Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
697/10.3TBELV.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
RECURSO DE OPOSIÇÃO DE TERCEIRO
CAUSA PREJUDICIAL
CASO JULGADO MATERIAL
EXCEÇÃO
RECURSO DE REVISÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
NULIDADE
ACÓRDÃO RECORRIDO
PEDIDO PRINCIPAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos arts. 619.º, n.º 1, e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão.
II - Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2, do CPC: identidade dos sujeitos abrangidos). Assim, estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença, mas ainda os seus transmissários ou sucessores (também por substituição processual) posteriores ao trânsito em julgado.
III - Não se afasta radicalmente o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente, para além de casos especialmente previstos na lei, em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por exemplo, quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade), relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do principio do contraditório/direito de defesa.
Decisão Texto Integral:


45448Processo n.º 697/10.3TBELV.E1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, 1.ª Secção



Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO

1. AA intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, S.A.» (depois «Adega Mayor – Sociedade Vitivinícola, Agrícola e Enoturística, S.A.»), «Nabeirimóvel Gestão de Investimentos Imobiliários, Lda.», BB, CC, DD e cônjuge mulher EE, FF e GG e cônjuge mulher HH, pedindo a título principal: a) que se declare que, do crédito reclamado pelo «Banco Pinto e Sotto Mayor», no processo de execução que correu pelo Tribunal Judicial de ... com o n.º …45/88…., ficou credor, por sub-rogação operada no mesmo processo, o Autor; b) que se declare que o valor a haver pelo Banco em razão desse crédito era, em 5/4/1990, no montante de 20.358.763$00 (€101.549,00) e que foi a Ré «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, S.A.» que, em 12/7/1993, levantou, no aludido processo e fez seu, o valor que o Autor nele depositou, com vista à sub-rogação, no referido montante de 20.358.763$00 (€101.549,00); c) que se declare que o Autor é, ainda hoje, credor do crédito referido na al. a) do presente pedido e dos juros vencidos desde 5/4/90; d) que se declarem nulos, com relação à descrição nº ……18, da freguesia de ..., o Av. …..29 referente à inscrição …, de 11/3/81 (cancelamento de inscrição de hipoteca a favor do «Banco Pinto e Sotto Mayor»), ordenando-se a reposição em vigor daquela inscrição com a consequente retoma de eficácia do Av. …..91 a ela referente, tudo em termos de o Autor poder requerer sobre o prédio hipotecado a realização do seu crédito.
A título subsidiário, para o caso de não procederem os pedidos precedentes, pediu que se condenassem os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de €101.549,00 acrescida de juros à taxa legal comum civil desde a data em que o Autor procedeu ao depósito dessa quantia no processo de execução n.º …45/88….

Para tais efeitos alegou, em síntese: DD adquiriu a propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …….18 da freguesia de ... (extratada da descrição n.º 70, fls. 168 VB-1 Extª, concelho de ...), denominado Herdade ..., com a área de 185,8 ha, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, Secção …e na urbana sob o artigo …; constituiu a favor do «Banco Pinto e Sotto Mayor», em 23/3/1981, hipoteca voluntária até ao limite de capital de 12.000.000$00 (€ 59.855,75), despesas e juros, até ao limite máximo de 21.210.000$00 (€ 105.795,03), inscrita no registo sob a cota ...,Ap. ……81. Em 20/9/1988, o referido Banco Pinto e Sotto Mayor intentou contra os devedores GG, HH, FF, DD e EE processo de execução que correu termos com o n.º … no Tribunal Judicial de ..., para pagamento da quantia de 16.234.522$00, no âmbito do qual o Autor AA adquiriu por sub-rogação os direitos do Banco exequente, tendo o Autor liquidado o montante total de 20.358.763$00 ficando sub-rogado nesse crédito. Por requerimento de 8/7/93 a «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda.» pediu, com o acordo dos Réus daquela acção, que lhe fosse passado precatório cheque para levantamento da quantia depositada – 20.285.513$00 – pelo aqui Autor; o que o tribunal deferiu por despacho de 12/7/93, tendo então a referida sociedade levantado o dinheiro, com o conhecimento dos ali executados e aqui Réus. Em 10/4/1990, a «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda.» e BB propuseram uma acção judicial contra os Réus DD, EE e FF, que veio a correr com o n.º DD... no Tribunal de Círculo de ... e foi registada na Conservatória sob a cota .../110490, na qual pediram, em execução específica, o cumprimento de contrato promessa de compra e venda que tinha por objecto, além de outra, a Herdade ..., processo que terminou por transacção celebrada em 6/7/1993, em que o Réu DD, proprietário inscrito, reconheceu à Autora sociedade o direito de propriedade do sobredito prédio. Na sentença homologatória dessa transacção foram declarados extintos os encargos com registo posterior à data da acção e foi ordenado o cancelamento, entre outros, das inscrições sob a apresentação n.º …, de 4/3/1991, ou seja, do Av. ...; em consequência, a referida sociedade registou a seu favor a propriedade do prédio e, a seu pedido, foi inscrito pelo Av…., Ap. …..29, o cancelamento da inscrição hipotecária sob o Av……91 que conferia ao Autor o direito hipotecário. Em 5/5/1994, o aqui Autor interpôs recurso de oposição de terceiro; por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 16/11/1995, foi decidido revogar a decisão na parte em que mandou cancelar o Av. …/040391 e ordenado que se comunicasse à Conservatória do Registo Predial competente; essa decisão foi confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/1996. Apesar de ordenada a comunicação à Conservatória, a Secretaria Judicial nunca cumpriu essa ordem e o Autor, convicto de que ela fora cumprida, considerou-se dispensado, de, por si, promover o registo do cancelamento ordenado pelas instâncias de recurso. Em 12/4/1999 a propriedade sobre o prédio voltou a mudar registalmente de titular, deixando de estar inscrita a favor da Ré sociedade para, sob a cota …, Ap. …., passar a ficar inscrita a favor da Ré «Nabeirimóvel», por subscrição em aumento de capital. Em 2005, a requerimento do Autor, o Tribunal ordenou o cumprimento da ordem dada pelo acórdão da Relação, confirmada pelo Supremo, para comunicação à Conservatória, mas a Conservatória recusou a inscrição, após o que o Autor interpôs recurso no tribunal da comarca, mas, por despacho de 16/2/2007, após contestação da Ré «Nabeirimóvel» entendeu-se que a situação só poderia ser reposta com recurso à via judicial comum. Os gerentes da «Nabeirimóvel», a actual titular inscrita da propriedade da Herdade, tinham conhecimento pessoal dos termos da acção e da transacção como dos termos da sentença homologatória e da decisão proferida no recurso de oposição de terceiro, tinham consciência de que prejudicavam o Autor quando, em 12/4/1999, transferiram a propriedade da Herdade para a «Nabeirimóvel» como se estivesse livre de encargos, sabendo que só por erro judicial e da Conservatória o estava.

2. Os Réus «Adega Mayor», «Nabeirimóvel», BB e CC deduziram Contestação e nela apresentaram defesa por excepção, invocando a ilegitimidade passiva dos Réus «Adega Mayor» e CC, suscitando a excepção de caso julgado, configurada na decisão final proferida no processo n.º 515/06..... em relação ao pedido feito contra a Ré «Nabeirimóvel», e bem assim a prescrição do crédito invocado a título subsidiário pelo Autor, impugnaram os factos alegados e terminaram com o pedido de vir a acção a ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido. Ademais, formularam pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor a reconhecer que não possuía nem possui qualquer título que legalmente seja bastante para registar a seu favor hipoteca sobre aquele prédio e, consequentemente, os averbamentos que supra se identificam foram sempre nulos por falta de título.
O Réu FF veio apresentar Contestação, defendendo-se por excepção, arguindo a sua ilegitimidade e consequente absolvição da instância, e por impugnação com a consequente absolvição do pedido.
A Ré EE também apresentou Contestação, defendendo-se por excepção, arguindo a sua ilegitimidade e consequente absolvição da instância, e por impugnação com a consequente absolvição do pedido.

3. Foi proferida sentença de habilitação (apenso “A”) por óbito de DD, FF e GG e cônjuge mulher HH (pais de DD e FF: cfr. fls. 420 e 442 dos autos), que habilitou EE, II e JJ (filhos de DD e EE), na qualidade de sucessores, a prosseguirem na causa no lugar dos falecidos.

Citados, os sucessores habilitados não deduziram contestação. Porém, deduziram mais tarde pronúncia em que alegaram a excepção de ilegitimidade passiva e a consequente absolvição da instância.

