Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30130/16.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVOGAÇÃO POR ACORDO DAS PARTES
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / REVOGAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGO 350.º, N.º 4.
Sumário :
I-É necessário o reconhecimento da assinatura das duas partes do acordo de revogação do contrato de trabalho para que o trabalhador perca o direito potestativo de fazer cessar tal acordo;
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (4.ª Secção)

Relatório

AA intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BB, Lda pedindo em síntese a condenação deste no pagamento da quantia de € 30.325,94.

   Tal quantia deriva de, a seu ver, ter celebrado um contrato de trabalho com a R., o qual veio a ser objeto de revogação por ambas as partes. Nessa sequência, e dentro do prazo legal, o A. afirma que estando depois devidamente aconselhado juridicamente, veio a cessar seu acordo de revogação por via de comunicação por e-mail e por carta registada que fez chegar à R., colocando o valor indemnizatório à disposição da R. Esta, porém, não aceitou tal cessação, pugnando pelo facto de o reconhecimento presencial da assinatura do acordo de revogação não o permitir, e nessa medida não existir o direito ao arrependimento por parte do trabalhador.

Afirma o A. que a revogação não foi objeto de reconhecimento presencial por dois motivos: por um lado porque quem reconhece o ato é um advogado, e que o faz com a rubrica de reconhecimento simples. Por outro lado, porque apenas a assinatura do trabalhador foi reconhecida notarialmente. Nessa medida, considerando o A. que a revogação do contrato de trabalho cessou, a R. ao impedi-lo de trabalhar está a proceder a um despedimento ilícito o qual acarreta consequências que peticiona. Desde logo, a título de diferenças salariais entre as quantias que recebeu como cozinheiro de segunda e as que entende que deveria ter recebido, como chefe de cozinha, e que peticiona até Agosto de 2016, de acordo com a categoria inerente à função que exerceu peticiona € 11.879,96. Em virtude do despedimento de que diz ter sido alvo peticiona a condenação da R. no pagamento de salários intercalares no valor de € 3.222,99. Por fim, peticiona ainda um valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais que cifra em € 12.000.

   Realizada audiência de partes não foi lograda a obtenção de acordo.

   A R. contestou excecionando desde logo o facto de no acordo de revogação que foi celebrado ter sido acordada uma compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, tendo ainda o trabalhador declarado nada mais haver a receber ou reclamar fosse a que título fosse da entidade empregadora, nem da mesma ser credora de quaisquer quantias para além da recebida. Conclui assim que não assiste direito ao A. de peticionar quaisquer quantias precisamente porque acordou na sua inexistência. Por outro lado, pugna pelo facto de a revogação do contrato de trabalho ter sido efetuada de acordo com todos os trâmites legais.

   Findos os articulados, foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente, por provada a exceção, e nessa medida absolveu a R. do pedido.

Inconformado o Autor recorreu, pedindo que fosse considerada válida a revogação por si operada do acordo de revogação do contrato de trabalho, devendo determinar-se o prosseguimento dos autos para a produção de prova relativamente aos demais pedidos constantes da Petição Inicial.

A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Tribunal da Relação proferiu Acórdão julgando a apelação procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida.

Foi agora a Ré quem recorreu de revista apresentando as seguintes Conclusões:


a) Contrariamente ao que havia entendido o Juízo do Trabalho de Lisboa, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que, celebrado acordo de revogação de contrato de trabalho, o exercício do direito de arrependimento apenas fica vedado se ambas as assinaturas (e não apenas a do trabalhador) apostas ao acordo forem objecto de reconhecimento presencial.
b) Ora, é certo que a tese do Tribunal a quo encontra amparo na letra da lei, pois o artigo 350.º, n.º 4 do CT de facto refere assinaturas, no plural. Mas se não nos cingirmos à letra da lei, reconstituindo antes o pensamento legislativo a partir do texto legal, torna-se forçoso concluir que basta o reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador para afastar o "direito de arrependimento" previsto na lei, pois o reconhecimento da assinatura do empregador é completamente irrelevante para a defesa dos interesses que o legislador teve em mente e quis salvaguardar.
c) Com efeito, o reconhecimento visa garantir que a declaração extintiva proferida pelo trabalhador é genuína e actual, não se estando perante uma prática fraudulenta do empregador. Ora, nessa perspectiva o reconhecimento presencial da assinatura do empregador é irrelevante, bastando o reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador para salvaguardar totalmente este aspecto.
d) Mas na sua formulação actual este preceito legal é sobretudo vocacionado para exigir do trabalhador uma reflexão acrescida e livre de qualquer eventual constrangimento, protegendo-o relativamente a decisões precipitadas e ou pressionadas. Porém, também nessa perspectiva o reconhecimento presencial da assinatura do empregador é nitidamente irrelevante.
e) Aliás, a "ausência" do empregador até protege melhor o trabalhador relativamente a decisões precipitadas e ou pressionadas: se o trabalhador assina o acordo apenas na presença do notário ou advogado, está totalmente livre de qualquer eventual influência do empregador e terá ainda melhores condições para ponderar e reflectir com total liberdade;
f) O reconhecimento da assinatura do empregador é nitidamente irrelevante face à ratio da norma e não serve propósito nenhum: (1) fosse ou não reconhecida a respectiva assinatura, o empregador nunca poderia invocar qualquer direito de arrependimento relativamente ao acordo de revogação celebrado com o trabalhador, como sucede com este; (2) por outro lado, não existe razão nenhuma para se considerar que o reconhecimento presencial da assinatura do empregador é essencial para justificar o afastamento do direito ao arrependimento do lado do trabalhador;
g) Também não faz qualquer sentido invocar (como faz o Tribunal a quo) a necessidade de salvaguardar o empregador para defender a tese que se sustenta no acórdão subjudice: o reconhecimento da assinatura do empregador não serve propósito nenhum e o que melhor salvaguarda o empregador é exigir apenas o reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador para ficar afastado o direito de arrependimento deste.
h) Outrossim, não colhe o reparo de que "... no caso em apreço, além de ter sido simples, só se reconheceu a assinatura do trabalhador, pelo que não se atesta verdadeiramente que foi a legal representante da Ré Apelada quem assinou o acordo de revogação de contrato de trabalho.";
i) É que como resulta do artigo 153.° do Código do Notariado, o reconhecimento simples é sempre presencial e, portanto, corresponde rigorosamente à formalidade exigida pelo artigo 350.°, n.° 4 do Código do Trabalho.
j) E note-se que este preceito legal prevê singelamente "reconhecimento presencial", o que é um claro indício de que o legislador apenas teve em mente a assinatura do trabalhador: o empregador é quase sempre uma sociedade comercial, pelo que se o legislador tivesse efectivamente em mente o reconhecimento da assinatura do empregador, preveria certamente a necessidade de reconhecimento com menções especiais (atestando os poderes do legal representante subscritor do acordo) no caso deste ser uma sociedade comercial, o que manifestamente não está previsto;
k) Por outro lado, como é unanimemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência (inclusive no acórdão sub judice), o reconhecimento presencial visa essencialmente aferir da genuinidade e actualidade da presença do trabalhador e protegê-lo de eventuais decisões precipitadas e/ou pressionadas, não tendo minimamente subjacente a preocupação identificada pelo Tribunal a quo (atestar que foi efectivamente o empregador ou seu legal representante quem assinou o acordo);
l) Aliás, nesta sede o Tribunal a quo confunde questões totalmente distintas: se o acordo de revogação não for assinado pelo empregador ou seu legal representante, a questão do direito de arrependimento nem se coloca, pois nesse caso nem há acordo relativamente ao qual o trabalhador tenha que se arrepender;
m) E certo é que esta questão nunca sequer esteve minimamente em causa nos presentes autos: compulsada a petição inicial, facilmente se constata que o Recorrido jamais questionou que o acordo tenha sido efectivamente subscrito pela legal representante da Recorrente, tendo sempre aceite (pelo menos tacitamente) que o foi:
n) Também não colhe a alegação de que "... porque a disposição ali contida limita o direito do trabalhador ao arrependimento, são desaconselhadas interpretações latas do preceito": nenhum ramo do direito deve ser interpretado literalmente e a posição que aqui se sustenta também não consubstancia uma "interpretação lata" do preceito sub judice, sendo uma interpretação conforme aos princípios que, nos termos do artigo 9.°, n.° 1 do CC, devem ser observados ao interpretar a lei.
o) Na verdade, o artigo 350.°, n.° 4 do CT2009 é totalmente "estruturado" em função do direito que o trabalhador tem de "dar o dito por não dito" e apenas o reconhecimento presencial da sua assinatura releva face à ratio desse preceito, sendo o reconhecimento presencial da assinatura do empregador nitidamente irrelevante face ao escopo da norma sub judice.
p) Assim é forçoso concluir que basta o reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador para afastar o "direito de arrependimento" previsto na lei, não sendo invocável pelo trabalhador a ausência de reconhecimento presencial da assinatura do empregador;
q) No limite, a considerar-se legalmente exigível o reconhecimento presencial das duas assinaturas (o que apenas por cautela se equaciona, sem conceder), teria pelo menos que se considerar que a falta de reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador implica uma valorização (consequência legal) forçosamente diferente da falta de reconhecimento presencial da assinatura do empregador;
r) Assim, enquanto que o reconhecimento presencial da assinatura do trabalhador é claramente um requisito essencial para afastar o direito ao arrependimento (pois apenas esse reconhecimento confirma a autenticidade e actualidade da assinatura e declarações do trabalhador no acordo de revogação), já a ausência de reconhecimento presencial da assinatura do empregador consubstanciaria quando muito a preterição de uma formalidade não essencial, que como tal não afecta o afastamento do direito ao arrependimento do lado do trabalhador;
s) Foram assim violados e ou incorrectamente interpretados e aplicados os artigos 350.°, n.° 4 do Código do Trabalho, 9.°, n.° 1 do Código Civil e 153.° do Código do Notariado;
(negritos, itálicos e sublinhados no original)

