Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
159/23.9T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS
TRANSPORTE AÉREO
ATIVIDADE COMERCIAL
FUNDAMENTAÇÃO
ACÓRDÃO RECORRIDO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 12/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
De acordo com uma análise de ordem substancial e não formalista – orientada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, que constituem uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da CRP –, considera-se que, no caso dos autos, a autora apelante deu cumprimento aos ónus de impugnação da matéria de facto previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC, sendo de determinar o regresso dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento da impugnação na parte em que não foi conhecida.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. SATA Internacional - Azores Airlines, S.A. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Grupo Desportivo Comercial, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 67.820,69, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada factura e até efectivo pagamento, contabilizando os juros vencidos a 03/01/2023 em € 35.386,54, perfazendo o total de € 103.207,23.

Alegou, em síntese, que, no âmbito da sua actividade de transporte aéreo, a pedido do réu, que era um seu cliente com conta a crédito, lhe forneceu viagens de avião mediante a aquisição dos bilhetes a que respeitam as 31 facturas que juntou e cujos números, datas de emissão e de vencimento e valores discriminou na petição. Considerando as notas de crédito emitidas pela autora e deduzidas na conta cliente, assim como um movimento efectuado a crédito para essa conta do réu (resultante de uma factura emitida pelo réu à autora), permanece em dívida a quantia de € 67.820,69.

2. O réu contestou deduzindo excepção de não cumprimento do contrato, invocando que, desde o ano 2000, o Grupo Sata é um dos principais patrocinadores do réu no rallye que este anualmente organiza e realiza nos Açores, de tal modo que durante 15 anos, o evento se denominou SATA Rallye Açores e, de 2016 a 2018, por decisão da autora e no seu exclusivo interesse, passou a denominar-se Azores Airlines Rallye. E ainda que, nos termos do acordo de patrocínio firmado pelas partes, a autora se obrigou a conceder ao réu um determinado número de passagens aéreas e a pagar a este um valor pelo dito patrocínio. Não obstante o réu ter cumprido as obrigações assumidas, a autora não cumpriu as suas, pois não pagou ao réu o valor de € 295.000,00 devido pelo patrocínio do rallye de 2018, tendo sido devido a esse incumprimento da autora que o réu não procedeu ao pagamento das facturas em causa nos autos, montante ao qual a autora poderia ter deduzido, mediante compensação, a quantia que agora reclama; e, por tal razão, não pode ser imputada ao réu qualquer situação de mora e inerente pagamento de juros.

Invocou ainda a prescrição de parte dos juros reclamados ao abrigo do art. 310.º, alínea d), do Código Civil, atenta a data de vencimento das facturas.

Impugnou a versão dos factos aduzida pela autora, essencialmente com base nos termos do acordo de patrocínio.

Por fim, deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora no pagamento do valor de € 295.000,00 (com IVA incluído) de que esta é devedora, em razão do contrato de patrocínio celebrado entre as partes, relativamente à edição de 2018 do Azores Airlines Rallye, montante acrescido de juros desde a data de vencimento da obrigação (01/09/2018) até efectivo e integral pagamento, contabilizando os juros vencidos à data da dedução do pedido reconvencional em € 106.785,96, perfazendo o total de € 401.785,96.

Assim não se entendendo, haverá que atender a que o réu prestou serviços de promoção e publicidade à autora no evento Azores Airlines Rallye de 2018, cujo preço não foi pago, no valor de € 295.000,00; quantia que a autora deve ser condenada a pagar ao réu com juros desde 01/09/2018 até integral pagamento e que, à data da dedução da reconvenção, ascendem ao referido montante de € 106.785,96, perfazendo o total de € 401.785,96.

E, com ambos os fundamentos, pugnou que a esse valor fosse descontado, por compensação, o montante em que o réu fosse condenado.

Por fim, pediu a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e no pagamento de indemnização a seu favor.

3. A autora replicou defendendo a improcedência das excepções arguidas pelo réu e, após impugnação dos respectivos factos, pugnou pela improcedência da reconvenção com a sua consequente absolvição do correspondente pedido. Contestou a litigância de má fé que o réu lhe imputou e, por seu turno, pediu a condenação deste como litigante de má fé, em multa e em pagamento de indemnização a seu favor.

4. O réu respondeu ao pedido da sua condenação por litigância de má fé, pugnando pela improcedência do mesmo.

5. Foi proferido despacho saneador, no qual foi relegado para momento ulterior o conhecimento das excepções aduzidas.

6. Foi proferida sentença com a seguinte decisão:

«[J]ulgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e a reconvenção totalmente procedente e, em consequência:

1. declaro a prescrição dos juros que a A. pede por reporte ao capital titulado nas faturas que estão acima no ponto 3., als. a) a bb) dos factos provados;

2. declaro que o valor do capital titulado nas faturas que acima estão no ponto 3., als. a) a bb), dos factos provados, está pago, em razão do acerto de contas entre as partes por conta das verbas apontadas nos pontos 4. a 6. dos factos provados;

3. declaro que do capital titulado nas faturas que acima estão em 3., als.cc) a ff), dos factos provados, está pago o valor de €14.033,83 (catorze mil e trinta e três euros e oitenta e três cêntimos) em razão do acerto de contas entre as partes por conta das verbas apontadas nos pontos 4. a 6. dos factos provados;

4. condeno o R. Grupo Desportivo Comercial a pagar à A. SATA Internacional - Azores Airlines, SA. e por reporte às faturas que acima temos no ponto 3., als.cc) a ff), o capital que remanesce no montante de €67.790,20 (sessenta e sete mil e novecentos euros e vinte cêntimos), acrescido dos juros de mora a contar da data dos respetivos vencimentos e até efetivo pagamento à taxa comercial;

5. condeno a A. SATA Internacional - Azores Airlines, SA. a pagar ao R. Grupo Desportivo Comercial por conta do patrocínio que lhe deve em razão do evento de 2018, o montante de €295.000,00 (duzentos e noventa e cinco mil euros) que integram já o correspetivo IVA, a que acrescem os juros legai comerciais a contar de 1 de setembro de 2018 e até efetivo pagamento;

6. no mais vão as partes absolvidas.

Custas a cargo das partes na proporção de 70% para a A. e de 30% para o R.».

7. Inconformadas com o decidido, ambas as partes recorreram da sentença da 1.ª instância, tendo a autora pedido a alteração da decisão relativa à matéria de facto. Veio a ser proferido acórdão com a seguinte decisão:

«Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação da Autora parcialmente procedente e a apelação do Réu totalmente improcedente, e revoga-se a sentença recorrida no que respeita aos pontos 2 a 5 do dispositivo, condenando-se, por referência a 13/12/2023 (data em que a mesma foi proferida):

- o Réu a pagar à Autora o total de € 73.102,42 (setenta e três mil, cento e dois euros e quarenta e dois cêntimos), correspondente ao que segue: a título de juros € 1,61 (produzidos pelo capital ainda em dívida da factura dd), € 967,46 (da factura ee) e € 4.248,03 (da factura ff); e a título de capital € 7,22 (remanescente em dívida da factura dd), € 4.331,72 (da totalidade da factura ee) e € 63.546,38 (da totalidade da factura ff);

- o Réu a pagar à Autora juros à taxa dos juros civis, entretanto vencidos e vincendos desde 14/12/2023 até efectivo e integral pagamento, sobre o capital € 7,22 (remanescente em dívida da factura dd), de € 4.331,72 (da totalidade da factura ee) e de € 63.546,38 (da totalidade da factura ff);

- a Autora a pagar ao Réu o montante de € 295.000,00 (duzentos e noventa e cinco mil euros) que integra já IVA, a que acrescem juros de mora à taxa dos juros civis desde 01/09/2018 até efectivo e integral pagamento.

