Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26291/20.2T8LSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: OBJECTO DO CONTRATO DE SEGURO
PANDEMIA
COVID-19
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
APÓLICE DE SEGURO
NEGÓCIO FORMAL
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
QUESTÃO NOVA
VONTADE REAL DOS DECLARANTES
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO PER SALTUM
Data do Acordão: 11/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Nos negócios formais, o sentido da declaração deve ter reflexo ou expressão no texto do documento, sob pena de não poder ser deduzido pelo declaratário (cf. artigo 238.º do Código Civil). Isto significa que a letra do negócio surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação.

II – O clausulado da apólice afigura-se-nos ser bastante claro, não admitindo o surgimento de uma situação de dúvida suscetível de conduzir à aplicação do regime previsto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro), isto é, o de que, em caso de dúvida, prevalece o sentido mais favorável a quem beneficia do contrato de seguro, como contrato de adesão que também é.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Caesar Park Hotel Portugal, S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Chubb European Group, SE, Sucursal em Portugal, pedindo:

A) A condenação da R. no pagamento à A. de compensação por todos os prejuízos causados, consubstanciados na perda de lucros com a exploração do Hotel P..., resultantes da pandemia da doença COVID-19 e das medidas excepcionais tomadas pelas autoridades públicas para lhe fazer face, a liquidar em execução de sentença:

a) Por força da cobertura de Perda de Lucros, até ao montante de €22.500.000,00 (vinte e dois milhões e quinhentos mil euros); e

b) Por força da cobertura Proibição Decretada pelas Autoridades prevista na Condição Particular nº39 do resumo das Condições Particulares, até ao limite de €500.000,00 (quinhentos mil euros).

B) Caso assim não se entenda, os referidos prejuízos devem compensação por força da cobertura de Perdas de Lucros em Consequência de Danos Materiais prevista na Condição Particular n.º 36, até ao limite de €6.745.000 por anuidade e sinistro.

Para tanto, alegou, em síntese:

- celebrou contrato de seguro com a Ré onde constam tais coberturas, o hotel que explora esteve fechado por ordem das autoridades públicas, por força da pandemia causada pela doença covid 19;

- solicitou à Ré o pagamento dos montantes cobertos pela apólice de tal contrato o que a mesma recusou.

2. Citada, a Ré veio contestar, alegando por exceção e por impugnação, invocando a incompetência territorial do Tribunal de Lisboa e ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, impugnando os factos alegados pela Autora.

Conclui pela total improcedência da ação.

3. Por despacho de 23-02-2022, o Juízo Central Cível de ... julgou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente ação.

Transitado tal decisão foram os autos remetidos ao Juízo Central Cível de ....

4. O Tribunal de 1.ª instância proferiu saneador-sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Face ao exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e absolvo a R. CHUBB EUROPEAN GROUP SE, SUCURSAL EM PORTUGAL dos pedidos deduzidos pela A. CAESAR PARK HOTEL PORTUGAL, S.A.”.

5. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso de revista), formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Nos termos do artigo 18.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o segurador tem um especial dever de informar e de esclarecer.

2. Por outro lado, ao contrato de seguro é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo que «a Seguradora não se pode prevalecer perante os Segurados das condições gerais da Apólice relativamente às quais não tenham sido cumpridos os deveres de comunicação e informação» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.2020, processo n.º 2983/18.5T8LSB.L1-2).

3. É também aplicável aos contratos de seguro o princípio da interpretação mais favorável ao tomador do seguro.

4. Na verdade, a jurisprudência portuguesa vem defendendo que, nos contratos de seguro deve, em caso de dúvida, prevalecer o sentido mais favorável a quem deles beneficia (cfr. v.g. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2006, processo n.º 06B1855).

5. O contrato de seguro celebrado entre AUTORA e RÉ deve, assim, se analisado à luz destes dois princípios.

6. A pandemia causada pela COVID-19 e a legislação emitida para minimizar a propagação da doença teve um impacto económico devastador nos mais diversos sectores produtivos e, em especial, no sector de actividade da AUTORA: o turismo, em geral, e a actividade hoteleira, em particular.

7. AUTORA e RÉ contrataram um contrato de Seguro contra Todos os Riscos.

8. Assim, pela natureza do seguro, um dano ou perda resultante de um facto exógeno à AUTORA deveria estar seguro, conquanto não estivesse expressamente excluído.

9. A pandemia causada pela COVID-19 não estava excluída por força do artigo 4.º das Condições Gerais da Apólice, uma vez que esta exclusão refere-se à (potencial) contaminação do hotel por bactérias, fungos, vírus e outras substâncias perigosas.

10. Mas o que está em causa na presente acção não é a contaminação do Hotel P..., uma vez que este não foi contaminado por vírus, fungos ou bactérias, nomeadamente pela COVID-19.

11. Aliás, nem era provável que isso sucedesse, já que a contaminação implica uma certa permanência, o que só sucede com bactérias ou fungos ou, no caso dos vírus, nos que se instalam nos alimentos.

12. A RÉ é uma das maiores seguradoras do mundo, pelo que, enquanto profissional do ramo dos seguros, tem o cuidado de acautelar todos os riscos que pretende excluídos.

13. Contrariamente ao alegado pela Ré na sua Contestação, em lado algum da APÓLICE consta a palavra “epidemia” ou “pandemia”, nem qualquer referência a doenças infecciosas ou qualquer outra expressão que pudesse indicar que a RÉ pretendia excluir estes casos.

14. Isto é, se a RÉ considerava que uma pandemia ou epidemia deveriam considerar-se excluídas do contrato por força deste parágrafo 12.º do artigo 4.º das Condições Gerais, então forçoso será concluir que a RÉ deveria ter prestado esclarecimentos específicos a propósito desta cláusula a fim de clarificar a sua abrangência, o que nem sequer alegou ter feito.

15. Em todo o caso, as perdas devem ser enquadradas em coberturas especificamente previstas na APÓLICE, designadamente na cobertura de PERDA DE LUCROS e na cobertura de PROIBIÇÃO DECRETADA PELAS AUTORIDADES PÚBLICAS.

16. No essencial, as PARTES estipularam dois tipos de coberturas principais: a cobertura de danos materiais e a cobertura de perda de lucros.

17. O prémio pago pela cobertura de PERDAS DE LUCRO – em especial, a parte do prémio relativa ao Lucro Bruto, no valor de 8.800,00 € – era devido em função do específico capital seguro de 20.000.000,00 €, porquanto era aplicada uma permilagem de 0,44‰ sobre o capital seguro.

18. Por outro lado, nos termos do ponto B do artigo 4.º das Condições Gerais, o lucro cessante ou a perda de danos, tal como o roubo e o furto, são em si considerados riscos que estão excluídos salvo disposição expressa e pagamento de prémio adicional.

19. Em contrapartida, quando é expressamente convencionado e pago prémio adicional – como sucede no caso da AUTORA, concretamente no valor de € 11.550,00 – o lucro cessante ou a perda de lucros são riscos incluídos no âmbito das coberturas do contrato de seguro.

20. Nas páginas 7 a 9 da APÓLICE encontram-se Cláusulas Particulares das coberturas principais, isto é, sub-coberturas das coberturas principais de DANOS MATERIAIS e de PERDAS DE LUCROS.

21. Diferente da cobertura principal de PERDAS DE LUCROS, é a COBERTURA DE PERDAS DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS, a qual consubstancia uma sub-cobertura da cobertura Principal de Danos Materiais e que está prevista no ponto 36 do Resumo das Condições Particulares.

22. Na cobertura de PERDA DE LUCROS o lucro cessante ou da perda de lucros é o risco coberto em si mesmo (cfr ponto B do artigo 4.º das Condições Gerais), ao passo que na COBERTURA DE PERDAS DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS o risco são os danos materiais e a perda de lucros uma consequência desses danos (daí que seja uma sub-cobertura da cobertura principal de DANOS MATERIAIS).

23. A APÓLICE faz esta distinção, desde logo no próprio nome: na página 4 e 5 da APÓLICE refere-se apenas a PERDAS DE LUCROS; já na página 23, por outro lado, e no âmbito das várias sub-coberturas, faz-se referência a PERDAS DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS.

24. Note-se que “em Consequência de Danos Materiais” está redigido com as primeiras letras em maiúsculas, o que indica que faz parte da definição – não sendo, por isso e apenas, uma explicação adicional, definição essa distinta da definição prevista na página 4 e 5, que é apenas de PERDA DE LUCROS.

25. Por outro lado, a cobertura principal de PERDAS DE LUCROS tem um capital seguro de € 22.500.000, sendo € 20.000,000 relativos a Lucro Bruto, ao passo que a sub-cobertura PERDAS DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS tem um limite por sinistro e anuidade de € 6.745.000 (cfr. página 8 da APÓLICE).

26. Se a cobertura de PERDA DE LUCROS e a cobertura de PERDA DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS fossem uma só e mesma cobertura, não faria qualquer sentido que a AUTORA estivesse a pagar um prémio por um capital de € 20.000.000 quando na verdade a responsabilidade da RÉ estava limitada a € 6.745.000.

27. Se a RÉ pretendia que a “PERDA DE LUCROS”, com um capital seguro de € 22.500.000 fosse o mesmo que “PERDA DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS”, então, como profissional que é da matéria, deveria ter redigido a APÓLICE de forma inequívoca nesse sentido, não distinguindo uma e outra com nomes diferentes e capitais seguros distintos.

28. Se era isso que a RÉ pretendia, não foi clara, pelo que sibi imputet, já que a regra é ambiguitas contra stipulatorum.

29. De facto, quando as seguradoras não usam linguagem clara e distintiva para excluir causas de perdas conhecidas no mercado, elas actuam “sob sua conta e risco”.

30. Mas ainda que as coberturas de “PERDA DE LUCROS” correspondesse inequivocamente ao mesmo que a cobertura de “PERDAS DE LUCROS EM CONSEQUÊNCIA DE DANOS MATERIAIS” – o que, nesse caso, suscitaria a questão de saber por que é que um dos maiores grupos seguradores do mundo não logrou redigir uma apólice de uma forma simples e clara – ainda assim o sinistro estaria coberto.

31. Com efeito, no texto desta sub-cobertura, define-se Sinistro pelo «O acontecimento das perdas ou danos materiais cobertos pelo seguro, que originem uma perda de lucros para o Segurado» (cfr. página 23 da APÓLICE): ou seja, o próprio texto da APÓLICE não se limita a danos materiais, mas também a perdas, para o que a pandemia resultante da COVID-19 se deve considerar abrangida.

32. Devem ser consideradas perdas as limitações de gozo e fruição das coisas, abrangendo por isso a pandemia causada pela COVID-19.

33. Para além da cobertura principal de PERDA DE LUCROS, a AUTORA contratou a cobertura de PROIBIÇÃO DECRETADA PELAS AUTORIDADES PÚBLICAS (cfr. Condição Particular n.º 39 - PROIBIÇÃO DECRETADA PELAS AUTORIDADES PÚBLICAS, constante da página 8 da Apólice).

34. Sucede que, por lapso exclusivamente imputável à RÉ, na descrição da Condição Particular n.º 39, constante da página 27 da APÓLICE surge a referência à cobertura de DESALOJAMENTO FORÇOSO DOS LOCAIS DE NEGÓCIO OU A INABILIDADE DAS VIVENDAS e não à cobertura acordada de PROIBIÇÃO DECRETADA PELAS AUTORIDADE PÚBLICAS.

35. É pacífico no processo que o que ficou a faltar no texto da APÓLICE foi a definição detalhada da cobertura de PROIBIÇÃO DECRETADA PELA AUTORIDADES PÚBLICAS, e que o texto da cláusula 39, relativo ao DESALOJAMENTO FORÇOSO DOS LOCAIS DE NEGÓCIO OU A INABILIDADE DAS VIVENDAS, foi um lapso.

36. Temos, por isso, que as PARTES acordaram numa cobertura de “Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas”, mas sem regular a respectiva definição, o qual terá de ser interpretado e integrado de acordo com as regras legais, ao abrigo dos princípios aplicáveis à interpretação de contratos de seguro, designadamente o já referido ambiguitas contra stipulatorum.

37. Assim, haverá que ter em consideração que a interpretação parte única e exclusivamente do contexto geral da APÓLICE (contra todos os riscos) e do texto «cobertura de Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas».

38. Ora, as restrições emanadas pelas autoridades em face da pandemia da COVID-19 correspondem exactamente ao que um declaratário normal, colocado perante uma “cobertura de proibição decretada pelas autoridades públicas”, entenderia como sendo um sinistro seguro.

39. Com efeito, as autoridades públicas decretaram em diversas ocasiões a proibição de deslocação, de aglomeração, de realização de eventos.

40. Assim, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que condene a RÉ no pedido.

41. Uma vez que a Sentença Recorrida apenas trata questões de direito, o presente Recurso pode ser interposto per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 678.º do CPC.

E conclui: “deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no pedido.”

