Em colaboração e apoio ao amigo Dr. FF, o autor iria auferir € 600,00 mensais.

94 — O autor encontra-se deprimido.

   16. O Autor pretende que a compensação dos danos não patrimoniais seja fixada em 100000 euros, atendendo a que o acidente lhe causou uma repercussão permanente na actividade sexual, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada em grau 6 numa escala de 7, um dano estético ficado em grau 5 numa escala de 7 e um quantum doloris fixado em 6 numa escala de 7; a Ré pretende que a compensação dos danos não patrimoniais seja fixada entre 40000 e 50000 euros, atendendo a que o acidente não lhe causou uma repercusssão permanente na actividade sexual e a que “o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer se encontrarem já contemplados ou, melhor, indemnizados, no quantum fixado para o dano biológico, o qual é já, por si só, bastante significativo”.

   17. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, em sede de recurso de revista, da fixação equitativada indemnização [1] deve concentrar-se em quatro coisas.

      Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade [2].

    Em segundo lugar, deve averiguar se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado.

   Em quarto lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve determinar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

    Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável [3].

           

   18. O dano do lesado concretizava-se na afectação da sua integridade física e psíquica — e o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “[a] afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada ‘dano biológico’) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial” [4], ou que “[o] dano biológico ou dano existencial compreende ou ‘contém’ os tradicionais danos patrimoniais futuros e os danos não patrimoniais”, ainda que neles não se esgote [5] [6].

  19. O acórdão recorrido considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — como o dano estético e o quantum doloris [7] —, e respeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados: considerou, como devia, o conjunto das circunstâncias do caso (art. 494.º, por remissão do art. 496.º do Código Civil); entre as circunstâncias do caso, considerou, como devia, a gravidade do dano — determinando-a a partir de todos os indícios decorrentes seja do elenco de factos dados como provados, seja do elenco de factos dados como não provados—; e, considerando a gravidade do dano, chegou a um resultado comparável, p. ex., com os resultados dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1 [8] — ou de 7 de Junho de 2018 — processo n.º 418/13.9TVCDV.L1.S1 [9].

  20. O Autor fundamenta a sua pretensão, designadamente, em dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: no acórdão de 29 de Outubro de 2008 — processo n.º 08P3380 —, em que foi fixada uma compensação do dano não patrimonial de 250000 euros — e no acórdão de 9 de Janeiro de 2019 — processo n.º 275/13.5TBTVR.E1.S1 —, em que foi fixada uma compensação do dano não patrimonial em 125000 euros [10].

   21. O caso sub judice não é contudo comparável nem ao caso apreciado e decidido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008 — em que a vítima tinha 17 anos, tendo sofrido danos físicos e psíquicos muito mais graves [11] — nem (sequer) ao caso apreciado e decidido pelo acórdão de 9 de Janeiro de 2019:

 — no caso apreciado e decidido pelo acórdão de 9 de Janeiro de 2019, o lesado tinha 41 anos de idade e, no caso sub judice, 48 anos; — no caso apreciado e decidido pelo acórdão de 9 de Janeiro de 2019, o lesado tinha sofrido a amputação de uma perna e, no caso sub judice, sofreu, tão-só, uma perda de substância da rótula; — no caso apreciado e decidido pelo acórdão de 9 de Janeiro de 2019, o lesado tinha sofrido uma graves danos psíquicos, “nomeadamente stress pós-traumático crónico e quadro depressivo, inclusivamente com ideação suicida”, e no caso sub judice não tinha sofrido danos psíquicos tão graves (não havendo, p. ex., um quadro depressivo). — Como os casos não sejam comparáveis, deve considerar-se adequada uma diferença de 45000 euros entre as duas indemnizações.

  22. Finalmente, deve esclarecer-se que, ainda que em abstracto seja possível uma sobreposição do dano biológico e dos danos não patrimoniais, com a correspondende duplicação das indemnizações, em concreto não houve sobreposição alguma.

   23. O Tribunal de 1.ª instância determinou a compensação dos danos “unicamente não patrimoniais” tendo em atenção, “desde logo, e resumidamente, o seguinte conjunto de factos”:

“o teor e a gravidade das lesões, que o autor sentiu com considerável intensidade, enquanto os tratamentos não produziram o efeito pretendido, e que se traduziu num quantum doloris de grau seis; a sensação, que sempre experimentou, de que jamais o seu estado de saúde se iria aproximar do que ocorria antes do embate; cerca de dois anos de tratamentos, alguns dolorosos, por vezes diários, incluindo mais de três centenas de sessões e fisioterapia, que os médicos recomendam que se mantenham; dano estético fixável em grau 5 de 7; repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer em grau 6 de 7 – sendo que tal quantitativo se refere às actividades e lazer, já que, quanto a desportiva, a incapacidade, atento o conjunto dos factos provados, é total; repercussão permanente na actividade sexual; alteração do comportamento, com refúgio em casa e frequência de tristeza”.

   24. O Tribunal da Relação, desvalorizando embora a alteração do comportamento e a repercussão permanente na actividade sexual, teve em atenção um conjunto de factos semelhante.

  25. Ora, a compensação do chamado dano biológico correspondeu essencialmente à compensação da vertente patrimonial do dano biológico, logo dos danos patrimoniais futuros.

    Em suma — comparando a fundamentação das decisões relativas ao dano biológico e aos danos unicamente não patrimoniais, conclui-se que não houve duplicação.

III. — DECISÃO

    Face ao exposto, nega-se provimento aos recursos e confirma-se o acórdão recorrido.

       Custas de cada um dos recursos pelos Recorrentes.

Lisboa, 29 de Outubro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

      Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Exmo. Senhor Conselheiro José Maria Ferreira Lopes.

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[1] Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244;  ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

[2] Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, no processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[3] Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1, de 17 de Maio de 2018, processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1, de 18 de Outubro de 2018, no processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[4] Vide, p. ex., acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2018 — processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1 —, de 19 de Abril de 2018 — processo n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1 —, de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1 —, de 23 de Outubro de 2018 — processo n.º 902/14.7TBVCT.G1.S1—, de 18 de Dezembro de 2018 — processo n.º 181/12.0TBPTG.E1.S1 — ou de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[5] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[6] Sobre o dano biológico, vide desenvolvidamente Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 72.º (2012), págs. 147-178; ou Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 69-87. O tema foi recentemente retomado por Luísa Monteiro de Queiroz, “Do dano biológico”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 75.º (2015), págs. 183-222, e por José Carlos Brandão Proença. “A responsabilidade civil extracontratual nos 50 anos de vigência do Código Civil: um olhar à luz do direito contemporâneo”, in: Elsa Vaz de Sequeira / Fernando Oliveira e Sá (coord.), Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, págs. 313-388 (esp. nas págs. 368-371).

[7] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018 — processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1 — diz, de forma paradigmática, que “[a] doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo no âmbito dos danos não patrimoniais diversas vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância, o quantum doloris — que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária —, o ‘dano estético’ — que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima —, o ‘prejuízo de afirmação social’ — dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) —, o ‘prejuízo da saúde geral e da longevidade’ – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida – e, por fim, o ‘pretium juventutis’ – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida”.

[8] Em cujo sumário se escreve que “[é] adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €65.000,00 quando o quadro factual evidencia uma vida arruinada, com a lesada a suportar uma verdadeira “via crucis” em consequência de lesões múltiplas e gravíssimas em vários órgãos que vão perdurar e que têm tradução na atribuição de uma incapacidade permanente geral de 77,9 pontos, com um período de internamento de 10 meses, intervenções cirúrgicas várias, bem como tratamentos, sofrimento físico e psicológico intensos e constantes, este acentuado pela incapacidade de fazer vida autónoma e de estar incapacitada para o trabalho. Tudo contribuindo para um desgosto e uma penosidade muito acrescidos no suportar do normal quotidiano, decorrente da manifesta perda de qualidade de vida, e inevitavelmente das relações interpessoais. Isto numa pessoa que tinha ainda uma esperança de vida prolongada pois completara 60 anos à data do acidente

[9] Em cujo sumário se rescreve que “é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50000,00”, quando resulta dos factos provados “que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de erecção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50000,00”

[10] Em rigor, a indemnização relevante é de cerca de 120000 euros: como resulta da fundamentação do acórdão de 9 de Janeiro de 2019 — processo n.º 275/13.5TBTVR.E1.S1 —, os 125000 euros compreendem o “dano decorrente das demoras ocorridas na substituição dos componentes da prótese”.

[11] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008, os danos da vítima foram muito graves, concretizando-se em “dores em tratamentos hospitalares, em lesões estéticas e do fórum íntimo que acompanharão a ofendida em toda a sua vida, ainda mal vivida, com os então 17 anos, como notaram as instâncias e reconhece a própria recorrente, mas se pode mesmo dizer que os mesmos se não conformam com parametrizações, sendo excepcionalmente pesados: — lesões e sequelas anatómicas nos tecidos; — encurtamento dos membros inferiores com um processo de cura incompleto e imperfeito verificado ao nível dos membros inferiores; — lesões e sequelas funcionais consequência das lesões anatómicas limitaram a ofendida à mecânica articular dos membros inferiores afectando-lhe de forma violenta o seu estado psíquico, lesões e sequelas estéticas nomeadamente cicatrizes; — assimetrias, coxeadura no membro inferior direito; — afectação da beleza e da auto-estima, com o dano estético de 6 numa escala de 7; — tristeza, depressão, desespero, apatia, isolamento, lesões extra-corpóreas, com repercussão na sua auto-estima, a alegria de viver e não consegue ainda hoje reconstruir a sua imagem, abandono da formação académica, a interrupção da sua relação com o namorado, nos tratamentos médicos das lesões sofridas e na necessidade de ajuda de terceiros, com incapacidade total e imparcial e I.P.P. de 45%, com 5% de dano futuro 5%; — dezenas de cirurgias e dezenas de anestesias gerais; — as lesões consolidadas médico-legal das lesões mais de 5 anos passados sobre a data do acidente, com internamentos sucessivos, sabendo que ainda terá necessariamente de ser reoperada; —  quantum doloris de grau 6; — deixou de poder descer e subir escadas sozinha, deixou de poder tomar banho sozinha, perda de relacionamento com o seu grupo de amigos, ansiedade e depressão clínica”, em termos tais que “não merece censura a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)”.