Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXTENSÃO DO CASO JULGADO RECURSO DE OPOSIÇÃO DE TERCEIRO CAUSA PREJUDICIAL CASO JULGADO MATERIAL EXCEÇÃO RECURSO DE REVISÃO AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO NULIDADE ACÓRDÃO RECORRIDO PEDIDO PRINCIPAL PEDIDO SUBSIDIÁRIO CONHECIMENTO PREJUDICADO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 11/30/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos arts. 619.º, n.º 1, e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão. II - Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2, do CPC: identidade dos sujeitos abrangidos). Assim, estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença, mas ainda os seus transmissários ou sucessores (também por substituição processual) posteriores ao trânsito em julgado. III - Não se afasta radicalmente o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente, para além de casos especialmente previstos na lei, em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por exemplo, quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade), relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do principio do contraditório/direito de defesa. | ||
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Decisão Texto Integral: | 45448Processo n.º 697/10.3TBELV.E1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, 1.ª Secção Citados, os sucessores habilitados não deduziram contestação. Porém, deduziram mais tarde pronúncia em que alegaram a excepção de ilegitimidade passiva e a consequente absolvição da instância.
4. O Autor apresentou Réplica, pugnando pela improcedência das excepções opostas à petição e do pedido reconvencional.
5. Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa em € 141.549,00 e se decidiu: (i) julgar improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida(s) pelos Réus; (ii) julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado (relativo ao processo n.º 515/06...: “recurso da decisão do Conservador da Conservatória do Registo Predial de ..., interposto por AA, pedindo a revogação de tal decisão, no sentido de repor em vigor o registo da hipoteca a favor do Recorrente, cancelando os registos que tiverem de o ser, designadamente a Av. ……29 à inscrição ...”) deduzida pelos Réus «Adega Mayor», «Nabeirimóvel», BB e CC; (iii) relegar o “conhecimento para final” da excepção peremptória da prescrição.
6. Foi proferida sentença pelo Juiz …do Juízo Central Cível e Criminal de ..., na qual se identificaram as seguintes questões a apreciar:
“a) Determinar se o direito de crédito objeto da execução n.º ..., foi transmitido ao Autor, por sub-rogação; b) Apreciação da validade da inscrição Av. ……29 que cancelou a inscrição …, de 11.03.81 do prédio n.º …43 descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ... e retoma da eficácia do Av. ……91; c) Apreciação da validade das inscrições …, Av. …..90 e … Av…. de 04/03/91 do prédio n.º …43 descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ...; Subsidiariamente, d) Reconhecimento do direito do Autor ser indemnizado, solidariamente, pelos Réus; e) Apreciar a eventual prescrição desse direito”.
Em consequência, decidiu julgar parcialmente procedente a acção e totalmente procedente a reconvenção e, consequentemente: 7. Inconformados, o Autor, assim como os Habilitados EE, JJ e II, interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), tendo sido identificadas, respectivamente para cada um dos recursos, as seguintes questões: (i) “1. Alteração da matéria de facto. 2. Eficácia de caso julgado do Acórdão desta Relação proferido no processo n.º DD.…, no que respeita à validade da sub-rogação do crédito do autor e manutenção no Registo Predial do averbamento … Ap. 17 de 4-3-91 a seu favor. 3. Se deve ser ordenada a reposição desse averbamento. …. Se o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente.”; (ii) “1. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia. ... Alteração da matéria de facto. 3. Se deve manter-se a condenação dos Réus no pagamento do montante a quantia de € 101.549,00. 4. Prescrição do direito desse crédito e dos juros vencidos para além dos 5 anos anteriores à citação dos Réus.”. O TRE proferiu acórdão em que, para além de rejeitar a impugnação da matéria de facto, julgou a)
8. Revelando discórdia com o decidido em 2.ª instância, os Réus «Sociedade Empreendedora», «Nabeirimóvel», BB e CC interpuseram recurso de revista para o STJ, que se finalizou com as seguintes Conclusões:
“1º Está em causa nestes autos um único crédito, do qual são únicos devedores os originários RR. LL e os seus sucessores habilitados: o crédito que o Banco Pinto e Sotto Mayor executou no processo nº. ... da Comarca de ... – ponto 38 da matéria de facto do acórdão recorrido – e 2º No qual o A. ficou sub-rogado por pagamento, tendo pois adquirido o crédito do Banco Pinto e Sotto Mayor, e que o A. reclama no artigo 110 da petição inicial. 3ª Existe também uma única garantia: a hipoteca da Herdade ... que esteve inscrita em ... Ap. …/110381 e inscrita a favor do A. em Ap. …/040391 – ponto 3 da matéria de facto do acórdão recorrido. 4ª Logo aqui se contradiz o douto acórdão recorrido: mandou repor uma garantia mas absolveu os devedores do crédito que ela assegurava. 5ª E fá-lo porque entendeu não conhecer de pedido subsidiário de condenação dos RR. LL, só por isso os absolvendo – págs. 62 do acórdão recorrido – mas o pedido subsidiário formulado pelo A. não era esse. 6ª O único pedido subsidiário formulado nos autos é o de condenação dos RR. Sociedade Empreendedora, CC e BB em indemnização porque transferiram para a R. Nabeirimóvel a propriedade da Herdade, impedindo assim a repristinação de registo de hipoteca a favor do A. – artigo 92 e seguintes da petição inicial. 7ª A absolvição dos RR. LL é assim nula desde logo por erro na causa da decisão que a declarou. 8ª Aliás, tendo sido pedido o reconhecimento da sub-rogação do A. no crédito de que os RR. LL eram devedores originários e tendo esse pedido sido julgado procedente em 1ª Instância, sem que nessa parte haja recurso da decisão, impõe-se a condenação de tais RR. como devedores, ao menos à data da sub-rogação – alínea a) do Dispositivo da sentença de 1ª Instancia. 9ª Mas se os RR. LL eram devedores à data do pagamento efectuado pelo A. que o subrogou no crédito do Banco, já hoje o não são pois 10ª No artigo 109 da contestação os RR, Sociedade Empreendedora e outros alegaram que decorridos mais de vinte anos o crédito adquirido pelo A. se encontra hoje prescrito e 11ª Embora os RR. LL nas suas contestações não tenham invocado a prescrição do crédito do A. vieram a fazê-lo nas suas alegações de recurso para a Relação, o que 12ª Podiam validamente fazer pois não existe lei que estabeleça prazo preclusivo para invocação da prescrição, nem o impede a sua condenação em primeira instância porque ainda não transitada. 13ª Isso mesmo deveria o douto acórdão recorrido ter declarado tanto mais que não foi invocada qualquer causa de interrupção da prescrição, prevista no artigo 323 do Código Civil. 14º Nem o facto de a Sociedade Empreendedora ter levantado no Tribunal de ... precatório cheque para receber a importância que o A. ali depositara para ficar sub-rogado no crédito sobre os RR. LL originou qualquer outro crédito a favor do A.. 15ª Antes de mais porque o A. não pode pretender ficar sub- rogado no crédito executado em ... e ao mesmo tempo ficar proprietário do preço que pagou pela sub-rogação. Depois, 16ª Porque na execução de ... o Banco Pinto e Sotto Mayor juntara a escritura pela qual cedera à Sociedade Empreendedora todos os seus créditos sobre os RR. LL e 17º O Mtº. Juiz da execução, depois de ouvir o Banco, ordenou à Sociedade Empreendedora que requeresse o levantamento do que o A. depositara no processo, o que importa que o tenha feito por julgar essa R. proprietária dessa quantia. 18ª Essa decisão e a sua motivação – reconhecimento da propriedade dessa quantia pela Sociedade Empreendedora – constitui caso julgado quanto a todos os intervenientes no processo de execução, incluindo o A. como interveniente acidental. 19º É isso mesmo que tem entendido a doutrina e a jurisprudência: a força de caso julgado do decidido estende-se às “questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença” – Prof. Miguel Teixeira e Sousa em Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 50. 20ª Cabe agora analisar o que foi decidido quanto à hipoteca que garantiu o crédito do Banco Pinto e Sotto Mayor e que: - foi inscrita a favor do Banco em 04/11/81 - foi averbada a favor do A. em 17/04/91 e - foi cancelada a pedido da Sociedade Empreendedora em 27/07/93 – conforme os pontos 3, 10 e 19 da Matéria de Facto provada do acórdão recorrido. 21ª Por sua vez a propriedade da Herdade ... a favor da Sociedade Empreendedora foi inscrita no Registo Predial em 29/07/93 e a favor da Nabeirimóvel em 12/04/99 – conforme os pontos 12 e 13 da Matéria de Facto provada do acórdão recorrido. 22ª Por acórdão da Relação de Évora, proferido em recurso de oposição de terceiro, foi revogada sentença de 1ª Instância que mandara cancelar o registo de hipoteca, o que o Supremo confirma por acórdão de 26/01/96 – pontos 22 e 23 da Matéria de Facto provada do douto acórdão recorrido. 24ª O douto acórdão recorrido distingue, e bem, entre o efeito negativo e o efeito positivo do caso julgado ou, noutra terminologia, entre a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, sendo que a primeira exige, conforme disposto no artigo 581 do CPC a identidade de pedido, de causa de pedir e de partes. 25ª O efeito negativo do caso julgado pode pois ser invocado relativamente à Sociedade Empreendedora, a Dª. CC e a BB, que foram partes no recurso de oposição de terceiro mas 26ª Já não vincula a Nabeirimóvel que não foi parte nesse processo. 27ª O efeito positivo do caso julgado, que tem por único fundamento impedir que um tribunal seja obrigado a confirmar ou contradizer decisão já tomada, como ensina o douto acórdão desse Supremo de 13/12/2007, “implica contudo a proibição de novamente apreciar certa questão”. 28º Os acórdãos da Relação, de Évora de 16/11/95 e o desse Supremo Tribunal de 26/11/96, decidiram que devia ser reposto o registo da hipoteca e comunicada essa decisão à Conservatória, sendo causa de pedir dessas decisões o entendimento de que o A., pelo pagamento que fizera, ficara sub-rogado no crédito do Banco e também na hipoteca que o garantia. 29ª Mas é bem diversa a questão que ora se coloca: saber se, anos depois, o registo de aquisição do prédio a favor de outra sociedade impede que se reponha a inscrição de hipoteca a favor do A.. 30ª Tratando-se pois de questão radicalmente diversa da apreciada nos acórdãos da Relação de Évora e do Supremo, a decisão por estes proferida não pode vincular o adquirente que não foi parte no recurso de oposição de terceiro. 31ª Deverá notar-se ainda que o efeito positivo do caso julgado só é acolhido pelo CPC em dois casos excepcionais: relativamente às decisões cíveis sobre estado das pessoas e à sentença penal condenatória – artigos 622 e 623 do CPC. 32ª É por isso evidente que tal efeito não é acolhido pelo CPC com carácter geral, o que é perfeitamente justificado. 33ª De facto, interpretar os artigos 580 e 619 do CPC como acolhendo com carácter geral o efeito positivo do caso julgado, importa violação frontal do artigo 20 nº. 1 da Constituição pois 34º Impede que alguém, que não foi parte no processo em que se formou o caso julgado, possa impugná-lo perante os tribunais em defesa dos seus direitos ou legítimos interesses. 35ª Nem pode chegar-se a conclusões diferentes por aplicação do disposto no Código do Registo Predial. De facto, 36ª A proprietária actual da Herdade ... não estava de má fé quando adquiriu essa propriedade o que pode ver-se claramente das alíneas c), e) e f) dos factos não provados da douta sentença de 1ª Instância, que o acórdão recorrido reproduz. 37ª Por outro lado essa sociedade não pode considerar-se terceiro para os efeitos previstos no artigo 5 nº. 4 do CRP pois adquiriu o seu direito da Sociedade Emprendedora enquanto o A. adquiriu os seus do Banco Pinto e Sotto Mayor. 38º Não era aos tribunais que competia fazer o registo da hipoteca pois o artigo 8-B n.º 3 alínea a) do CRP só foi introduzido pelo artigo 12 da Lei 30/2017 de 30/05. 39ª Pelo contrário era ao A. que cabia a obrigação de registar a hipoteca – artigos 8 n.º 1 e 8-B n.º 1 do CRP – obrigação essa que não cumpriu – pelo que não pode invocar perante terceiros o facto não registado – artigo 5 n.º 3 do CRP. 40ª A verdade é que desde 29/07/93 até hoje nenhuma hipoteca existia registada sobre a Herdade ... e o artigo 4 n.º 2 do CRP estatui que a hipoteca não registada não pode ser invocada sequer entre as partes que a constituíram. 41ª Assim, nem por efeito negativo ou positivo de caso julgado, nem pelo disposto no CRP, a hipoteca pode ser invocada contra o registo de propriedade registado a favor da Nabeirimóvel. 42ª Improcedendo os pedidos principais do A. deve ser conhecido o pedido subsidiário que formulou: condenação dos RR. BB, CC e Sociedade Empreendedora em indemnização a favor do A. por terem transferido a propriedade da Herdade para a Nabeirimóvel, impedindo assim o registo da hipoteca a favor do A.. Mas, 43ª A transferência da propriedade da Herdade para outrem era perfeitamente legal, mesmo que sobre ela incidisse registada hipoteca, não existindo assim facto ilícito praticado pelos RR., pelo que 44ª Não existindo facto ilícito igualmente não existe causalidade que o ligue a eventuais prejuízos sofridos pelo A., prejuízos dos quais ele também não apresentou qualquer prova. 45ªO pedido de indemnização subsidiário improcede pois totalmente. 46ª Mas não podendo o A. registar a seu favor hipoteca sobre a Herdade ..., pelos muitos motivos já expostos, e não invocando ele qualquer outro título para demandar os RR. torna-se claro que a reconvenção em que se pede que reconheça isso mesmo, deve proceder. Nestes termos, 47ª Deve ser concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e consequentemente: a) - absolvendo-se os RR. LL da divida que inicialmente tinham mas que se encontra actualmente há muito prescrita; b) - declarando-se que as decisões proferidas no recurso de oposição de terceiro interposto pelo A. não são oponíveis à actual proprietária da Herdade, sob pena de inconstitucionalidade, pelo que c) - não pode repor-se o registo de hipoteca da Herdade nem o seu averbamento a favor do A. e assim d) - improcedendo estes pedidos principais formulados pelo A. deverá conhecer-se do pedido subsidiário de indemnização que aliás e) - improcede porque se não provou qualquer facto ilícito praticado pelos RR., nem relação de causalidade ou eventuais prejuízos e assim f) - não tendo o A. qualquer título para registar hipoteca sobre a Herdade ou para demandar os recorrentes, deve declarar-se isso mesmo, julgando-se procedente a reconvenção, com o que se fará JUSTIÇA.”
9. O Autor Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Os Réus Habilitados também usaram dessa prerrogativa para apresentar contra-alegações, visando a inadmissibilidade parcial do recurso por falta de legitimidade e interesse em agir dos Recorrentes, a falta de fundamento da alegação relativa ao conteúdo do pedido subsidiário, a inexistência das nulidades por omissão de pronúncia e excesso de pronúncia. Subsidiariamente, para o caso de se revogar a decisão do acórdão recorrido, requereram, nos termos e para os efeitos do art. 636º, 1 e 2, do CPC, a ampliação do objecto do recurso “para que, remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, aquele Tribunal da Relação decida das questões cuja apreciação ficou prejudicada em função da solução encontrada para o litígio, decidindo, em consequência, pela improcedência da presente ação quanto aos Recorrentes” (cfr. Conclusão 6.)
O Autor Recorrido e os Recorrentes apresentaram pronúncia nos termos do art. 638º, 8, do CPC.
Consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
1. Objecto do recurso
1.1. Vistas as Conclusões, que delimitam a incidência de apreciação recursiva (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), verifica-se que são estas as questões a decidir:
— repercussão da autoridade do caso julgado proferido no processo 979/05... (antes processo 46/90...), em sede de recurso extraordinário de oposição de terceiro interposto pelo Autor: Conclusões 20.ª a 41.ª;
— condenação dos Réus LL no pagamento do crédito adquirido por sub-rogação, peticionado a título subsidiário: Conclusões 1.ª a 8.ª, 14.ª a 19.ª e 42º a 46.ª;
— prescrição do direito de crédito peticionado pelo Autor, a título subsidiário, aos Réus LL, de forma solidária: Conclusões 9.ª a 13.ª.
2. Factualidade
Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos (com sublinhados apostos pelo acórdão recorrido):
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …..18, da freguesia de ... (extratada da descrição n.º 70, fls. 168 VB-1 Extª, concelho de ...) o prédio misto denominado Herdade ..., composto de terra de cultura arvense, eucaliptal, olival, dependência agrícola e de parte urbana com duas moradias de rés-do-chão, com a área de 185,8 ha, confrontando a norte com Herdades da …, a sul com …, a nascente com herdades da …, a poente com …, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, Secção … e na matriz urbana sob o artigo … (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
2. Em 11-3-81 pela inscrição …, Ap. …, foi inscrita a favor de DD a aquisição, por compra, da propriedade desse prédio (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
3. Na mesma data, sob a cota ..., Ap. ……81, foi inscrita a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor Instituição de Crédito Nacionalizada com natureza de Empresa Pública, a hipoteca voluntária para garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco, até ao limite de capital de 12.000.000$00 (€59.855,75), despesas e juros, até ao limite máximo de 21.210.000$00 (€105.795,03) (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
4. Pela cota … Ap. … de 14/03/89 foi inscrita a aquisição provisória por natureza a favor de BB, c.c. MM, pela comunhão geral, ou de pessoa física ou jurídica por ele a nomear até à outorga da escritura por compra (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
5. Pela cota … Ap. … de 10/04/90 foi inscrita a ação provisória por natureza movida por Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB contra FF, DD e mulher EE, pedido: proibição de vender ou onerar ou alienar as herdades ... e ... sob pena de desobediência. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
6. Pela cota … Ap. …de 11/04/90 foi inscrita a ação provisória por natureza movida por Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB contra FF, DD e mulher EE, pedido: cumprimento do contrato promessa de compra e venda. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
7. Pelo Av. 1, Ap. 14, de 16/08/90 da cota ... foi inscrito provisoriamente por dúvidas (artigo 70.º), que o crédito hipotecário ficou a pertencer a AA – por sub-rogação. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41 e certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 323/342).
8. Esse averbamento foi lavrado única e exclusivamente, com base no requerimento e na certidão emitida pela secretaria do Tribunal Judicial de ... em 21 de junho de 1990 e pelas certidões prediais visadas pela repartição de finanças de ... (cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 323/342).
9. O Av. …, Ap. …, de 16/08/90 caducou em 04/03/91 por averbamento da cota ... Of. Av. … (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
10. Pelo Av. …, Ap. ......91, da cota ... foi inscrito que o crédito ficou a pertencer a AA, por sub-rogação (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
11. Esse averbamento foi lavrado única e exclusivamente com base no requerimento e na certidão emitida pela secretaria do Tribunal Judicial de ... de 21/06/1990 arquivada para a ap. .../160890, pela certidão emitida pelo mesmo tribunal em 22 de fevereiro de 1991 e pelas certidões prediais visadas pela repartição de finanças de ... (cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... a fls. 343/348).
12. Pela cota …, Ap. … de 29/07/93 foi inscrita a favor da Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª., a aquisição do prédio por execução específica de contrato promessa. (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
13. Pela cota … Ap. 10 de 12/04/99 foi inscrita a aquisição o prédio a favor de Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, limitada, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
14. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e BB propuseram, em 10-4-90, no Tribunal de Círculo de ..., contra os Réus DD, EE e FF, ação de processo ordinário que veio a correr com o n.º 46/90... (subsequentemente distribuída sob o n.º 979/... do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ...), registada na Conservatória do Registo Predial sob a cota .......90, na qual pediram, em execução especifica, o cumprimento de contrato promessa de compra e venda que tinha por objeto, além de outra, a Herdade ... (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41 e teor do processo n.º 979/05..... do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ...).
15. No dia 06 de Julho de 1993, por termo de transação lavrado a fls. 339 do referido processo, as partes acordaram em pôr termo à sobredita ação, reconhecendo os ali Réus o pedido e consequentemente o direito da autora Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª a inscrever definitivamente a seu favor na Conservatória do Registo Predial de ... a propriedade plena sobre os prédios objeto da lide, tudo como decorre de fls. 339 daqueles autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.
16. Na sentença homologatória dessa transação, que na mesma data foi proferida, foram declarados “… extintos os encargos com registo posterior ao desta ação, que os oneram, determina-se o seu cancelamento, sendo tais encargos relativamente à Herdade ... os inscritos sob a apresentação n.º … de 23/04/90, sob ap. … de 4.9.1990, sob ap. … de 4.3.1991, sob ap. …. de 12.11.1991 e sob ap. 01 e 26.11.1991 (…)”, tudo como decorre de fls. 340 daqueles autos n.º 979/..., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.
17. Com base na certidão judicial da dita sentença homologatória, a Sociedade Empreendedora requisitou na Conservatória do Registo Predial de ... pela ap. …/930729 a inscrição a seu favor da aquisição do prédio n.º ......88 da freguesia de ... e pela ap. ……29 pediu o cancelamento da inscrição hipotecária …, Ap. ……91. (cf. documento de fls. 42/60 destes autos, cópia de requisição de registo apresentada na Conservatória do Registo Predial de ...).
18. A mencionada requisição de registo foi apresentada pelo mesmo advogado que na ação tinha patrocinado a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª (cf. documento de fls. 42/60 destes autos, cópia de requisição de registo apresentada na Conservatória do Registo Predial de ...).
19. Na sequência dessa apresentação, a Conservatória do Registo Predial de ..., cancelou a inscrição ..., pelo Av. …, Ap. ......29 (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
20. Em 05 de maio de 1994, o aqui Autor interpôs recurso de oposição de terceiro, alegando no requerimento: “Como se vê da certidão junta aos autos, relativo ao prédio objeto da transação, foi, em 11-3-1981, inscrita a favor do Banco Pinto e Sotto Mayor, hipoteca voluntaria para garantia de pagamento da quantia de 12.000 contos de capital e juros. A posição credora emergente dessa hipoteca foi, depois, por sub-rogação, encabeçada no requerente e como tal levada ao registo em 4-3-1991. (…) A decisão em causa é fonte de grave prejuízo para o requerente. Prejuízo direto, atual e positivo, tão direto e tão atual que, a manter-se o cancelamento, pura e simplesmente fica privado da garantia hipotecada.” (cf. fls. 376/378 dos autos n.º 979/05..., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos).
21. As partes no processo, Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª, BB e os RR. LL, foram notificadas desse requerimento (cf. fls. 380 dos autos n.º 979/05....).
22. Por acórdão proferido em 16.11.1995 pelo Tribunal da Relação de Évora, foi concedido provimento ao recurso interposto e revogada a sentença apelada na parte em que mandou cancelar a ap. … de 4/3/91, ordenando-se a comunicação à Conservatória do Registo Predial competente (cf. fls. 473/476 dos autos n.º 979/...).
23. Por acórdão proferido em 26-11-96 pelo Supremo Tribunal de Justiça a decisão do Tribunal da Relação foi confirmada, tendo sido negada revista ao recurso (cf. fls. 527/531 dos autos n.º 979/05...).
24. As partes intervenientes na ação foram notificadas dos ditos Acórdãos (cf. fls. 478 e 533 daqueles autos n.º 979/05...).
25. Subsequentemente, remetidos os autos ao Tribunal de Círculo de ..., os mesmos foram arquivados sem haver sido comunicada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora à Conservatória do Registo Predial (cf. fls. 555/561 dos autos n.º 979/05...).
26. Pela cota …, Ap. 10 990412 foi inscrita a aquisição do prédio n.º ......88 da freguesia de ... a favor da sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão da Conservatória do Registo Predial de ... de fls. 35/41).
27. Em 2005, a requerimento do Autor, o Tribunal ordenou o cumprimento da ordem dada pelo acórdão da Relação, confirmada pelo Supremo, para comunicação à Conservatória, tendo sido proferido despacho pelo Sr. Conservador de recusa da retificação do registo (cf. fls. 562 e seguintes dos autos n.º 979/05...).
28. O Autor interpôs recurso para o tribunal da comarca do despacho proferido pelo Senhor Conservador, tendo esse processo de recurso sido tramitado no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o n.º 515/06... e, por despacho proferido em 16/02/2007, após contestação da Ré Nabeirimóvel, Ld.ª, foi negado provimento ao recursão interposto pelo aqui Autor, conforme decorre do teor de fls. 183/192 do processo n.º 515/06..., que aqui se dá por reproduzido.
29. Por contrato de 31 de dezembro de 1985, celebrado entre o Banco Pinto e Sotto Mayor e os Réus GG e mulher, HH, FF, DD e mulher, EE, o primeiro concedeu aos segundos um empréstimo de 46.011.449$00, imediatamente utilizável, destinado à liquidação de encargos de vários financiamentos vencidos e não pagos até 31-12-81 (cf. contrato de abertura de créditos juntos a fls. 122/126 destes autos).
30. Nesse documento GG e mulher, HH, FF, DD e mulher, EE, na qualidade de mutuários, declararam que o cumprimento das responsabilidades emergentes do contrato ficava garantido pela hipoteca, entre outras, da Herdade ..., constituída a favor do Banco pela escritura pública celebrada em 23-3-81, outorgada no Cartório Notarial de ..., a fls. 42 do Livro … e registada pela inscrição ..., Ap. ……81, (cf. escritura de constituição de hipoteca e contrato de abertura de créditos juntos a fls. 113/126 destes autos).
31. Nessa escritura de 23.03.81 ficou ainda convencionado que os escritos particulares de confissão ou assunção de divida, os títulos de crédito ou documentos de débito emitidos, bem como toda a demais correspondência trocada e os extratos de conta relativos aos créditos garantidos, seriam considerados títulos com força executiva nos termos e para os efeitos do art. 50º do C. P. Civil e a hipoteca se destinava à garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir perante o credor, até ao limite, compreendendo capital, juros e despesas, de 21.210.000$00 (cf. escritura de constituição de hipoteca e contrato de abertura de créditos juntos a fls. 113/126 destes autos).
32. Para suporte contabilístico do empréstimo o Banco abriu no Balcão da agência de Arronches a conta corrente caucionada n.º 2115.9 (cf. contrato de abertura de créditos juntos a fls. 122/126 destes autos e documentos juntos a fls. 127/131).
33. Essa conta corrente, movimentada a débito e a crédito, apresentava em 31-12-87 o saldo devedor de 43.719.254$10 (cf. contrato de abertura de crédito junto a fls. 122/126 destes autos e documentos juntos a fls. 127/131).
34. O valor do empréstimo foi utilizado pelos mutuários.
35. Nos termos contratuais, o pagamento do capital emprestado devia efetuar-se em 10 prestações anuais de 4.601.194$00 cada uma, de acordo com o plano indicado na cláusula 2ª do contrato e vencia juros às taxas legais e contratualmente estabelecidas, tudo como decorre do contrato de abertura de crédito junto a fls. 122/126, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
36. Os mutuários não procederam ao pagamento do empréstimo nos termos contratados.
37. Em 29-4-88 o Banco procedeu ao encerramento da conta corrente caucionada que serviu de suporte contabilístico ao empréstimo, constatando-se que à data do incumprimento, acusava um débito de 43.719.254$10.
38. Em 20-9-88, o referido Banco intentou contra os devedores GG, HH, FF, DD e EE, ação executiva que correu com o n.º ... no Tribunal Judicial de ..., em que, apesar de ser maior o valor que lhe estava em divida, reclamou apenas a quantia de 16.234.522$00, assim discriminada: 12.000.000$00 a título de capital garantido pela hipoteca; 4.234.522$00 referente a juros de mora relativos ao período de 1-1-87 a 20-9-88, requerendo a penhora dos imóveis hipotecados.
39. Nesse processo executivo foi efetivada a penhora da denominada herdade ... registada sob a cota …, Ap. ……89 (cf. fls. 78 e 88/90 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
40. AA e os executados apresentaram, em 27-3-90, no referido processo de execução, requerimento em que o primeiro declarou que pretendia proceder ao pagamento da quantia exequenda, contra sub-rogação nos direitos do Banco Pinto e Sotto Mayor, e os segundos deram o seu acordo, requerendo que fossem passadas guias em nome de AA e que, efetuado que se mostrasse o depósito, se proferisse despacho declarando o mesmo sub-rogado nos direitos e garantias que competiam ao crédito solvido (cf. fls. 78 e 88/90 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
41. Por despacho de 3-4-90 foi ordenada a notificação do AA para esclarecer se pretendia proceder ao pagamento dos juros da quantia exequenda e das custas por forma a serem passadas guias envolvendo a totalidade das responsabilidades dos executados (cf. fls. 100 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
42. Por requerimento de 4-4-90, AA requereu que lhe fossem passadas guias para pagamento da divida, juros e custas (cf. fls. 101 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
43. Por despacho de 5-4-90, foi ordenada a passagem de guias, tendo sido decidido “…os presentes autos, atenta a sua natureza e fins, não são o lugar próprio para proferir declarações do tipo que os requerentes de fls. 99 pretendem, sendo certo, porém que a forma de transmissão do crédito que é a sub-rogação opera independentemente de qualquer declaração a proferir nos autos…” (cf. fls. 102 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
44. A Secção de Processos procedeu à liquidação do valor em divida, calculou-o em 20.358.763$00 (quantia exequenda – 16.234.522$00, juros vencidos – 3.906.847$00, custas prováveis – 217.394$00) e emitiu guias desse montante (cf. fls. 102 verso e 103 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
45. O Autor AA efetuou o pagamento dessas guias em 5-4-90 na Caixa Geral de Depósitos (cf. fls. 102 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
46. Em 20-4-90, o Banco Exequente comunicou ao referido processo executivo a escritura pública datada de 3-4-90, mediante a qual aquele Banco cedeu à Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, para além de outros, o crédito da execução n.º 45/88..., com as garantias que o acompanhavam (cf. fls. 107/115 do processo executivo n.º 45/88 ... do Tribunal Judicial de ...).
47. Nessa escritura, a cessionária Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª obrigou-se a, por carta registada, informar os devedores de que a cessão tinha sido feita (cf. fls. 107/115 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
48. Por despacho de 21-5-90, o Tribunal considerou paga a quantia exequenda e as custas da execução e declarou extinta a execução (cf. fls. 117 do processo executivo n.º .45/88.. do Tribunal Judicial de ...).
49. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, por requerimento que apresentou no processo em 29-5-90, comunicou que por cartas datadas de 6-4-90 tinha informado os devedores da escritura de cessão de créditos acima referida e que pela mesma carta tinha declarado aos devedores a intenção de compensar o crédito que assim adquirira e outros que também possui em razão do contrato promessa de compra e venda de prédio que tinham prometido vender a BB, considerava extinto o crédito reclamado na execução por compensação em data anterior à do pagamento que se iria fazer na execução com o depósito feito pelo AA.(cf. fls. 118/127 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
50. Por despacho de 12-6-90, foi ordenada a notificação da Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª para proceder ao levantamento da quantia exequenda, fê-lo depois de ouvir o Banco, que nada opôs (cf. fls. 135 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
51. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª interpôs recurso, por requerimento de 21-6-90, alegando que se recusava a proceder ao levantamento da quantia depositada, recurso que foi julgado deserto por douto despacho de 7-11-90 (cf. fls. 136/214verso do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
52. Por requerimento de 8-7-93 a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª, pediu, com o acordo dos Réus daquela ação, que lhe fosse passado precatório cheque para levantamento da quantia depositada – 20.285.513$00; o que o tribunal deferiu por douto despacho de 12-7-93, que o mandou passar (cf. fls. 229/234 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
53. A Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª recebeu o dito cheque, com o conhecimento dos ali executados e aqui Réus, fazendo-o seu (cf. fls. 229/234 do processo executivo n.º 45/88... do Tribunal Judicial de ...).
54. O gerente da Nabeirimóvel, Ld.ª, atual titular inscrita da propriedade da Herdade, tinha conhecimento pessoal dos termos da ação e da transação, bem como dos termos da sentença homologatória e da decisão proferida no recurso de oposição de terceiro que correu termos no processo n.º 979/05... do 1.º Juízo do Tribunal de ....
55. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo sabia que aquelas sentenças ordenavam o cancelamento do averbamento a favor do Autor.
56. A Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo em 06.07.1993 era uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada e tinha como sócios e gerentes NN e CC que renunciaram à gerência em 28.10.1994 (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).
57. Nessa data foi nomeado gerente da referida sociedade OO (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).
58. Em março de 1999 a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo foi transformada em sociedade anónima [e] as participações sociais ficaram a pertencer a NN, CC c. c. OO na comunhão de adquiridos, a PP, a BB e a MM (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).
59. Foram nomeados membros do Conselho de Administração OO, BB e NN com exigência de intervenção do presidente do Conselho de Administração ou por dois administradores conjuntamente para a obrigar (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).
60. Em 2001 o Conselho de Administração passou a ser constituído por BB, NN e QQ, sendo o primeiro nomeado presidente do referido Conselho de Administração (cf. certidão do registo comercial de fls. 199/210 destes autos).
61. A Sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários foi constituída em 1997 como sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tendo como sócios a Nabeirogest, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e BB, casado na comunhão geral com MM (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).
62. Foi nomeado gerente o sócio BB (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).
63. Em 1998, foi feito um aumento do capital da sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Lda. e passaram a ser sócios daquela sociedade BB, MM, NN, QQ casada com OO, a Sociedade BB, Ld.ª, a Sociedade N…, Comércio e Indústria de Cafés, Ld.ª, a Sociedade …, Ld.ª, a Sociedade A…, Ld.ª, a Sociedade de S…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª e a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª e a N…, SA. (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).
64. Esta composição societária e a gerência da sociedade mantinham-se na data em que foi inscrita a aquisição do prédio n.º ......88 da freguesia de ... a favor da sociedade Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª, por subscrição em aumento de capital (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).
65. Em 2000 os sócios MM, NN, QQ casada com OO, a Sociedade …, Ld.ª, a Sociedade N..., Comércio e Indústria de Cafés, Ld.ª, a Sociedade S…, Ld.ª, a Sociedade A…, Ld.ª, a Sociedade de S…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª, a Sociedade N…, Ld.ª e a Sociedade Empreendedora de Turismo e Agricultura, Ld.ª transmitiram a totalidade das respetivas quotas para a sociedade a N…, SA passando a ser sócios dessa sociedade BB, com a quota de 124,89 euros e a N…, S.A. com a quota de 27.749.875,11 euros (cf. certidão do registo comercial de fls. 211/219 destes autos).
66. A sociedade N..., SA foi constituída em 1996, sendo o respetivo Conselho de Administração, composto por três membros, BB (presidente), NN e QQ (cf. certidão do registo comercial de fls. 220/229 destes autos).
67. Em 1999, no ato de transmissão da propriedade da herdade ... para a titularidade da sociedade Nabeirimóvel, por subscrição em aumento de capital em espécie, interveio, em representação desta, o gerente BB e intervieram em representação da Sociedade Empreendedora os três administradores, BB, OO e NN.
68. BB e MM são casados entre si e são os pais de NN, casado com PP, e de QQ, casada com OO.
69. O Autor, por carta datada de 16 de outubro de 2009, enviada sob registo, para o Réu BB solicitou o pagamento do dinheiro que depositou no processo executivo que correu termos no Tribunal Judicial de ... para assegurar a posição de credor com garantia hipotecária da herdade ..., tudo como decorre do documento de fls. 230 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos.
70. Em resposta, a sociedade D…, Lda. remeteu ao Autor o documento escrito datado de 30-11-2009, onde consta: “ (…) Depois de ter consultado detalhadamente o processo de aquisição da Herdade ... conclui que nem o Senhor BB, pessoalmente, nem qualquer das sociedades relacionadas com a compra do imóvel, Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Ld.ª e Nabeirimóvel – Gestão de Investimentos Imobiliários, Ld.ª recebeu fosse o que fosse do Sr. AA ou se comprometeu a pagar-lhe o que quer que seja, pelo que nada lhe devem. Efetivamente, da consulta de todo o processo de aquisição da Herdade ..., quer da documentação relativa ao processo extrajudicial, quer do processo judicial, não resulta que o Sr. AA seja credor de qualquer quantia”, tudo como decorre do teor do documento junto aos autos a fls. 232 que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos.
71. O Autor enviou sob registo, para a Ré CC, a carta datada de 6 de abril de 2010, cujo teor consta do documento de fls. 233 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos.
72. Em resposta, a Ré QQ, por carta registada datada de 16 de abril de 2010, comunicou ao Autor: “(…) Sou obrigada a repetir a resposta que já lhe foi dada por meu pai, BB, nem eu, nem a Sociedade que geria, nem meu pai, mantivemos consigo qualquer negócio ou recebemos de si ou de terceiro qualquer importância que lhe pertencesse. Ignoro quaisquer negócios que o senhor eventualmente tenha mantido com o Banco Pinto e Sotto Mayor – a que também sou alheia. Não temos por isso para consigo qualquer divida e considero de extremo mau gosto a insinuação que faz de recurso a tribunal e a marcação de prazo para que eu lhe responda”, tudo como decorre do teor do documento junto aos autos a fls. 236 que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos.
73. No âmbito do acordo celebrado entre a Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda. e BB, por um lado, e FF, DD e EE, por outro lado, aquela sociedade requereu na ação executiva que sob o processo n.º 45/88... correu termos no Tribunal Judicial de ... a emissão de precatório cheque de esc. 20.501.736$00 e que, emitido, lhe foi entregue, tendo a referida Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda. procedido à entrega do cheque, após endossado por BB, ao Ilustre Advogado RR, Mandatário das partes FF, DD e EE.
74. O Réu BB nunca comunicou ao Autor a transmissão da propriedade da Herdade ... da Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo para outra sociedade.
75. O A. dirigiu ao R. BB, a carta datada de 28.10.1994, em que refere que “acabámos por realizar este negócio” e em consequência “ficaria muito satisfeito se aceitasse a minha amizade “Amizade”, tudo conforme decorre de fls. 352 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. 3. O direito aplicável
3.1. Autoridade do caso julgado proferido no processo 46/90... – 979/05....
Os Réus e Recorrentes vieram perspectivar a sua reacção pela incorrecção de ser aqui convocada a autoridade de caso julgado relativa à consideração pelo acórdão recorrido do decidido no processo 46/90... (depois processo 979/05...: cfr. fls. 579v dos autos): em primeiro lugar, porque essa decisão não vincularia a Ré «Nabeirimóvel», não sendo parte nesse processo anterior; em segundo lugar, porque – assim alegam – nesse processo, em função das pronúncias dos acs. da Relação de Évora e do STJ, se teria decidido a reposição do registo da hipoteca em função da sub-rogação pelo aqui Autor no crédito do banco e na hipoteca que o garantia, enquanto que nestes autos se discute em que medida o registo de aquisição do prédio (“Herdade ...”) a favor de outra sociedade impede essa mesma reposição. Ora vejamos.
3.1.1. Impõe o art. 628º do CPC que «a decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». A imutabilidade da decisão por tal força de caso julgado (consolidada depois da insusceptibilidade de impugnação recursiva ou revisão processual) tem como consequência a estabilidade da decisão: “uma continuidade na emissão dos respetivos efeitos jurídicos”, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art. 620º CPC) ou fora dele, em face de outros tribunais (art. 619º CPC). Por outro lado, a decisão transitada passa a dispor de «força obrigatória dentro do processo» (art. 620.º, 1, sem prejuízo dos despachos do artigo 630.º salvaguardados no n.º 2) – caso julgado formal – e dentro e fora dele, quando se julge o mérito ou fundo da causa – caso julgado material (art. 619º, 1, CPC).[1] *
Refira-se que, visando a identidade subjectiva a que se aludiu – que provém além do mais do exigido para a “excepção de caso julgado”, sem prejuízo de essa vinculação abranger algumas categorias de sujeitos terceiros na vertente de “autoridade de caso julgado” para situações previstas legalmente –, devemos ser muito claros nos sujeitos que devem ser contemplados: como destaca RUI PINTO, “estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença (…), como, ainda, os seus transmissários ou sucessores posteriores ao trânsito em julgado”[5]. Por que razão? “À semelhança do que sucede com o efeito negativo, também o efeito positivo interno abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efetivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (…). (…) Em consequência, os herdeiros, cessionários ou adquirentes dos direitos declarados na decisão também estão vinculados a cumprir a decisão. A sentença também constitui título executivo contra eles, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 [«Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda (…).»].”; “A não ser assim, bastaria às partes primitivas cederem os seus direitos para “escaparem” tanto à exceção de caso julgado, como à autoridade de caso julgado, seja na sua vertente interna (no interior da mesma relação jurídica), como externa (quanto a relações jurídicas carentes de harmonização com aquela).”; “Em suma: o efeito positivo interno do caso julgado vincula as partes da relação jurídica e não os sujeitos do processo. A contrario, o caso julgado não se estende a terceiros, ou seja, a todos aqueles que não sejam os mesmos que os destinatários sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. É a clássica regra de que o caso julgado não deve aproveitar nem prejudicar terceiros, como enunciava o brocardo nec res inter alios judicata alII prodesse aut nocere sole.”[6]
Mesmo assim, não se afasta o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por ex., quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade)[7], relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do princípio do contraditório/direito de defesa.
Assim sendo.
Assim se compreende o que se decidiu pelas instâncias: d) Declarar nula, por falta de título, a inscrição feita sob a cota Av. …-Ap. .......91 do prédio descrito sob o n.º …..18, da freguesia de ...;
— depois, na Relação:
a) e “revogar as alíneas d) e e) do dispositivo da sentença”. 3.1.3. Atenta a falta de coincidência parcial entre as partes neste processo e no processo que faz caso julgado – neste: Autores foram a «Sociedade Empreendedora de Agricultura e Turismo, Lda.» e BB; Réus foram FF e DD e cônjuge mulher EE (cfr. facto provado 14.) –, consideramos, quanto aos Réus nesta acção: Verificada a autoridade de caso julgado material constituído pela decisão proferida no recurso de revisão procedente no processo n.º 46/90... (depois tramitado como 979/05...), assim como a extensão da sua eficácia e vinculatividade aos sujeitos da presente acção, improcedem, vista a fundamentação que precede, nesta parte, as Conclusões dos Recorrentes.
3.2. O direito de crédito peticionado subsidiariamente aos Réus LL e a nulidade do acórdão recorrido; a ampliação da revista
Nas Conclusões 1.ª a 8.ª, 14.ª a 19.ª e 42.ª a 46.ª, os Recorrentes impugnam o acórdão recorrido no que respeita à absolvição do pedido de condenação dos Réus LL no pagamento do crédito em que o Autor se sub-rogou por efeito do pagamento feito na acção executiva tramitada no processo n.º 45/88..., seja pela via de alegada incompatibilidade entre a revogação da al. f) do dispositivo da sentença de 1.ª instância e a reposição da garantia hipotecária no registo, seja pela via do reconhecimento da propriedade do dinheiro pago nesse processo (caso julgado) à «Sociedade Empreendedora». Recorde-se que o acórdão recorrido decidiu alterar a sentença recorrida na parte que julgou procedente o pedido subsidiário, eliminando a respectiva alínea f), uma vez que considerou prejudicado o conhecimento desse pedido subsidiário tendo em conta a procedência dos pedidos principais do Autor. Por outro lado, nas Conclusões 9.ª a 13.ª, alegam os Recorrentes que esse direito de crédito do Autor se encontra prescrito e tal deve ser declarado. Acontece que, como resultou claro do Relatório feito – quanto aos pedidos feitos pelo Autor e identificação das questões pela sentença de 1.ª instância –, o direito de o Autor ser indemnizado pelos Réus e a eventual prescrição desse direito apresentam natureza subsidiária na disposição do processo pelo Autor; portanto, somente podem ser tomados em consideração na instância no caso de não proceder um pedido anterior (art. 554º, 1, CPC). Logo, como referiu o acórdão recorrido, procedendo os pedidos principais, depois de proferidas as decisões de ambas as instâncias, com ganho de causa para o Autor, não pode mais ser apreciado, seja a que título for, o pedido subsidiário do Autor e suas vicissitudes processuais ou materiais. Assim, em aplicação do art. 608º, 2, 2ª parte, do CPC, fica igualmente prejudicado o conhecimento dessas questões, bem como a apreciação das nulidades imputadas em sede desse mesmo pedido subsidiário e da conexa questão da prescrição do direito alegado nesse pedido.
* SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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