4. O Autor apresentou Réplica, pugnando pela improcedência das excepções opostas à petição e do pedido reconvencional.

5. Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa em € 141.549,00 e se decidiu: (i) julgar improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida(s) pelos Réus; (ii) julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado (relativo ao processo n.º 515/06...: “recurso da decisão do Conservador da Conservatória do Registo Predial de ..., interposto por AA, pedindo a revogação de tal decisão, no sentido de repor em vigor o registo da hipoteca a favor do Recorrente, cancelando os registos que tiverem de o ser, designadamente a Av. ……29 à inscrição ...”) deduzida pelos Réus «Adega Mayor», «Nabeirimóvel», BB e CC; (iii) relegar o “conhecimento para final” da excepção peremptória da prescrição.

 

6. Foi proferida sentença pelo Juiz …do Juízo Central Cível e Criminal de ..., na qual se identificaram as seguintes questões a apreciar:

“a) Determinar se o direito de crédito objeto da execução n.º ..., foi transmitido ao Autor, por sub-rogação;

b) Apreciação da validade da inscrição Av. ……29 que cancelou a inscrição …, de 11.03.81 do prédio n.º …43 descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ... e retoma da eficácia do Av. ……91;

c) Apreciação da validade das inscrições …, Av. …..90 e … Av…. de 04/03/91 do prédio n.º …43 descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ...;

Subsidiariamente,

d) Reconhecimento do direito do Autor ser indemnizado, solidariamente, pelos Réus;

e) Apreciar a eventual prescrição desse direito”.

             

Em consequência, decidiu julgar parcialmente procedente a acção e totalmente procedente a reconvenção e, consequentemente:


a) Declarar o Autor AA titular do crédito executado pelo Banco Pinto e Sotto Mayor, no processo de execução que correu termos no Tribunal Judicial de ... com o ..., por sub-rogação, no montante de 20.358.763$00 (correspondente ao valor €101.549,00, na atual moeda corrente) e dos juros vencidos desde 05.04.1990;
b) Declarar que a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda., em 12-7-93, levantou e fez seu, o valor que o Autor nele depositou à ordem do processo n.º ..., no montante de 20.358.763$00 (correspondente ao valor €101.549,00, na atual moeda corrente);
c) Declarar nula a inscrição feita sob a cota Av. .../930729 que cancelou a inscrição de hipoteca a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor com a cota ..., de 11.03.81, do prédio descrito sob o n.º /19880418, da freguesia de ...;
d) Declarar nula, por falta de título, a inscrição feita sob a cota Av. 03-Ap. .../040391 do prédio descrito sob o n.º /19880418, da freguesia de ...;
e) Condenar o Autor AA a reconhecer que não possuía nem possui título para registar a seu favor hipoteca voluntária sobre aquele prédio;
f)     Condenar os Réus EE, II e JJ sendo estes últimos como herdeiros habilitados dos falecidos GG LL, HH LL, DD e FF a pagar, solidariamente, ao Autor AA a quantia de €101.549,00 (centos mil quinhentos e quarenta e nove euros), acrescida de juros de mora à taxa legal civil, desde 05.04.1990 até integral pagamento [De acordo com rectificação ordenada por despacho proferido em 15/10/2020].
g) Julgar a presente ação improcedente no mais, absolvendo-se os Réus do demais peticionado pelo Autor.”

7. Inconformados, o Autor, assim como os Habilitados EE, JJ e II, interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), tendo sido identificadas, respectivamente para cada um dos recursos, as seguintes questões:

(i) “1. Alteração da matéria de facto. 2. Eficácia de caso julgado do Acórdão desta Relação proferido no processo n.º DD.…, no que respeita à validade da sub-rogação do crédito do autor e manutenção no Registo Predial do averbamento … Ap. 17 de 4-3-91 a seu favor. 3. Se deve ser ordenada a reposição desse averbamento. …. Se o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente.”;

 (ii) “1. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia. ... Alteração da matéria de facto. 3. Se deve manter-se a condenação dos Réus no pagamento do montante a quantia de € 101.549,00. 4. Prescrição do direito desse crédito e dos juros vencidos para além dos 5 anos anteriores à citação dos Réus.”.

O TRE proferiu acórdão em que, para além de rejeitar a impugnação da matéria de facto, julgou procedentes as apelações do Autor e dos Habilitados e, em consequência, decidiu:

a) alterar a sentença recorrida, ordenando a reposição em vigor do Av. 03-Ap .….91, da inscrição ..., do prédio descrito sob o n.º .......88  da Conservatória do Registo Predial de ...;
b) revogar as alíneas d) e e) do dispositivo da sentença, julgando improcedente a reconvenção;
c) revogar a alínea f) do dispositivo da sentença;
d) manter tudo o mais decidido na sentença recorrida”.

8. Revelando discórdia com o decidido em 2.ª instância, os Réus «Sociedade Empreendedora», «Nabeirimóvel», BB e CC interpuseram recurso de revista para o STJ, que se finalizou com as seguintes Conclusões:

“1º Está em causa nestes autos um único crédito, do qual são únicos devedores os originários RR. LL e os seus sucessores habilitados: o crédito que o Banco Pinto e Sotto Mayor executou no processo nº. ... da Comarca de ... – ponto 38 da matéria de facto do acórdão recorrido – e

2º No qual o A. ficou sub-rogado por pagamento, tendo pois adquirido o crédito do Banco Pinto e Sotto Mayor, e que o A. reclama no artigo 110 da petição inicial.

3ª Existe também uma única garantia: a hipoteca da Herdade ... que esteve inscrita em ... Ap. …/110381 e inscrita a favor do A. em Ap. …/040391 – ponto 3 da matéria de facto do acórdão recorrido.

4ª Logo aqui se contradiz o douto acórdão recorrido: mandou repor uma garantia mas absolveu os devedores do crédito que ela assegurava.

5ª E fá-lo porque entendeu não conhecer de pedido subsidiário de condenação dos RR. LL, só por isso os absolvendo – págs. 62 do acórdão recorrido – mas o pedido subsidiário formulado pelo A. não era esse.

6ª O único pedido subsidiário formulado nos autos é o de condenação dos RR. Sociedade Empreendedora, CC e BB em indemnização porque transferiram para a R. Nabeirimóvel a propriedade da Herdade, impedindo assim a repristinação de registo de hipoteca a favor do A. – artigo 92 e seguintes da petição inicial.

7ª A absolvição dos RR. LL é assim nula desde logo por erro na causa da decisão que a declarou.

8ª Aliás, tendo sido pedido o reconhecimento da sub-rogação do A. no crédito de que os RR. LL eram devedores originários e tendo esse pedido sido julgado procedente em 1ª Instância, sem que nessa parte haja recurso da decisão, impõe-se a condenação de tais RR. como devedores, ao menos à data da sub-rogação – alínea a) do Dispositivo da sentença de 1ª Instancia.

9ª Mas se os RR. LL eram devedores à data do pagamento efectuado pelo A. que o subrogou no crédito do Banco, já hoje o não são pois

10ª No artigo    109       da        contestação     os        RR,       Sociedade Empreendedora e outros alegaram que decorridos mais de vinte anos o crédito adquirido pelo A. se encontra hoje prescrito e

11ª Embora os RR. LL nas suas contestações não tenham invocado a prescrição do crédito do A. vieram a fazê-lo nas suas alegações de recurso para a Relação, o que

12ª Podiam validamente fazer pois não existe lei que estabeleça prazo preclusivo para invocação da prescrição, nem o impede a sua condenação em primeira instância porque ainda não transitada.

13ª Isso mesmo deveria o douto acórdão recorrido ter declarado tanto mais que não foi invocada qualquer causa de interrupção da prescrição, prevista no artigo 323 do Código Civil.

14º Nem o facto de a Sociedade Empreendedora ter levantado no Tribunal de ... precatório cheque para receber a importância que o A. ali depositara para ficar sub-rogado no crédito sobre os RR. LL originou qualquer outro crédito a favor do A..

15ª Antes de mais porque o A. não pode pretender ficar sub- rogado no crédito executado em ... e ao mesmo tempo ficar proprietário do preço que pagou pela sub-rogação.

Depois,

16ª Porque na execução de ... o Banco Pinto e Sotto Mayor juntara a escritura pela qual cedera à Sociedade Empreendedora todos os seus créditos sobre os RR. LL e

17º O Mtº. Juiz da execução, depois de ouvir o Banco, ordenou à Sociedade Empreendedora que requeresse o levantamento do que o A. depositara no processo, o que importa que o tenha feito por julgar essa R. proprietária dessa quantia.

18ª Essa decisão e a sua motivação – reconhecimento da propriedade dessa quantia pela Sociedade Empreendedora – constitui caso julgado quanto a todos os intervenientes no processo de execução, incluindo o A. como interveniente acidental.

19º É isso mesmo que tem entendido a doutrina e a jurisprudência: a força de caso julgado do decidido estende-se às “questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença” – Prof. Miguel Teixeira e Sousa em Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 50.

