Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | NEVES RIBEIRO | ||
Descritores: | CONDOMÍNIO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL SOLIDARIEDADE ACTIVIDADES PERIGOSAS RESPONSABILIDADE CIVIL REGULAMENTO PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
Nº do Documento: | SJ200406030017757 | ||
Data do Acordão: | 06/03/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2115/03 | ||
Data: | 03/15/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Sumário : | 1. O Condomínio responde solidariamente com a empresa encarregue da manutenção do elevador, por danos decorrentes do deficiente funcionamento deste; 2. A vítima dos danos indicados na conclusão anterior, não procede com culpa, quando o seu comportamento corresponde, normalmente, à chamada habituação geradora de confiança. 3. O sistema legal de segurança de elevador e das suas condições de funcionamento, supõe um mecanismo operativo de alerta ou prevenção, que "trave" a cabine quando, o utente, do seu interior, abrir as portas, não tendo a cabine ainda atingido o nível do patamar de saída, provocando que o utente caia no patamar do nível do piso, imediatamente abaixo. 4. Mesmo que não existisse regulamento que impusesse tal prevenção - e existe - a necessidade desta, já provinha das normas gerais do direito, reguladoras da responsabilidade civil, em especial sobre a culpa e sua presunção, relativamente a actividades perigosas por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No Tribunal da comarca de Cascais, em processo comum ordinário, "A", instaurou contra o Condomínio do Prédio da Rua do ..., Edifício São João, Lote Monte Estoril, e "B-Manutenção de Elevadores, S.A.", devidamente identificados, acção de condenação, pedindo que os RR fossem condenados a pagar à A. a quantia de 3.021.443$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento, e ainda o valor que vier a ser liquidado em execução de sentença pelos danos referidos pela A. posteriormente à entrada da acção em juízo.Razão das revistas 2. A ré, B, contestou e fez intervir a Seguradora C. 3. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com processo audio, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto (fls. 536/42), sem qualquer reclamação (fls.543). 4. A sentença julgou a acção parcialmente procedente, condenando: a) Todos os réus - Condomínio, B e Seguradora - solidariamente, sendo a seguradora com a redução de 10%, a pagar à autora, a quantia em euros correspondente a 892.726$00, bem como da quantia que se liquidar em execução de sentença, reduzida a metade, referente a despesas com tratamentos, fisioterapia e transportes, acrescidas de juros de mora, à taxa legal a sua data, até pagamento, absolvendo-se do restante pedido; b) Os réus Condomínio e B e solidariamente, a pagar à autora, por danos não patrimoniais, a quantia em euros correspondente a 293.381$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença, até pagamento. Desta decisão interpuseram recursos de apelação, a C a B e a autora. 5. A Relação de Lisboa alterou a percentagem de culpa, atribuindo 15% à autora e apelante, e 85% ao Condomínio e à B (fls. 691 verso). Daí a revista interposta pelas rés e autora A. II Objecto das revistas Esta recorrente faz extensas e confusas alegações, não evitando mesmo um longo texto repetitivo (porventura por duplicação de registo informático - fls. 752/755). Pode retirar-se, numa síntese que não foi fácil extrair, de todo o arrazoado, a seguinte matéria relevante de conhecimento do objecto da revista na parte que lhe interessa: 1 - O Acórdão Recorrido não se pronunciou sobre questões que lhe foram postas nas alegações de apelação, nas quais foi suscitada a questão do contrato de seguro cobrir os danos de dores físicas e morais inerentes e subsequentes ao acidente, peticionados pela Autora / Recorrida; 2 - Igualmente não se pronunciou sobre a questão de a "franquia" respeitar exclusivamente a danos patrimoniais e sobre os limites do contrato de seguro celebrado entre a ora Recorrente e a Seguradora. 3 - Não existem factos ou circunstâncias que legitimem à Relação a alteração da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância. 4 - Igualmente, não existem factos que permitam à Relação julgar provados factos alegados por uma parte, e não aceites pelas demais partes, sem que existam quaisquer outros factos ou documentos que permitam tal decisão. 5- O contrato de manutenção celebrado entre a Recorrente e o Condomínio, proprietário do elevador, é do tipo de Contrato de Conservação Normal previsto no Anexo I-1 do D.L. 404/86. 6- As obrigações da E.C.E. (Entidade Conservadora de Elevadores) estão definidas legalmente e no próprio contrato, e foram cumpridas pela recorrente, não existindo fundamento para alterar a percentagem de culpa atribuída à Autora e aos Réus. 7. A Recorrente celebrou Contrato de Seguros com a Seguradora C para a qual transferiu a sua responsabilidade relativamente aos danos corporais e materiais acontecidos a terceiros, resultantes de acidentes ocorridos por culpa sua, pela prestação de assistência a elevadores. 8. E conclui: «que deve ser decidido não existirem fundamentos que permitam à Relação fazer uso do art. 712°, n.º1, do C.P.Civil e alterar a matéria de facto julgada provada na P. Instância, mantendo-se a percentagem de 50% de culpa para a Autora e Réus fixada na Primeira Instância». Finalmente, conclui ainda: «há-de ser decidido não existirem elementos de prova no processo que permitam concluir não ter a Recorrente cumprido o contrato de conservação normal dos elevadores, e, assim, conceder-se provimento ao Recurso». B) CONCLUSÕES DA SEGURADORA: São as seguintes, com alguma triagem, dada a irrelevância das demais em sede de revista: 1. Não podia, pois, o Acórdão recorrido alterar a matéria de facto, visto no caso em apreço, não estarem reunidos os requisitos que, para o efeito, estabelece o n° 1 do artigo 712° do Cód. Proc. Civil. (Referência aos factos 30 e 36 apurados pelas instâncias). 2. Não houve incumprimento por parte da segurada da, ora, alegante, de quaisquer deveres legais ou contratuais que para ela derivassem do acordo de manutenção do elevador. 3. A inobservância do ónus probatório acarreta a falta de prova que incumbia à parte onerada, mas não pode, em caso algum, conduzir à prova do contrário. 4. O Acórdão recorrido violou, pois, entre outros, os preceitos dos artigos 483°, 486°, 487°, 494° e 570° n° 1, todos do Código Civil. 5. Não existindo, assim, fundamento para modificar a graduação das culpas, que deve ser mantida, conforme decidido na 1ª instância, em 50% para o Condomínio e 50% para a Autora. 6. Termos em que, deve ser concedida a revista, com as consequências legais. C) CONCLUSÕES DA AUTORA, A: 1. Nos termos do n° 1 do artigo 570º, do Código Civil para que haja redução da indemnização é necessário ponderar a gravidade das culpas do lesante e do lesado, bem como as consequências que do facto danoso resultarem para o lesado, in casu, a ora Recorrente; 2. A ora Recorrente agiu sem culpa; 3. Mesmo que tivesse agido com culpa, a concorrência desta para o facto danoso é muitíssimo menor do que a culpa dos Réus; 4. Ainda neste caso - concorrência de culpas - atendendo às consequências para a ora Recorrente do facto culposo, não há razões para que a indemnização seja reduzida em qualquer percentagem; 5. Deve, por isso, a indemnização reclamada pela ora Recorrente ser totalmente concedida; 6. Ao assim não entender, violou o Acórdão recorrido, por erro de interpretação, o n° 1, do artigo 570º do Código Civil. Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, os Réus condenados no pagamento integral, à ora Recorrente, da indemnização fixada. III Os factos provados que têm relevância para conhecer dos pedidos de revista, são os seguintes:FACTOS PROVADOS Dos factos assentes: A) A "B - Elevadores e Tecnologia, S.A.", e a Administração do edifício sito na Rua do Viveiro, edifício S. João, lote ...., celebraram o "contrato de conservação" cuja cópia consta de fls. 60 e 61, pelo qual a primeira tomou a seu cargo a assistência e conservação dos ascensores instalados no edifício referido, com início em 1.1.1996. B) Consta desse contrato, nomeadamente, o seguinte: "1°. A Fornecedora executará todos os trabalhos de lubrificação e de limpeza dos aparelhos de acordo com o respectivo plano de manutenção mensal (.) "4°. A fornecedora avisará sempre o proprietário de quaisquer reparações ou substituições que sejam necessárias para continuação do bom funcionamento dos aparelhos. "5°. A fornecedora compromete-se a enviar, pelo menos uma vez por mês, um técnico especializado ao local da instalação, para inspeccionar e realizar os trabalhos necessários à segurança e continuidade do regular funcionamento dos aparelhos (...). "7°. Se o proprietário notar qualquer deficiência ou mau funcionamento dos aparelhos, no intervalo de duas conservações, deverá imediatamente desligá-los e avisar a fornecedora. (...) "16°. A fornecedora garante, através da cobertura de uma apólice de seguro de Responsabilidade Civil (Previsto no n.° 1 do Artigo 2.° do Decreto-Lei 513/70, e actualizado pelo Artigo 6.° do Decreto-Lei 404/86) o pagamento de quaisquer indemnizações, até ao montante de 300.000 contos, devidas pelos danos físicos e/ou materiais sofridos pelos utentes dos aparelhos que lhe são confiados no âmbito deste contrato, desde que a responsabilidade por tais danos lhe seja legalmente imputável (...)." C) Segundo declaração da Companhia de Seguros Bonança, a fls. 25 dos autos, "a firma "B, S.A.", possui nesta seguradora uma apólice de responsabilidade civil, com o n.° 2.067.247, com um limite de indemnização por sinistro e anuidade de seguro de 208.100.000$00 (...) A apólice garante os danos corporais e/ou materiais causados a terceiros, que lhe possam ser imputados na qualidade de prestadora de serviços de assistência, montagem e conservação de elevadores e ainda a responsabilidade civil solidária, legalmente imputável aos proprietários dos elevadores, objecto dos contratos de conservação (.)" D) Segundo as condições especiais dessa apólice, a fls. 79 e segs. dos autos, consta como "âmbito de cobertura" o seguinte: "1. De acordo com a Condição Especial Uniforme de Responsabilidade Civil para Entidades Conservadoras de Elevadores, a Seguradora garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência única e exclusivamente da sua actividade de assistência a elevadores, por efeito dos respectivos contratos de conservação». "2. Fica igualmente garantida a Responsabilidade Civil Solidária legalmente imputável aos proprietários dos elevadores. (...) Mais consta como "franquia", o seguinte: "por sinistro e apenas danos materiais: 10% do valor dos prejuízos, no mínimo de 50.000$00 e no máximo de 250.000$00." E) Em 1.7.1996, a Ré B foi avisada pela porteira do prédio que teria ocorrido a queda de uma senhora no elevador do prédio. F) A ré Companhia de Seguros C, através do escrito de fls. 28 dos autos, declarou à B que, "na posse do relatório de peritagem sobre o acidente..., informamos que declinamos a nossa responsabilidade no evento participado, uma vez que não tem nexo causal com factos relacionados com a assistência/manutenção de elevadores, que é a actividade segura (...)" Dos factos resultantes do julgamento sobre a base instrutória: 1. No dia 28.6.1996, cerca das 22h, na Rua do ..., edifício S. João, lote...., Monte Estoril, a autora entrou dentro de um dos elevadores aí existentes, e seleccionou o 4° andar. 2. Porém, o elevador parou entre o 2° e o 3° andares, cerca de 20 a 30 cm acima daquele. 3. A autora não se apercebeu do facto antes referido, abriu as portas do elevador e, quando pretendia sair, caiu desamparadamente no patamar do 2° andar. 4. De tal queda resultou para a autora várias lesões corporais e dores físicas, assistência médica, tratamentos, e vários outros prejuízos que são descritos na matéria de facto fixada, continuando a sofrer de dores residuais no ombro direito, pé e tibiotársica direita, com previsível agravamento futuro, apresenta um grau de invalidez permanente de 25%. 5. Os elevadores do prédio haviam sido objecto de vistoria e conservação no dia 5.6.1996. 6. Tendo posteriormente sido verificados no dia 2.7.1996. 7. O técnico responsável pelo elevador, ao serviço da Ré "B, S.A.", deslocou-se ao prédio no dia 1 de Julho seguinte, dia em que a empresa foi avisada, e inspeccionou o elevador, que, na ocasião, funcionou sem problemas. 8. Em 9.7.1996, o delegado da B, Eng.º D e o encarregado dos técnicos inspeccionaram o elevador. 9. O elevador continuava a funcionar e nos testes, então, efectuados, não apresentou problemas. 10. A ré B participou os factos à Companhia de Seguros Bonança e à Delegação Regional da Indústria e Energia de Lisboa e Vale do Tejo. 11. A escada, o patamar e o elevador tinham iluminação bastante, esclarecendo-se que a luz do patamar, depois de accionado o interruptor, ficava acesa temporariamente. 12. A parte interior da porta de patamar (porta exterior do elevador), é vidrada e deixa passar a iluminação do exterior, quando a mesma está acesa. 13. A autora, quando abriu a porta de patamar do elevador, se fosse com atenção, teria reparado que este estava a um nível superior ao do patamar. 14. Na ocasião, a autora transportava consigo um saco e uma almofada. 15. A ré B, em finais de 1995, ou inícios de 1996, sugeriu ao condomínio alguns melhoramentos no equipamento, nomeadamente, nos aspectos relacionados com a substituição de fechaduras eléctricas nas portas de piso e com reparações a nível de motores e quadros de comando, melhoramentos que, à data dos factos, não haviam sido efectuados. IV 1. Os recorrentes não contestam os montantes fixados pelas decisões, abaixo descritos, os juros ou a actualização feita pela sentença.DIREITO APLICÁVEL A questão colocada pelos recursos cinge-se a um problema fundamental cuja solvência permite depois, responder ás questões subordinadas, nomeadamente as que são postas pela B. (Conclusões 1ª a 12ª). (Observe-se que, parte das alegações vêm colocadas de uma forma processualmente pouco metódica praticamente sem conclusões - fls. 752/755- o que, só a possibilidade de suprimento da falta pelo Tribunal e o valor que atribui à economia processual, explicam a ausência do convite que a lei faculta no artigo 690º- 4, do Código de Processo Civil). O problema fundamental aludido é o de saber a quem cabe a culpa pelo resultado danoso verificado, de que foi vitima a autora. 2. A sentença determinou que a autora fosse indemnizada em 521.443$00 por danos patrimoniais sofridos (fls. 563); 1.000.000$00 por danos patrimoniais futuros (fls. 565); e em 500.000$00 pelas dores físicas e morais, o que perfaz a soma de 2.021.443$00, que actualizou para o montante de 2.372.215$00 (fls.567). Como igualou as culpas este montante ficou reduzido a metade, ou seja, 1.186.107$50. O Condomínio, B e Seguradora respondem solidariamente, mas esta última por força da apólice, beneficia de uma franquia relativamente aos danos materiais que se traduz numa redução de 10% a pagar à autora, a quantia em euros correspondente a 892.726$00, referente a danos patrimoniais; e a restante quantia de 293.381$00, por danos não patrimoniais é da responsabilidade do condomínio e da B. Todos os danos quantificados, vencem juros de mora desde a sentença. (Fls.567). 