Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1014
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: SEGURO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ200205090010147
Data do Acordão: 05/09/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 772/99
Data: 11/06/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT.
DIR ECON - DIR SEG.
Legislação Nacional: DL 183/88 DE 1988/05/24 ARTIGO 6 N1.
CCOM888 ARTIGO 441.
CCIV66 ARTIGO 519 ARTIGO 595 ARTIGO 623 ARTIGO 641 ARTIGO 644.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1995/03/23 IN CJSTJ ANOII I TI PAG137.
ACÓRDÃO STJ DE 2001/03/13 IN CJSTJ ANOIX TI PAG163.
ACÓRDÃO STJ DE 2001/03/20 PROC305/01 65.
Sumário : I. A natureza fidejussória e função normais do seguro-caução aproximam-no da fiança, sendo, todavia, que o carácter indemnizatório da garantia sustenta o seu carácter autónomo.
II . No seguro de crédito o tomador é o credor; no seguro-caução é o devedor.
III. A função do seguro-caução é a de indemnizar quem, na respectiva apólice, figure como beneficiário e não a de exonerar (liberar) o devedor inadimplente.
IV. Atingido o termo (prazo) da locação financeira, não pode negar-se à locadora o seu direito a reaver o veículo locado, que nunca deixou de pertencer-lhe, nem a totalidade das rendas acordadas e vencidas, as quais correspondem à contrapartida pela fruição temporária do mesmo durante o período de vigência do contrato, às quais, para perfazer o preço do equipamento locado, haveria de acrescer o denominado «valor residual»
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Em 27/9/96, a A - Companhia Financeira de Locação Financeira Mobiliária, S.A., intentou acção declarativa com processo ordinário contra a B - Comércio de Automóveis, S.A., e contra a Companhia de Seguros C, S.A., pedindo a condenação da primeira a devolver-lhe o veículo automóvel de marca Suzuki, modelo Vitara Canvas Top, e matrícula AC, objecto de contrato de locação financeira celebrado em 7/4/92, e a de ambas as demandadas, a primeira com base nesse mesmo contrato, e a segunda com fundamento em contrato de seguro de caução directa em que as mesmas foram partes e de que a A. é beneficiária, a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de 1892395 escudos das 5 últimas rendas trimestrais do primeiro contrato referido, acrescida de juros à taxa de desconto do Banco de Portugal, vencidos, no montante de 307236 escudos, e vincendos.

Essa acção foi distribuída à 3ª Secção do 7º Juízo Cível da comarca de Lisboa.

Contestando, a seguradora demandada excepcionou, em síntese de extenso articulado ( 119 artigos ), quanto segue:

a) - configurar-se, em indicados termos, no contrato de locação financeira aludido, fraude à lei (em vista, concretamente, do art.2º do DL 171/79, de 6/6, que determinava que "a locação financeira de coisas móveis respeita sempre a bens de equipamento"), e a nulidade, nessa base, desse contrato, por força dos arts.280º e 281º C.Civ.;

b) - a nulidade, ainda, das cláusulas dum tal contrato, relativas às consequências do incumprimento, face aos arts.12º e 19º, al.c), do DL 446/85, de 25/10, ou

c) - a não se entender estar-se perante cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, abuso de direito proibido pelo art.334º C.Civ., dado a A. ter aguardado intencionalmente o vencimento de todas as prestações para poder reclamar a totalidade das rendas vencidas, ou seja, o preço total, mais a restituição do veículo, especulando assim com a sua posição de credora em detrimento do equilíbrio contratual;

d) - estar o pagamento dos danos condicionado à transferência concomitante da propriedade do equipamento locado ; e, por fim,

e) - a nulidade do contrato de seguro, nos termos do art.220º C.Civ., por falta da subscrição da beneficiária prevista no artigo 1º das Condições Gerais da apólice.

Em defesa por impugnação motivada ( exceptio rei non sic sed aliter gestae), opôs, com igualmente desenvolvidos fundamentos, e invocação, nomeadamente, dos protocolos relativos a esse seguro, que o objecto do seguro-caução accionado eram as prestações a pagar pelo adquirente do veículo em regime de aluguer de longa duração (ALD), de que, esse o sinistro a coberto do seguro-caução prestado pela contestante, não vem alegado incumprimento.

Sustentou, ainda, não estar a última renda reclamada, vencida em 16/4/95, a coberto desse contrato, com termo em 1/4/95; e nem, aliás, o estar também o mais pretendido além das rendas, designadamente, juros.

Em reconvenção deduzida para a hipótese de procedência da acção, e fundada em inobservância, por parte da demandante, de obrigações consignadas nos artigos 10º e 14º das Condições Gerais da apólice do seguro arguido, nomeadamente, de participação oportuna do sinistro, a seguradora demandada pediu, por último, a condenação da demandante a pagar-lhe indemnização a liquidar em execução de sentença, equivalente, no mínimo, ao montante pelo qual houvesse eventualmente de responder por força da apólice, devendo, nesse caso, proceder-se à compensação do crédito da A. com o crédito da contestante, declarando-se extinto aquele crédito to na parte correspondente.