20ª Cabe agora analisar o que foi decidido quanto à hipoteca que garantiu o crédito do Banco Pinto e Sotto Mayor e que:

- foi inscrita a favor do Banco em 04/11/81

- foi averbada a favor do A. em 17/04/91 e

- foi cancelada a pedido da Sociedade Empreendedora em 27/07/93 – conforme os pontos 3, 10 e 19 da Matéria de Facto provada do acórdão recorrido.

21ª Por sua vez a propriedade da Herdade ... a favor da Sociedade Empreendedora foi inscrita no Registo Predial em 29/07/93 e a favor da Nabeirimóvel em 12/04/99 – conforme os pontos 12 e 13 da Matéria de Facto provada do acórdão recorrido.

22ª Por acórdão da Relação de Évora, proferido em recurso de oposição de terceiro, foi revogada sentença de 1ª Instância que mandara cancelar o registo de hipoteca, o que o Supremo confirma por acórdão de 26/01/96 – pontos 22 e 23 da Matéria de Facto provada do douto acórdão recorrido.

24ª O douto acórdão recorrido distingue, e bem, entre o efeito negativo e o efeito positivo do caso julgado ou, noutra terminologia, entre a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, sendo que a primeira exige, conforme disposto no artigo 581 do CPC a identidade de pedido, de causa de pedir e de partes.

25ª O efeito negativo do caso julgado pode pois ser invocado relativamente à Sociedade Empreendedora, a Dª. CC e a BB, que foram partes no recurso de oposição de terceiro mas

26ª Já não vincula a Nabeirimóvel que não foi parte nesse processo.

27ª O efeito positivo do caso julgado, que tem por único fundamento impedir que um tribunal seja obrigado a confirmar ou contradizer decisão já tomada, como ensina o douto acórdão desse Supremo de 13/12/2007, “implica contudo a proibição de novamente apreciar certa questão”.

28º Os acórdãos da Relação, de Évora de 16/11/95 e o desse Supremo Tribunal de 26/11/96, decidiram que devia ser reposto o registo da hipoteca e comunicada essa decisão à Conservatória, sendo causa de pedir dessas decisões o entendimento de que o A., pelo pagamento que fizera, ficara sub-rogado no crédito do Banco e também na hipoteca que o garantia.

29ª Mas é bem diversa a questão que ora se coloca: saber se, anos depois, o registo de aquisição do prédio a favor de outra sociedade impede que se reponha a inscrição de hipoteca a favor do A..

30ª Tratando-se pois de questão radicalmente diversa da apreciada nos acórdãos da Relação de Évora e do Supremo, a decisão por estes proferida não pode vincular o adquirente que não foi parte no recurso de oposição de terceiro.

31ª Deverá notar-se ainda que o efeito positivo do caso julgado só é acolhido pelo CPC em dois casos excepcionais: relativamente às decisões cíveis sobre estado das pessoas e à sentença penal condenatória – artigos 622 e 623 do CPC.

32ª É por isso evidente que tal efeito não é acolhido pelo CPC com carácter geral, o que é perfeitamente justificado.

33ª De facto, interpretar os artigos 580 e 619 do CPC como acolhendo com carácter geral o efeito positivo do caso julgado, importa violação frontal do artigo 20 nº. 1 da Constituição pois

34º Impede que alguém, que não foi parte no processo em que se formou o caso julgado, possa impugná-lo perante os tribunais em defesa dos seus direitos ou legítimos interesses.

35ª Nem pode chegar-se a conclusões diferentes por aplicação do disposto no Código do Registo Predial.

De facto,

36ª A proprietária actual da Herdade ... não estava de má fé quando adquiriu essa propriedade o que pode ver-se claramente das alíneas c), e) e f) dos factos não provados da douta sentença de 1ª Instância, que o acórdão recorrido reproduz.

37ª Por outro lado essa sociedade não pode considerar-se terceiro para os efeitos previstos no artigo 5 nº. 4 do CRP pois adquiriu o seu direito da Sociedade Emprendedora enquanto o A. adquiriu os seus do Banco Pinto e Sotto Mayor.

38º Não era aos tribunais que competia fazer o registo da hipoteca pois o artigo 8-B n.º 3 alínea a) do CRP só foi introduzido pelo artigo 12 da Lei 30/2017 de 30/05.

39ª Pelo contrário era ao A. que cabia a obrigação de registar a hipoteca – artigos 8 n.º 1 e 8-B n.º 1 do CRP – obrigação essa que não cumpriu – pelo que não pode invocar perante terceiros o facto não registado – artigo 5 n.º 3 do CRP.

40ª A verdade é que desde 29/07/93 até hoje nenhuma hipoteca existia registada sobre a Herdade ... e o artigo 4 n.º 2 do CRP estatui que a hipoteca não registada não pode ser invocada sequer entre as partes que a constituíram.

41ª Assim, nem por efeito negativo ou positivo de caso julgado, nem pelo disposto no CRP, a hipoteca pode ser invocada contra o registo de propriedade registado a favor da Nabeirimóvel.

42ª Improcedendo os pedidos principais do A. deve ser conhecido o pedido subsidiário que formulou: condenação dos RR. BB, CC e Sociedade Empreendedora em indemnização a favor do A. por terem transferido a propriedade da Herdade para a Nabeirimóvel, impedindo assim o registo da hipoteca a favor do A..

Mas,

43ª A transferência da propriedade da Herdade para outrem era perfeitamente legal, mesmo que sobre ela incidisse registada hipoteca, não existindo assim facto ilícito praticado pelos RR., pelo que

44ª Não existindo facto ilícito igualmente não existe causalidade que o ligue a eventuais prejuízos sofridos pelo A., prejuízos dos quais ele também não apresentou qualquer prova.

45ªO pedido de indemnização subsidiário improcede pois totalmente.

46ª Mas não podendo o A. registar a seu favor hipoteca sobre a Herdade ..., pelos muitos motivos já expostos, e não invocando ele qualquer outro título para demandar os RR. torna-se claro que a reconvenção em que se pede que reconheça isso mesmo, deve proceder.

Nestes termos,

47ª Deve ser concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e consequentemente:

a) - absolvendo-se os RR. LL da divida que inicialmente tinham mas que se encontra actualmente há muito prescrita;

b) - declarando-se que as decisões proferidas no recurso de oposição de terceiro interposto pelo A. não são oponíveis à actual proprietária da Herdade, sob pena de inconstitucionalidade, pelo que

c) - não pode repor-se o registo de hipoteca da Herdade nem o seu averbamento a favor do A. e assim

d) - improcedendo estes pedidos principais formulados pelo A. deverá conhecer-se do pedido subsidiário de indemnização que aliás

e) - improcede porque se não provou qualquer facto ilícito praticado pelos RR., nem relação de causalidade ou eventuais prejuízos e assim

f) - não tendo o A. qualquer título para registar hipoteca sobre a Herdade ou para demandar os recorrentes, deve declarar-se isso mesmo, julgando-se procedente a reconvenção, com o que se fará JUSTIÇA.”

9. O Autor Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Os Réus Habilitados também usaram dessa prerrogativa para apresentar contra-alegações, visando a inadmissibilidade parcial do recurso por falta de legitimidade e interesse em agir dos Recorrentes, a falta de fundamento da alegação relativa ao conteúdo do pedido subsidiário, a inexistência das nulidades por omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.

Subsidiariamente, para o caso de se revogar a decisão do acórdão recorrido, requereram, nos termos e para os efeitos do art. 636º, 1 e 2, do CPC, a ampliação do objecto do recurso “para que, remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, aquele Tribunal da Relação decida das questões cuja apreciação ficou prejudicada em função da solução encontrada para o litígio, decidindo, em consequência, pela improcedência da presente ação quanto aos Recorrentes” (cfr. Conclusão 6.)

O Autor Recorrido e os Recorrentes apresentaram pronúncia nos termos do art. 638º, 8, do CPC.

Consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Objecto do recurso

1.1. Vistas as Conclusões, que delimitam a incidência de apreciação recursiva (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), verifica-se que são estas as questões a decidir:

— repercussão da autoridade do caso julgado proferido no processo 979/05... (antes processo 46/90...), em sede de recurso extraordinário de oposição de terceiro interposto pelo Autor: Conclusões 20.ª a 41.ª;

— condenação dos Réus LL no pagamento do crédito adquirido por sub-rogação, peticionado a título subsidiário: Conclusões 1.ª a 8.ª, 14.ª a 19.ª e 42º a 46.ª;

— prescrição do direito de crédito peticionado pelo Autor, a título subsidiário, aos Réus LL, de forma solidária: Conclusões 9.ª a 13.ª.


1.2. Vieram ainda os Recorrentes, no remate das suas Conclusões, em conjugação com o referido no corpo das suas alegações, arguir a nulidade do acórdão recorrido, por omissão e excesso de pronúncia, com esta síntese: “art. 615 n.º 1 alínea d) por ter omitido pronunciar-se sobre a prescrição do crédito do A., e sobre o verdadeiro pedido subsidiário, e ter-se pronunciado sobre pedido subsidiário não formulado”.

2. Factualidade

Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos (com sublinhados apostos pelo acórdão recorrido):

1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …..18, da freguesia de ... (extratada da descrição n.º 70, fls. 168 VB-1 Extª, concelho de ...) o prédio misto denominado Herdade ..., composto de terra de cultura arvense, eucaliptal, olival, dependência agrícola e de parte urbana com duas moradias de rés-do-chão, com a área de 185,8 ha, confrontando a norte com Herdades da …, a sul com …, a nascente com herdades da …, a poente com …, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, Secção … e na matriz urbana sob o artigo … (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

2. Em 11-3-81 pela inscrição …, Ap. …, foi inscrita a favor de DD a aquisição, por compra, da propriedade desse prédio (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

3. Na mesma data, sob a cota ..., Ap. ……81, foi inscrita a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor Instituição de Crédito Nacionalizada com natureza de Empresa Pública, a hipoteca voluntária para garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco, até ao limite de capital de 12.000.000$00 (€59.855,75), despesas e juros, até ao limite máximo de 21.210.000$00 (€105.795,03) (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

4. Pela cota … Ap. … de 14/03/89 foi inscrita a aquisição provisória por natureza a favor de BB, c.c. MM, pela comunhão geral, ou de pessoa física ou jurídica por ele a nomear até à outorga da escritura por compra (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

5. Pela cota … Ap. … de 10/04/90 foi inscrita a ação provisória por natureza movida por Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB contra FF, DD e mulher EE, pedido: proibição de vender ou onerar ou alienar as herdades ... e ... sob pena de desobediência. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

6. Pela cota … Ap. …de 11/04/90 foi inscrita a ação provisória por natureza movida por Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB contra FF, DD e mulher EE, pedido: cumprimento do contrato promessa de compra e venda. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

7. Pelo Av. 1, Ap. 14, de 16/08/90 da cota ... foi inscrito provisoriamente por dúvidas (artigo 70.º), que o crédito hipotecário ficou a pertencer a AA por sub-rogação. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41 e certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 323/342).

8. Esse averbamento foi lavrado única e exclusivamente, com base no requerimento e na certidão emitida pela secretaria do Tribunal Judicial de ... em 21 de junho de 1990 e pelas certidões prediais visadas pela repartição de finanças de ... (cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 323/342).

9. O Av. …, Ap. …, de 16/08/90 caducou em 04/03/91 por averbamento da cota ... Of. Av. … (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

10. Pelo Av. …, Ap. ......91, da cota ... foi inscrito que o crédito ficou a pertencer a AA, por sub-rogação (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

11. Esse averbamento foi lavrado única e exclusivamente com base no requerimento e na certidão emitida pela secretaria do Tribunal Judicial de ... de 21/06/1990 arquivada para a ap. .../160890, pela certidão emitida pelo mesmo tribunal em 22 de fevereiro de 1991 e pelas certidões prediais visadas pela repartição de finanças de ... (cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 343/348).

12. Pela cota …, Ap. … de 29/07/93 foi inscrita a favor da Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª., a aquisição do prédio por execução específica de contrato promessa. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

13. Pela cota … Ap. 10 de 12/04/99 foi inscrita a aquisição o prédio a favor de Nabeirimóvel Gestão de Investimentos Imobiliários, limitada, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

14. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB propuseram, em 10-4-90, no Tribunal de Círculo de ..., contra os Réus DD, EE e FF, ação de processo ordinário que veio a correr com o n.º 46/90... (subsequentemente distribuída sob o n.º 979/... do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ...), registada na Conservatória do Registo Predial sob a cota .......90, na qual pediram, em execução especifica, o cumprimento de contrato promessa de compra e venda que tinha por objeto, além de outra, a Herdade ... (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41 e teor do processo n.º 979/05..... do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ...).

15. No dia 06 de Julho de 1993, por termo de transação lavrado a fls. 339 do referido processo, as partes acordaram em pôr termo à sobredita ação, reconhecendo os ali Réus o pedido e consequentemente o direito da autora Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª a inscrever definitivamente a seu favor na Conservatória do Registo Predial de ... a propriedade plena sobre os prédios objeto da lide, tudo como decorre de fls. 339 daqueles autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.

16. Na sentença homologatória dessa transação, que na mesma data foi proferida, foram declarados “… extintos os encargos com registo posterior ao desta ação, que os oneram, determina-se o seu cancelamento, sendo tais encargos relativamente à Herdade ... os inscritos sob a apresentação n.º … de 23/04/90, sob ap. … de 4.9.1990, sob ap. de 4.3.1991, sob ap. …. de 12.11.1991 e sob ap. 01 e 26.11.1991 (…)”, tudo como decorre de fls. 340 daqueles autos n.º 979/..., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.

17. Com base na certidão judicial da dita sentença homologatória, a Sociedade Empreendedora requisitou na Conservatória do Registo Predial de ... pela ap. …/930729 a inscrição a seu favor da aquisição do prédio n.º ......88 da freguesia de ... e pela ap. ……29 pediu o cancelamento da inscrição hipotecária …, Ap. ……91. (cf. documento de fls. 42/60 destes autos, cópia de requisição de registo apresentada na Conservatória do Registo Predial de ...).

18. A mencionada requisição de registo foi apresentada pelo mesmo advogado que na ação tinha patrocinado a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª (cf. documento de fls. 42/60 destes autos, cópia de requisição de registo apresentada na Conservatória do Registo Predial de ...).

19. Na sequência dessa apresentação, a Conservatória do Registo Predial de ..., cancelou a inscrição ..., pelo Av. …, Ap. ......29 (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

20. Em 05 de maio de 1994, o aqui Autor interpôs recurso de oposição de terceiro, alegando no requerimento: “Como se vê da certidão junta aos autos, relativo ao prédio objeto da transação, foi, em 11-3-1981, inscrita a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor, hipoteca voluntaria para garantia de pagamento da quantia de 12.000 contos de capital e juros. A posição credora emergente dessa hipoteca foi, depois, por sub-rogação, encabeçada no requerente e como tal levada ao registo em 4-3-1991. (…) A decisão em causa é fonte de grave prejuízo para o requerente. Prejuízo direto, atual e positivo, tão direto e tão atual que, a manter-se o cancelamento, pura e simplesmente fica privado da garantia hipotecada.” (cf. fls. 376/378 dos autos n.º 979/05..., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos).

21. As partes no processo, Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª, BB e os RR. LL, foram notificadas desse requerimento (cf. fls. 380 dos autos n.º 979/05....).

22. Por acórdão proferido em 16.11.1995 pelo Tribunal da Relação de Évora, foi concedido provimento ao recurso interposto e revogada a sentença apelada na parte em que mandou cancelar a ap. … de 4/3/91, ordenando-se a comunicação à Conservatória do Registo Predial competente (cf. fls. 473/476 dos autos n.º 979/...).

23. Por acórdão proferido em 26-11-96 pelo Supremo Tribunal de Justiça a decisão do Tribunal da Relação foi confirmada, tendo sido negada revista ao recurso (cf. fls. 527/531 dos autos n.º 979/05...).

24. As partes intervenientes na ação foram notificadas dos ditos Acórdãos (cf. fls. 478 e 533 daqueles autos n.º 979/05...).

25. Subsequentemente, remetidos os autos ao Tribunal de Círculo de ..., os mesmos foram arquivados sem haver sido comunicada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora à Conservatória do Registo Predial (cf. fls. 555/561 dos autos n.º 979/05...).

26. Pela cota …, Ap. 10 990412 foi inscrita a aquisição do prédio n.º ......88  da freguesia de ... a favor da sociedade Nabeirimóvel Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).

27. Em 2005, a requerimento do Autor, o Tribunal ordenou o cumprimento da ordem dada pelo acórdão da Relação, confirmada pelo Supremo, para comunicação à Conservatória, tendo sido proferido despacho pelo Sr. Conservador de recusa da retificação do registo (cf. fls. 562 e seguintes dos autos n.º 979/05...).

28. O Autor interpôs recurso para o tribunal da comarca do despacho proferido pelo Senhor Conservador, tendo esse processo de recurso sido tramitado no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o n.º 515/06... e, por despacho proferido em 16/02/2007, após contestação da Ré Nabeirimóvel, Ld.ª, foi negado provimento ao recursão interposto pelo aqui Autor, conforme decorre do teor de fls. 183/192 do processo n.º 515/06..., que aqui se dá por reproduzido.