A Ré (e ora Recorrente) pediu, pois, a revogação do Acórdão recorrido e a confirmação da sentença de 1.ª instância.

O Autor não contra-alegou.

Admitido o recurso foi ouvido o Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o qual se pronunciou no sentido de que deveria ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido “já que o recorrido exerceu de forma válida o direito de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, dado que tal distrate não observou as formalidades exigidas pelo n.º 4 do artigo 350.º do Código do Trabalho”.

Fundamentação

De Facto

Ficaram provados nas instâncias os seguintes factos:

a) No dia 14 de novembro de 2014 o A. e a R. declararam por meio de um documento particular designado por Contrato de trabalho a termo certo, que o A. prestaria sob as ordens, por conta, e direção da R., desempenhar as funções de cozinheiro de 1ª, pela retribuição mensal de € 520,5, com início em 14 de novembro de 2014, e termo em 13 de maio de 2015, tudo em termos e condições que constam de fls. 43 a 44 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

b) No dia 1 de dezembro de 2014, A. e R. declararam por meio de um documento particular designado por 1º Aditamento ao Contrato de trabalho, que o contrato de trabalho celebrado em 14/11/2014, por acordo das partes, passou a contrato de trabalho a tempo parcial, com a categoria de cozinheiro de 2ª, e mediante a retribuição mensal de €524,4, com inicio em 1 de Dezembro de 2014, tudo em termos e condições que constam de fls. 45 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

c) No dia 28 de Setembro de 2016, A. e R. declararam por meio de um documento particular datado desse dia, e assinado por ambas as partes, e designado por Acordo de revogação de Contrato de trabalho, em fazer cessar por acordo das partes o contrato de trabalho celebrado em 14/11/2014, com efeito na data da assinatura do acordo, tudo em termos e condições que constam de fls. 73 e 74 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

d) Declararam no referido documento, na cláusula segunda e sob a epígrafe de (Compensação Pecuniária Global) o seguinte:

“1. Nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo n.º 349.º do Código do Trabalho, é estabelecida uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, na quantia ilíquida de EUR 2.000,00 (dois mil euros), sujeita aos descontos legais devidos na parte não isenta.

2. Na compensação pecuniária global referida no número anterior estão expressamente incluídos todos os créditos vencidos e exigíveis por força da execução e cessação do contrato de trabalho, designadamente, mas não limitando a, salários, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias, formação profissional, trabalho suplementar e/ou noturno e proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal.”

e) Mais declararam na cláusula terceira, sob a epígrafe de “quitação” que:

“1. O Trabalhador declara expressamente que o pagamento dos montantes referidos na Cláusula anterior inclui e liquida todos os montantes que lhe são devidos e que não é credora de quaisquer outros montantes, seja a que título for, da Empresa e/ou algum dos seus atuais ou anteriores gerentes ou sócios, quer relacionados com a execução do contrato de trabalho, quer com a sua cessação, quer com qualquer outro assunto.

2. Os termos do presente Acordo são sem admissão de qualquer responsabilidade e em total e final satisfação de todas e quaisquer reclamações ou direitos de ação que a SEGUNDA CONTRAENTE possa ter relativamente à PRIMEIRA CONTRAENTE e/ou entidades referidas no número anterior, segundo a legislação da União Europeia, a “common law”, a lei civil ou outra qualquer jurisdição europeia ou jurisdição não-europeia, referidos ou resultantes do vínculo laboral, da sua cessação ou de qualquer outro assunto, em decorrência do que a SEGUNDA CONTRAENTE acorda em irrevogavelmente renunciar a tais reclamações ou direitos de ação que tenha ou eventualmente possa ter.”

f) O acordo mencionado foi celebrado no escritório de um advogado e disso o A. tinha conhecimento antes de se dirigir ao mesmo, cfr. fls. 74;

g) A assinatura do A. foi reconhecida por documento designado de reconhecimento simples, efetuado por advogado, e registado on-line tal ato, no próprio dia 28 de Setembro de 2016, pelas 17:01h, cfr. fls. 80 v e 81;

h) No dia 6 de Outubro de 2016, o A. enviou à R. carta registada com aviso de receção comunicando a sua intenção de revogar o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado em 28/9/2016, tendo igualmente enviado e-mail de igual conteúdo, e tendo efetuado transferência bancária e junto o comprovativo da transferência do valor de €3.000 recebido no âmbito do acordo, tudo em termos e condições que constam de fls. 75, 75 v, e 76;

i) A R. não aceitou tal comunicação como sendo uma cessação da revogação do contrato de trabalho válida, cfr. fls. 78v.

De Direito

A questão que se discute nos presentes autos é tão-só a de saber se o trabalhador terá a faculdade de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho quando apenas a sua assinatura foi objecto de reconhecimento presencial e este foi realizado por um advogado.

O Acórdão recorrido, ao contrário da sentença de primeira instância, decidiu que o trabalhador teria tal faculdade porquanto a exigência do n.º 4 do artigo 350.º do Código do Trabalho de 2009 não teria sido cumprida, já que a lei só excepciona dos números 1 a 3 do artigo 350.º “o acordo de revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objecto de reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei”.

O Tribunal da Relação afirmou que “nada na lei nos permite presumir que está dispensado o reconhecimento presencial da assinatura do empregador, como podendo este ser uma pessoa colectiva, também pode ser uma pessoa singular e, naquele caso, é representado presencialmente por quem integra os seus órgãos estatutários ou por quem for designado para o efeito, não resultando da lei que, nestes casos, não haja lugar a reconhecimento presencial de assinaturas”. Pode, ainda, ler-se no Acórdão que “porque a disposição ali contida limita o direito do trabalhador ao arrependimento são desaconselhadas interpretações latas do preceito”, afirmando-se, também, que “qualquer limitação dele [desse direito] melhor se acautela com a presença de ambas as partes envolvidas no acordo e, bem assim, com a verificação, pela “autoridade” da genuinidade da vontade expressa” (ff. 19-20 do Acórdão).