6. A Ré contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso de revista e pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excluindo-se as referentes à não admissibilidade do recurso):

V. A interpretação de um contrato de seguro faz-se de acordo com as regras consagradas na Lei 72/2008, de 16 de Abril, com as regras da interpretação das declarações negociais (artigos 236.º a 238.º do Código Civil) e, se o contrato de seguro sub judice, como é normal, tiver sido celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais, de acordo ainda com o DL 446/85, de 25 de Outubro.

VI. No caso dos autos não ficou provado que o contrato de seguro houvesse sido celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais. Os montantes envolvidos, assim como a expertise das partes, bem como da M..., tornam verosímil que o contrato tenha sido específica e integralmente negociado entre as partes. E assim foi. Veja-se a este respeito que, quer as Condições Gerais, quer as Condições Particulares da Apólice existem porque foram objeto de uma manifestação expressa de vontade da Recorrente no sentido de as aceitar, tal qual estavam, ou lhe tinham sido apresentadas, salvo em matérias específicas que a Recorrente propôs e negociou alteração. Por esta razão, estará afastada a aplicação da LCCG.

VII. Também no caso objeto dos autos a Apólice: (i) Foi elaborada nos termos solicitados pela Recorrente; (ii) O seu clausulado reproduz o pedido da mesma; (iii) A Recorrida sempre manifestou disponibilidade para negociarqualquer das cláusulas da Apólice;(iv) tendo a representante da Recorrente, aprovado sem reservas o seu clausulado, procedendo a Recorrente, correspondentemente, ao pagamento do prémio respetivo.

VIII. À cautela e sem conceder, sempre se esclarece, quanto ao dever de informação, que este tem por objeto os aspetos do clausulado “cuja aclaração se justifique”, de acordo com as circunstâncias (art. 6.º, n.º 1, da LCCG) e, ainda, a prestação de todos os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo aderente (art. 6.º, n.º 2, da LCCG). Da análise do clausulado e tendo em consideração o perfil do tomador do seguro, não se descortinam aspetos do clausulado cuja aclaração se justifique. Acresce que não foi provada a necessidade de qualquer aclaração nem, muito menos, a solicitação de esclarecimentos que não tivessem sido prestados.

IX. Como também, a violação do dever de informação não se presume, nem ficou provado que a Recorrida houvesse violado tal dever. Antes pelo contrário, a Apólice respeita o conteúdo de uma outra que lhe é anterior, por expresso pedido da Recorrente. Além de que a violação deste dever não gera, e nunca geraria, como parece decorrer das alegações de recurso (e da p.i) da Recorrente, a interpretação das cláusulas no sentido mais ou menos favorável ao respetivo utilizador.

X. Mais: o dever de informação da seguradora, quando estejamos, como no caso dos autos, perante contratos de seguro em cuja celebração haja intervenção de um mediador de seguros, é afastado pelo disposto no art. 22.º, n.º4, 2.ª parte, da LCS.

XI. Mesmo quando este existe o dever de informar decorrente da LCS, a consequência da sua violação é a responsabilidade civil da seguradora e o direito de resolução do contrato de seguro pelo tomador de seguro, no prazo de 30 dias após ter recebido a apólice e, portanto, ter constatado a violação do dever de informar (art. 23.º da LCS). A violação do dever de informação não confere ao tomador de seguro o poder de “interpretar” o contrato de seguro como bem lhe parecer.

XII. Continuando à cautela e sem conceder, numa eventual aplicação da LCCG ao contrato em análise, importa evidenciar mais um equívoco da Recorrente: da LCCG decorrem, quanto à interpretação das cláusulas contratuais gerais, três critérios sucessivos de interpretação:

a. A aplicação das regras gerais (isto é, dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil), dentro do contexto do contrato singular em que se incluem (art. 10.º da LCCG);

b. As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real (art. 11.º, n.º 1, da LCCG); e

c. Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente (art. 11.º, n.º 2, da LCCG).

d. A Recorrente aplica direta e unicamente o último dos critérios de interpretação sem se aperceber que esse é o terceiro de três; e que é preciso estarmos perante uma dúvida e, existindo a dúvida, devemos optar pelo sentido, de entre os possíveis, que mais favorece o aderente. Ora, qual é a dúvida? Quais os elementos de interpretação que permitem afirmar que essa dúvida existe? Quais são os sentidos possíveis das cláusulas? Nada disso é dito. Precisamente porque não existe qualquer dúvida (bastando para tal a contextualização da folha-síntese)!

e. Em conclusão, o contrato de seguro sub judice deve interpretar-se com recurso às regras consagradas no Código Civil.

XIII. Estamos peranteumnegócioformal, compostopor dois conjuntos de estipulações, as Condições Particulares e as Condições Gerais. Mostra-se, pois,necessárioapurar o sentido da totalidade do documento, não de menções de síntese descontextualizadas que são infirmadas pelas declarações negociais ao longo do texto contratual.

XIV. Atentas as particularidades dos riscos subjacentes aos contratos de seguro e que determinam toda a sua configuração, os contratos de seguro distinguem-se em “ramos” (cfr. artigo 8.º da Lei 147/2015, de 9 de Setembro) e, nos termos da lei, cada seguradora precisa de obter licenças para celebrar contratos dos específicos ramos (art. 12.º da Lei 147/2015), podendo “[a] empresa de seguros que tenha obtido autorização para cobrir um risco principal de um ramo Não Vida (…) também cobrir riscos acessórios incluídos noutro ramo Não Vida, sem necessidade de obtenção de autorização específica para a cobertura destes.” (art. 11.º, n.º 1, da Lei 147/2015). “[E]ntende-se por riscos acessórios os que estejam ligados ao risco principal, digam respeito ao objeto coberto face ao risco principal e sejam garantidos através do contrato que cobre o risco principal”, diz-nos o n.º 2 do artigo acabado de citar.

XV. Um dos riscos acessórios possíveis é o de “«Perdas pecuniárias diversas». A Recorrente esgrime, com alguma afoiteza, diga-se, a designação da Apólice sub judice (“Seguro todos os riscos”) como argumento no sentido de o contrato cobrir todos (!) os riscos da “atividade hoteleira por si desenvolvida” (art. 5.º da p.i.). Sucede, porém, que não há seguro contra todos os riscos. Trata-se, apenas, de fórmula sucinta e derivada da terminologia internacional do setor segurador para referir contrato de abrangência larga relativamente aos riscos (não excluídos da cobertura da Apólice) que afetam o objeto seguro. E neste caso o objeto seguro são os “Bens e interesses seguros” que constam das condições particulares da Apólice.

XVI. Ou seja, estamos perante um contrato de seguro do ramo não vida que cobre “todos os danos” sobre os bens listados nas Condições Particulares e não excluídos pela Apólice. Como esclarece a LCS, art. 43.º, “[n]o seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade de coisa, direito ou património seguros.” E quais são“todos os danos”?: são os que vierem consagrados no contrato de seguro e que, na lei, se encontram dispersos nas alíneas h) e i) do art. 8.º da Lei 157/2015.

XVII. Por outras palavras, o contrato de seguro celebrado entre as partes não segurou "a atividade hoteleira", mas, sim, os bens e interesses constantes das condições particulares; e segurou esses bens contra uma plêiade de riscos que poderia atingir esses bens.

XVIII. Por outro lado, a tese da Recorrente de que o contrato cobriria dois tipos de perda de lucros, um associado aos danos materiais sofridos (previsto no ponto 36 das condições particulares) e outro autónomo (não excluído pelo art. 4.º-B das condições gerais, atendendo a que a Recorrente pagou um prémio autónomo por perda de lucros), não é procedente atendendo às regras da atividade seguradora, e ao estipulado.

XIX. As Condições Gerais, como o próprio nome indica, são… “gerais”. As Condições Particulares de um contrato de seguro adaptam e, amiúde, afastam, as regras estabelecidas “emgeral”nas Condições Gerais.Istosignifica, à partida, que oartigo 36 das Condições Particulares corresponde, precisamente, ao estipulado quanto a Perda de Lucros (decorrentes da Danos Materiais) para o contrato celebrado, afastando a exclusão do art. 4.º/B1 das Condições Gerais. E significa, também, que o prémio adicional pago (os 11.550€) são a contrapartida que o próprio art. 4.º/B1 estabelece como necessária para a referida cobertura de perda de lucros.

XX. Assinala-se que se os 11.550,00€ correspondessem ao prémio de uma cobertura autónoma de perda de lucros como a Recorrente pretende, faltaria, nos resumos, o valor do prémio a pagar pela cobertura de perda de lucros decorrente de danos materiais (à semelhança do prémio separado correspondente à perda de lucros por avaria de máquinas - 500,00€). Isto é, suporia o pagamento de dois prémios por duas Coberturas Suplementares, que a Recorrente nunca pagou, nem tal lhe foi pedido pela Recorrida.

XXI. Além de que, não foi feita prova quanto à análise de risco que precedeu a celebração deste contrato. No entanto, a verosimilhança de um seguro de todos os riscos relativo a imóveis cobrir a “perda de lucros” de uma sociedade hoteleira, implicaria que a seguradora houvesse analisado as contas do hotel, a sua carteira de clientes, etc.. Ou seja, implicaria que estivéssemos perante uma união entre dois contratos de seguro (um, em que o objeto seguro era constituído por imóveis; e outro em que o objeto era a atividade da proprietária dos imóveis). Nada no contrato nos permite chegar a esta conclusão.

XXII. Antes pelo contrário: a conjugação do disposto no Capítulo “Perda de Lucros” das Condições Particulares (“Segundo o ponto B1. do Artigo 4º das Condições Gerais e Cláusula Anexa”) remete claramente para o artigo 36 das Condições Gerais deixando claro o único sentido possível para esta expressão: a Perda de Lucros sempre será Consequência de Danos Materiais. Foi esse também o entendimento da douta Sentença recorrida.

XXIII. Por outro lado, o parágrafo 12 do art. 4.º das Condições Gerais é elucidativo e totalmente abrangente: os danos (ou seja, quaisquer danos), como seja a perda de lucros, causados por matérias contaminantes estão excluídos da cobertura da Apólice.

XXIV. Vindo o n.º 12 incluir no conceito de “matérias contaminantes” os vírus – de forma abrangente (atento o “nomeadamente”). Inclui-se, pois, qualquer vírus. Isto é, inclui-se, o SARS-CoV2 (sem restrições quanto a formas de contágio – estejam em superfícies do Hotel, em roupas, em alimentos, no ar que se encontra em toda a área do Hotel…).

XXV. Exclusão esta que vale para “qualquer caso” (art. 4.º-A-12): ainda que as partes tivessem convencionado uma perda de lucros decorrente de danos materiais e uma perda de lucros autónoma, ambas estas coberturas não abrangeriam a hipótese de perda de lucros causada pela substância contaminante vírus SARS-CoV2.

XXVI. É isto também que a douta Sentença recorrida consagra quando refere que, “sempreoart4ºA, 12das clausulas gerais dispõeque são excluídos, emqualquer caso, os danos e prejuízos causados, resultantes, influenciados ou agravados, designadamente por vírus.

XXVII. Note-se que o vírus SARS-COV’2 não constitui um “dano material”, muito menos para os efeitos da Apólice que assenta sobre Bens e Interesses patrimoniais perfeitamente definidos.

XVIII. E não sendo um “Dano Material” nos Bens e Interesses Seguros, nunca poderia gerar Perdas de Lucros: o dano material na referida esfera patrimonial segura terá que existir previamente a tais Perdas; e, por outro lado, ser ele próprio o gerador causal dessas mesmas perdas.

XXIX. Da mesma forma se deve considerar a Exclusão por “Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas”: por um lado ela sempre teria que pressupor e decorrer de um dano material coberto pela Apólice (que, como se viu, não existe); mas por outro, inviabilizar (totalmente) o acesso aos Bens Seguros. No caso concreto ficou provado e até por confissão, que a Recorrente sempre se manteve em atividade.

XXX. Além de que, a cláusula em vigor no momento do alegado “Sinistro” e resultante de um acordo entre as partes, também por si só inviabilizaria a cobertura.

XXXI. É isto, no geral, o que a douta Sentença recorrida reproduz e que, por ter andado bem o Mmo. Tribunal a quo, deverá ser mantido.

E conclui pelo “indeferimento do Recurso per saltum … e a manutenção da douta Sentença Recorrida.”

7. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber saber se a apólice de seguro contratada pelas partes abrange, por ausência de exclusão expressa, o sinistro em causa nos autos – pandemia causada pelo vírus COVID-19 – e se a cobertura constante do ponto 39. do resumo da apólice de seguro – “cobertura de proibição decretada pelas autoridades públicas” – deve ser interpretada no sentido de abranger o aludido sinistro.

III. Fundamentação

1. A factualidade provada é a seguinte:

1.1. A A. explora o hotel “P...”, em ....

1.2. A R. é a sucursal em Portugal da Chubb European Group SE.

1.3. Em 17-10-2018, a A., como tomador do seguro, e a R., como seguradora acordaram no contrato de seguro denominado SEGUROS TODOS OS RISCOS, correspondente à Apólice ...15, com início às 00h do dia 18-10-2018 e termo até às 24h do dia 17-10-2019, prorrogável anual e sucessivamente.