Houve outrossim extensa réplica (141 artigos), em que, nomeadamente, se adiantou estar-se perante garantia à primeira solicitação ou interpelação (on first demand), e, por último, tréplica da seguradora demandada, em que, além do mais, se alude à " maratona de processos similares em curso" ( item 29º desse articulado ).

Com, ao que refere, mais de um milhar de processos judiciais pendentes, a Ré Tracção requereu e obteve a concessão de apoio judiciário em ambas as suas modalidades (1); e também ela contestou.

Apoiando a versão da A. no que respeita ao contrato de seguro, excepcionou, nessa base, abuso de direito por parte desta, em vista de acordo entre ambas no sentido de accionamento, apenas, do seguro-caução em caso de incumprimento do contrato de locação financeira; com esse mesmo fundamento, enriquecimento sem causa; e, finalmente, a pendência de processo especial de recuperação de empresa, que requereu, e o disposto no art. 526º C.Civ.

Lavrado despacho unitário de saneamento e condensação, foi, após julgamento, proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção, e condenou a Ré B no que lhe vinha reclamado nesta acção, e a Ré seguradora, solidariamente, a pagar à A. a quantia de 1514626 escudos, acrescida dos juros de mora pretendidos, absolvendo-a do mais que lhe vinha pedido.

Ambas as assim vencidas apelaram, sem sucesso, dessa decisão ; e daí estes recursos de revista.

2. Nas 42 conclusões da alegação respectiva - e nem valerá a pena recordar, uma vez mais, a exigência de síntese expressa no nº1º do art.690º CPC, pois se trata de prática reprodução das oferecidas na apelação -, a B coloca, desta vez ainda, as seguintes questões :

a) - natureza e efeitos do seguro de caução directa ;

b) - abuso de direito ;

c) - enriquecimento sem causa.

As questões suscitadas nas 26 conclusões da alegação da Ré seguradora são, por sua vez, agora, apenas as seguintes :

a) - objecto e natureza da garantia do seguro-caução ( 10 primeiras conclusões, 19ª, e 23ª a 25ª, referindo a 26ª os preceitos tidos por violados);

b) - alegada nulidade do contrato de locação financeira aludido, dado tratar-se, na tese desta recorrente, de negócio em fraude à lei, e consequente nulidade do contrato de seguro-caução invocado (conclusões 11ª a 18ª, 20ª e 21ª) ;

c) - carácter draconiano, e consequente nulidade, do nº2 da cláusula 16ª do contrato de locação financeira, que, segundo a recorrente, constitui cláusula penal desproporcionada inserida em contrato de adesão (conclusão 22ª ).

Houve contra-alegações da recorrida, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

3. Convenientemente ordenada, a matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte (indicando-se entre parênteses as alíneas da especificação e os quesitos correspondentes):

( a ) - A A. tem por objecto a prática da locação financeira mobiliária ( A ).

( b ) - A Ré B dedica-se ao comércio de compra, venda e aluguer de veículos automóveis ( B ).

( c ) - A A. fez depender a celebração do contrato de locação financeira dos autos da obtenção pela Ré B da prestação de garantias de um terceiro com capacidade económica para o caso de incumprimento desse contrato ( 1º ).

( d ) - As Rés celebraram entre si os denominados protocolos ( com datas de 15/11/91, 7/4/92, e 1/11/93 ) constantes de fls.112 a 119 dos autos ( 7º ).

( e ) - Em 6/4/92, a Ré C emitiu a apólice de seguro a fls.22 e 23, de que consta como beneficiária a A., como objecto da garantia o pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 4007052 escudos, referentes ao veículo de matrícula AC, e da rubrica observações que o seguro é feito pelo prazo de 36 meses, com início em 2/4/92 e termo em 1/4/95 (D).

( f ) - Esse contrato cobre o risco, proveniente do contrato referido em seguida, de a Ré B não pagar as suas dívidas para com a A.( 2º).

( g ) - No momento da emissão da apólice, a Ré seguradora não conhecia esse contrato ( 11º ).

( h ) - A A. não subscreveu a apólice referida ( I ).

( i ) - No exercício das suas actividades, a A. e a Ré B celebraram em 7/4/92 o contrato de locação financeira constante de fls.16 a 19, pelo qual foi dado de locação o veículo de matrícula AC pela renda trimestral de 336218 escudos ( sem IVA ) ( C ).

( j ) - A A. recebeu em 21/4/92 a factura e o auto de recepção desse veículo ( 3º).

( l ) - Pela carta de 3/11/92 a fls.25, a Ré seguradora informou a A. de que - os seguros caução emitidos a vosso benefício cobrem, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, sendo o pagamento efectuado à vossa 1ª interpelação, sem qualquer formalidade, com prazo de 45 dias após a aludida interpelação ( E ).

( m ) - A Ré B deixou de pagar à A. as rendas, trimestralmente vencidas e facturadas, de 16/4/94 a 16/4/95, sendo a 1ª no valor de 379811 escudos, a 2ª e 3ª no de 376523 escudos, e a 4ª e 5ª no de 369769 escudos ( 5º).

( n ) - Em 7/7/94, a Ré seguradora enviou à A. as cartas a fls.165 e 166 ( relativas aos agravamentos dos prémios dos seguros que referem ) ( M, 15º, 21º, e 22º ).

(o) - Em 15/7/94, a mesma Ré enviou à A. a carta a fls.167 (agradecimento de liquidação )
( N ).

( p ) - Em 18/8 e 25/12/94 e em 18/1 e 25/9/95, a A. escreveu à Ré B as cartas de fls.26 a 36, que esta recebeu ( G ).

( q ) - A A. participou os sinistros à Ré seguradora pelas cartas, que esta recebeu, datadas de 16 e 18/8 e de 5/12/ 94, e de 20/1, 20/4 e 28/9/95 constantes de fls.43 a 53 ( H ).

( r ) - A A. não procedeu à resolução do referido contrato de locação financeira, cujo prazo já decorreu ( F e L ).

( s ) - A Ré B não devolveu à A. o veículo acima referido ( 6º).

( t ) - A A. não promoveu a recuperação desse veículo ( J ).

( u ) - Até á contestação da Ré seguradora, a A. desconhecia o locatário da Ré B ( 20º).

4. Em contravenção, embora, da discriminação - isto é, da indicação em separado - prescrita no nº2º do art.659º CPC, a sentença proferida nestes autos salienta ainda, já em sede de apreciação de direito, e a par dos factos enunciados em 3., ( c ) e ( f ), supra, que :

a) - segundo o art. 1º das Condições Gerais da apólice em referência ( a fls.23 ), se considera sinistro o incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação garantida perante o beneficiário ;

b) - nas Condições Particulares dessa apólice ( a fls.22 ) se indica como beneficiária a A. (2);

c) - não consta da apólice referência alguma ao contrato de aluguer de longa duração do veículo em questão.

Pode aditar-se, mais, que, consoante nº1º do art.2º daquelas mesmas Condições Gerais ( fls. 23 destes autos ), a seguradora, com base na proposta subscrita pela tomadora do seguro, e de acordo com o convencionado nas Condições Gerais, Especiais e Particulares desse contrato, garante à beneficiária o pagamento da importância que devia receber da tomadora do seguro, em caso de incumprimento por esta última da obrigação garantida expressa nas Condições Particulares.

5. Mais de mil, ao que se diz, os processos em que tal se debate (v.1., supra), encontram-se já, como de comum saber neste Tribunal, exaustivamente tratadas as questões ora uma vez mais sub judicio. Tentar-se-á, por isso, encurtar razões. Assim :

A) - Recurso da Ré B :

1ª questão : natureza e efeitos do seguro-caução :

1. Por definição coberto por essa forma, em garantia deste tipo, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações em causa (art.6º, nº1º, do DL 183/88, de 24/5 (3)), o sinistro consiste na frustração da expectativa de pagamento.

A natureza fidejussória e função normais do seguro-caução aproximam-no da fiança ( v.nº2º do art.623º C.Civ.); o que de imediato recorda o disposto nos arts.641º e 644º C.Civ. (v. também art.441º C.Com.).

O carácter indemnizatório da garantia tem, no entanto, conduzido a, contrariando o entendimento tradicional (4), sustentar a sua autonomia (5). De todo o modo:

2. Para que o seguro-caução directa em referência nestes autos assumisse na realidade a natureza de garantia autónoma, automática, ou à primeira solicitação ou interpelação, seria necessário que isso mesmo decorresse do clausulado na apólice respectiva; e é tal que não se mostra verificar-se efectivamente neste caso.

Designadamente, não se vê que realmente importem a efectiva estipulação de cláusula de pagamento à primeira solicitação os nºs 4º (referido à recusa injustificada de pagamento pelo tomador quando para tanto interpelado ) e 5º ( que diz constituído então o direito do beneficiá
rio à indemnização pela seguradora, a satisfazer (6) no prazo de 45 dias a contar da data da reclamação ) do artigo 11º das Condições Gerais da apólice ( fls.23 vº dos autos)

Não se mostra, na verdade, assumido no título da garantia em questão, que é a apólice ajuiza da, compromisso algum de pagamento à primeira interpelação.

Não há nela, prima facie, ao menos, qualquer declaração que comporte a proibição da invocação pela beneficiária das excepções, fundadas no contrato-base, que a garantida possa fazer valer.

Assim sendo, não bastaria a mera interpelação da garante para que esta se achasse obrigada a cumprir, só lhe sendo exigível que pagasse mediante comprovação de estarem efectivamente preenchidos os pressupostos da sua responsabilidade (no caso, a recusa injustificada de pagamento pela devedora ). No entanto:

3. A al.b) do artigo 7º do protocolo celebrado entre as Rés B e C com data de 15/11/91, a fls.113 dos autos, reza assim :

"Com os documentos referidos na alínea anterior, a seguradora pagará, à primeira interpelação do beneficiário, o montante indemnizatório".

Uma vez admitida a interdependência do contrato de seguro e desse protocolo enquanto contrato trato-quadro de que constituiria aplicação, subsiste, em tal base, que, em caso, como o vertente, de lacuna ou silêncio do negócio subsequente sobre este ponto, seria, ao fim e ao cabo, de aplicar a cláusula correspondente do contrato-quadro, inicial, - dada a interrelação entre eles na prossecução do mesmo fim comum" (7).
Bem, desta sorte, se compreende que na carta referida em 3.. ( l ), supra, se tenha atribuído aos contratos de seguro-caução directa celebrados pelas ora recorrentes a natureza de garantia autónoma ou à primeira solicitação (8), de que decorre ter a Ré seguradora ficado obrigada a satisfazer fazer de imediato o reclamado pela locadora financeira A., independentemente da averiguação sobre se tal era, ou não, efectivamente devido.

A seguradora obrigada, em tais termos, em garantia do cumprimento de indicadas obrigações, deveria satisfazê-las de imediato logo que a beneficiária o exigiu, não podendo opor-lhe objecções algumas.

Trata-se, neste entendimento, " de garantia documentária - a funcionar contra a entrega dos documentos elencados -, garantia não pura, portanto, mas, em todo o caso, uma garantia autónoma, paga à primeira solicitação" (9).
4. Seguro, em qualquer caso, é que, só com o consentimento do credor se podem transmitir débitos ( art.595º C.Civ.), e, por isso, quem se obriga a pagar é, em princípio, sempre devedor, mesmo que um terceiro garanta o cumprimento.

Com inteira razão, pois, se observa no acórdão sob revista que o contrato de seguro-caução de que a locadora financeira ora recorrida é beneficiária não determinou modificação subjectiva alguma da relação jurídica estabelecida entre ela e esta recorrente.

Como nesse mesmo acórdão se faz notar, ao invés do aparentemente entendido na alegação desta recorrente, não se está perante seguro semelhante ao de responsabilidade civil automóvel, em que o segurado transfira para a seguradora a sua responsabilidade, respondendo esta directa mente perante o lesado, sem, por via de regra, poder exercer o direito de regresso (v., neste caso, a cl.14ª das Condições Gerais da apólice, a fls.23 vº).

A função do seguro-caução é a de indemnizar quem na respectiva apólice figure como beneficiário, e não a de exonerar ( liberar ) o devedor inadimplente (10).
Fim ou função da prestação dessa garantia atribuir, em reforço da solvência do devedor, maior segurança ao crédito do beneficiário, não constitui instrumento de exclusão da responsabilidade daquele, tomador do seguro: a seguradora não se substitui - tão só se junta - ao deve-dor em falta.
Assim, a obrigação de indemnizar, por parte da C, por força do contrato de seguro-caução - garantia adicional exigida, como notado no acórdão sob recurso, com vista a acautelar eventual falha da locatária no cumprimento das suas obrigações - não afasta a obrigação de pagamento da B, por força do contrato de locação financeira.

Como, por fim, bem se sabe, nas obrigações comerciais os co-obrigados são solidários ( art. 100º C.Com .), com o efeito previsto no nº1º do art.519º C.Civ.

2ª questão: abuso de direito :

Esta questão e a que se segue foram suscitadas com base em acordo que não se provou ( v. resposta negativa ao quesito 24º) e de que, aliás, se não cuidou, sequer, de precisar a data e lugar.

Destarte não sabido, sequer, quando, como e onde terá tido lugar um tal convénio, não ficou dele rasto ou traço que possa ter-se em consideração.

A excepção da proibição de conduta contraditória ínsita no art.334º C.Civ. é agora fundada em expectativa assente no facto de ser do conhecimento da locadora financeira que o veículo aludido iria ser objecto de aluguer de longa duração.

Mas essa é, com evidência, base por demais insuficiente para justificar o estado de confiança objectivamente fundado que aquela proibição protege (11); tanto assim sendo que se houve por bem adiantar o falado acordo, afinal não provado.

3ª questão: enriquecimento sem causa

Relativa igualmente ao primeiro dos pedidos formulados contra esta recorrente, de devolução do veículo automóvel aludido ( v.1., supra ), esta última questão desmerece, do mesmo modo, demorada contemplação.

Uma tal proposição briga, na verdade, frontalmente, com o estipulado nos arts.15º, nº1º, relativo ao termo do contrato, e 16º das Condições Gerais do contrato de locação financeira ( v. fls.19 destes autos ), este, por sua vez, dispondo para o caso de resolução do mesmo (12).


Nada tendo o art. 668º CPC que ver com eventual erro de julgamento, a invocação, na última das 42 conclusões da alegação desta recorrente, sem apoio algum no texto dessa alegação, da previsão das als.b), c), d), e e) do seu nº1 releva, em final girândola, do puro despropósito

B) - Recurso da Ré seguradora :

1ª questão : objecto da garantia do seguro-caução :

1. É, como observado no acórdão sob revista, questão que, face ao disposto nos arts.236º e 238º C.Civ., se mostra resolvida pelas respostas afirmativa dada ao quesito 2º, reproduzida em 3., - ( f ), supra, e negativa dada ao quesito 8º, em que se perguntava se o seguro-caução dos autos visava garantir o pagamento das rendas devidas pelo locatário no ALD: respostas essas que, ao invés do que esta recorrente pretende, se coadunam perfeitamente com o teor desse contrato (13), por sua vez em harmonia com a proposta a fls.121 e 122.