3. Como já ficou antecipado, o núcleo dos problemas postos pelos pedidos de revista - que também foi o núcleo da causa e das apelações - consiste em saber se há culpa pela acção (ou omissão) que conduziu ao resultado danoso verificado na esfera jurídica da autora, e, a haver, a quem é imputável, por inteiro ou em parte. Naturalmente, que a autora responde que a culpa está no condomínio e na empresa que assegurava o serviço de manutenção e conservação do ascensor do qual caiu para o patamar; ou a culpa é imputável à autora, porque poderia ter evitado a queda, respondem estes! Quanto à seguradora, acolhe-se na tese da sua segurada, como é justificável, porque responde se, e na medida em que ela responder, nos limites da cobertura do risco que assegurou cobrir. [Alíneas C) e D, da parte III]. É esta a tensão dialéctica que se vive neste processo e divide as partes. Não é fácil a decisão, porquanto se reverte essencialmente num juízo de avaliação ético/jurídica da matéria de facto que, para além da racionalidade critica que lhe preside, não deixa inevitavelmente de conter uma dose do subjectivismo emotivo que atravessa todas as decisões judiciais. Trata-se dos elementos não racionais integradores da função judiciária a que nenhum julgador se subtrai, como reconhecem os pensadores sobre esta matéria. (1) A dificuldade bem sentida pelo acórdão recorrido e é revelada através das diferentes interrogações sobre o julgamento e valoração da matéria de facto que vem fixada. (Fls.690 verso /691). Um verdadeiro nó, a desatar! 4. Vamos então encarar as coisas, cumprindo a obrigação a que, em especial, o n.º 1, do artigo 8º do Código Civil dá significativo empreendimento. Assim: A Administração do Condomínio já vinha dado conta do mau funcionamento do equipamento. Tanto assim que a ré, B, em finais de 1995, ou inícios de 1996, sugeriu ao Condomínio alguns melhoramentos no equipamento, nomeadamente, nos aspectos relacionados com a substituição de fechaduras eléctricas nas portas de piso e com reparações a nível de motores e quadros de comando, melhoramentos que, à data dos factos, não haviam sido efectuados. Não é fácil perceber se tanto está na causa do acidente, mas razoavelmente não se lhe pode ser indiferente, para se entender "o estado das artes" relativas ao equipamento do elevador e às condições técnicas de segurança, ao tempo do acidente em apreço. A "B", encarregada da sua manutenção, conservação e vigilância, não obstou a que a avaria se produzisse. Não havia, ou se havia não funcionava (é o problema do questionado facto n.º 36º) um mecanismo de "travagem das portas" quando o elevador encravasse no percurso intercalar, até atingir o nível do piso ou patamar de entrada e saída da "caixa ou cabine". Não deve ser mecanicamente possível que o elevador pare, entre patamares, e a porta não tranque, numa estrutura de funcionamento em que a porta, a abrir-se, dá logo para uma saída para o patamar ao nível do local de paragem, ou não atingindo este, dá apenas para a queda sobre o patamar imediatamente abaixo! É este aspecto de vigilância e de manutenção de condições técnicas de segurança que, normalmente, não é possível aceitar-se, e o Regulamento da respectiva actividade não permite (artigo 39º -1 e 2, do Regulamento 513/ 70, na actual redacção). 5. Mais tarde ou mais cedo, a queda havia de verificar-se, (até por falta ocasional de energia) já que, ou não havia, ou se havia não era operativo, um sistema de "trancagem" que impedisse a abertura da porta da cabine, enquanto não estivesse parado e nivelado com o patamar de saída (ou de entrada, claro!) Não é normal, como se diz na decisão recorrida (fls.691). A que acrescentaremos que não é compatível com uma cultura de responsabilidade, em áreas de exercício de actividades de risco, de uso quotidiano (e nocturno) das pessoas, a não existência de mecanismos alternativos, ou sucedâneos, de segurança, de defesa, de alerta e de prevenção. Já atrás o dissemos! São áreas de manutenção, conservação e de vigilância em que todo o cuidado é pouco! Não se registou que existissem também mecanismos alternativos de alerta de avaria que prevenisse os utentes como o dito Regulamento impõe. E na falta dele, imporiam, tanto ao Condomínio, como à empresa de manutenção, as regras do mais elementar bom senso. E para além delas, ou sem elas, ainda o n.