29. Por contrato de 31 de dezembro de 1985, celebrado entre o Banco Pinto e Sotto Mayor e os Réus GG e mulher, HH, FF, DD e mulher, EE, o primeiro concedeu aos segundos um empréstimo de 46.011.449$00, imediatamente utilizável, destinado à liquidação de encargos de vários financiamentos vencidos e não pagos até 31-12-81 (cf. contrato de abertura de créditos juntos a fls. 122/126 destes autos).

30. Nesse documento GG e mulher, HH, FF, DD e mulher, EE, na qualidade de mutuários, declararam que o cumprimento das responsabilidades emergentes do contrato ficava garantido pela hipoteca, entre outras, da Herdade ..., constituída a favor do Banco pela escritura pública celebrada em 23-3-81, outorgada no Cartório Notarial de ..., a fls. 42 do Livro … e registada pela inscrição ..., Ap. ……81, (cf. escritura de constituição de hipoteca e contrato de abertura de créditos juntos a fls. 113/126 destes autos).

31. Nessa escritura de 23.03.81 ficou ainda convencionado que os escritos particulares de confissão ou assunção de divida, os títulos de crédito ou documentos de débito emitidos, bem como toda a demais correspondência trocada e os extratos de conta relativos aos créditos garantidos, seriam considerados títulos com força executiva nos termos e para os efeitos do art. 50º do C. P. Civil e a hipoteca se destinava à garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir perante o credor, até ao limite, compreendendo capital, juros e despesas, de 21.210.000$00 (cf. escritura de constituição de hipoteca e contrato de abertura de créditos juntos a fls. 113/126 destes autos).

32. Para suporte contabilístico do empréstimo o Banco abriu no Balcão da agência de Arronches a conta corrente caucionada n.º 2115.9 (cf. contrato de abertura de créditos juntos a fls. 122/126 destes autos e documentos juntos a fls. 127/131).

33. Essa conta corrente, movimentada a débito e a crédito, apresentava em 31-12-87 o saldo devedor de 43.719.254$10 (cf. contrato de abertura de crédito junto a fls. 122/126 destes autos e documentos juntos a fls. 127/131).

34. O valor do empréstimo foi utilizado pelos mutuários.

35. Nos termos contratuais, o pagamento do capital emprestado devia efetuar-se em 10 prestações anuais de 4.601.194$00 cada uma, de acordo com o plano indicado na cláusula 2ª do contrato e vencia juros às taxas legais e contratualmente estabelecidas, tudo como decorre do contrato de abertura de crédito junto a fls. 122/126, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.

36. Os mutuários não procederam ao pagamento do empréstimo nos termos contratados.

37. Em 29-4-88 o Banco procedeu ao encerramento da conta corrente caucionada que serviu de suporte contabilístico ao empréstimo, constatando-se que à data do incumprimento, acusava um débito de 43.719.254$10.

38. Em 20-9-88, o referido Banco intentou contra os devedores GG, HH, FF, DD e EE, ação executiva que correu com o n.º ... no Tribunal Judicial de ..., em que, apesar de ser maior o valor que lhe estava em divida, reclamou apenas a quantia de 16.234.522$00, assim discriminada: 12.000.000$00 a título de capital garantido pela hipoteca; 4.234.522$00 referente a juros de mora relativos ao período de 1-1-87 a 20-9-88, requerendo a penhora dos imóveis hipotecados.

39. Nesse processo executivo foi efetivada a penhora da denominada herdade ... registada sob a cota …, Ap. ……89 (cf. fls. 78 e 88/90 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

40. AA e os executados apresentaram, em 27-3-90, no referido processo de execução, requerimento em que o primeiro declarou que pretendia proceder ao pagamento da quantia exequenda, contra sub-rogação nos direitos do Banco Pinto e Sotto Mayor, e os segundos deram o seu acordo, requerendo que fossem passadas guias em nome de AA e que, efetuado que se mostrasse o depósito, se proferisse despacho declarando o mesmo sub-rogado nos direitos e garantias que competiam ao crédito solvido (cf. fls. 78 e 88/90 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

41. Por despacho de 3-4-90 foi ordenada a notificação do AA para esclarecer se pretendia proceder ao pagamento dos juros da quantia exequenda e das custas por forma a serem passadas guias envolvendo a totalidade das responsabilidades dos executados (cf. fls. 100 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

42. Por requerimento de 4-4-90, AA requereu que lhe fossem passadas guias para pagamento da divida, juros e custas (cf. fls. 101 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

43. Por despacho de 5-4-90, foi ordenada a passagem de guias, tendo sido decidido “…os presentes autos, atenta a sua natureza e fins, não são o lugar próprio para proferir declarações do tipo que os requerentes de fls. 99 pretendem, sendo certo, porém que a forma de transmissão do crédito que é a sub-rogação opera independentemente de qualquer declaração a proferir nos autos…” (cf. fls. 102 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

44. A Secção de Processos procedeu à liquidação do valor em divida, calculou-o em 20.358.763$00 (quantia exequenda – 16.234.522$00, juros vencidos – 3.906.847$00, custas prováveis – 217.394$00) e emitiu guias desse montante (cf. fls. 102 verso e 103 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

45. O Autor AA efetuou o pagamento dessas guias em 5-4-90 na Caixa Geral de Depósitos (cf. fls. 102 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

46. Em 20-4-90, o Banco Exequente comunicou ao referido processo executivo a escritura pública datada de 3-4-90, mediante a qual aquele Banco cedeu à Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, para além de outros, o crédito da execução n.º 45/88..., com as garantias que o acompanhavam (cf. fls. 107/115 do processo executivo n.º 45/88 ... do Tribunal Judicial de ...).

47. Nessa escritura, a cessionária Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª obrigou-se a, por carta registada, informar os devedores de que a cessão tinha sido feita (cf. fls. 107/115 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

48. Por despacho de 21-5-90, o Tribunal considerou paga a quantia exequenda e as custas da execução e declarou extinta a execução (cf. fls. 117 do processo executivo n.º .45/88.. do Tribunal Judicial de ...).

49. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, por requerimento que apresentou no processo em 29-5-90, comunicou que por cartas datadas de 6-4-90 tinha informado os devedores da escritura de cessão de créditos acima referida e que pela mesma carta tinha declarado aos devedores a intenção de compensar o crédito que assim adquirira e outros que também possui em razão do contrato promessa de compra e venda de prédio que tinham prometido vender a BB, considerava extinto o crédito reclamado na execução por compensação em data anterior à do pagamento que se iria fazer na execução com o depósito feito pelo AA.(cf. fls. 118/127 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

50. Por despacho de 12-6-90, foi ordenada a notificação da Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª para proceder ao levantamento da quantia exequenda, fê-lo depois de ouvir o Banco, que nada opôs (cf. fls. 135 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

51. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª interpôs recurso, por requerimento de 21-6-90, alegando que se recusava a proceder ao levantamento da quantia depositada, recurso que foi julgado deserto por douto despacho de 7-11-90 (cf. fls. 136/214verso do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

52. Por requerimento de 8-7-93 a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, pediu, com o acordo dos Réus daquela ação, que lhe fosse passado precatório cheque para levantamento da quantia depositada – 20.285.513$00; o que o tribunal deferiu por douto despacho de 12-7-93, que o mandou passar (cf. fls. 229/234 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

53. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª recebeu o dito cheque, com o conhecimento dos ali executados e aqui Réus, fazendo-o seu (cf. fls. 229/234 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).

54. O gerente da Nabeirimóvel, Ld.ª, atual titular inscrita da propriedade da Herdade, tinha conhecimento pessoal dos termos da ação e da transação, bem como dos termos da sentença homologatória e da decisão proferida no recurso de oposição de terceiro que correu termos no processo n.º 979/05... do 1.º Juízo do Tribunal de ....

55. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo sabia que aquelas sentenças ordenavam o cancelamento do averbamento a favor do Autor.

56. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo em 06.07.1993 era uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada e tinha como sócios e gerentes NN e CC que renunciaram à gerência em 28.10.1994 (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).

57. Nessa data foi nomeado gerente da referida sociedade OO (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).

58. Em março de 1999 a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo foi transformada em sociedade anónima [e] as participações sociais ficaram a pertencer a NN, CC c. c. OO na comunhão de adquiridos, a PP, a BB e a MM (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).

59. Foram nomeados membros do Conselho de Administração OO, BB e NN com exigência de intervenção do presidente do Conselho de Administração ou por dois administradores conjuntamente para a obrigar (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).

60. Em 2001 o Conselho de Administração passou a ser constituído por BB, NN e QQ, sendo o primeiro nomeado presidente do referido Conselho de Administração (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).

61. A Sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários foi constituída em 1997 como sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tendo como sócios a Nabeirogest, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e BB, casado na comunhão geral com MM (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).

62. Foi nomeado gerente o sócio BB (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).

63. Em 1998, foi feito um aumento do capital da sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Lda. e passaram a ser sócios daquela sociedade BB, MM, NN, QQ casada com OO, a Sociedade BB, Ld.ª, a Sociedade N…, Comércio e Indústria de Cafés, Ld.ª, a Sociedade …, Ld.ª, a Sociedade A…, Ld.ª, a Sociedade de S…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª e a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª e a N…, SA. (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).

64. Esta composição societária e a gerência da sociedade mantinham-se na data em que foi inscrita a aquisição do prédio n.º ......88  da freguesia de ... a favor da sociedade Nabeirimóvel Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).

65. Em 2000 os sócios MM, NN, QQ casada com OO, a Sociedade …, Ld.ª, a Sociedade N..., Comércio e Indústria de Cafés, Ld.ª, a Sociedade S…, Ld.ª, a Sociedade A…, Ld.ª, a Sociedade de S…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª e a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª transmitiram a totalidade das respetivas quotas para a sociedade a N…, SA passando a ser sócios dessa sociedade BB, com a quota de 124,89 euros e a N…, S.A. com a quota de 27.749.875,11 euros (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).

66. A sociedade N..., SA foi constituída em 1996, sendo o respetivo Conselho de Administração, composto por três membros, BB (presidente), NN e QQ (cf. certidão do registo comercial de fls. 220/229 destes autos).

67. Em 1999, no ato de transmissão da propriedade da herdade ... para a titularidade da sociedade Nabeirimóvel, por subscrição em aumento de capital em espécie, interveio, em representação desta, o gerente BB e intervieram em representação da Sociedade Empreendedora os três administradores, BB, OO e NN.

68. BB e MM são casados entre si e são os pais de NN, casado com PP, e de QQ, casada com OO.

69. O Autor, por carta datada de 16 de outubro de 2009, enviada sob registo, para o Réu BB solicitou o pagamento do dinheiro que depositou no processo executivo que correu termos no Tribunal Judicial de ... para assegurar a posição de credor com garantia hipotecária da herdade ..., tudo como decorre do documento de fls. 230 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos.

70. Em resposta, a sociedade D…, Lda. remeteu ao Autor o documento escrito datado de 30-11-2009, onde consta: “ (…) Depois de ter consultado detalhadamente o processo de aquisição da Herdade ... conclui que nem o Senhor BB, pessoalmente, nem qualquer das sociedades relacionadas com a compra do imóvel, Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª recebeu fosse o que fosse do Sr. AA ou se comprometeu a pagar-lhe o que quer que seja, pelo que nada lhe devem. Efetivamente, da consulta de todo o processo de aquisição da Herdade ..., quer da documentação relativa ao processo extrajudicial, quer do processo judicial, não resulta que o Sr. AA seja credor de qualquer quantia”, tudo como decorre do teor do documento junto aos autos a fls. 232 que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos.

71. O Autor enviou sob registo, para a Ré CC, a carta datada de 6 de abril de 2010, cujo teor consta do documento de fls. 233 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos.

72. Em resposta, a Ré QQ, por carta registada datada de 16 de abril de 2010, comunicou ao Autor: “(…) Sou obrigada a repetir a resposta que já lhe foi dada por meu pai, BB, nem eu, nem a Sociedade que geria, nem meu pai, mantivemos consigo qualquer negócio ou recebemos de si ou de terceiro qualquer importância que lhe pertencesse. Ignoro quaisquer negócios que o senhor eventualmente tenha mantido com o Banco Pinto e Sotto Mayor – a que também sou alheia. Não temos por isso para consigo qualquer divida e considero de extremo mau gosto a insinuação que faz de recurso a tribunal e a marcação de prazo para que eu lhe responda”, tudo como decorre do teor do documento junto aos autos a fls. 236 que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos.

73. No âmbito do acordo celebrado entre a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda. e BB, por um lado, e FF, DD e EE, por outro lado, aquela sociedade requereu na ação executiva que sob o processo n.º 45/88... correu termos no Tribunal Judicial de ... a emissão de precatório cheque de esc. 20.501.736$00 e que, emitido, lhe foi entregue, tendo a referida Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda. procedido à entrega do cheque, após endossado por BB, ao Ilustre Advogado RR, Mandatário das partes FF, DD e EE.

74. O Réu BB nunca comunicou ao Autor a transmissão da propriedade da Herdade ... da Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo para outra sociedade.

75. O A. dirigiu ao R. BB, a carta datada de 28.10.1994, em que refere que “acabámos por realizar este negócio” e em consequência “ficaria muito satisfeito se aceitasse a minha amizade “Amizade”, tudo conforme decorre de fls. 352 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.

3. O direito aplicável

3.1. Autoridade do caso julgado proferido no processo 46/90... – 979/05....

Os Réus e Recorrentes vieram perspectivar a sua reacção pela incorrecção de ser aqui convocada a autoridade de caso julgado relativa à consideração pelo acórdão recorrido do decidido no processo 46/90... (depois processo 979/05...: cfr. fls. 579v dos autos): em primeiro lugar, porque essa decisão não vincularia a Ré «Nabeirimóvel», não sendo parte nesse processo anterior; em segundo lugar, porque – assim alegam – nesse processo, em função das pronúncias dos acs. da Relação de Évora e do STJ, se teria decidido a reposição do registo da hipoteca em função da sub-rogação pelo aqui Autor no crédito do banco e na hipoteca que o garantia, enquanto que nestes autos se discute em que medida o registo de aquisição do prédio (“Herdade ...”) a favor de outra sociedade impede essa mesma reposição.

Ora vejamos.

3.1.1. Impõe o art. 628º do CPC que «a decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».

A imutabilidade da decisão por tal força de caso julgado (consolidada depois da insusceptibilidade de impugnação recursiva ou revisão processual) tem como consequência a estabilidade da decisão: “uma continuidade na emissão dos respetivos efeitos jurídicos”, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art. 620º CPC) ou fora dele, em face de outros tribunais (art. 619º CPC). Por outro lado, a decisão transitada passa a dispor de «força obrigatória dentro do processo» (art. 620.º, 1, sem prejuízo dos despachos do artigo 630.º salvaguardados no n.º 2) – caso julgado formal – e dentro e fora dele, quando se julge o mérito ou fundo da causa – caso julgado material (art. 619º, 1, CPC).[1]
A força obrigatória do caso julgado traduz-se em efeito negativo e efeito positivo.
O primeiro reflecte-se na proibição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão naquele objecto processual (excepção dilatória de caso julgado: arts. 577º, i), 2.ª parte, 580º, 581.º).
O segundo (a que corresponde latamente o efeito de “autoridade de caso julgado”) privilegia a prevalência do sentido exposto na primeira decisão em face de decisões sobre objectos processuais conexos entre si sob o ponto de vista material. Nas decisões que têm por objecto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material.
Na verdade, a figura do caso julgado impede que uma decisão posterior contrarie uma decisão já transitada em julgado, quando exista sobreposição do objecto decisório e as duas decisões apreciem o mesmo problema essencial, mesmo quando algum dos três requisitos do art. 581º do CPC não seja integralmente coincidente ou não se verifiquem em cumulação (como se tem maioritariamente entendido). Aqui, a autoridade de caso julgado, enquanto efeito e incidência do caso julgado material, visa garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão judicial transitada, na circunstância de se verificar diversidade entre objectos processuais e funcionar o objecto processual anterior como condição prejudicial dependente para a apreciação do objecto processual posterior (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto).
Por outro lado, postula ainda esta perspectiva – como agora se enfatiza – o efeito positivo (e normativo) do caso julgado: a decisão revestida de autoridade, associada à sua imposição externa, é, em função da “consumpção prejudicial” ou de “concurso material” entre os objectos processuais, um pressuposto ou uma premissa da causa subsequente, de tal forma que é um antecedente na apreciação da nova causa no sentido da prevalência do sentido decisório da primeira decisão, conduzindo, por isso, à inadmissibilidade da acção subsequente, actuando na sindicação da decisão de mérito da causa (respeitando, em particular, à causa de pedir ou a uma excepção peremptória).[2] Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º, 2, CPC: identidade dos sujeitos abrangidos)[3].
Assim, esta autoridade contende, em rigor, com a produção de efeitos resultantes de um caso julgado positivo anterior, que se espoletam em nome da segurança e certeza jurídicas e se actuam através da preclusão de novas acções entre os mesmos sujeitos, sempre que o pedido seja o mesmo em ambas e estejam numa relação de concurso de causas de pedir, faltando em consequência ao autor vencedor interesse processual para posteriormente intentar nova acção por outro fundamento: a tal se opõe a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade[4].

*

Refira-se que, visando a identidade subjectiva a que se aludiu – que provém além do mais do exigido para a “excepção de caso julgado”, sem prejuízo de essa vinculação abranger algumas categorias de sujeitos terceiros na vertente de “autoridade de caso julgado” para situações previstas legalmente –, devemos ser muito claros nos sujeitos que devem ser contemplados: como destaca RUI PINTO, “estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença (…), como, ainda, os seus transmissários ou sucessores posteriores ao trânsito em julgado”[5].

Por que razão?

“À semelhança do que sucede com o efeito negativo, também o efeito positivo interno abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efetivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (…). (…) Em consequência, os herdeiros, cessionários ou adquirentes dos direitos declarados na decisão também estão vinculados a cumprir a decisão. A sentença também constitui título executivo contra eles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 [«Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda (…).»].”;

“A não ser assim, bastaria às partes primitivas cederem os seus direitos para “escaparem” tanto à exceção de caso julgado, como à autoridade de caso julgado, seja na sua vertente interna (no interior da mesma relação jurídica), como externa (quanto a relações jurídicas carentes de harmonização com aquela).”;

“Em suma: o efeito positivo interno do caso julgado vincula as partes da relação jurídica e não os sujeitos do processo. A contrario, o caso julgado não se estende a terceiros, ou seja, a todos aqueles que não sejam os mesmos que os destinatários sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. É a clássica regra de que o caso julgado não deve aproveitar nem prejudicar terceiros, como enunciava o brocardo nec res inter alios judicata alII prodesse aut nocere sole.[6]

Mesmo assim, não se afasta o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por ex., quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade)[7], relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do princípio do contraditório/direito de defesa.

           

Assim sendo.


3.1.2. A presente acção visa, entre outros pedidos do Autor, a declaração da nulidade, “com relação à descrição n.º …..18, da freguesia de ...”, do “Av. …– Ap. ......29 referente à inscrição ..., de 11/3/81 (cancelamento de inscrição de hipoteca a favor do «Banco Pinto e Sotto Mayor»), ordenando-se a reposição em vigor daquela inscrição com a consequente retoma de eficácia do Av. … – Ap. ......91 a ela referente, tudo em termos de o Autor poder requerer sobre o prédio hipotecado a realização do seu crédito”.

Assim se compreende o que se decidiu pelas instâncias:

— em primeiro grau:

c) Declarar nula a inscrição feita sob a cota Av. ......29 que cancelou a inscrição de hipoteca a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor com a cota ..., de 11.03.81, do prédio descrito sob o n.º ……18, da freguesia de ...;

d) Declarar nula, por falta de título, a inscrição feita sob a cota Av. …-Ap. .......91 do prédio descrito sob o n.º …..18, da freguesia de ...;
e) Condenar o Autor AA a reconhecer que não possuía nem possui título para registar a seu favor hipoteca voluntária sobre aquele prédio”;

— depois, na Relação:

a) alterar a sentença recorrida, ordenando a reposição em vigor do Av. 03-Ap.......91, da inscrição ..., do prédio descrito sob o n.º .......88 da Conservatória do Registo Predial de ...

e

“revogar as alíneas d) e e) do dispositivo da sentença”.


Ora, o objecto do recurso extraordinário de revisão (arts. 788º e ss, 680º, 2, do CPC 1961) interposto pelo Autor desembocou na disposição decisória do Acórdão da Relação de Évora de 16/11/1995 em revogar a sentença (homologatória de transacção) proferida no processo 46/90... “na parte que mandou cancelar a ap. … de 4/3/91, comunicando-se à Conservatória do Registo Predial competente” (facto provado 22.; v. acórdão a fls. 65, ss, e 594v, ss, dos autos) – ou seja o averbamento …, Ap. ......91, relativo à Ap. ……..81 sob a cota/inscrição ... (cfr. facto provado 3.), mediante o qual ficou inscrito que o crédito do «Banco Pinto e Sotto Mayor», garantido por hipoteca voluntária para “garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco” (cfr. facto provado 3.), “ficou a pertencer a AA [o aqui Autor], por sub-rogação” (cfr. facto provado 10.) –, o que está naturalmente conexionado numa relação de prejudicialidade objectiva com o aqui decidido quanto a esse mesmo averbamento registal na cota em que se encontra inscrita a favor do titular do crédito, depois sub-rogado, a hipoteca voluntária.
Logo, produzindo-se caso julgado material para a acção que ora se aprecia, uma vez que definiu essa situação jurídica relativa às partes e espoletou o respectivo efeito preclusivo, consistente, como refere LEBRE DE FREITAS, na “indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas” e gerador do “acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento”[8].
É o caso.

E acentue-se.
Não foi discutido e reapreciado pelo acórdão recorrido o decidido na alínea c) do dispositivo em 1.ª instância, que fez voltar ao seu estado inicial a inscrição sob a cota ..., Ap. ……81 (hipoteca voluntária a favor do «Banco Pinto & Sotto Mayor), por ter sido julgada nula a inscrição feita através do Av. …, Ap. …….29 – cfr. em esp. os factos provados 3. e 19 –, que assim se constituiu caso julgado material (arts. 619º, 1, 628º, CPC).

E precise-se.
O acórdão da Relação de Évora que se invoca como julgado oponível nestes autos não se pronuncia quanto à constituição-transmissão-modificação da hipoteca (originariamente em garantia do «Banco Pinto & Sotto Mayor») para e em benefício do aqui Autor (e seu regime legal);
decide revogar a sentença apelada-revista na parcela de cancelamento da Ap. ….de 4/3/1991, em referência ao averbamento 3., em razão de: verificar a sub-rogação do aqui Autor no crédito em face dos aqui Réus LL (mutuários desse Banco); em consequência, o aqui Autor, “através daquela sub-rogação, adquiriu os direitos que o Banco Pinto & Sotto Mayor tinha feito registar sob Ap. …….81”; “os apelados [cfr. facto provado 21.] tinham feito registar a presente acção sob Ap. …….90 [cfr. facto provado 6.] (…), muito depois do registo supra mencionado a favor do Banco Pinto & Sotto Mayor. Este registo, inscrito em primeiro lugar, prevalece sobre o registo efectuado pelos apelados sob Ap. …….90, como bem determina o art. 6º, n.º 1, do Código do Registo Predial”; logo, concluiu-se, “o registo efectuado a favor do apelante [o aqui Autor] terá de subsistir e de produzir todos os efeitos previstos na lei”.
  
Neste âmbito, compreende-se o acerto da conclusão do acórdão recorrido:

“torna-se evidente que a questão da existência do referido crédito do autor, adquirido por sub-rogação, enquanto pressuposto das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora e confirmada integralmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, está abrangido pela autoridade do caso julgado, o que não permite que essa questão possa voltar a ser discutida.
Aliás, a sentença recorrida, na alínea a) do seu dispositivo, declara “o Autor AA titular do crédito executado pelo Banco Pinto e Sotto Mayor, no processo de execução que correu termos no Tribunal Judicial de ... com o ..., por sub-rogação, no montante de 20.358.763$00 (correspondente ao valor €101.549,00, na atual moeda corrente) e dos juros vencidos desde 05.04.1990”, pelo que nesta parte a sentença transitou em julgado, visto dela não ter sido interposto recurso.
Assim, quanto ao crédito do autor, adquirido por sub-rogação, a questão não se pode colocar.
E o mesmo se dirá quanto ao seu registo com a consequente garantia da hipoteca.
Na realidade, por acórdão proferido em 16.11.1995 pelo Tribunal da Relação de Évora, foi concedido provimento ao recurso interposto no processo n.º 979/05... e revogada a sentença na parte em que mandou cancelar a ap. de 04/03/91. E no Aresto proferido pelo STJ, na sequência do recurso de revista interposto pelos Réus, foi apreciada a validade formal da sub-rogação do crédito com a garantia de hipoteca e mantido o Acórdão recorrido.
Neste aresto do STJ pode ler-se:
Ora, a verdade é que na sentença homologatória de tal transação se ordenou, além do mais, o cancelamento do encargo relativo à Herdade ..., inscrito sob a apresentação Ap. 17 de 4/3/1991 sem que tal se justificasse.
Com efeito, como é bem-sabido, através da sub-rogação o sub-rogado adquire na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competia e fica com as garantias do seu direito, como decorre do preceituado nos arts. 593.º e 594.º do C. Civil.
E foi isso obviamente que sucedeu com relação ao ora recorrido AA que figura como sub-rogado no direito que o Banco Pinto e Sotto Mayor tinha.
Tendo em atenção a Ap. .......91 o recorrido tem registado a seu favor, com expressa menção daquela sub-rogação, o direito que aquele Banco tinha feito registar pela Ap. …….81.
Tal registo, como resulta do preceituado no art. 7.º do Cód. Reg. Predial, constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, presunção essa que de modo algum foi ilidida em termos de poder surgir uma diferente situação registral, “maxime” a decretada pela sentença da 1.ª instância (cfr. art. 350.º do C. Civil).

Em suma, o registo efetuado a favor do recorrido AA tem de subsistir e de produzir todos os efeitos legais.” (Nosso sublinhado).”
(…)
Assim sendo, é evidente que a questão da manutenção do registo Ap. .......91 a favor do Autor tem de ser respeitado face ao decidido pelo Tribunal da Relação de Évora e confirmado pelo STJ, por respeito da autoridade do caso julgado, que vincula o Autor e os Réus que intervieram nessa ação.”

3.1.3. Atenta a falta de coincidência parcial entre as partes neste processo e no processo que faz caso julgado – neste: Autores foram a «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda.» e BB; Réus foram FF e DD e cônjuge mulher EE (cfr. facto provado 14.) –, consideramos, quanto aos Réus nesta acção:


(i) a decisão no processo 46/90... impõe-se à «Nabeirimóvel», enquanto adquirente-transmissária do prédio à «Sociedade Empreendedora», sendo, portanto, sucessora da posição jurídica da Ré transmitente nessa acção executiva, traduzindo-se essa aquisição derivada translativa no registo correspondente à cota …, Ap. ……12, por “subscrição de quota em aumento de capital” – cfr. factos provados 12., 13., 15., 17., 26., 54., 63. (aumento de capital da «Nabeirimóvel»), 64. e 67.; logo, a «Nabeirimóvel» não pode ser considerada parte terceira relativamente à identidade do objecto (causalmente prejudicial) então decidido pela Relação de Évora e transitado em julgado (em 13/12/1996) depois de proferido acórdão pelo STJ em 26/11/1996 (v. facto provado 23.; cfr. acórdão a fls. 73, ss, e 606v, ss, dos autos), assumindo-se inequivocamente no nexo causal de transmissões objecto de registo que conduziram à aquisição do prédio misto “Herdade ...” como transmissária-sucessora da posição jurídica da Ré nessa acção anterior;

(ii) a decisão impõe-se aos sucessores por morte dos Réus LL falecidos, chamados à acção por força da habilitação dos herdeiros de DD e FF (e correspondente substituição processual nestes autos: arts. 351º e ss, 262º, a), 263º, 3, do CPC[9]);

(iii) a decisão também se impõe à Ré QQ, uma vez que, tendo sido sócia da «Nabeirimóvel», sendo esta a proprietária onerada com o reconhecimento registal da hipoteca a favor do Autor, associada ao direito de crédito adquirido por sub-rogação, entre 1998 e 2000 (factos provados 63. e 65.), o certo é que à data da proposição da presente acção não era mais sócia da Ré titular da propriedade do prédio “Herda...”, não tendo por isso um prejuízo directo (ou indirecto, como sócia e titular de direitos como sócia, que já não era) com a decisão julgada anteriormente em desfavor da «Sociedade Empreendedora» e sua transmissária-sucessora «Nabeirimóvel» (não sendo, ademais e também à data, membro do órgão de administração da sociedade «Nabeirimóvel» – cfr. factos provados 61. e 62.).

Verificada a autoridade de caso julgado material constituído pela decisão proferida no recurso de revisão procedente no processo n.º 46/90... (depois tramitado como 979/05...), assim como a extensão da sua eficácia e vinculatividade aos sujeitos da presente acção, improcedem, vista a fundamentação que precede, nesta parte, as Conclusões dos Recorrentes.

3.2. O direito de crédito peticionado subsidiariamente aos Réus LL e a nulidade do acórdão recorrido; a ampliação da revista

Nas Conclusões 1.ª a 8.ª, 14.ª a 19.ª e 42.ª a 46.ª, os Recorrentes impugnam o acórdão recorrido no que respeita à absolvição do pedido de condenação dos Réus LL no pagamento do crédito em que o Autor se sub-rogou por efeito do pagamento feito na acção executiva tramitada no processo n.º 45/88..., seja pela via de alegada incompatibilidade entre a revogação da al. f) do dispositivo da sentença de 1.ª instância e a reposição da garantia hipotecária no registo, seja pela via do reconhecimento da propriedade do dinheiro pago nesse processo (caso julgado) à «Sociedade Empreendedora». Recorde-se que o acórdão recorrido decidiu alterar a sentença recorrida na parte que julgou procedente o pedido subsidiário, eliminando a respectiva alínea f), uma vez que considerou prejudicado o conhecimento desse pedido subsidiário tendo em conta a procedência dos pedidos principais do Autor.

Por outro lado, nas Conclusões 9.ª a 13.ª, alegam os Recorrentes que esse direito de crédito do Autor se encontra prescrito e tal deve ser declarado.

Acontece que, como resultou claro do Relatório feito – quanto aos pedidos feitos pelo Autor e identificação das questões pela sentença de 1.ª instância –, o direito de o Autor ser indemnizado pelos Réus e a eventual prescrição desse direito apresentam natureza subsidiária na disposição do processo pelo Autor; portanto, somente podem ser tomados em consideração na instância no caso de não proceder um pedido anterior (art. 554º, 1, CPC).

Logo, como referiu o acórdão recorrido, procedendo os pedidos principais, depois de proferidas as decisões de ambas as instâncias, com ganho de causa para o Autor, não pode mais ser apreciado, seja a que título for, o pedido subsidiário do Autor e suas vicissitudes processuais ou materiais.

Assim, em aplicação do art. 608º, 2, 2ª parte, do CPC, fica igualmente prejudicado o conhecimento dessas questões, bem como a apreciação das nulidades imputadas em sede desse mesmo pedido subsidiário e da conexa questão da prescrição do direito alegado nesse pedido.

*


Pela mesma razão de prejudicialidade, não se conhece das questões que foram objecto da requerida ampliação da revista (art. 636º, 1, 2, CPC) por parte dos Recorridos e Réus LL – cfr. ponto 6. das Conclusões nas contra-alegações, pontos AA) a II)  –, ou seja, “nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância por excesso de pronúncia e violação de lei”, sendo aquela correspondente à al. f) do dispositivo decisório e esta respeitante a “saber se prescreveu o direito de crédito e os juros vencidos para além dos 5 anos anteriores à citação dos Réus”, uma vez que tal pedido de ampliação foi deduzido a título subsidiário, para o caso de se julgar procedente a revista e revogar a decisão proferida pela Relação de Évora, o que não é o resultado decisório que se irá decretar, tendo em conta a improcedência dos fundamentos recursivos arrolados pelos Recorrentes e a insubsistência de modificação da decisão recorrida[10].


III) DECISÃO

Em conformidade, julga-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido no objecto impugnado, ainda que com fundamentação parcialmente diversa.

Custas da revista pelos Recorrentes.



STJ/Lisboa, 30 de Novembro de 2021



Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo



SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


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[1] V. por todos RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar, Novembro 2018, págs. 2 e ss.
[2] V. fundamentalmente (que seguimos na terminologia dogmática) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O objecto da sentença e o caso julgado material (Estudo sobre a funcionalidade processual)”, BMJ n.º 325, 1983, págs. 159-160, 171 e ss, em esp. 171-172, 175, 178-179, ID., “Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado”, RDES, 1977, págs. 305-308, ID., “Preclusão e ‘contrário contraditório’ – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012”, CDP n.º 41, 2013, págs. 24-25, 28-29; LEBRE DE FREITAS, “Providência cautelar: desistência do pedido, repetição e caso julgado”, Estudos sobre direito civil e processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 494-496, ID., “Um polvo chamado autoridade de caso julgado”, ROA, 2019, págs.691-693, 700-702; RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 4-7, 17-19, 25 e ss (“efeito positivo externo”); FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 719 e ss. 
[3] V., com jurisprudência relevante, RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 25 e ss (em conjugação com as págs. 20-21); LEBRE DE FREITAS, “Um polvo…”, loc. cit., pág. 700.
[4] V. RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 40 e ss.
[5] “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 10-12, 28-29.
Antes, MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, com a colaboração de Antunes Varela, actualização de Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 308-309, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A eficácia da composição da acção”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pág. 595.
[6] Seguimos e transcrevemos RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 20-21 e nt. 30 – pág. 30.
[7] MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares… cit., pág. 311, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 720-721, 724 e ss, em esp. 726-727; com adesão, na jurisprudência do STJ, o Ac. de 13/9/2018, processo n.º 687/17.5T8PNF.S1, Rel. ROSA TCHING, in www.dgsi.pt.
[8] “Providência cautelar…”, loc. cit., pág. 500.
[9] Por todos, ANTUNES VARELA, Manual de processo civil cit., págs. 732-733.
[10] Em abono, v. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 636º, pág. 127.