Nele, com efeito, figuram como seguradora a Ré C, como tomadora a Ré B, e como beneficiária a Autora A; e como se vê das condições particulares da apólice a fls.22 destes autos, a garantia assim constituída tem por objecto 12 rendas trimestrais, as quais não podem deixar de ser as relativas ao contrato de locação financeira ; tal, por fim, sendo o que outrossim decorre da carta de 3/11/92, a fls.25 dos autos, referida em 3, (l ), supra.
Caetera desiderantur :

2. Como salientado, em resultado da ponderação de anteriores, no acórdão desta (7ª ) Secção de 4/10/2001 proferido no Proc. n. 1347/01 (p. 23 desse aresto), as RR nesta acção subscreveram contratos de seguro-caução titulados por apólices com, pelo menos duas, redacções distintas, a saber :

Numas, ficou a constar que o objecto da garantia é o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração - ditas, por vezes, trimestrais.

É nesses casos que, apesar de a beneficiária indicada na apólice ser a locadora financeira, se tem julgado que o objecto do seguro são as rendas relativas ao aluguer de longa duração (14).

Doutras apólices consta que o objecto da garantia é o pagamento das rendas trimestrais, cujo valor se indica, relativas ao veículo a seguir identificado (15).

Numa tal hipótese, que é a ocorrente, torna-se difícil aceitar solução contrária à ora impugna da (16).

3. Dos protocolos arguidos, dir-se-á, antes de mais, que, em princípio, iluminam apenas o iter negocial das partes neles efectivamente intervenientes - B e C (v. resposta negativa dada ao quesito 10º) - e relativamente aos negócios neles, na realidade, contemplados (17).

Depois, dada a teoria da manifestação consagrada no predito art.238º, expressamente indicado, nas condições particulares da apólice, o objecto da garantia, menos, afinal, interessa, nesse âmbito, o que a B solicitou à sua co-Ré seguradora que quanto efectivamente consta do título emitido (ou que o seu texto possa comportar sem dificuldade de maior), visto dever prevalecer, dada a natureza ou carácter estrita ou rigorosamente formal do contrato de seguro ( arts. 426º e 427º C.Com.), aquilo que, concluídas as negociações, resulte ter ficado efectiva mente expresso nesses contratos.

Nem mesmo, por isso, poderá valer neste âmbito a proposição de que os protocolos constituem verdadeiros contratos-quadro, que predispõem e impõem a moldura jurídica da regulamentação lamentação de futuras relações contratuais (18).
Quando, na verdade, se trate de contrato com a natureza formal referida, a imposição que deles porventura resulte apenas confere a qualquer dos pactuantes o direito de recusar a celebração de contrato de aplicação com cláusulas diferentes. Se tal leva a efeito, e se se trata, como é o caso, de um contrato formal, este tem de valer com o sentido que dimana do respectivo conteúdo, e não com o que porventura resulte de contrato-quadro anterior.

Não podem, enfim, sobrepor-se ao texto da apólice, que definitivamente define a vontade negocial, prévias negociações que lhe são exteriores (19); bem assim resultando elucidativo o nº1 do art. 2º das condições gerais da apólice em referência,referido em 4., supra, de que consta que a seguradora garante ao beneficiário "o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida".

2ª questão: nulidade do contrato de locação financeira por fraude à lei :

Que fraude à lei efectivamente se apurasse, nunca, em vista do disposto nos arts. 280, 281, 286, 289, 294, e, entendido o seguro-caução em causa como garantia análoga à fiança, 632, n. 1, C.Civ., se poderia deixar de conhecer oficiosamente disso mesmo, resultando irrelevante, dado tratar-se de questão de conhecimento oficioso, eventual abuso de direito da sua invocação pela seguradora recorrente. Esta mesma observação relevando a entender-se estar-se perante garantia autónoma. Isto posto:

O discurso desta recorrente é a este respeito o seguinte :

À data da celebração dos contratos de locação financeira entre ela e a B, essa actividade encontrava-se regulada pelo DL 171/79, de 6/7, com as alterações introduzidas pelos DL 168/89, de 24/5, e 18/90, de 11/1 (20).

Consoante art. 2 do primeiro desses diplomas legais, a locação financeira respeita sempre a bens de equipamento, - isto é, bens de investimento, bens produtivos - (21), o que impedia as locadoras financeiras de celebrar contratos respeitantes a veículos automóveis para usos não rela tivos a actividades empresariais.

Para contornar essa proibição legal, fazendo chegar os veículos ao proveitoso mercado dos particulares, algumas sociedades de locação financeira, atingindo por essa forma indirecta ou oblíqua um fim contrário à lei, recorreram a empresas que, como é caso da B, funcionavam, ao fim e ao cabo, como intermediárias entre as locadoras e os interessados na aquisição de veículos.

A Ré B dedicava-se, na realidade, à venda de veículos com recurso ao regime denominado de aluguer de longa duração ( ALD ).

No exercício dessa actividade, a B adquiria os veículos a sociedades de leasing e celebrava com os seus clientes dois contratos : um de aluguer, e um contrato-promessa bilateral de compra e venda.