No mais, mantém-se a sentença de 1ª instância.».

8. Desta decisão veio a autora interpor recurso de revista, por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso interposto do acórdão da Relação deve ser admitido como Revista nos termos gerais, uma vez que inexiste dupla conforme;

2. Caso assim não se entenda, deverá ser aceite como Revista Excecional, na medida em que sempre se verificariam os pressupostos do disposto no artigo 672. º, quer por a matéria controvertida, dada a sua relevância jurídica, merecer melhor aplicação de Direito; quer por estar em causa interesses de particular relevância social, quer ainda por o douto Acórdão estar em contradição com outros acórdãos sobre a mesma legislação.

3. Ainda que assim não fosse, sempre seria então admitia a Revista nos termos gerais artigo 672 n.º 3 e 5 do C.P.C.

4. Inexiste Violação dos requisitos impostos no artigo 640.º, já que a Recorrente elencou os factos provados e não provados, indicado que pretendia impugnar de forma global a valoração, sobretudo da prova testemunhal, entendendo que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, quanto à prova produzida não corresponde aos depoimentos prestados; Depois, indicou os factos concretos que deviam ser alterados, por via daqueles depoimentos, apontando os motivos pelos quais não compreende a decisão de Primeira Instância, evidenciando, ainda, que pelos acordos e atas (documentos juntos) se verificou não ter sido aprovado qualquer Patrocínio tão pouco pelo montante da condenação;

5. Caberia assim, de acordo com o alegado, a Relação conhecer a matéria de facto que carecia de alteração e, em sequência, analisar a valoração dos depoimentos por parte do tribunal a quo, nomeadamente no atinente à ilação do julgador, para se alcançar a aprovação de um Patrocínio no montante, em contradição com a prova apresentada e testemunhos. E, neste sentido, sempre lhe caberia verificar que tal presunção se tinha por arbitraria e ilógica, e deficitariamente fundamentada na decisão de Primeira Instância.

6. Assim, se demostrando que os requisitos do referido artigo 640.º se encontravam cumpridos, sendo que pelo alegado será possível o julgador alcançar o exato sentido das pretensões da aqui Recorrente;

7. A falta de poderes de quem assina, constitui nulidade nos termos do artigo 268.º do C.C.

8. Tal decorre do artigo 409.º do CSC, a contrario, na media em que dispõe que nulas as deliberações do conselho de Administração: a) tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso contrato o permita, tiverem votado por correspondência;

9. Ora, necessariamente uma declaração assinada unilateralmente e sem ser precedida de deliberação é nula.

10. Tratando-se de matéria de direito alegada em sede de alegações orais, por força da prova produzida, impunha-se, assim o seu conhecimento oficioso nos termos do artigo 286.º do CC.

11. Tanto mais que para a A. nunca existiu aquele Patrocínio, pois se assim fosse nunca tinha intentado a presente ação.

12. A existência daquelas declarações foi uma surpresa tendo a A, alegado que não tinha existido qualquer deliberação ou decisão do Conselho de Administração (como se veio a provar) acerca daquela importância, tendo o subsídio se cingido à oferta de 400 bilhetes.

13. Tratando-se de matéria de direito suscitada deveria a Relação ter apreciado.

14. soluções jurídicas apresentadas pelos recorrentes.

15. Tendo mantido a condenação da Recorrente no montante já com IVA, olvidou-se que deste valor nunca foi emitida fatura.

16. E, configurando-se tal valor como devido por Patrocínio em dinheiro, sem que tenha havido contrapartidas comerciais recíprocas, atribuindo-se tão só ao evento o nome do patrocinador, tal valor nunca poderia ser suscetível de IVA, nos termos da Lei do Mecenato.

17. A aplicar-se IVA a taxa nunca seria de 18%, já que o Decreto Legislativo Regional nº 15-A/2021/A de 31 de maio a fixa em 16%, pelo que necessariamente o valor da condenação se encontra erradamente fixado.

18. A taxa de juro aplicável às faturas emitidas pela Recorrente ao Recorrido pelo transporte de passageiros, sendo um serviço prestado no âmbito da sua atividade comercial, tem obrigatoriamente de ser a comercial, nos termos do artigo 102.º3 do Código Comercial.

19. Ainda que assim não fosse, a taxa aplicável nunca poderia ser a civil já que a própria Recorrente, em caso de mora, se encontra obrigada a pagar pelas taxas estabelecidas por dívidas ao Estado, conforme dispõe o artigo 45.º do 254/2012, de 28 de Novembro.

20. Não tendo sido emitida fatura, nem a Recorrente sido interpelada para pagamento a data de vencimento do referido Patrocínio, a verificar-se que o valor é devido, nunca os juros poderão ser contabilizados a partir setembro de 2018, devendo atender-se à data do trânsito em julgado da sentença de condenação e, caso assim não se entenda sempre diria que então deveria atender-se a data em que a recorrente é notificada do Pedido Reconvencional isto é 28/02/2023.

Termos em que pela não existência de dupla conforme, admitindo-se o recurso de revista normal e por estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária a uma melhor aplicação do direito;

Ou caso assim não se entenda, e por estarem em causa interesse de particular relevância social e por o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa estar, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, em contradição com outros Acórdãos transitados em julgado, deve ser admitida a revista excecional».

9. O recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«1. O douto Acórdão proferido não merece qualquer censura;

2. Aliás, o recurso apresentado não é recorrível, por estar verificada a dupla conforme, pois a decisão do Tribunal de primeira instância e a decisão do Tribunal da Relação é exatamente a mesma, como os mesmos fundamentos de Direito;

3. No que diz respeito à admissibilidade do recurso de revista excecional, a verdade é que, no recurso que apresenta, a Recorrente limita-se, de forma vaga e genérica, a alegar que aquelas questões são de particular interesse, remetendo para a norma legal;

4. Sendo que, estas genéricas invocações não são bastantes para fugir à regra da dupla conforme, prevista no artigo 671.º n.º 3 do CPC;

5. De igual forma, a recorrente não indica sequer qual é o Acórdão que está em contradição com este para fundamentar o recurso de revista excecional que apresenta;

6. Assim, deve o presente recurso ser rejeitado, sem mais, por os Recorrentes não terem cumprido o ónus de alegação previsto nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 672º do CPC, não sendo admissível o recurso de revista excecional;

7. De todo o modo, a matéria de facto impugnada pela recorrente foi apreciada, na parte em que tal apreciação foi possível;

8. Uma vez que, a recorrente limita-se a transcrever o que as suas testemunhas disseram e a indicar documentos, sem nunca concretizar como é que esses elementos de prova de interligam com os factos que impugna;

9. Para além de que, não é admissível sequer este recurso da matéria de facto que é apresentado para este Supremo Tribunal;

10. De qualquer maneira, o certo é que não merece qualquer censura a convicção formada e transposta para a Decisão aqui recorrida, que deverá ser mantida;

11. A recorrente vem novamente invocar a questão da nulidade por falta de assinatura de um dos membros do seu Conselho de Administração;

12. Acontece que, a recorrente não suscitou essa questão – da falta de poderes ou nulidade do acordo - durante o processo;

13. E assim, precisamente por não o ter alegado em momento oportuno, também não se fez qualquer prova sobre essas questões, que nem foi matéria controvertida nos presentes autos;

14. Não pode a recorrente nesta sede suscitar questões que não foram objeto de discussão, em respeito pelo princípio da estabilidade da instância (artigo 260.º do CPC) e, ainda, em respeito pelo princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC), não tendo o ora recorrido o exercido;

15. Sendo certo que tal questão não é de conhecimento oficioso, pois essa suposta nulidade deveria ter sido invocada em tempo, por quem essa nulidade aproveitaria nos termos do artigo 409.º n.º 2 do CSC e do artigo 287.º do CC;

16. De todo o modo, nos termos do artigo 409.º do Código das Sociedades Comerciais, a recorrente ficou vinculada perante o aqui recorrido;

17. Ou seja, mesmo que esteja só assinada por um membro do conselho de administração, está a recorrente vinculada àquela declaração negocial;

18. Ainda que assim não se entenda, a verdade é que tal alegação – da nulidade por falta de poderes - sempre constituiria um abuso de direito e um verdadeiro venire contra factum proprium;

19. Porquanto, vir agora alegar a falta de poderes é manifestamente violador dos ditames da boa-fé, especialmente porque a suposta deliberação que não retifica este acordo é tomada por um novo conselho de administração que simplesmente decide que não quer pagar um serviço que já foi prestado;

20. E que, não pode negar que recebeu, contribuiu, participou e beneficiou da publicidade que foi feita, não só por ter o seu nome no evento como também por todas as outras obrigações de publicidade que foram cumpridas pelo recorrido (facto 20).

21. Ora, vir agora dizer que o contrato não é válido quando foi aceite por esta nos mesmos moldes nos anos anteriores e só não foi ratificado pelo novo Conselho de Administração porque não dava jeito pagar, é manifestamente abusivo;

22. é verdade que o recorrido pediu o pagamento da quantia devida por conta do acordo de patrocínio, mas deduziu ainda um pedido subsidiário, constante da alínea e) do pedido e dos artigos 110.º a 114.º da reconvenção;

23. Assim, ainda que por alguma razão se venha a entender que é nulo o dito acordo – o que não se concede de todo – sempre deverá a recorrida ser condenada nos mesmos termos em que já foi, nos termos do pedido reconvencional subsidiário formulado, onde é peticionado o pagamento daquele valor por o recorrido ter prestado aqueles serviços de publicidade e comunicação;

24. Já no que diz respeito ao IVA, o valor peticionado sempre o incluiu, porque é um serviço que foi prestado à recorrente, foi esse o valor peticionado na reconvenção e não impugnado pela recorrente até agora;

25. Pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não poderá apreciar esta questão nova;

26. Ainda que assim não se entenda, como é fácil de ver, estando assente que foi aqui prestado um serviço, o facto de ser devido IVA decorre da Lei, não tendo qualquer razão a recorrente no recurso que apresenta;

27. A esse propósito, a recorrente não pode, nesta fase do processo, juntar prova documental, nos termos do artigo 425.º do CPC;

28. Assim, deve a junção desse documento ser rejeitada, bem como deve o recorrente ser condenado em multa, pelo incidente anómalo a que deu causa.

29. Ainda, como resulta da declaração subscrita pela recorrente, a obrigação tinha prazo certo e os juros são devidos desde então, nos termos do artigo 805.º n.º 2 alínea b) do CC;

30. Nesta relação de patrocínio não houve escopo de lucro, não sendo esta uma relação à qual sejam aplicáveis juros comerciais;

31. Por tudo isto, deve improceder o recurso apresentado, mantendo-se, na integra, o douto Acórdão recorrido que não merece censura.

Termos em que deverão ser declaradas improcedentes as alegações de recurso, mantendo-se a douta Decisão recorrida.».

II – Admissibilidade do recurso

1. Tendo o presente recurso de revista sido interposto por via normal, e, subsidiariamente, por via excepcional, importa começar por apreciar da verificação da dupla conforme entre as decisões das instâncias impeditiva da admissibilidade do recurso por aquela primeira via (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC).

Invoca a recorrente a não existência de dupla conforme pelas seguintes ordens de razão:

«Em primeiro lugar, no Acórdão recorrido foi decidido, não conhecer da matéria de facto por alegada violação dos requisitos do artigo 640.º do CPC.

(...)

Em Segundo lugar, a Primeira Instância não se pronunciou, também, sobre matéria de direito de conhecimento oficioso, o que constitui uma nulidade a qual foi arguida pela aqui recorrente em sede de alegações finais em sede de Apelação. Tal arguição foi realizada perante o Tribunal da Relação, sendo uma questão ex novo (até porque só se levantou no decurso do Processo), sem que tenha sido objeto de apreciação de Primeira Instância. Aliás, o próprio Acórdão que agora se recorre o invoca (veja-se 3.º parágrafo da pág. 79), fundamentado a sua decisão (de não conhecimento) por tal questão não ter sido colocada ao Tribunal de 1.º instância e concluindo não poder agora conhecer, já que tal matéria não é de conhecimento oficioso. Ora, é justamente desta parte que se recorre, na medida em que se considera que tal questão não poder deixar de ser de conhecimento oficioso, pelo que também aqui se verifica não existir dupla conformidade.

(...)

Em terceiro lugar, no que toca às taxas de juro aplicáveis às faturas peticionadas pela aqui recorrente o Tribunal de 1.ª Instância decidiu pela aplicação das taxas de juro comerciais. Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão que julgou o caso, alterou o fundamento da decisão, pois julgou que a taxa devida pelas faturas peticionadas deveria ser a civil.

(...)

Pelo exposto, em nenhum dos aludidos pontos existe dupla conforme, já que a decisão que aqui recorre se pronuncia quanto aos dois primeiros pontos pela primeira vez e quanto ao terceiro decide de forma diversa.».

Em sentido contrário, i.e., da verificação de dupla conforme, se pronuncia o recorrido.

2. De acordo com a orientação jurisprudencial consolidada neste Supremo Tribunal, reconhecida na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, «a conformidade das decisões das instâncias que caracteriza a figura da dupla conforme, obstando a interposição da revista normal, é aferida por um critério de coincidência racional, avaliado em função do benefício (reformatio in melius) que o apelante retirou do acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância».

Ora, no caso dos autos, é indubitável que, para a autora ora recorrente, a decisão do acórdão do Tribunal da Relação se traduz para a mesma numa reformatio in melius relativamente à decisão da 1.ª instância, o que, em princípio, configurará uma situação de dupla conforme, salvo se se verificar:

i. Que, nos termos do n.º 3 do art. 671.º, do CPC, existe voto de vencido ou fundamentação essencialmente diferente;

ii. Que, em conformidade com o entendimento da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, o recorrente suscitou a questão da violação dos poderes normativos próprios do Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto.

A respeito da excepção enunciada em (i), esclareça-se que, de acordo com a decisão uniformizadora constante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022 – que, ainda que proferida numa acção de responsabilidade extracontratual, se entende ser válida para as acções de responsabilidade contratual como a dos autos – a conformidade decisória deve ser «apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta».

Ora, no caso dos autos, em que se constata que a decisão condenatória integra dois segmentos em que um deles (o pedido de condenação no pagamento do capital em dívida) é autónomo e cindível em relação ao outro (o pedido de pagamento de juros moratórios), seria necessário averiguar separadamente da existência de fundamentação essencialmente diferente.

Contudo, como a recorrente suscitou a questão de que, ao rejeitar conhecer de parte da impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação alegadamente desrespeitou o regime do art. 640.º do CPC, encontra-se verificada a excepção enunciada em (ii), sendo o recurso admissível para conhecimento de tal questão.

Se, nesse particular, for dada razão à recorrente, tal implicará o regresso dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação da impugnação da matéria de facto na parte não conhecida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões recursórias, pelo que apenas será de tomar posição acerca da existência ou não de fundamentação essencialmente diferente a respeito de cada um dos referidos segmentos decisórios se vier a decidir-se pela improcedência da pretensão da recorrente relativamente ao alegado desrespeito pela norma do art. 640.º do CPC.

III – Fundamentação de facto

1. A A. é uma empresa de transporte aéreo que tem por objetivo desenvolver a atividade de transporte aéreo comercial regular e não regular de passageiros e respetiva bagagem, de carga e correio;

2. O R., por sua vez, é um clube desportivo que, nesta qualidade, usufrui do serviço prestado pela A., nomeadamente viagens de avião;

3. Na persecução das suas finalidades, o R. adquiriu à A. vários bilhetes, todos nas quantidades, tarifas e em nome dos passageiros referidos nas correspetivas faturas, a saber:

a) fatura número 2014/........32 emitida em 5.5.2014 e vencida em 4.6.2014 no valor de €5.514,97;

b) fatura número 2014/........71 emitida em 6.5.2014 e vencida em 5.6.2014, no valor de €102,51;

c) fatura número 2014/........72 emitida em 7.5.2014 e vencida em 6.6.2014, no valor de €207,10;

d) fatura número 2014/........82 emitida 8.5.2014 e vencida em 7.6.2014, no valor de €201,46;

e) fatura número 2014/........83 emitida em 8.5.2014 e vencida em 7.6.2014, no valor de €771,12;

f) fatura número 2014/........07 emitida em 9.5.2014 e vencida em 8.6.2014, no valor de €34,66;

g) fatura número 2014/........08 emitida em 9.5.2014 e vencida em 8.6.2014, no montante de €42,58;

h) fatura número 2015/........83 emitida em 21.5.2015 e vencida em 20.6.2015, no montante de €11.639,30;

i) fatura número 2015/........95 emitida em 22.5.2015 e vencida em 21.6.2015, no valor de €3.845,29;

j) fatura número 2015/........38 emitida em 28.5.2015 e vencida em 27.6.2015, no valor €3.120,77;

k) fatura número 2015/........39 emitida em 28.5.2015 e vencida em 27.6.2015, no valor de €30,49;

l) fatura número 2015/........40 emitida em 28.5.2015 e vencida em 27.6.2015, no montante de €30,49;

m) fatura número 2015/........70 emitida em 29.5.2015 e vencida em 28.6.2015, no valor de €21,21;

n) fatura número 2015/........71 emitida em 29.5.2015 e vencida em 28.6.2015, no valor de €23,98;

o) fatura número 2016/........21 emitida em 19.5.2016 e vencida em 18.6.2016, no valor de €6.671,10;

p) fatura número 2016/........37 emitida em 20.5.2016 e vencida em 19.6.2016, no valor de €2.242,07;

q) fatura número 2016/........54 emitida em 23.5.2016 e vencida em 22.6.2016, no valor de €52,32;

r) fatura número 2016/........69 emitida em 24.5.2016 e vencida em 23.6.2016, no valor de €350,00;

s) fatura número 2016/........86 emitida em 25.5.2016 e vencida em 24.6.2016, no montante de €326,26;

t) fatura número 2016/........87 emitida em 25.5.2016 e vencida 24.6.2016, no valor de €258,71;

u) fatura número 2016/........04 emitida em 27.5.2016 e vencida em 26.6.2016, no valor de €200,00;

v) fatura número 2016/........19 emitida em 30.5.2016 e vencida 29.6.2016, no valor de €74,87;

w) fatura número 2016/........34 emitida em 31.5.2016 e vencida 30.6.2016, no montante de €50,00;

x) fatura número 2016/........61 emitida em 17.6.2016 e vencida em 17.7.2016, no valor de €750,00;

y) fatura número 2016/........51 emitida em 20.7.2016 e vencida em 19.8.2016, no valor de €284,63;

z) fatura número 2016/........65 emitida em 21.7.2016 e vencida em 20.8.2016, no valor de €565,16;

aa) fatura número 2017/........05 emitida em 15.3.2017 e vencida em 14.4.2017, no valor €10.231,74;

bb) fatura número 2017/........72 emitida em 20.3.2017 e vencida em 19.4.2017, no valor de €6.424,34;

cc) fatura número 2018/........62 emitida em 14.3.2018 e vencida em 13.4.2018, no valor de €5.121,45;

dd) fatura número 2018/........63 emitida em 14.3.2018 e vencida em 13.4.2018, no valor de €8.824,48;

ee) fatura número 2018/........74 emitida em 15.3.2018 e vencida 14.4.2018, no valor de €4.331,72;

ff) fatura número 2022/.......46 emitida em 7.4.2022 e vencida em 12.4.2022, no valor de €63.546,38;

4. Ao R., que era um cliente com conta a crédito, foram emitidas notas de crédito a saber:

a) 2013/.......20, em 31.5.2013, no valor de €44,68 relativo a reembolso de bilhetes ... ........64 e ...........65;

b) 2014/........70, em 31.5.2014 o valor de €34,66, relativo reembolso da fatura ........07;

c) 2014/........71, em 31.5.2014 o valor de €24,78 relativo a reembolso de bilhete pago através da fatura ........32;

d) 2015/........02, em 27.11.2015 no montante de €57,92, relativo a reembolso de taxas pagas através da fatura ........38;

e) 2016/........74, em 30.6.2016 no valor de €287,86, relativo a reembolso de taxas pagas através da fatura 2016/........21;

f) 2016/........75, em 30.6.2016 no montante de €55,50, relativo a reembolso de taxas pagas através da fatura 2016/........37;

g) 2017/........74, em 21.4.2017 no montante de €50,16, relativo aos bilhetes ........21/114 e ...........21, pagos através da fatura ........72; e

h) 2018/........34, 27.4.2018 no montante de €14,91, relativo a taxas do bilhete ...........22 pagos através de fatura ........62;

5. Foi realizado um movimento no montante de €67.500,00 para a conta corrente do R., para abater aos valores em divida, uma vez que da fatura emitida pelo R. à A., no valor de €147.500,00 apenas lhe foi paga pela A. o valor de €80.000,00;

6. Feitas as contas correspondentes às operações referidas em 3., 4. e 5., remanesce o valor em divida relativo às faturas no total de €67.790,20 (sessenta e sete mil setecentos e noventa euros e vinte cêntimos);

7. Entre A. e R. foi firmado um acordo que as partes designaram de “Acordo de Patrocínio Sata Rallye Açores”, efetivamente, através desse acordo, celebrado no dia 21.5.2015, a Sata Air Açores - Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, SA. empresa no mesmo grupo e relação de domínio da A. obrigou-se a conceder os seguintes apoios ao R., no que ao que aqui importa:

. duzentos e setenta e cinco mil euros, com IVA incluído à taxa legal;

. duzentas e cinquenta passagens aéreas a utilizar em rotas do Grupo SATA.

Tudo por reporte ao SATA Rallye Açores 2015.

8. O R. organiza e realiza eventos desportivos de rallye nos Açores desde 1965, eventos desportivos tiveram, ao longo dos anos, diversas denominações, como por exemplo: Volta à Ilha de São Miguel; Rallye de São Miguel e Rallye Açores, tendo, para tanto o R. diversos patrocinadores principais, cuja firma ou denominação era acrescentada ao nome do evento desportivo;

9. Desde o ano de 2000 que o Grupo SATA é um dos principais patrocinadores do R. em tal evento, tanto que, durante 15 anos passou ele a denominou-se SATA Rallye Açores;

10. Da edição daquele evento desportivo de 2016 até à edição de 2018, por decisão da A. e no seu exclusivo interesse, passou a denominar-se Azores Airlines Rallye, tendo a Sata Internacional - Azores Airlines, SA., patrocinado essas edições do evento realizado e organizado pelo R., assumindo para esses anos o acordo de patrocínio e a totalidade das suas obrigações que tinha assumido para o ano de 2015, tal como se aponta acima em 7., ainda que com atualizações no que toca ao número de passagens e do montante pecuniário que passaram para 400 passagem e para o montante de €295.000,00 no que toca ao evento de 2018;

11. A A., no seu relatório de contas de 2018, página 7, declara que um dos principais acontecimentos desse ano foi o patrocínio da 53ª Edição do Azores Airlines Rallye;

12. A A., através do seu então presidente executivo AA, redigiu e assinou as seguintes declarações:

a. “A QUEM POSSA INTERESSAR” - SATA Internacional - Azores Airlines, SA. declara que o pagamento da quantia de 147.500 € (cento e quarenta e sete mil e quinhentos euros) será paga no dia 2 de abril de 2018, para pagamento da dívida remanescente do ano de 2017, devida ao Grupo Desportivo Comercial pela organização do Azores Airlines Rallye. Antes do dia 1 de setembro de 2018, o pagamento da quantia devida pelo ano de 2018 será paga, para garantir que o Rallye é incluído no calendário do 2019 ERC. Ponta Delgada, 21 de março de 2018”

b. “Caro Sr. BB” - SATA Internacional - Azores Airlines, SA. declara que o pagamento da quantia de 147.500 € (cento e quarenta e sete mil e quinhentos euros) será paga no dia 2 de abril de 2018, para pagamento da dívida remanescente do ano de 2017, devida ao Grupo Desportivo Comercial pela organização do Azores Airlines Rallye. Antes do dia 1 de setembro de 2018, o pagamento da quantia devida pelo ano de 2018 será paga, para garantir que o Rallye é incluído no calendário do 2019 ERC. Ponta Delgada, 21 de março de 2018”.

13. A A. não pagou ao R. o valor monetário correspondente ao acordo de patrocínio para o evento que decorreu no ano de 2018 nos termos firmados acima em 7. e 10., coisa que levou o R. a não proceder ao pagamento do valor remanescente das faturas que estão acima nos pontos 3. e 6.;

14. O R. realizou e organizou o Azores Airlines Rallye 2018, promovendo a A., sendo que esta, das obrigações que assumiu, apenas concedeu as passagens aéreas previstas no acordo apontado acima em 7. e 10.;

15. Esta ação deu entrada em juízo no dia 19.1.2023 e o R. foi para ela citado em 24.1.2023;

16. Nas faturas acima apontadas em 3., a A. apenas peticiona o valor de taxas, pois, nelas, efetua um desconto comercial proporcional ao valor da tarifa devida por cada passagem aérea;

16[a]. Efetivamente, no cumprimento dos acordos existentes entre as partes nos termos apontados acima em 7. e 10., a A. forneceu ao R., gratuitamente, passagens relativamente às quais faturou o montante correspondente às respetivas taxas aeroportuárias, a saber:

. taxas aeroportuárias de 227 passagens aéreas no ano de 2014;

. taxas aeroportuárias de 233 passagens aéreas no ano de 2015;

. taxas aeroportuárias de 390 passagens aéreas no ano de 2016;

. taxas aeroportuárias de 250 passagens aéreas no ano de 2017; e

. taxas aeroportuárias de 412 passagens aéreas no ano de 2018;

17. Na execução do acordo que existia entre as partes para o ano de 2018, conforme pontos 7. e 10. acima, o R. requisitou à A.. para esse evento, a emissão de 400 passagens aéreas, tendo a A. retorquido a essa requisição, por mail, referindo que “Este ano todas as emissões serão feitas, com o código já enviado na tabela de patrocínio rallye 2018”, juntando com a resposta uma tabela Excel com um total 400 bilhetes emitidos a favor do R. e dos participantes do evento;

18. A fatura acima aponta em 3., al.ff), não identifica quantas e a que passagens aéreas se refere, mencionando, apenas no descritivo do serviço prestado, que: “Bilhetes referentes ao Rallye 2022”;

19. No que toca à verba monetária correspondente ao patrocínio para o ano de 2017, a pagar em duas tranches iguais, a A., da segunda tranche no valor de €147.000,00, apenas entregou ao R. o montante de €80.000,00, retendo o remanescente no valor de €67.500,00 na conta corrente que ambos mantinham;

20. O R., no que toca ao evento de 2018, cumpriu na integra, a obrigação de realizar, organizar e promover a A. da edição da Azores Airlines Rallye de 2018, em concreto, o R:

. organizou e realizou o Azores Airlines Rallye e, com essa designação, registou e publicitou o evento em todos os atos públicos ou privados, bem como em documentação e outros suportes publicitários; O Azores Airlines Rallye 2018 foi uma competição integrada nos campeonatos dos Açores, Nacional e Europeu;

. produziu maquetes e os fotolitos, fornecidos pela SATA, dos autocolantes interiores, exteriores, do cartaz, da bandeira e dos conteúdos multimédia;

. transportou e colocou no podium de partida e de chegada placards da SATA;

. colocou placards da SATA no espaço onde foram realizadas as verificações técnicas;

. colocou o logótipo no placard de fundo nas conferências de imprensa, entrevistas, reportagens, cerimónias de entrada de prémios, bem como nos cartazes e brochuras relativas ao Azores Airlines Rallye, nos espaços destinados aos parques fechados e da assistência;

. colocou a bandeira da SATA na sala onde decorreram os eventos referidos na alínea anterior, bem como nos mastros e nos locais apropriados nos percursos correspondentes às provas especiais de classificação;

. referiu a SATA em todas as notícias veiculadas aos órgãos de comunicação social;

. assegurou a participação de representantes da SATA nas conferências de imprensa, cerimónias de entrega de prémios e outros eventos realizados no âmbito do Azores Airlines Rallye, num lugar de destaque, imediatamente a seguir ao representante do Governo Regional dos Açores;

. contribuiu para a elaboração de conteúdos Azores Airlines Rallye na revista de bordo da SATA;

. deu prioridade à SATA, coo patrocinadora, na colocação de painéis publicitários no parque fechado, no parque de espera para a cerimónia de apresentação das equipas e na tenda da prova especial;

21. Os acordos de patrocínio eram celebrados anualmente entre as partes e, por norma, logo a seguir ao evento e para o ano seguinte;

22. A Sata Internacional, aqui A., patrocinou, com essa designação, o R. em 2016, altura em que, a prova desportiva passa a denominar-se Azores Airlines designação identificativa da A., sendo que o patrocínio para esse ano foi aprovado por ata do Conselho de Administração de 23 de fevereiro de 2016 e o patrocínio para o ano de 2017 foi aprovado em ata do Conselho De Administração 22/CA/2017;

23. Em 2018, não se realizou qualquer deliberação de patrocínio monetário ou se formalizou qualquer acordo com vista à entrega monetária de qualquer montante;

24. Em 2018, a A. estava numa situação económica muito difícil, tendo registado um prejuízo de 53,3 milhões de euros, um agravamento de 12,3 milhões face ao ano de 2017;

25. As declarações apontadas em 12., foram assinadas na véspera do início do rallye de 2018 e o seu conteúdo não foi precedido da deliberação do Conselho de Administração, o qual se realizou entre 22 e 24 de março de 2018;

26. Em dezembro de 2017, foi feito um pedido de cotação de preços pelo R. à área comercial da A., para o Evento Azores Airlines Rallye 2018 e, a partir daí, desenrolaram-se todas as diligências tendentes à validação de lugares disponíveis, seus bloqueios, valores, emissões de bilhetes etc. no que resulta que o pedido inicial solicitava o bloqueio de 2690 lugares;

27. As operações referidas em 26., foram levadas por diante mediante autorizações que vinham do Conselho de Administração o qual transmitia essas instruções às áreas operacionais da A., que, por seu turno, comunicavam entre si, carregavam em sistema estas mesmas autorizações, comerciais, internamente designadas por facilidades ou patrocínios e tomavam todas as diligências tendentes à emissão dos respetivos bilhetes;

28. Em janeiro de 2018, foi outorgado um acordo com a P........., onde se definiriam datas dos voos, números dos voos, itinerários, números de passageiros, tipo de tarifa (consta GSPEC, isto é Grupo especial), valores e código de reserva, por via do qual, logo que obtidas as autorizações apontadas em 27., a A. remeteu a tal agência de viagens as reservas do Rallye, a quem cabia fazer a gestão dessas reservas, já que um dos seus sócios é o Senhor CC, também ele integrante na Administração do Clube;

29. Para o evento de 2018 a A. emitiu 400 passagens, nos seguintes termos:

. Constituição do TST - Rotas Domésticas (LIS-OPO-FNC)

Fare Basis: GSPEC

Fare: 170,00€ (RT) e 87,00€ (OW)*

TAX: 16,00€ XP

*Sendo que que as emissões da P......... seriam realizadas por €149 ida e volta ou €75 no caso de apenas uma ida.

FOP VT.31PATROC100*eur (valor fare)+MS210263001*eur(valor das taxas)

. Constituição do TST – FRA – PDL

Fare Basis: GSPEC

Fare: 424,00€ (RT) e 121,00€ (OW)

TAX: 22,00€ XP

FOP VT.31PATROC100*eur (valor fare)+MS210263001*eur(valor das taxas)

. Constituição do TST – L.. . ...

Fare Basis: GSPEC

Fare: 266,00€ (RT) e 133,00€ (OW)

TAX: 22,00€ XP

FOP VT.31PATROC100*eur (valor fare)+MS210263001*eur(valor das taxas)

30. Além daquelas 400 passagens foram ainda concedidas outras 12 passagens para a cobertura televisiva e 6 passagens a favor de DD, conceituado piloto ... e que pintava o seu carro com os logos da SATA;

31. Foram igualmente emitidas duas autorizações e que se juntam como o respetivo número da autorização AUTH003FZC..S4PDL e AUTH006FZC..S4PDL para o transporte de carga aérea, material para o rallye;

32. Em 2019 foi noticiado que A. deixaria de patrocinar o evento organizado pelo R., coisa que levou a que o seu nome fosse removido definitivamente do nome daquele,

33. A fatura que acima está em 3., al,ff) corresponde à emissão de bilhetes relativos a contrato de transporte de grupo celebrado entre A. e R. por reporte ao evento do anos de 2022, no valor de €63.546,38, para pagamento do qual o R. foi pela A. interpelado para o respetivo pagamento, que o R., conforme o documento 6 que juntou aos autos, diz “confirmamos o valor de €63.546,38, correspondente à fatura nº 2022/.”.»

Na sentença sob recurso foram considerados não provados os seguintes factos:

«34. Que ao valor peticionado pela A., acresce a quantia de €35.386,54 (trinta e cinco mil trezentos e oitenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de juros de mora, contados desde as datas de vencimento de cada uma das faturas até à presente data (3.1.2023):

35. Que as declarações apontadas em 12. foram emitidas pela A. a pedido do R.;

36. Que o R. sabe que em 2018 o patrocínio suporte da A. não se realizou nos moldes dos anteriores, pois não existiu qualquer acordo que suporte o valor de €295.000,00 peticionado;

37. Quanto ao evento do ano de 2018 a A. não se realizou qualquer deliberação de patrocínio, porque as partes não lograram chegar a qualquer acordo neste sentido;

38. Que a A. não conseguia cumprir com o valor do apoio que atribuiu ao R. quanto ao evento de 2017;

39. Que da segunda parte das declarações que estão acima em 12., consta obrigação atinente a garantir o rallye de 2019;

40. Que o valor a que se reporta a segunda parte das declarações que estão em 12., nunca foi definido nem acordado;

41. O R. já sabia que não podia naquele ano de 2018, receber qualquer patrocínio, por isso requereu tal declaração para tentar garantir o Patrocínio em 2019 e o pagamento do valor de 2017;

42. Que no ano de 2018 o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 29.,

43. É certo que até praticamente às vésperas do Rallye de 2018 se mantinham dúvidas acerca da forma como a A, poderia, e iria apoiar o Rallye, mas a verdade é que tudo se resumiu às emissões de bilhetes nos termos apontados em 29..

IV – Fundamentação de direito

1. Tal como acima exposto, começaremos por conhecer da questão de saber se, ao rejeitar conhecer de parte da impugnação da matéria de facto, desrespeitou o Tribunal da Relação o regime do art. 640.º do CPC, sabendo-se que, se vier a ser dada razão à recorrente, tal implicará o regresso dos autos à Relação para reapreciação da decisão de facto na parte não conhecida.

Analisada a fundamentação do acórdão recorrido, importa salientar que, no que se reporta à apreciação da impugnação da matéria de facto, neste se apresenta o seguinte enquadramento teórico essencialmente correcto:

«É sabido ser ónus imposto ao Recorrente a apresentação de alegações nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo as conclusões que delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem.

Por outro lado, de acordo com o estipulado no artº 640º nº 1 CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. als. a), b) e c), do mencionado artº 640º CPCivil), sendo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2 al. a) do citado artigo).

Muito embora para a admissão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto não seja necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º do CPC constem da síntese conclusiva, dela deve, porém, constar a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados [não sendo forçoso que delas conste a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações, nem a decisão alternativa pretendida - cfr. Acórdão do STJ de 12/07/2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e citado Acórdão Uniformizador nº 12/2023, de 17/10/2023 (proc. 8344/17.6T8STB.E1 A.S1) publicado no Diário da República I série, de 14/11/2023]; já na motivação deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnados, e a decisão que no entender do Recorrente deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, pp. 197 e 198).

Isto porque o regime processual vigente restringe a revisão da matéria de facto a questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, admitindo se, apenas, a reapreciação de concretos meios probatórios relativos a determinados pontos de facto impugnados.

Desta forma o legislador rejeitou quer soluções maximalistas que determinam a repetição de julgamentos ou a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, quer a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7ª ed., 2022, p. 194 e ss.).

Efectivamente, “(…) o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/09/2017, processo nº 959/09.2TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt).

A propósito do artº 640º, salienta-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/2022 que “(…) é possível distinguir dois tipos de ónus, como tem vindo a entender a jurisprudência deste Supremo e está bem explícito no acórdão de 29/10/15, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, a saber:

- “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes” e consta do transcrito n.º 1 do art.º 640.º; e

- “um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”, previsto no n.º 2 do mesmo preceito.

O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso.

O ónus secundário consiste na exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.

Os requisitos formais, impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.

O não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com o estatuído no citado art.º 640.º, nºs 1 e 2, não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.”».

Vejamos em seguida de que forma concretizou e fundamentou o acórdão recorrido o juízo de parcial rejeição do conhecimento da impugnação da matéria de facto:

«No caso vertente a Autora, que impugnou a matéria de facto, pretende:

- que o facto provado 10 - «10. Da edição daquele evento desportivo de 2016 até à edição de 2018, por decisão da A. e no seu exclusivo interesse, passou a denominar-se Azores Airlines Rallye, tendo a Sata Internacional - Azores Airlines, S.A., patrocinado essas edições do evento realizado e organizado pelo R., assumindo para esses anos o acordo de patrocínio e a totalidade das suas obrigações que tinha assumido para o ano de 2015, tal como se aponta acima em 7., ainda que com atualizações no que toca ao número de passagens e do montante pecuniário que passaram para 400 passagens e para o montante de €295.000,00 no que toca ao evento de 2018» - seja eliminado e substituído por 4 factos novos a aditar sob os nºs 10, 10.1, 10.2 e 10.3 nos seguintes termos:

«10. “A partir de 2016 aquele evento desportivo passou a denominar-se Azores Airlines Rallye, tendo a Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., patrocinado essas edições de evento realizado e organizado pelo R.

10.1 Os patrocínios aquele evento eram negociados anualmente, deliberados pelo Conselho de Administração e reduzidos a escrito mediante um acordo subscrito por ambas as partes A e R..

10.2- Relativamente ao ano de 2018 as partes nunca chegaram a acordar qual o montante de patrocínio em dinheiro, tendo a A. deliberado e acordado atribuir 400 viagens gratuitas (patrocc 100, 100% de desconto) o que atribui no valor de 75.805,00 Euros, bem como efetuado um acordo comercial com a agência P......... representante do evento, no sentido de bloquear 2.690 lugares, a serem pagos em condições especiais descritas no ponto 84 da Matéria assente

10.3- Ainda no âmbito do acordo de Patrocínio a A., à semelhança do que estava previsto nos anos anterior, fez a concessão de transporte de carga e material promocional, num total de 160 kg de carga a custo zero.».

- que o facto provado 14 - «14. O R. realizou e organizou o Azores Airlines Rallye 2018, promovendo a A., sendo que esta, das obrigações que assumiu, apenas concedeu as passagens aéreas previstas no acordo apontado acima em 7. e 10.» - seja alterado ficando com a seguinte redacção:

«14. O R. realizou e organizou o Azores Airlines Rallye 2018, promovendo a A. sendo que esta assumiu e concretizou as suas obrigações».

- que o facto não provado 33.2 - facto que não existe, mas em vista da redacção a que a Recorrente se refere será o facto não provado 42 - «42. Que no ano de 2018 o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 29.» – seja aditado aos factos provados como 14A com a seguinte redacção:

«14A- Conforme deliberado pelo Conselho de Administração da Sata o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 16 e 17, 29 e 30».

- que na sequência dos pontos anteriores sejam aditados mais dois pontos na matéria provada:

«33.1- O valor a que se reporta a segunda parte das declarações descritas em 12 nunca foi definido nem acordada»,

e 33.2 ao qual se refere em vários passos, quer na motivação quer nas conclusões, para ele apresentando divergentes redacções, a saber:

. na conclusão 6 diz «Deverá considerar-se como factos provados a matéria que consta dos factos não provados, em 33.2 ou seja deverá aditar-se o ponto 14 A com a seguinte redação: “14 A- Conforme deliberado pelo Conselho de Administração da Sata o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 16 e 17, 29 e 30»,

. na conclusão 8 pugna pelo aditamento do facto «(…) alegado no art.º 68 da replica deduzida pela autora, com o seguinte texto:”33.2 - A declaração doc. fls. 22.): “A declaração é assinada nas vésperas do início do Rallye de 2018 para garantir a inscrição do Rallye de 2019 a pedido do Grupo desportivo Comercial”»,

. e nas conclusões 15 e 16 defende que a matéria de facto não provada constante do ponto 40 deve ser aditada aos factos provados com o facto 33.1 nos moldes acima citados e com o seguinte facto «33.2 - Conforme deliberado pelo Conselho de Administração da Sata o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 16 e 17, 29 e 30».

- que na sequência da precedente alteração da matéria de facto propugnada deverão ser eliminados os factos [não provados] descritos em 36, 37, 38, 40 e 42.

- que o facto provado 13 - «13. A A. não pagou ao R. o valor monetário correspondente ao acordo de patrocínio para o evento que decorreu no ano de 2018 nos termos firmados acima em 7. e 10., coisa que levou o R. a não proceder ao pagamento do valor remanescente das faturas que estão acima nos pontos 3. e 6» - deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redacção: “13. O R., GDC não procedeu ao pagamento do montante em dívida para com a autora, porquanto aguardava o pagamento do Governo Regional ainda em falta”.

Se relativamente ao pretendido aditamento de um facto 33.2 logo se alcança que a circunstância de a Recorrente apresentar para ele diferentes contextos e redacções distintas inviabiliza a sua apreciação pelo Tribunal, porquanto não pode este optar por uma das possíveis redacções apresentadas e referentes a diferentes realidades factuais, o certo é que outros óbices existem relativamente à impugnação apresentada pela A. quanto à decisão sobre a matéria de facto.

É indubitável que a A. indica nas suas conclusões os concretos factos que considera incorrectamente julgados e na motivação igualmente faz essa indicação e expressa a decisão que, no seu entender, deve ter cada um dos factos objecto da sua impugnação. Mas apenas isso, e como decorre do que inicialmente explanámos, tal não basta para o cumprimento cabal dos ónus impostos pelo artº 640º CPC.

Efectivamente, na alegação do seu recurso, depois de enunciar os factos que impugna e de apresentar a redacção que entende adequada para os mesmos, designadamente para os que pretende ver aditados [à excepção do mencionado facto 33.2, pelas razões acima assinaladas], a A. dedica as págs. 19 a 74 aos motivos pelos quais entende dever ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, mas nessa exposição não indica para cada concreto facto cuja alteração, eliminação ou aditamento pretende os concretos meios probatórios em que se funda, nem faz uma análise crítica dos meios probatórios a que se refere com enfoque em cada um dos concretos factos objecto da sua impugnação.

Na realidade, muito embora depois das suas considerações iniciais se expresse de forma que sugere que fará, como legalmente imposto, a análise crítica facto a facto, porquanto no último parágrafo da página 20 anuncia “Ora, vejamos relativamente à matéria do ponto 10 …”, a verdade é que assim não ocorre pois, além de algumas referências genéricas e abstractas a que “resultou dos depoimentos das testemunhas”, “tendo outras testemunhas declarado”, “pelo que ficou largamente demonstrado pelos depoimentos das testemunhas”, “segundo as testemunhas”, “todas as testemunhas referiram”, etc, a Recorrente limita-se a transcrever (embora repartido em vários segmentos) o depoimento de AA e excertos do depoimento de BB, aliás sem indicar com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, como a lei determina, mencionando, outrossim, o início e termo do depoimento, usando até as mesmas referências para ambos os depoimentos (início às 11:15:47 e termo às 11:59:13 ou, também, das 11:15 11:59), apenas a pág. 49 indicando com exactidão a passagem da gravação do depoimento de BB de que então fez uso; transcreveu ainda excertos dos depoimentos de EE, FF e GG; fez menção ao depoimento de HH mas não indicou qualquer passagem da respectiva gravação nem dele apresentou qualquer trecho, apenas descrevendo a sua leitura acerca desse depoimento (cfr. pág. 48 das alegações); fez alusão aos documentos de fls. 22 subscritas pela testemunha AA, com as quais a mesma foi confrontada durante o depoimento, e ainda aos docs. 9 e 10 da contestação e 12 da réplica; intercalou a transcrição e excertos dos depoimentos com as suas considerações quanto ao que deles extrai, por vezes conjugadamente com os mencionados documentos.

Mas nenhuma conexão estabelece entre os depoimentos que cita e transcreve, os documentos a que alude e as suas reflexões sobre esses meios de prova com cada um dos concretos factos cuja alteração, eliminação ou aditamento pretende, limitando-se a depois daquele périplo pelos meios probatórios concluir a pág. 74 das alegações “assim em resumo e relativamente à alteração da matéria de facto …” deve ser eliminado o actual facto 10 e substituído por 4 factos novos a aditar sob os nºs 10, 10.1, 10.2 e 10.3, deve ser alterada a redacção do facto 14, deve ser aditado o facto 14A, devem ser aditados os factos 33.1 e 33.2, e devem ser eliminados os factos 36, 37, 38, 40 e 42.

Sem que a Recorrente revele de que forma cada um daqueles meios probatórios de que se socorre ou todos conjugadamente deveriam conduzir a que cada um dos factos que pretende ver alterados, aditados e eliminados tivesse decisão diversa da que mereceram, concretamente a por ela propugnada, o que a Recorrente manifesta é tão só uma discordância genérica quanto àquele conjunto de factos e traduz-se numa impugnação aglutinada e indistinta, ao invés de concreta e individualizada, isto é especificada, que não permite a este Tribunal desenvolver relativamente a cada um dos factos em causa a análise necessária a concluir com segurança que a prova aponta em sentido diverso daquele que quanto a cada um deles ficou consignado na decisão sobre a matéria de facto proferida em 1ª instância, nomeadamente no sentido defendido pela Recorrente.

Ao não individualizar para cada um dos factos objecto da sua impugnação que concretos meios probatórios dentre os que refere ditariam decisão diversa sobre cada um daqueles factos, em particular a que propugna, a Autora obsta à adequada inteligibilidade do objecto e alcance da sua pretensão recursória, não satisfazendo a exigência do artº 640º nº 1 al. b) CPC.

Assim, e não sendo o recurso da decisão da matéria de facto susceptível de despacho de aperfeiçoamento, tal determina a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto afectada pela inobservância daquele ónus, a saber: relativamente ao facto 10 a eliminar e a substituir por quatro factos novos a aditar sob os nºs 10, 10.1, 10.2 e 10.3; facto 14 a alterar; factos 14A, 33.1 e 33.2, a aditar; e factos 36, 37, 38, 40 e 42 a eliminar.».

Quid iuris?

Analisada atentamente a pretensão impugnatória da autora cuja apreciação foi rejeitada pelo Tribunal da Relação, verifica-se que a mesma se dirige: ao facto 10 (a eliminar e a substituir por quatro factos novos a aditar sob os n.ºs 10, 10.1, 10.2 e 10.3), ao facto 14 (a alterar), aos factos 14A, 33.1 e 33.2 (a aditar) e aos factos 36, 37, 38, 40 e 42 (a eliminar).

A interpretação conjugada das conclusões do recurso de apelação (cfr. concl. 10) com o respectivo corpo das alegações (cfr. págs. 17 a 76), permite concluir que, para sustentar a sua pretensão, a autora indica os seguintes meios de prova:

• Depoimento de AA (objecto de transcrição);

• Depoimento de BB (objecto de transcrição);

• Depoimento de CC (objecto de transcrição);

• Depoimento de FF (objecto de transcrição);

• Depoimento de GG (objecto de transcrição);

• Documentos consistentes nos acordos de patrocínio dos anos anteriores, nas actas deliberativas relativas aos mesmos acordos, na acta deliberativa relativa ao patrocínio de 2018, nos extractos de conta da autora e réu, nos emails trocados pelas partes e juntos na réplica, e nas declarações de fls. 22.

É certo que, como observa o Tribunal a quo, a impugnante não autonomizou, relativamente a cada facto, os meios probatórios aptos a suportar decisão diversa, tendo-se limitado a estabelecer uma conexão entre meios de prova circunscritos e um conjunto delimitado de factos. No entanto, justificou essa conduta com a circunstância de, nos depoimentos, os factos se interligarem (cfr. pág. 19 da apelação) e de a matéria do ponto 10 se reflectir noutros factos (cfr. pág. 20 da apelação). Esta circunstância, conjugada com a não elevada extensão dos factos e dos meios de prova envolvidos (que não deixaram de ser objecto de circunscrição pela apelante), levam a considerar não resultar gravemente dificultada a actuação ou o exercício do contraditório pela contraparte nem a decisão do recurso pelo tribunal.

Por outro lado, a circunstância, evidenciada pelo Tribunal recorrido, de a impugnante não ter efectuado a análise crítica dos factos não releva como requisito formal do ónus de impugnação, de acordo com o entendimento adoptado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., designadamente, os acórdãos de 19-02-2015, proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 17-12-2019, proc. n.º 363/07.7TVPRT-D.P2.S1, de 26-01-2021, proc. n.º 399/18.2T8PNF.P1.S1, de 09-02-2021, proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 e de 04-07-2023, proc. n.º 7997/20.2T8SNT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Relativamente ao ponto 33.2 (a aditar), constata-se que a pretensão da apelante é, efectivamente, equívoca por se reportar a duas factualidades distintas, a saber: «Conforme deliberado pelo Conselho de Administração da Sata o patrocínio cingiu-se à atribuição das passagens a que se reporta o ponto 16 e 17, 29 e 30» e «A declaração é assinada nas vésperas do início do Rallye de 2018 para garantir a inscrição do Rallye de 2019 a pedido do Grupo desportivo Comercial».

Todavia, afigura-se que tal equivocidade não constitui causa de rejeição da impugnação por incumprimento dos ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, do CPC (em concreto, da sua alínea c): «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas»), já que são discerníveis os sentidos das decisões alternativas pretendidas e estes não se mostram a priori excludentes ou contraditórios.

Em suma, e de acordo com uma análise de ordem substancial e não formalista - orientada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, que constituem uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da Constituição - conclui-se que, no caso dos autos, a apelante, ora recorrente, deu cumprimento aos ónus de impugnação da matéria de facto previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC, sendo de determinar o regresso dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento de tal impugnação na parte em que não foi conhecida.

2. Procedendo a pretensão da recorrente relativamente ao desrespeito dos ónus impugnatórios do art. 640.º do CPC, com a consequente baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação da impugnação da matéria de facto na parte não conhecida, fica prejudicado o conhecimento das demais questões recursórias, sendo desnecessário tomar posição acerca da existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias no que se refere a cada um dos dois segmentos decisórios (condenação no pagamento do capital e condenação no pagamento dos juros de mora).

VI – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, decidindo-se determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto na parte em que a mesma não foi conhecida e para prolação de decisão em conformidade com a matéria de facto fixada.

Custas no recurso pelo recorrido.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Isabel Salgado

Orlando Nascimento