No seu recurso a Recorrente insurge-se contra este entendimento. Concede que a interpretação do Acórdão recorrido tem a seu favor a letra da lei (que se refere a “assinaturas” no plural), mas violaria a ratio do preceito legal (Conclusão f). Na realidade, o reconhecimento da assinatura do empregador seria “completamente irrelevante para a defesa dos interesses que o legislador teve em mente e quis salvaguardar no artigo 350.º n.º 4 do Código do Trabalho” (cfr. Conclusão b). Se o que se pretende é sobretudo garantir a genuinidade do consentimento do trabalhador e protegê-lo face a decisões precipitadas ou irreflectidas, então o reconhecimento presencial da assinatura do empregador seria irrelevante, podendo até ser preferível que o empregador esteja ausente no momento em que o trabalhador assina o acordo (Conclusão e). Também militaria no sentido de que não se exige o reconhecimento presencial do empregador a circunstância de este ser as mais das vezes uma sociedade comercial (Conclusão j). E a afirmação do Tribunal recorrido de que há aqui que evitar interpretações latas é contestada afirmando-se que “nenhum ramo de direito deve ser interpretado literalmente e a posição que aqui se sustenta também não consubstancia uma interpretação lata” (Conclusão n).

Cumpre apreciar.

Como é sabido, o Código do Trabalho impõe às partes, empregador e trabalhador, que o acordo de revogação do contrato de trabalho conste de documento assinado por ambos (n.º 2 do artigo 349.º do CT). Em princípio, constando o acordo deste simples documento particular o trabalhador terá o direito potestativo de fazer cessar o acordo de revogação nos termos dos números 1 a 3 do artigo 350.º. Esse direito nasceu no nosso ordenamento, ao que parece, como um meio criado pelo legislador para reagir contra acordos assinados pelo trabalhador mas pré-datados ou sem data e que o empregador conservava no seu poder. A circunstância, contudo, de o prazo para o exercício desse direito por vezes designado de arrependimento ter sido alterado e passar a contar-se não da data da cessação do contrato de trabalho, mas da data da celebração do acordo de revogação implica que hoje o que está sobretudo em causa é dar ao trabalhador um período de reflexão, protegendo-o contra a sua própria precipitação. A lei dá, contudo, às partes uma alternativa: além da forma escrita podem optar por uma “formalidade” reforçada, isto é, pelo reconhecimento notarial presencial das assinaturas. A maior solenidade e a intervenção de um notário serão garantias de uma maior e mais cuidada reflexão. Em suma, este contrato – porque o acordo de revogação é um contrato extintivo de outro contrato, o contrato de trabalho – pode ser reduzido a um mero documento particular ou constar de um documento particular autenticado. Neste último caso espera-se que a assinatura das partes – e de ambas – seja sujeita ao reconhecimento presencial. E é evidente que a assinatura do empregador, parte do contrato de trabalho e parte do contrato extintivo, não é irrelevante. Dizer que só se exige o reconhecimento da assinatura do trabalhador para que este perca a faculdade de revogar o acordo de cessação é não só confundir as razões de política legislativa subjacentes com o teor da norma, como esquecer que não há dois acordos, um para revogar o contrato e outro para excluir a faculdade de revogação – há um e um só acordo de revogação e não se vê por que é que a presença de uma das partes do contrato de trabalho e do acordo de revogação do mesmo há-de ser mais ou menos importante do que a da outra.

Em conformidade, há que concluir que não tendo sido cumprido o ónus do n.º 4 do artigo 350.º e não havendo reconhecimento presencial de todas as partes do acordo revogatório o trabalhador mantém o seu direito de revogação do mesmo, direito que exerceu legitimamente e em conformidade com os respetivos requisitos legais.

Assim, fica prejudicado apreciar neste contexto se o reconhecimento da assinatura por um Advogado satisfaz, ou não, as exigências da lei laboral.

Decisão: Negada a Revista e confirmado o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 1 de março de 2018

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto