Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DECISÃO SINGULAR ADMISSIBILIDADE DE RECURSO INADMISSIBILIDADE RECURSO DE REVISTA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO CONHECIMENTO DO MÉRITO INSOLVÊNCIA INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ART.º 643.º CPC (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
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Sumário : | I – A decisão que indefere a pretendia suspensão de diligência levadas a cabo no âmbito do incidente de liquidação apenso ao processo de insolvência não constitui uma decisão final nos termos e para os efeitos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, uma vez que, com tal indeferimento, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o processo prossegue os seus ulteriores termos (não terminando, por conseguinte). II – Inexistindo, neste caso, decisão de mérito sobre o fundo da causa nem sendo colocado, de modo algum, termo ao processado, o recurso de revista não é admissível. III – Improcede, nessa medida, a reclamação apresentada pela recorrente ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível). Foi proferida a seguinte decisão singular: “Por apenso à acção especial de insolvência que AA instaurou requerendo a declaração da sua insolvência, a qual obteve procedência, corre termos incidente de liquidação do ativo. Nesse apenso, foi proferido em 25 de Outubro de 2023 despacho ordenando a desocupação do prédio misto apreendido nos autos de insolvência. Por requerimento de 10 de maio de 2024, o Administrador Judicial, dando nota de já ter sido amplamente informado em requerimentos e informações antecedentes, que o imóvel apreendido se encontra a ser habitado, e que não se perspetiva uma data para a sua entrega à massa insolvente, atento o despacho proferido nos referidos autos, datado de 25 de outubro de 2023, e dado o tempo decorrido, requereu que o Tribunal ordenasse, de novo, a notificação das pessoas que residem no imóvel para que procedam à entrega do mesmo à massa livre de pessoas e bens em prazo que seja considerado razoável que sugere de 30 dias, de forma a que se possa proceder ao agendamento da escritura e assim concluir a liquidação. Na sequência, em 13 de maio de 2024, no referido apenso de liquidação do ativo, foi proferido despacho a determinar a notificação das pessoas que residem no imóvel apreendido para que, no prazo de 30 dias, procedessem à entrega do mesmo à massa insolvente, livre de pessoas e bens. A interveniente acidental BB, inconformada com esse despacho, veio interpor recurso de apelação do mesmo. O acórdão da Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 31 de Outubro de 2024, julgou-o improcedente e manteve a decisão recorrida. Inconformada com o decidido, interpôs a interveniente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: A– O douto acordao não valorou e considerou erradamente que a eventual suspensão das diligências de liquidação/venda, B - Estando em causa direitos e obrigações a ser exercidos, pondo em causa o principio do contraditório, da ampla defesa e outros direitos constitucionais. C - Quer a lei, quer a jurisprudência atendem as situações em que se justifica que os processos e diligencias se suspendam e fiquem a aguardar determinado acontecimento ou desenvolvimento, antes de poderem retomar o seu curso, D - Nomeadamente, nos termos do artigo 272º do C.P.C. que define a suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes, E - Nos termos do nº um do artigo 272º do C.P.C. o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra ou qualquer motivo justificado, F - A douta decisão não está conforme à lei pois entende prosseguir com as diligencias de liquidação, G - Mas, o poder do Juiz nestas circunstancias é um poder dever, que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a instância ou alguma diligencia, o juiz não apenas pode como deve fazê-lo, H – Como no presente processo e devido à existência de um titulo contratual que pode fazer cessar a posição do insolvente e a posse do imóvel não ser do mesmo, I - É motivo suficiente para o Juiz dos presentes autos suspender qualquer diligencia de liquidação, até mesmo sem ser a requerimento, bastaria o conhecimento oficioso, J - Nos presentes autos, já foi decidido por despacho em 28- 02-2020, após requerimento da ora recorrente, pela meritíssima juíza dos autos, a suspensão de diligencias, L - Concretamente foi decidido o seguinte “Atento o teor do alegado, aguardando entretanto os autos a pronúncia por parte do Sr. Administrador, determina-se que se tenham por suspensas as diligências de venda.”. M - Não se entendendo a ora decisão recorrida, fevereiro de 2020 a decisão foi oposta, perante iguais e no mesmo processo, N - E requerido pela mesma pessoa e ora recorrente, O - Portanto, em 28 de fevereiro de 2020 foi por requerimento da ora requerente e recorrente que foi decidido suspender as diligencias de venda do imóvel, P - Em 18 de janeiro de 2024, após requerimento da mesma requerente foi suscitado a suspensão das diligencias de liquidação , nomeadamente a venda do imóvel, por existirem fundamentos fortes e suscetíveis de ferir direitos e garantias de terceiro, Q - Nomeadamente do possuidor do imóvel e com proprietários, R – Estamos perante caso julgado formal, S - Mais uma vez não se entende o que se passa neste processo, T - Perante situações iguais decisões opostas, U - Sempre que haja detentor ou possuidor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na acção, e exibir algum título de gozo legítimo do prédio, emanado do insolvente, deve existir uma decisão do Juiz que determine a suspensão, V - Assim como, e com fundamentos deve suspender as diligências sempre que exista qualquer título de cessão de posição contratual emanado do insolvente, X - Confrontado o juiz com terceira pessoa na detenção do bem a entregar, ou com documento válido trata-se de situações de suspensão da instância, que vem regulada nos artigos 269.º e segs. do Código de Processo Civil(“CPC”). Z - Afigura-se primordial e correto o acolher deste entendimento, pois está em causa uma situação suscetível de ferir direitos e garantias de terceiros de boa fé, provocada por decisões que foram adotadas de forma antagónica, AA - A Lei é clara assim como, a Jurisprudência existente, BB - Pelo que, se solicita a suspensão de qualquer diligencia de liquidação ou venda do imóvel, CC - Pois perante a decisão aqui recorrida a ora recorrente fica privada de exercer os seus direitos, nomeadamente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Nesta sequência, foi proferido pelo Juiz Desembargador relator o seguinte despacho de não recebimento do recurso: “A interveniente BB veio interpor recurso de revista do acórdão proferido nestes autos que julgou a apelação improcedente e, em consequência, confirmou a decisão recorrida. Questão que, naturalmente, se coloca é a de saber se se mostram reunidos os pressupostos que a lei adjetiva estabelece para a admissibilidade da aludida pretensão recursória. Nesta matéria rege o artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que «[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos». Por seu turno, preceitua o n.º 2, do mesmo normativo, que «[o]s acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme». Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa, nem pôs termo ao processo absolvendo da instância o réu ou algum dos réus. Significa isto, pois, que o aresto que se pretende impugnar com a revista não cabe na previsão normativa do transcrito n.º 1 do artigo 671.º, não cabendo, outrossim, no âmbito das alíneas a) e b) do seu n.º 2, quer porque não se trata de caso em que o recurso é sempre admissível, quer porque a recorrente não alega que o acórdão esteja em oposição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Como assim, por não se verificarem os pertinentes pressupostos, não se admite o recurso de revista interposto pela interveniente BB. Custas do incidente pela recorrente, que se fixam no mínimo, atenta a sua simplicidade, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia”. Reclamou então o ora recorrente ao abrigo do artigo 643º do Código de Processo Civil, o que fez nos seguintes termos: A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista, B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei. C – Segundo o artigo 629º nº 2 do C.P.C. Independentemente do valor da causa e da sucumbencia, é sempre admissível recurso, D - Ainda nesta matéria rege o artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, E – O douto despacho singular pronunciou-se sobre a questão da (in)admissibilidade processual de tal invocação, F – Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo, G - Significa isto, pois, que o aresto que se pretende impugnar com a revista cabe na previsão normativa já referida anteriormente, H – Pelo que, foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real sobre o imóvel, I – Ferindo assim, direitos e garantias estipulados pela Lei, devido a existência do direito real de garantia sobre o imóvel, J – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação, L – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, esmo com registo anterior, M – Uma excepção à hierarquia dos credores, e ao principio da prioridade de registo, N - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, O – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção. P - – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo, Q - A ora recorrente pretende uma pronuncia sobre a questão da admissão processual do recurso, R - Pretende, que o tribunal cumpra a lei e proteja os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel, S – Por existência de direito real, T– E sendo uma questão fundamental de direito, U – Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, V – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso. Apreciando do mérito da presente reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil: Afigura-se-nos evidente que uma decisão que indefere a pretendia suspensão de diligência levadas a cabo no âmbito do incidente de liquidação apenso ao processo de insolvência não pode nunca constituir uma decisão final nos termos e para os efeitos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil. De resto, com tal indeferimento, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o processo prossegue os seus ulteriores termos (não terminando, por conseguinte). Logo, como bem se salienta na decisão reclamada – que nenhum reparo nos merece - não há decisão de mérito sobre o fundo da causa nem a mesma coloca, de modo algum, termo ao processado, como é óbvio. Indefere-se, portanto, a reclamação. O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos. Pelo exposto: Indefere-se a reclamação apresentada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”. Reclamou a Reclamante/Recorrente para a Conferência com os seguintes fundamentos: A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista, B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei. C – O artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, D – A decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo, E – Com a entrega do bem imóvel, o interessado realiza o pagamento, F - Pondo termo ao processo de liquidaçao, G - Foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real de garantia sobre o imóvel, H – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação, I – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, esmo com registo anterior, J - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, L – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção, M – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo, N - A ora recorrente não pode ser prejudicada, O - O tribunal deve cumprir a lei e proteger os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel, P – Por existência de direitos reais, Q– E sendo uma questão fundamental de direito, R – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso. Apreciando do mérito da reclamação: Não assiste obviamente razão à reclamante. Das razões desenvolvidas na decisão singular resulta, de forma clara e insofismável, que a lei não prevê a admissibilidade da revista na situação sub judice. De resto, na presente reclamação para a Conferência limitou-se a recorrente a repetir, sem qualquer novidade, tudo o que já antes havia referido. Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete. Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que desatendeu a pretendida admissibilidade do recurso de revista. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. Lisboa, 25 de Março 2025. Luís Espírito Santo (Relator) Luís Correia de Mendonça Maria Olinda Garcia V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |