Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12/17.5T8MNC-N.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MAIORES
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EQUIDADE
MATÉRIA DE FACTO
DUPLA CONFORME
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 06/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Os recursos de decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária, tem como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, a par de que estejam em causa questões de legalidade estrita.

II. O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal vocacionado para salvaguardar a aplicação da lei, substantiva ou adjetiva, está impedido de, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, pelo que, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução, tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.

III. Quando o acórdão recorrido exigiu e está suportado na ponderação dos factos que constituem elementos do próprio processo, a par de que a Recorrente somente questiona a ponderação levada a cabo pelo Tribunal a quo, sopesando a facticidade, torna-se claro que a decisão que decretou a medida (cessação da obrigação alimentar a favor da jovem, filha maior do requerente e da requerida) encerra uma questão sustentada em critérios de conveniência e oportunidade, suportada num juízo de equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos.

IV. Importa distinguir consoante a nulidade apontada ao acórdão recorrido ocorra quando não se verifica a dupla conforme (caso em que nada obsta a que o objeto do recurso seja até unicamente preenchido pela arguição de nulidades) dos casos em que ocorre dupla conforme, onde, nesta última situação, o conhecimento das nulidades pelo Supremo Tribunal de Justiça fica dependente da admissibilidade da revista.

V. A revista excecional está sujeita a formalidades próprias, daí que, para além de ter de satisfazer um dos pressupostos previstos no art.º 672º n.º 1 do Código de Processo Civil, só é possível desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

1. Por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, BB requereu que a obrigação de prestação alimentar fixada a favor da filha, agora maior, CC, no valor mensal de €75,00, seja declarada cessada com efeitos a partir de Abril de 2020, bem como que a Requerida/AA proceda à transferência, a partir daquela data, da prestação alimentar a favor de DD, por deixar de haver razão para compensar com a prestação alimentar cuja cessação requer.

Para o efeito, alegou que o Requerente e a Requerida AA são pais de CC, nascida em 04.12.2001, e de DD, nascida em 16.08.2005, e que, no apenso G, as responsabilidades parentais foram reguladas fixando a residência da filha mais velha junto da Requerida AA e a da filha mais nova junto do Requerente, tendo a prestação alimentar devida a cada uma das filhas sido fixada em € 75,00.

Em 04.12.2019 a CC atingiu a maioridade, mas, uma vez que não havia concluído o processo formativo, o Requerente continuou a prestar-lhe alimentos, o que fazia compensando com a requerida AA, que tinha e tem a obrigação de lhe entregar a prestação alimentar para a DD.

Contudo, em Fevereiro de 2020, o Requerente constatou que a CC tinha deixado de estudar e começado a prestar trabalho remunerado numa fábrica em ..., pelo que se tornou economicamente autónoma, não mais necessitando de alimentos.

2. Na conferência de pais, estando presentes o Requerente e as Requeridas, bem como os respectivos Patronos, não foi possível alcançar acordo.

3. Realizadas as diligências instrutórias, incluindo a inquirição de uma testemunha e a prestação de depoimento de parte pela Requerida CC, foi proferida decisão a declarar “cessada a obrigação alimentar do requerente a favor da filha, CC, com efeitos a partir de Abril de 2020, inclusive, mais consignando, que a partir da referida data, deixa de haver fundamento para operar a compensação entre as prestações alimentares fixadas a cargo de requerente (porque declarada cessada) e requerida, AA”.

4. Inconformada com a decisão, a Requerida, AA recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo foi consignado: “Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.”

5. Irresignada com a aludida decisão do Tribunal a quo, a Requerida, AA interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto no art.º 672º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, aduzindo as seguintes conclusões:

“1) Com o devido respeito, que é muito, o recorrente não pode estar de acordo com o douto entendimento defendido no Acórdão recorrido.

2) A Recorrente entende que é relevante para apreciação do presente recurso, o facto que ficou provado nos presentes autos que a filha da recorrente e do recorrido ter a intenção de voltar a frequentar o 12º ano, para o concluir.

3) Pois verifica-se que ocorreu um erro administrativo do centro de ensino em que a filha das partes se encontrava inscrita que a considerou desistente e sem matrícula, pois não levou em consideração as enfermidades que a mesma padecia e ainda padece e que geraram a incapacidade para o trabalho.

4) O referido circunstancialismo deveria ter sido levado em conta no douto Acórdão recorrido e levaria ao procedimento do presente recurso.

5) Existe assim uma omissão de pronúncia que gera a nulidade do douto Acórdão nos termos do artigo 615, nº 1, d) do CPC.

6) Nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.

7) O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 615, nº 1, d) do CPC.

Termos em que revogando o acórdão recorrido por outro que leve em consideração os factos acima referidos, seguindo os demais termos legais,

Será feita JUSTIÇA”.


6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Foi proferida decisão singular, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, em razão dos fundamentos aduzidos, rejeito o presente recurso de revista excecional.”

8. Notificados os litigantes da aludida decisão, a Recorrente/Requerida/AA apresentou requerimento, reclamando para a Conferência da aludida decisão singular, aduzindo as seguintes conclusões:

“1) Com o devido respeito, que é muito, a Recorrente não pode estar de acordo com o douto entendimento defendido na douta decisão sumária de 6 de maio de 2021,

2) A recorrente apresentou o presente recurso de revista excecional nos termos do artigo 672, nº 1, b) do CPC,

3) A recorrida invocou e fez prova do fundamento previsto no referido dispositivo legal,

4) Tanto é assim o presente recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

5) Além disso, o que está em causa no presente recurso é uma questão de direito,

6) Saber se existe nulidade do douto acórdão referido, impondo-se a sua revogação.

7) Não se verificando assim nenhuma questão de facto.

8) Pelo que o mesmo deve ser admitido

9) O que se requer.

10) Sendo assim feita JUSTIÇA.”


9. Foram dispensados os vistos.

10. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

Cotejada a decisão singular proferida e confrontada a argumentação esgrimida pela Reclamantes/Recorrente/Requerida/AA não encontramos quaisquer razões que infirme o dispositivo da decisão onde se concluiu pela rejeição do presente recurso de revista excecional.

Na predita decisão singular este Tribunal ad quem consignou: “O conhecimento da questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Requerida/AA, tem, necessariamente, como pressuposto a admissibilidade do interposto recurso de revista excecional.

II. 3.1.1 Questão prévia

Antes mesmo de conhecer do recurso interposto, impõe-se, pois, a apreciação da questão preliminar consubstanciada na admissibilidade do interposto recurso de revista excecional.

A Recorrente/Requerida/AA e o Recorrido/Requerente/BB tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre a questionada admissibilidade da interposta revista, nos termos e para os efeitos do art.º 665º n.º. 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, tendo aquela pugnado pela admissibilidade da interposta revista excecional, ao passo que o Recorrido/Requerente/BB, nada disse.

Cuidemos, assim, da questão prévia atinente à admissibilidade do presente recurso de revista excecional.

Neste particular haverá que considerar que incumbe à Formação a decisão quanto à verificação dos pressupostos do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, importando atender, previamente, se estão cumpridos os ónus adjetivos.

Como sabemos, a revista excecional está sujeita a formalidades próprias, em razão da respetiva particularidade, daí que, para além de ter de satisfazer um dos pressupostos previstos no art.º 672º n.º 1 do Código de Processo Civil, só é possível desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, conforme decorre do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil.

A excecionalidade do recurso de revista tem, necessariamente, de encerrar situações em que perpassa dos autos uma dupla conformidade entre as decisões da 1ª Instância e do Tribunal da Relação.

Assim, não sendo admissível a revista, por motivo distinto da conformidade de julgados, encontra-se excluída a admissibilidade da revista excecional.

Tenhamos, pois, em atenção, porque ao caso trazido a Juízo interessa, os processos de regulação das responsabilidades parentais e seus apensos.

O incidente de cessação das responsabilidades parentais configura uma providência tutelar cível, e, enquanto processo tutelar cível, tem a natureza de processo de jurisdição voluntária - artºs. 3º alínea c) e 2º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - .

As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, porém, a insuficiência dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a par da exigida racionalização dos mesmos, importa que se atente a determinados pressupostos, com vista à admissibilidade recursos, concretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, admite várias exceções.

Na verdade, a previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

Como direito adjetivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Os recursos de decisões proferidas em providências tutelares cíveis, reguladas pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, têm natureza cível e são regulados supletivamente pelo Código de Processo Civil - artºs. 32º n.º 3 e 33º n.º 1, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - . 

No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade da Recorrente/Requerida/AA, e, neste concreto pressuposto, uma vez que o requerimento de interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, sendo pacificamente aceite, outrossim, que a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, enquanto mãe de CC, agora maior,  conforme decorre do art.º 32º n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível “(…) podem recorrer (…) os pais”, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.

Como adiantamos, o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais sofre várias exceções, impondo-se sublinhar, a este respeito, que o acórdão que a Recorrente/Requerida/AA pretende pôr em crise foi proferido em processo de jurisdição voluntária para o qual o art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil estabelece, em principio, como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, a par de que estejam em causa questões de legalidade estrita.

Decorre do direito adjetivo civil que o legislador quis que determinados interesses, de natureza privada, mas cuja defesa é de utilidade pública, fosse sindicada por entidades vocacionadas e que são garante de uma proteção adequada à sua natureza, razão pela qual, foram compreendidas na competência dos tribunais, o julgamento dos processos de jurisdição voluntária, cujas regras gerais se encontram plasmados no direito adjetivo civil - artºs. 986º a 988º do Código de Processo Civil - atribuindo-lhes os poderes imprescindíveis para o efeito, amovendo, quando oportuno, determinados princípios que enformam o processo civil, importando que os tribunais possam investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão, possam recolher as provas que julguem adequadas, declinando as demais, bem como, o poder decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e, na grande maioria dos casos, ajustar a solução definida à eventual evolução da situação de facto, importando, assim, que o Tribunal avoque a defesa do interesse que a lei lhe entrega, qual seja, o “interesse superior da criança e do jovem”.

O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal vocacionado para salvaguardar a aplicação da lei, substantiva ou adjetiva - art.º 674º do Código de Processo Civil - está impedido de, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade - art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil -.

Uma vez que a escolha das soluções mais convenientes e oportunas está ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram, e não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de conhecer sobre a matéria de facto - artºs. 674º e 682º do Código de Processo Civil - a lei adjetiva civil, limita a respetiva admissibilidade de recurso até à Relação - art.º 988º n.º 2 do Código Processo Civil -.

Na interpretação desta restrição de recorribilidade importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão.

Assim, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.    

No presente recurso de revista, a Recorrente/Requerida/AA invoca a nulidade do acórdão proferido, pedindo a revogação da decisão que determinou a cessação das responsabilidades parentais do Requerente, BB (obrigação de prestação alimentar), relativamente à sua filha, agora maior, CC, deixando de sopesar facticidade relevante para a decisão da causa, cometendo omissão de pronúncia, sendo claro que a consignada decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais, no caso, cessação das responsabilidades parentais do Requerente, BB (obrigação de prestação alimentar), encerra uma questão sustentada em critérios de conveniência e oportunidade, suportada num juízo de equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, donde está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o respetivo conhecimento.

Na verdade, o acórdão recorrido tratou de ponderar as circunstâncias concretas da vivência da CC, filha maior do Requerente, BB, que levaram à cessação da obrigação de prestação alimentar, daí que divisamos um juízo, distintamente casuístico, incidindo sobre a situação de facto em que se encontra a jovem, agora maior, CC, configurando uma valoração puramente factual e não uma valoração jurídica.

O acórdão recorrido, cujo escrutínio se pretende seja levado a cabo neste Tribunal de revista, exigiu e está suportado na ponderação dos factos que constituem elementos do próprio processo, de tal sorte que a Recorrente/Requerida/AA se insurgiu contra o Tribunal recorrido sustentando, e passo a citar:

“1) Com o devido respeito, que é muito, o recorrente não pode estar de acordo com o douto entendimento defendido no Acórdão recorrido.

2) A Recorrente entende que é relevante para apreciação do presente recurso, o facto que ficou provado nos presentes autos que a filha da recorrente e do recorrido ter a intenção de voltar a frequentar o 12º ano, para o concluir.

3) Pois verifica-se que ocorreu um erro administrativo do centro de ensino em que a filha das partes se encontrava inscrita que a considerou desistente e sem matrícula, pois não levou em consideração as enfermidades que a mesma padecia e ainda padece e que geraram a incapacidade para o trabalho.

4) O referido circunstancialismo deveria ter sido levado em conta no douto Acórdão recorrido e levaria ao procedimento do presente recurso.

5) Existe assim uma omissão de pronúncia que gera a nulidade do douto Acórdão nos termos do artigo 615, nº 1, d) do CPC.”

Ou seja, também as alegações da Recorrente/Requerida/AA assentam numa valoração da situação de facto diversa da que consta do acórdão recorrido, centrando a Recorrente/Requerida/AA a sua argumentação ao sustentar ser relevante para apreciação da causa o circunstancialismo de que a CC, filha maior do Requerente e Requerida, tem a intenção de voltar a frequentar o 12º ano, para o concluir, expressando ter ocorrido um erro administrativo do centro de ensino em que a aludida CC se encontrava inscrita, ao considerá-la desistente e sem matrícula, deixando de levar em consideração as enfermidades que a CC padecia e ainda padece e que geraram a incapacidade para o trabalho.

Assim, nesta revista, a Recorrente/Requerida/AA questiona a ponderação levada a cabo pelo Tribunal a quo ao decretar a cessação da prestação alimentar, julgada a mais conveniente e oportuna - art.º 987º do Código de Processo Civil - tomada ao abrigo dos princípios que dominam os processos de jurisdição voluntária, tais como os princípios da equidade, da proporcionalidade, do inquisitivo ou inquisitório e da livre modificabilidade das resoluções ou providências.

Ademais, importa reconhecer, quanto à invocada nulidade por omissão de pronúncia sobre questão relevante para a decisão de mérito, e deixar bem claro, que distinguimos do direito adjetivo civil - alínea c) do n.º 1 do art.º 674º do Código de Processo Civil - que a revista pode ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, todavia, aquele preceito adjetivo tem de ser relacionado com a norma consagrada no n.º 4 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil que textua que tais nulidades só podem ser arguidas por via recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, isto é, como fundamento adicional desse mesmo recurso, daí que, não sendo admissível recurso ordinário, aquelas nulidades teriam de ser arguidas mediante reclamação perante o Tribunal que proferiu a decisão, conforme estabelecido na 1ª parte do mencionado n.º 4 do art.º 615º e decorre do n.º 6 do art.º 617º, ambos do Código de Processo Civil.

Conforme sustenta Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª Edição, 2018, páginas 404 e 405, em anotação ao art.º 674º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a respeito da revista poder ter como fundamento as nulidades previstas nos artºs. 615º e 666º do Código de Processo Civil, importa distinguir consoante a nulidade apontada ao acórdão recorrido ocorra quando não se verifica a dupla conforme (caso em que nada obsta a que o objeto do recurso seja até unicamente preenchido unicamente pela arguição de nulidades) dos casos em que ocorre dupla conforme, donde, sublinhamos, nesta última situação, o conhecimento das nulidades pelo Supremo Tribunal de Justiça fica dependente da admissibilidade da revista, o que, como vimos, não sucede no presente caso.

Tudo visto, reconhecemos, ressaltar à evidência que no caso sub iudice é inadmissível o recurso de revista, em termos gerais, conforme decorre do art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Assim, relembrando que a Formação apenas poderá conhecer da verificação dos pressupostos do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, cumpridos que esteja os exigidos ónus adjetivos, e tendo em consideração que só é possível este conhecimento desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, o que, de resto, não distinguimos no caso sub iudice, importa concluir que se encontra excluída a admissibilidade da revista excecional.”

Reconhecendo inexistir razão que nos leve a divergir do consignado na decisão singular, restará concluir pela inadmissibilidade da interposta revista excecional, e não se diga, ademais, como faz a Recorrente/Requerida/AA, ter levado a cabo a prova do fundamento previsto no art.º 672º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, aliás, como também sublinha a Recorrente/Requerida, tanto é assim que o presente recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Ora, como sabemos, não só o conhecimento dos invocados requisitos de que depende a excecionalidade da revista são da exclusiva competência do Supremo Tribunal de Justiça, conforme decorre do direito adjetivo civil - art.º 672º n.º 3 do Código de Processo Civil - como, em todo o caso, sempre se dirá que a decisão que admita o recurso, que fixa a sua espécie e determina o efeito que lhe compete, não vincula o tribunal superior - art.º 641º n.º 5 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil - .


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o pedido de revogação da proferida decisão singular que rejeitou o presente recurso de revista excecional, mantendo-a na íntegra.

Custas pela Recorrente/Requerida/AA.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2 de junho de 2021  


Oliveira Abreu (relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, no processo em referência, atesto o respetivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto de Oliveira.