Sempre na tese da seguradora recorrente, os negócios entre a locadora financeira recorrida e a B eram, - por força do disposto nos arts.294º C.Civ. e 2º do DL 171/79, e por violação também do princípio da especialidade, delimitativo da capacidade de gozo das locadoras, estabelecido nos arts.160º C.Civ. e 6º, nº 1º, CSC (22) -, nulos, uma vez que não tinham por objecto bens de equipamento, mas veículos que as partes sabiam destinar-se a pessoas que os pretendiam para seu uso pessoal, assim, afinal, transmitidos através de dois contratos - aluguer e promessa de compra e venda - que, no seu conjunto, consubstanciavam, no seu resultado prático, um autêntico leasing de bens de consumo, proíbido por lei (23). Todavia:

Em causa a regularidade de contrato de locação financeira celebrado entre a Autora A e a Ré B, tem-se, desde logo, feito notar que esta última utilizava os veículos tomados em locação financeira àquela em contratos de aluguer de longa duração, isto é, na sua própria actividade (24).
Vedado que, por outro lado, realmente estava à B efectuar contratos de leasing (DL 103/86, de 18/5, e arts.1º e 3º, al.g), do DL 298/92, de 19/5), mesmo, porém, quando eventualmente discutível a regularidade do subsequente contrato de aluguer de longa duração com acoplado contrato-promessa bilateral de compra e venda (25), importa, em todo o caso, não confundir esses dois distintos contratos.

Não se mostra, com efeito, provado :

a) - ter a locadora financeira efectivo conhecimento do concreto destino dado ao veículo - v. resposta negativa dada ao quesito 13º ;

b) - nem, aliás, sequer, que, mesmo quando afecto a uso particular, nada tal esse uso, estritamente pessoal, efectivamente tivesse que ver com uma qualquer actividade empresarial ou, mesmo, o exercício de profissão liberal, no âmbito da qual devesse ser considerado bem de equipamento
(26).

No que interessa à resolução deste pleito, tudo isto se encontra, concretamente, por apurar; fica-se, in casu, pelo domínio nebuloso da melhor ou pior fundada suspeita; e prevalece, por conseguinte, o disposto nos arts.342º, nº2º, C. Civ., e 516º CPC; subsistindo, a final, intocada a validade do contrato de locação financeira em causa nestes autos.

Feita, em última análise, assentar a nulidade arguida em interposição real de pessoas (27), avulta estar-se perante questão que, como observa o acórdão recorrido, se revela de imediato prejudicada pelas respostas negativas dadas aos quesitos 12º e 13º.

3ª questão: nulidade do artigo 16º, nº2, das Condições Gerais do contrato de locação financeira, face ao disposto nos arts.12º e 19º, al.c), do DL 446/85, de 24/5, por constituir cláusula penal desproporcionada (leonina):

Não deve confundir-se o direito potestativo de resolução dum contrato fundado no seu incumprimento com a obrigação de exercer esse direito logo que tal se verifique.

Nada obrigava a ora recorrida a resolver o contrato de locação financeira logo que verificado o primeiro incumprimento contratual por parte da segurada B ou a impedia de deixar que o contrato atingisse o seu termo, na expectativa, ainda, de cumprimento.

Como neste caso fez.

Esta é, por isso mesmo, uma falsa questão. Na verdade:

Subordinada o falado artigo 16º das Condições Gerais do contrato de locação financeira a fls.19 vº destes autos à rubrica "Resolução do Contrato", nem tal, afinal, neste caso ocorreu, consoante 3. ( r ), supra: a situação cai, isso sim, no âmbito do artigo anterior ( 15º), subordinado à rubrica "Termo do Contrato".

Como notado no acórdão sob revista, esgotado já o prazo do contrato de locação financeira, de modo nenhum pode negar-se à ora recorrida o seu direito de reaver o veículo locado, que nunca deixou de pertencer-lhe ( nº1 daquele artigo 15º), nem a totalidade das rendas acordadas e vencidas, que correspondem à contrapartida devida pela fruição temporária do mesmo durante o período de vigência do contrato, às quais, para perfazer o preço do equipamento locado, haveria de acrescer o denominado valor residual.

6. Conforta quanto vem de expor-se a seguinte decisão :

Nega-se a revista pretendida por uma e outra recorrentes.

Confirma-se a decisão das instâncias.

Custas de cada um dos recursos apreciados pela recorrente respectiva (sem prejuízo do benefício atribuído nesse âmbito à Ré B).

Lisboa, 9 de Maio de 2002.
Oliveira Barros,
Diogo Fernandes,
Miranda Gusmão
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(1) Juntou, mas tarde, a procuração a fls. 202.
(2) Cuja assinatura não é essencial para a existência do contrato de seguro, como decorre do § único do art.426º C. Com.
(3) É esse o diploma regulador do seguro de riscos de crédito, de que o seguro-caução, com a mesma função do seguro de crédito ( em sentido estrito ), de garantia do risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações, constitui modalidade, só distinta deste último pela estrutura ( a do seguro-caução descrita no Ac.STJ de 12/3 /96, CJSTJ, IV, 1º, 143-I ). Na verdade, no seguro de crédito, o tomador é o credor ; no seguro-caução é o devedor ( v. Calvão da Silva, RLJ 132º/382-28.2.). O DL 183/88, de 24/5, foi alterado pelos DL 127/91, de 22/3, e 29/96, de 11/4, pelo art.114º, nº5º, do DL 102/94, de 20/4, e pelo DL 214/99, de 15/6.
(4) Que, salva contrária estipulação, a equipara à fiança - v. Calvão da Silva, RLJ 132º/382-29.; Menezes Cordeiro, "Manual de Direito Bancário" (1998 ), 611 ss ; doutrina citada no Ac.STJ de 3/4/86, BMJ 356/321 ss ; ARL de 12/2/85, CJ, X, 1º, 163 ss, e ARP de 9/7/85, CJ, X, 4º, 226 ; e demais doutrina e jurisprudência referidas em ARL de 7/5/98, CJ, XXIII, 3º, 82 ss.
(5) V. ARL de 28/1/99, CJ, XXIV, 1º, 90 ( 2ª col., 3 últimos par. )-91 ( 1º par.).
(6) Em causa a interpretação da garantia, como adiantado no Ac.STJ de 23/3/95, CJSTJ, III, 1º, 137 ss, pode bem entender-se que se tal for efectivamente devido.
(7) Calvão da Silva, RLJ, 132º/381.
(8) V., assim sendo, o Ac.STJ de 22/11/95, CJSTJ, III, 3º, 111-I e 113, 1ª col., com apoio na doutrina aí referida, e de 21/5/98, BMJ 477/482-I e II.
(9) Calvão da Silva, RLJ, 132º/382-30.
(10) Calvão da Silva, RLJ 132º/383-31.1.
(11) V., sobre esta questão, Ac.STJ de 13/3/01, CJSTJ, IX, 1º, 163-V e 168-13., de 20/3/01-Proc.nº305/01-6ª, de 17/ 5/01, Proc.1005/ 01-2º, e de 22/3/01, Proc 3149/00-7ª, e ARL de 28/1/99, CJ, XXIV, 1º, 88 ( I ) ss.
(12) Justificada, na hipótese ocorrente, pela falta de pagamento das rendas, a resolução do contrato não chegou, no entanto, a ser feita, neste caso v. 3., ( r ), supra. Quanto ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa aqui uma vez mais arguidos, v. Acs.STJ de 16/12/99, CJSTJ, VII, 3º, 144-8. e 9., de 20/1/00-Proc. 777/92-2ª, de 15/6/00 - Proc. 1752/00-7ª, de 18/1/01, Proc.3749/00-7ª, de 30/1/01Proc. 3776/00-1ª, de 13/3/01-Proc. 4055/01-1ª, de 15/3/01Proc. 438/00-2ª, e de 31/5/01, Proc. 75/01-1ª.
(13) Assim, semelhantemente, no caso versado no Ac.STJ de 16/12/99, cit., CJSTJ, VII, 3º, 142 ( último par.)-143 (1º par.).
(14) V. Acs.STJ de 13/3/2001, CJSTJ, IX, 1º, 163, de 29/6/99, Proc.541/99-1ª, publicado na RLJ 132º/345, de 16/11 /00, Proc. 2486/ 00-7ª, de 13/12/2000, Proc. 3356/00-7ª, de 11/1/ 01, Proc. 2131/00-7ª, de 8/3/2001, Proc. 43/01-7ª, e de 20/3/01, Proc. 305/01-6ª, e ARL de 15/3/2000, RLJ 132º/351 e CJ, XXV, 2º, 94. Mesmo com apólices deste teor, decidiu-se em contrário nos Acs. STJ de 22/2/00, Proc.995/99 -2ª, de 15/3/01, Proc.438/00-2ª, de 22/3/01, Proc.3149/00-7ª, e de 21/6/01, Proc.994/01-2ª.
(15) Como se observa em ARL de 17/10/2000, CJ, XXV, 4º, 20-XVII, as rendas dos contratos de aluguer de longa duração são, com frequência, mensais, periodicidade que melhor se ajusta aos condicionamentos económicos dos particulares que recorrem a essa modalidade de locação, cujos rendimentos têm esse mesmo ciclo; mas não é invulgar a adopção da periodicidade trimestral, mormente quando os locatários se dedicam a actividades económicas por conta própria, em que não podem normalmente contar com rendimentos mensais determinados.
(16) Que foi a adoptada em Acs.STJ de 4/11/99, Proc.668/99-7ª, de 13/1/00-Proc.715/99, de 18/1/01, Proc3749/00-7ª, 16/5/2000, Proc.134/00-1ª, de 11/7/2000, Proc.1630/00-1ª, de 28/9/2000, Proc.1838/00-7ª, de 11/1/2001, Proc. 2609/00-1ª, de 18/1/2001, Proc.3749/00-7ª, de 30/1/2001, Proc.3776/00-1ª, de 17/5/01, Proc.1005/01-2ª, de 5/7/ 01Proc.1456/01-7ª, e de 12/7/01 ( dois) - Proc.2116/01-7ª e Proc.1885/01-2ª. As referências aos acórdãos não publicados foram colhidas em informação, muito útil, facultada pelo Gabinete dos Juízes Assessores.
(17) Nomeadamente, ao que parece, seguros-caução das rendas ALD negociados pela B, mas a subscrever, como tomadores, pelos seus clientes. V. ainda art.428º C.Com., nomeadamente o seu § 2º.
(18) V. Calvão da Silva, RLJ 132º/379 ss, nº25. Tal assim a exemplo do que sucede nos denominados contratos normativos - v., sobre estes, Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I, 9ª ed. ( 1998 ), 262 e 263, e Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 7ª ed. ( 1998 ), 236 ss.
(19) Ac.STJ de29/6/99, cit., RLJ 132º/345-II e 350, 2ª col., 2º par. Como outrossim elucida Calvão da Silva, na RLJ 132º/380, 2ª col., último par., o disposto em contrato de aplicação deve prevalecer sobre o resultante de contrato-quadro, quando por interpretação se apure que as partes quiseram afastar-se deste.
(20) Encontra-se actualmente regulada no DL 145/95, de 24/6, alterado pelo DL 265/97, de 2/10. Quanto às socieda des de locação financeira, v. também arts.3º, al.g), de que resulta serem instituições de crédito, e 4º, nºs 1º, al.b), e 39º do DL 298/92, de 31/12, que aprovou o novo regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, e 1º, que as qualifica como instituições parabancárias, e 5º, do DL 103/86, de 19/5. A actividade das sociedades de locação financeira foi depois regulada pelo DL 72/95, de 15/4 ( v. seus arts.1º e 4º), em consonância com o DL 298/92, cit. Resulta interessante mencionar que o art.2º do DL 285/2001, de 3/11, alterou o art.1º do predito DL 72 /95. Nesta sua nova redacção, o nº2º desse art.1º estabelece que as sociedades de locação financeira podem, "como actividade acessória", locar bens móveis fora das condições referidas na alínea anterior. Cortada pela raiz, pôs-se, deste modo, at long last -, cobro, por via legislativa, à gelatinosa teia negocial em causa assim impressivamente referida em ARL de 15/3/2000, CJ, XXV, 2º, 97, 1ª col., 4º par., como salienta Calvão da Silva, na RLJ, 132º/362. Eliminou-se, enfim, pelo menos, intermediação parasitária do ponto de vista económico.
(21) A lei concebia o contrato de locação financeira como meio de financiamento de empresas, de investimentos produtivos, e, portanto, conforme preâmbulo do DL 171/79, com "âmbito circunscrito ao apoio às actividades produtivas e às profissões liberais". Daí estar vedada a celebração de tais contratos relativamente a veículos destinados nados a ser utilizados pelos locatários, na qualidade de consumidores, como bens de consumo duradouros, para satisfação de necessidades pessoais e familiares, não profissionais. Meio de financiamento e de investimento profissional, o leasing não podia então ter por objecto bens de consumo destinados à satisfação de necessidades pessoais e familiares. O DL 10/91, de 9/1, alargou a locação financeira a imóveis destinados a habitação própria do locatário. O art.2º do DL 149/95, de 24/6, alargou, por sua vez, o objecto da locação financeira a quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação, passando, assim, a ser admitido o leasing de bens de consumo. O DL 265/97, de 2/10, revogou o DL 10/91, acima referido, e introduziu alterações no DL 149/95, por forma a que o regime geral contemple os contratos de locação financeira de imóveis para habitação.
(22) V. Calvão da Silva, RLJ 132º/365-5., que destaca a excepção consignada no nº2º do primeiro e na parte final do segundo desses artigos.
(23) Cita, a este respeito, Rui Pinto Duarte, " Alguns aspectos jurídicos dos contratos não bancários de aquisição e uso de bens ", na Revista da Banca, nº22, p.63.
(24) V. ARL de 24/6/99, CJ, XXIV, 3º, 125-III e 128, 2ª parte da 1ª col., e Acs.STJ de 16/12/99, CJSTJ, VII, 3º, 140-III, de 10/10/00, Proc2070/00-1ª, de 11/1/01, Proc.2609/00-1ª, e de 22/3/01, Proc.3149/00-7ª.
(25) Dito negócio indirecto em ARL de 18/2/99, CJ, XXIV, 1º, 113-I e 116-4º), que cita Pedro Pais de Vasconcelos, " Contratos Atípicos " ( 1995 ), 245 e 250.
(26) Tendo o DL 171/79, de 6/6, consoante preâmbulo respectivo, "âmbito circunscrito ao apoio às actividades pro dutivas e às profissões liberais", resulta daí claro que por bens de equipamento se hão-de entender os bens produtivos bens de investimento, em relação funcional com a actividade empresarial ou profissional do locatário, e não bens de consumo, como esclarece Calvão da Silva, RLJ 132º/364-4.3. No caso, o locatário é referido em ficha de informação a fls.123 e 124 como ourives que trabalha com o pai na ourivesaria de X, em Gondomar.
(27) V. Calvão da Silva, RLJ 132º/366-7. e doutrina para que, nas notas, remete.