1.4. Tal apólice cobre danos materiais e perda de lucros sendo segurados:

Caesar Park Hotel Portugal, S.A.; L... B.V– Sucursal em Portugal; e M..., Limited.

1.5. A actividade segura é Hotel e o local de risco a Quinta ....

1.6. Na referida apólice lê-se:

O Tomador do Seguro declara que lhe foram dadas a conhecer, previamente à celebração do contrato, as informações contratuais e condições gerais legalmente previstas e que tomou integral conhecimento das mesmas.

O Tomador do Seguro declara ainda que lhe foram prestados todos os esclarecimentos que solicitou e dadas a conhecer integralmente, de forma clara e em língua portuguesa, todas as informações relativas às condições do contrato, de entre as quais âmbitos de cobertura, exclusões, períodos de carência, e o seu dever de declarar o risco.

Salvo o disposto nas Condições Particulares, os bens e interesses segurados serão os descritos no Artigo 1ª das Condições Gerais.

Salvo o disposto nas Condições Particulares, os bens e interesses excluídos serão os descritos no Artigo 2ª das Condições Gerais.”.


1.7. Lê-se na parte relevante das condições particulares: “Limites por sinistro e anuidade:

(…)36. Perda de Lucros em Consequência de Danos Materiais Mediante a cobrança do prémio estipulado nas Condições Particulares da apólice acima indicada, a garantia da Seguradora abrange a Cobertura da Perda de Lucros que afecte o Segurado, em consequência de um sinistro coberto pela citada apólice, nas Condições seguintes:

Âmbito da Cobertura

No presente Apêndice, entende-se por: (…)

2. Sinistro: O acontecimento das perdas ou danos materiais cobertos pelo seguro, que originem uma perda de lucros para o Segurado. (…)

Riscos Cobertos

Perda de lucros produzida por Danos Materiais garantidos na presente apólice.(…)

Exclusões:

Fica excluída a Perda de Lucros decorrente de:

2. Situações de paralisação temporária ou definitiva, quer seja voluntária, quer forçosa.(…)

39 Desalojamento Forçoso Dos Locais De Negócio Ou A Inabitabilidade Das Vivendas

1) Por esta cobertura, o Segurador garante ao Segurado, até o limite do valor pactuada para esta garantia, os desembolsos que se originem pelo desalojamento, provisional da vivenda ou local de negócio a consequência de um sinistro amparado pela apólice durante o tempo que se inverta na reparação dos danos ocasionados pelo sinistro.

2) Estes desembolsos compreendem unicamente o traslado do seu mobiliário, alfaias, utensílios e/ou mercadorias e o aluguer de uma vivenda ou local de negócio de parecidas características ao que tinha.

3) Dito prazo fica limitado ao tempo em que a vivenda ou local de negócio fique inutilizável a causa da sua reparação, o qual será determinado pelos peritos que hajam interferido na apreciação dos danos do sinistro, mas sem que, em nenhum caso, possa exceder de um ano. Da indemnização se deduzirá, quando se trate de inquilinos, o importe do aluguer correspondente da vivenda ou local de negócio sinistrado e quando sejam proprietários o importe, em seu caso, dos gastos comuns que, como proprietário, venha obrigado a satisfazer.

4) Quando a juízo dos peritos, ou bem de acordo com as disposições vigentes sobre a matéria, a inutilização da vivenda ou local de negócio de um inquilino seja total e, por tanto, definitiva, a indemnização poderá ampliar-se até o prazo de dois anos, mas sem exceder o valor segurado.

40 Perda de Atracção Turística

“Interrupção da Actividade por Perda de Atracção Turística

Encontra-se garantido ao abrigo da presente cobertura, até ao limite de indemnização por sinistro e anuidade identificado nas Condições Particulares, as perdas de exploração incorridas na sequência de um dano material seguro pela presente apólice que ocorra e altere a envolvente paisagística do Hotel num raio de 1 km.

Para que o Sinistro tenha cobertura pela presente cláusula a causa do sinistro deve ter uma influência no volume de facturação e causar um decréscimo mensurável no número de clientes.

Período de Indemnização: duração máxima da cobertura será de 3 meses e inicia-se com a ocorrência do sinistro provocando o encerramento das instalações seguras.”.

1.8. Lê-se na parte relevante das condições gerais:

Artigo 1º - Bens e interesses segurados

Salvo as exclusões indicadas no Artigo 2.º, o âmbito de protecção do Seguro abrange os bens e interesses no território português especificados nas Condições Particulares que constituam património próprio do Segurado, incluindo o respectivo interesse nas reparações e melhoramentos de edifícios da propriedade de terceiros. Os bens móveis de terceiros, que se encontrem em depósito ou sob custódia do Segurado ou das pessoas pelas quais deva responder, poderão ser Segurados mediante declaração expressa na Apólice e pagamento do prémio correspondente.

“(…) Artigo 4º - Riscos Excluídos

São excluídos da cobertura os seguintes riscos:

A. Em qualquer caso:

(…) 12. Os danos e prejuízos causados, resultantes, influenciados ou agravados por matérias contaminantes entende-se qualquer matéria que, depois da respectiva evacuação, possa causar ou ameace causar danos à saúde ou ao bem-estar das pessoas, (…) incluindo nomeadamente, (…) vírus (...)”.

1.9. Em 16-06-2020, a A. remeteu à R. escrito por correio registado co aviso de recepção, escrito com o seguinte teor:




1.10. Em 03-07-2020, a R. respondeu à A. nos seguintes termos:

não existe cobertura para o pedido que nos apresentou, dado que neste caso não ocorreu qualquer Dano Material anterior, tal como estabelecido na apólice, requisito essencial para que a cobertura de Perda de Lucros seja activada.

1. Perda de Lucros em Consequência de Danos Materiais

Mediante a cobrança do prémio estipulado nas Condições Particulares da apólice acima indicada, a garantia da Seguradora abrange a Cobertura da Perda de Lucros que afecte o Segurado, em consequência de um sinistro coberto pela citada apólice, nas Condições seguintes:

Âmbito da Cobertura

No presente Apêndice, entende-se por:

1. Sinistro: O acontecimento das perdas ou danos materiais cobertos pelo seguro, que originem uma perda de lucros para o Segurado

A perda de rendimentos causada pela actual situação pandémica é um risco inerente ao funcionamento da actividade em si e não um dano material.

Com base no acima exposto, procedemos ao encerramento do ficheiro sem consequências.”.

1.11. Em 18 de Março de 2020, foi decretado pelo Presidente da República Portuguesa o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, face à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e ao elevado número de casos de contágio da doença COVID-19.

1.12. Por força de tal decisão e suas sucessivas renovações, e em cumprimento das mesmas, o hotel referido em 1. permaneceu encerrado de 19-03-2020 até 02-04-2020.

1.13. O contrato estava em vigor entre tais datas devido às suas sucessivas renovações anuais.

2. Apreciação do recurso

No essencial, o presente recurso assenta na interpretação da apólice de seguro celebrada entre as partes, defendendo a Recorrente que a situação de pandemia causada pelo vírus COVID-19, que obrigou ao encerramento do hotel entre 19/03/2020 e 2/04/2020 - deve ser considerada abrangida pelo contrato de seguro.

Diferentemente, entende a Recorrida, propugnando o entendimento defendido pela 1.ª instância, ao considerar que o referido sinistro não se mostra abrangido por nenhuma das coberturas contratadas, sendo que, além do mais, existe uma cláusula expressa a excluir da cobertura “os danos e prejuízos causados, resultantes, influenciados ou agravados, designadamente por vírus”.

Nos presentes autos, o Tribunal de 1.ª instância, decidindo no saneador, entendeu que as coberturas contratadas não se aplicavam à situação pandémica em causa nos autos, concluindo no sentido de não ter a Autora direito a receber da Ré qualquer das quantias peticionadas.

A propósito das coberturas contratadas e invocadas pela Autora, discorre o saneador-sentença nos seguintes termos:

Da Perda de Lucros em Consequência de Danos Materiais.

Resultou provado que o contrato de seguro firmado entre as partes, nas condições particulares, sob o nº 36, cobre o risco da Perda de Lucros em Consequência de Danos Materiais.

Provou-se que nas condições particulares se refere que “a garantia da Seguradora abrange a Cobertura da Perda de Lucros que afecte o Segurado, em consequência de um sinistro coberto pela citada apólice, nas Condições seguintes.”.

Como o próprio contrato revela têm-se por sinistro o acontecimento das perdas ou danos materiais cobertos pelo seguro, que originem uma perda de lucros para o Segurado.

Os riscos cobertos pela Perda de Lucros em Consequência de Danos Materiais são, também segundo o contrato os que resultem de danos materiais garantidos pela presente apólice, ora das exclusões consta que fica excluída a Perda de Lucros decorrente de “Situações de paralisação temporária ou definitiva, quer seja voluntária, quer forçosa.”.

Ora, um declaratário normal só pode entender desta cláusula que, se houver um dano material que cause perda de lucros, o risco está coberto.

É o caso, por exemplo de um incêndio ou inundação em parte do hotel que diminui o número de hóspedes do hotel.

Temos assim que não tem a A. direito a receber da R. qualquer quantia referente a esta cobertura.


*


Do Desalojamento Forçoso Dos Locais De Negócio

Resultou provado que o contrato de seguro firmado entre as partes, mais precisamente cobre, sob o nº 39, o risco de Desalojamento Forçoso Dos Locais De Negócio.

Como resulta do texto das condições particulares, esta cobertura cobre as despesas que o tomador do seguro venha a ter desde a ocorrência de um dos sinistros previstos no contrato e a total reparação adveniente do mesmo, quando essa reparação implique a retirada de bens do local seguro.

Refere-se expressamente que “Estes desembolsos compreendem unicamente o traslado do seu mobiliário, alfaias, utensílios e/ou mercadorias e o aluguer de uma vivenda ou local de negócio de parecidas características ao que tinha.”.

Também aqui, um declaratário normal só pode entender que havendo um sinistro que obrigue a transferir o hotel para outro imóvel, por exemplo porque houve um incêndio que exige reparações incompatíveis com o funcionamento naquele local, estão cobertos os custos de transporte dos móveis e equipamentos e de aluguer do imóvel para o qual o tomador do seguro transfira temporariamente o hotel.

Não é o caso dos autos, pelo que não tem a A. direito a receber da R. qualquer quantia coberta por esta garantia.


*


Da Interrupção da Atividade por Perda de Atracção Turística

Resultou provado que o contrato de seguro firmado entre as partes, mais precisamente das condições particulares, sob o nº 40, cobre o risco da Perda de Atracção Turística, causadora de perda de lucros causada por um sinistro que obrigou ao encerramento das instalações seguras.

O sinistro em causa, tem de consubstanciar a ocorrência de um dano material, garantido pela apólice.

Tal sinistro tem de causas a alteração da envolvente paisagística do Hotel num raio de 1 km.

São por exemplo as perdas de exploração em que o hoteleiro incorre quando, por exemplo, ao lado do hotel começou a ser construída uma ponte que impede a vista de mar, fazendo com que os potenciais clientes prefiram instalar-se noutros hotéis que tenham tal vista.

Também aqui, um declaratário normal só pode tal.

Mais uma vez, estamos muito longe da situação em causa nos autos, pelo que não tem a A. direito a receber da R. qualquer quantia coberta por esta garantia.


*


Cumpre ainda referir que sempre o art. 4º, A., nº 12, das cláusulas gerais dispõe que são excluídos da cobertura em qualquer caso, os danos e prejuízos causados, resultantes, influenciados ou agravados, designadamente por vírus.

Temos assim que a presente acção é totalmente improcedente.”.


*


Insurgindo-se contra este percurso argumentativo-jurídico, a Recorrente começa por defender que a apólice não exclui expressamente a cobertura decorrente de uma situação de “epidemia” ou “pandemia”, pelo que, tratando-se, como se trata, de um seguro contra todos os riscos, dever-se-ia concluir necessariamente pela sua inclusão no seguro contratado.

Relativamente a este primeiro argumento, desde já se antecipa que não se perfilha a posição da Recorrente.

São duas as ordens de razões que, no nosso ponto de vista, obstaculizam um tal entendimento, uma respeitante ao conteúdo expresso do clausulado e a outra concernente à finalidade do seguro contratado pelas partes.

Em primeiro lugar, contrariamente ao que parece defender a Recorrente, existe na Apólice uma cláusula expressa de exclusão no artigo 4.º-A, parágrafo 12, das Condições Gerais (dada como provada em 8.), onde se dispõe que:

“São excluídos da cobertura (…) em qualquer caso, (…) “12. Os danos e prejuízos causados, resultantes, influenciados ou agravados por evacuação, descarga, escape ou dispersão efetiva, presumida ou prevista de matérias contaminantes, ainda que tenham sido diretas ou indiretamente, próxima ou remotamente, no todo ou em parte causados, influenciados ou agravados por quaisquer danos materiais cobertos pela Apólice. (…) Por matérias contaminantes entende-se qualquer matéria que, depois da respetiva evacuação, possa causar ou ameace causar danos à saúde ou ao bem-estar das pessoas, à fauna, à flora ou ao meio ambiente, ou cause ou ameace causar danos, deterioração, perda de valor, de comercialização ou de utilização dos Bens Seguros pelo presente contrato, incluindo nomeadamente bactérias, fungos, vírus ou substâncias perigosas.” (cf. Doc 1 junto com a p.i.).

Não vemos como superar a literalidade clara desta cláusula e a sua óbvia aplicação ao caso dos autos, uma vez que a situação pandémica se fundamenta justamente na disseminação de um vírus altamente contagioso e que a Recorrente pretende ver ressarcidos os invocados danos e prejuízos causados por essa mesma situação. As medidas adotadas pelas autoridades públicas para conter a movimentação de pessoas e respetivo contacto serviram tão só para conter a perigosidade da propagação do vírus, pelo que o encerramento do hotel da Recorrente e prejuízos daí advenientes não podem deixar de ser considerados danos resultantes ou influenciados pelo vírus Covid-19, danos esses que estão, pois, expressamente excluídos da cobertura do seguro na citada cláusula 4.ª-A das Condições Gerais da apólice.

Pese embora o esforço retórico desenvolvido pela Recorrente, o texto da cláusula não exige ou pressupõe que o “hotel” seja, ele próprio, “contaminado por vírus”, mas tão só que uma tal situação, a ocorrer (sem quaisquer restrições quanto à forma ou perigo de contágio) cause, influencie ou agrave a ocorrência de danos (quaisquer que eles sejam, isto é, abrangendo também a perda de lucros) e prejuízos na esfera jurídica do segurado.

Acrescente-se que, na referida cláusula, não está apenas prevista a existência de uma contaminação por vírus, uma vez que estão também previstas as situações de mera possibilidade ou ameaça de causar danos à saúde ou ao bem-estar das pessoas, como é o caso da pandemia pelo vírus SARS-COV-2, sendo que o elenco dos fundamentos não é taxativo (como se antevê da utilização do advérbio “nomeadamente”).

Assim, a situação de pandemia causada pelo vírus Covid-19 não pode deixar de estar incluída na exclusão aqui expressamente prevista, não se nos suscitando dúvidas o âmbito e alcance do clausulado nesta parte.

Ainda que assim não se entendesse e necessário fosse recorrer às regras aplicáveis à interpretação das declarações negociais, sempre a solução seria idêntica.

Com efeito, de acordo com o que dispõe o artigo 236.º do Código Civil “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

O preceito acabado de citar consagra a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual o sentido do negócio jurídico é o “sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II – Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1983, p. 309).

Como se escreve no sumário do Acórdão do STJ de 13/10/2022 (processo n.º 17289/20.1T8LSB.L1.S1), aqui indicado a título meramente exemplificativo:

I - O art. 236.º, n.º 1, do CC consagra a chamada doutrina da impressão do destinatário, ao dizer que “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”.

II - O art. 238.º, n.º 1, do CC consagra um limite à doutrina da impressão do destinatário, de alcance limitado aos negócios formais: “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

No contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objeto, devendo-se nas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos” adotar o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice.

Ora, atenta a redação da cláusula que vimos analisando, não vemos que um declaratário normal, colocado na posição do real destinatário, pudesse atribuir à exclusão aí expressamente prevista o sentido pretendido pela ora Recorrente, isto é, de que a exclusão da cobertura de danos provocados, influenciados ou agravados por vírus não abrange uma situação de pandemia provocada pelo vírus Covid-19 e isto mesmo que se parta do pressuposto que as partes certamente não previram a ocorrência da epidemia. E a este propósito acrescente-se que não se vê que a interpretação assim conferida à cláusula – no sentido de incluir a situação pandémica em causa – assuma uma amplitude que desrespeite o princípio da boa fé e a utilidade ao seguro contratado, sendo certo que a cobertura deste seguro tem uma abrangência delimitada em função da ocorrência de danos materiais, o que era do conhecimento das partes (v. facto provado em 6).

Saliente-se, na esteira do ponto II. do sumário do Acórdão do STJ acabado de transcrever, que, nos negócios formais, o sentido da declaração deve ter reflexo ou expressão no texto do documento, sob pena de não poder ser deduzido pelo declaratário (cf. artigo 238.º do Código Civil). Isto significa que a letra do negócio surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação.

Ora, no caso, o sentido pretendido atribuir pela Recorrente não encontra respaldo na letra da cláusula, que, como vimos, exclui danos ou prejuízos causados ou influenciados por vírus, sem equacionar quaisquer limitações na forma como a contaminação ou potencial contaminação se evidencia em concreto. Conclusão contrária exigiria que se ignorasse a linguagem clara e inequívoca da apólice nesta parte.

Nesta medida, também por esta via, falece a tese da ora Recorrente quando defende não existir no clausulado do negócio qualquer cláusula de exclusão do “sinistro” em causa no presente processo.

A segunda ordem de razões prende-se com a natureza e finalidade do seguro contratado pelas partes.

Com efeito, percorrido o clausulado da apólice sob escrutínio, não merece discussão que o seguro contratado pelas partes é um verdadeiro seguro de danos materiais e não de atividade, já que pretendeu segurar os bens e interesses descritos nas condições particulares do contrato (onde, esclareça-se, não se incluem os “restaurantes”).

É isso que a Apólice consagra no artigo 1.º das Condições Gerais: “Salvo as exclusões indicadas no artigo 2º, o âmbito de proteção do Seguro abrange os bens e interesses no território português especificados nas Condições Particulares que constituam património próprio do Segurado (…)”.

Trata-se, por isso, de um seguro cujas coberturas pressupõem a existência de danos materiais nos bens seguros e é à luz deste contexto que a apólice de seguro deverá ser interpretada. Sobre este âmbito de aplicação, as coberturas contratadas e excluídas, o clausulado da apólice afigura-se-nos ser bastante claro, não admitindo o surgimento de uma situação de dúvida suscetível de conduzir à aplicação do regime previsto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro), isto é, o de que, em caso de dúvida, prevalece o sentido mais favorável a quem beneficia do contrato de seguro, como contrato de adesão que também é.

A este propósito, atente-se na cláusula 36 das condições particulares da apólice de seguro, que cobre o risco de perda de lucros em consequência de danos materiais: “a garantia da seguradora abrange a cobertura da perda de lucros que afete o segurado, em consequência de um sinistro coberto pela citada apólice, nas condições seguintes”, sendo que, “sinistro” nos termos do contrato é “o acontecimento das perdas ou danos materiais cobertos pelo seguro, que originem uma perda de lucros para o segurado.”.

E, conforme resulta provado em 7., ficou “excluída do contrato a perda de lucros decorrente de situações de paralisação temporária ou definitiva, quer seja voluntária, quer seja forçosa.”, o que, quanto a nós, reforça o entendimento que esta garantia não cobre prejuízos não relacionados com danos materiais.

Da conjugação do assim clausulado, não nos merece censura a conclusão alcançada neste conspecto pela sentença recorrida no sentido que “um declaratário normal só pode entender desta cláusula que, se houver um dano material que cause perda de lucros, o risco está coberto”, já que nada há no contrato que permita legitimar uma qualquer expetativa do segurado em ver abrangida pelo seguro uma qualquer perda de lucros que ocorra independentemente da verificação dos sinistros/acontecimentos concreta e expressamente definidos na apólice. Neste contexto, é de afastar liminarmente a tese pretendida defender pela Recorrente de que as partes haviam estipulado dois tipos de coberturas principais: a cobertura de danos materiais e a cobertura de perda de lucros. A pretendida duplicidade da apólice não encontra, no texto do contrato de seguro, qualquer acolhimento. Ao invés, é liminarmente afastada em face da redação do citado artigo 1.º das Condições Gerais e artigo 36.º das Condições Particulares, que acima deixámos transcritas.

Atente-se na circunstância de ter sido dado como provado que o tomador do seguro declarou que lhe foram dadas a conhecer, previamente à celebração do contrato, as informações contratuais e condições gerais legalmente previstas - cf. facto provado em 6. Ora, a recorrente, esclarecida sobre o conteúdo das garantias do contrato, como expressamente declarou aquando da assinatura da proposta de seguro que veio a subscrever, não pode ignorar que não estava a subscrever uma cobertura abrangendo a perda de lucros independentemente das causas originárias de tal prejuízo.

A este propósito, dispõe o artigo 130.º, n.º 2, da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que “no seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado”.

Nestes termos, se a perda de lucros não decorre de qualquer sinistro coberto pelo contrato de seguro, porque o fenómeno pandémico não causou qualquer dano material nas instalações seguras, estará excluída do âmbito de cobertura do contrato de seguro e, por conseguinte, a Recorrida não deverá ser responsabilizada pelos danos invocados, nesta parte, pela Recorrente.

Não nos merece censura, pois, a posição sufragada na decisão do Tribunal de 1.ª instância quanto a esta matéria.

Outro dos argumentos avançados pela Recorrente para defender o entendimento de que a pandemia não deveria ser considerada excluída do âmbito do recurso diz respeito à contratação da cobertura de “Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas” – cf. Condição Particular n.º 39.

Sobre este específico argumento, vem a Recorrente invocar que “por lapso exclusivamente imputável à Ré, na descrição da Condição Particular n.º 39, constante da página 27 da Apólice, surge a referência à cobertura de Desalojamento Forçoso dos Locais de Negócio ou a Inabilidade das Vivendas”.

No que respeita ao assim alegado, importa começar por referir que, nesta parte, a Recorrente não deixa de vir alegar uma questão nova, que não foi suscitada nestes precisos termos junto do Tribunal de 1.ª instância e que, por isso e por não constituir matéria de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada por este Tribunal.

Com efeito, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões já apreciadas e resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas – veja-se, a título exemplificativo, o que escreve o Acórdão do STJ de 8/01/2019 (processo n.º 26688/15.0T8LSB.L1.S2).

Ainda que assim não fosse, como já se deixou explanado a propósito da amplitude da cobertura relativa à “perda de lucros”, também aqui, no que respeita à aludida cobertura de “Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas” – independentemente da ocorrência ou não do ora alegado lapso a respetiva descrição -, teria que resultar provada a ocorrência de um concreto dano material decorrente da referida proibição, que não é invocado pela Recorrente. Sem a demonstração da existência de tal dano não existe causa justificativa do acionamento das garantias da apólice.

Por outro lado, sempre a cláusula de exclusão prevista no artigo 4.º-A acima citada excluiria a cobertura sob análise porquanto, no caso, sempre estaria em causa o decretamento de proibição por decorrência do perigo de propagação de vírus.

Aqui chegados, outro esclarecimento se impõe. Uma das condições de admissibilidade do recurso de revista “per saltum” é a de suscitarem apenas questões de direito, considerando-se plenamente estabilizada a matéria de facto definida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Ora, a questão relativa à existência do referido “lapso” na densificação da Condição Particular n.º 39 não encontra qualquer respaldo na matéria de facto dada como provada, pelo que nunca poderia ser considerada por este Tribunal.

E ainda que se considerasse que, pela mera leitura do sumário da Condição Particular n.º 39 e da ulterior densificação da mesma Cláusula, é possível concluir que existe efetivamente uma discrepância ou lapso que não podem deixar de ser equacionados na interpretação do clausulado contratual, certo é que na ausência de outra factualidade, não seria nunca possível concluir inequivocamente pelo sentido pretendido pela recorrente. Desde logo, porque não resultou provado qual seria então o conteúdo acordado pelas partes para a referida Condição Particular, nem uma tal factualidade é passível de ser extraída dos demais factos dados como provados.

Ademais, o apuramento da vontade real das partes, quando declararam aderir à cobertura “Proibição Decretada pelas Autoridades Públicas” e depois descreveram o respetivo conteúdo reportando-se a cobertura diversa, constituirá matéria de facto que, como tal, está subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista – entre muitos, vejam-se os Acórdãos do STJ de 4/05/2010 (processo n.º 2066/04.5TJVNF.P1.S1) e de 2/022022 (processo n.º 527/19.0T8FND.C1.S1).

Cremos, à luz do que fica dito, que não deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Autora também nesta parte.

Idêntica argumentação acerca da limitação dos poderes de cognição por parte do STJ no que respeita ao conhecimento de matéria de facto se aplica ao fundamento de recurso estribado na falta de informação prestada pela recorrida quanto à abrangência do seguro contratado (cf. conclusão 14.). É que a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª instância está estabilizada, não pode ser impugnada em sede da presente revista per saltum e é, além disso, contraditória com uma aparente alegação de insuficiente prestação de informação acerca do âmbito das coberturas contratadas - como se depreende do facto provado em 6.

Assim, tudo quanto é alegado a propósito da não prestação dos deveres de informação por parte da Recorrida, ainda que o seja de forma genérica e lateral, deverá ser igualmente desconsiderado por parte deste Tribunal.

Em conclusão, à luz dos fundamentos de direito atrás expendidos, a pretensão da Recorrente revela-se infundada, pelo que deve o presente recurso de revista ser julgado improcedente e mantido o juízo decisório do Tribunal de 1.ª instância

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de novembro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Leal