º2, do artigo 493º do Código Civil dispõe que devem ser tomadas providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir os perigos de uma actividade perigosa pela própria natureza da actividade e pela natureza dos meios utilizados. 6. A autora não se apercebeu do facto da avaria, sem alarme ou prevenção apropriados; e do seu interior, abriu as portas do elevador e, quando pretendia sair, saiu para o vazio, e caiu desamparadamente no patamar do 2° andar. A decisão recorrida atribui 15% de culpa à autora mas não adiante para essa parcela de atribuição, um fundamento objectivo expresso, limitando-se a afirmar que na globalidade da censura, ela suporta a dita percentagem. (Fls. 691/692). No mesmo exercício, e sem explicar, (fls.561), a sentença "divide a culpa a meias". Temos que ponderar esta matéria, não concluindo, por concluir, sem tentar fundamentar. Efectivamente, há aqui um aspecto que as instâncias não tiveram em conta. Trata-se da habituação geradora de confiança (assim lhe chama a doutrina que mais se tem debruçado sobre a matéria) (2) e que, em situações desta natureza, tem que ser ponderada como valor autónomo a proteger. Naturalmente se a criança, ainda que pela mão da mãe, sai na frente, ou o idoso dá um passo ao abrir-se a porta (a autora tinha, então, à volta de 70 anos) ou o invisual avança, (mesmo que acompanhado) todos se precipitam no chão (mais ou menos alto conforme a circunstâncias), já sem falar da situação em que o elevador vai cheio. Isto vale por dizer que, em condições normais, de pessoas que usam o elevador, como "trem de vida", para subir e descer, não é exigível, por um critério de padrão médio de comportamento, que, sem nenhum aviso prévio, ou precaução adequada, uma pessoa normalmente prudente e de senso comezinho, possa dar conta, que, ao a sair da porta do elevador, não dá de frente com o piso ou patamar a que pretende aceder, mas com o vazio onde se precipita. Ninguém que vai sair, evitará, normalmente, o passo em falso! Normal é confiar que a porta se abre para o piso! Assim pensamos nós! Vale isto por dizer que, nas aludidas condições, nenhuma censura ético jurídica que envolva culpa em sentido normativo (indicado artigo 487º-2), se nos afigura que possa ser dirigida à autora, nas condições de tempo, lugar e modo em que aconteceu a queda que a vitimou. 7. É altura de sintetizar tudo o que foi exposto: A situação decorrente da matéria de facto fixada e a que este Tribunal tem acesso, não permite retirar outra conclusão que não seja a imputação da omissão culposa, pelos parâmetros do n.º2 do artigo 487º do Código Civil, à Administração do Condomínio e à B. Pelos danos decorrentes da omissão respondem ambos solidariamente, conforme o artigo 497º-1, do Código Civil. E responde ainda a seguradora, também recorrente, nos termos do contrato de seguro, cujos segmentos relevantes para este efeito ficaram transcritos. 7.1. Mas porque a B, ainda levanta questões laterais, sobre matéria de facto, sobre o seguro coberto e sobre a abrangência da garantia prestada, dir-se-á, para responder em síntese, o que segue: a) os "factos" 30º e 31º, porque, efectivamente, são conclusivos, e como resulta da valoração que precede, consideram-se como não escritos. (3) b) O contrato de seguro, feito por esta recorrente, segundo alega, «cobria os danos de dores físicas e morais inerentes e subsequentes ao acidente, peticionados pela Autora/Recorrida, sendo a Seguradora responsável pelos danos gerados pelas dores físicas e morais inerentes e subsequentes ao acidente - conclusão 13ª). Ora, ao contrário, decorre da leitura da apólice, onde se declara que fica abrangido «... o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência única e exclusivamente da sua actividade de assistência a elevadores, por efeito dos respectivos contratos de conservação, ficando igualmente garantida a responsabilidade civil solidária legalmente imputável aos proprietários dos elevadores. (...) Resposta que, numa forma negocial assim declarada (artigo 426º do Código Comercial), não é de difícil entendimento, tendo presente a disposição do artigo 238º-1, do Código Civil. Resposta ainda que está em consonância com o que ficou escrito na alínea B), da parte III: «A fornecedora (é a B) garante, através da cobertura de uma apólice de seguro de Responsabilidade Civil (Previsto no n.° 1 do Artigo 2.° do Decreto-Lei 513/70, e actualizado pelo Artigo 6.° do Decreto-Lei 404/86) o pagamento de quaisquer indemnizações, até ao montante de 300.000 contos, devidas pelos danos físicos e/ou materiais sofridos pelos utentes dos aparelhos que lhe são confiados no âmbito deste contrato, desde que a responsabilidade por tais danos lhe seja legalmente imputável (...)." c) Finalmente, quanto à franquia, tendo presente a mesma disposição sobre a forma negocial do contrato de seguro, também não é difícil perceber o segmento correspondente do escrito contratual: «Mais consta como "franquia", "por sinistro e apenas danos materiais: 10% do valor dos prejuízos, no mínimo de 50.000$00 e no máximo de 250.000$00». (Alínea C, Parte III). A franquia tem em vista os danos patrimoniais, tal como explicou a sentença a fls. 567 (... «a quantia de 892.726$00 referente a danos patrimoniais é da responsabilidade do Condomínio, B e Seguradora; o restante, de 293.318$00, de danos não patrimoniais, é da responsabilidade apenas do Condomínio e da B»). Tudo está muito claro. 8. O exposto leva a concluir pela exclusão de culpa da autora, imputando-se a responsabilidade por inteiro, e de forma solidária, à Administração do Condomínio e à B, respondendo a Seguradora, pela cobertura dos danos patrimoniais cuja garantia assegurou. Consequentemente, significa que a decisão recorrida (tal como a sentença para a qual remete - fls. 691 verso) são revogadas na parte em que atribuem à autora uma parcela de culpa. V Termos em que, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento às revistas das rés, dando provimento à revista da autora.Decisão E, assim, fica a valer a decisão de primeira Instância, para a qual remete a decisão recorrida, mas considerando-se que não houve concorrência de culpa da autora, sendo calculadas por inteiro, e não por metade, as indemnizações aí atribuídas. (Fls.567, e Ponto 4, Parte I; e ponto 2, Parte IV). Custas pelas recorrentes, rés, sendo 1/3, a cargo da seguradora. Lisboa, 3 de Junho de 2004 Neves Ribeiro Araújo Barros Oliveira Barros -------------------------------- (1) Sobre estes aspectos e para citar um recente conjunto de textos pertinentes, podemos indicar uma compilação do Centro de Estudos Judiciários, de 2003, "Motivação e argumentação no discurso judiciário", com largas passagens de doutrina nacional e estrangeira sobre o tema relativo ao íntimo convencimento ou persuasão racional do juiz. (2) A matéria tem sido tratada a propósito de acidentes « in itinere», especialmente em pareceres da P.G.R. Assim, parecer 135/78, no B.M.J n.º 284s páginas 10 e seguintes, com citações jurisprudenciais, especialmente a páginas 14; parecer 84/84, de 10/1/84, no DR., de 14/1/85; parecer n.º 14/86, de 18/12/86, no DR., de 24/12/87. Com interesse para questão em apreço, pronunciou-se este Tribunal em acórdão de 5 de Dezembro de 1991 (Conselheiro Tato Marinho), publicado no B.M.J. n.º 412, páginas 438 e seguintes. Até onde pode ir a investigação, não encontrámos outras referências. (3) Eram do seguinte teor claramente conclusivo: «Se a autora fosse com atenção a esse aspecto, teria reparado que o percurso ascensional não era suficiente para ter chegado ao 4.º andar». «Se a autora fosse com atenção, teria notado, através da porta de lagarta da cabine, que a porta de patamar (porta exterior do elevador) estava posicionada mais abaixo do que acontecia quando o elevador parava no local devido». |