Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3840/17.8T8VCT-O.G1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ART.º 643.º CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I – A decisão que indefere a pretendia suspensão de diligência levadas a cabo no âmbito do incidente de liquidação apenso ao processo de insolvência não constitui uma decisão final nos termos e para os efeitos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, uma vez que, com tal indeferimento, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o processo prossegue os seus ulteriores termos (não terminando, por conseguinte).

II – Inexistindo, neste caso, decisão de mérito sobre o fundo da causa nem sendo colocado, de modo algum, termo ao processado, o recurso de revista não é admissível.

III – Improcede, nessa medida, a reclamação apresentada pela recorrente ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível).

Foi proferida a seguinte decisão singular:

“Por apenso à acção especial de insolvência que AA instaurou requerendo a declaração da sua insolvência, a qual obteve procedência, corre termos incidente de liquidação do ativo.

Nesse apenso, foi proferido em 25 de Outubro de 2023 despacho ordenando a desocupação do prédio misto apreendido nos autos de insolvência.

Por requerimento de 10 de maio de 2024, o Administrador Judicial, dando nota de já ter sido amplamente informado em requerimentos e informações antecedentes, que o imóvel apreendido se encontra a ser habitado, e que não se perspetiva uma data para a sua entrega à massa insolvente, atento o despacho proferido nos referidos autos, datado de 25 de outubro de 2023, e dado o tempo decorrido, requereu que o Tribunal ordenasse, de novo, a notificação das pessoas que residem no imóvel para que procedam à entrega do mesmo à massa livre de pessoas e bens em prazo que seja considerado razoável que sugere de 30 dias, de forma a que se possa proceder ao agendamento da escritura e assim concluir a liquidação.

Na sequência, em 13 de maio de 2024, no referido apenso de liquidação do ativo, foi proferido despacho a determinar a notificação das pessoas que residem no imóvel apreendido para que, no prazo de 30 dias, procedessem à entrega do mesmo à massa insolvente, livre de pessoas e bens.

A interveniente acidental BB, inconformada com esse despacho, veio interpor recurso de apelação do mesmo.

O acórdão da Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 31 de Outubro de 2024, julgou-o improcedente e manteve a decisão recorrida.

Inconformada com o decidido, interpôs a interveniente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

A– O douto acordao não valorou e considerou erradamente que a eventual suspensão das diligências de liquidação/venda,

B - Estando em causa direitos e obrigações a ser exercidos, pondo em causa o principio do contraditório, da ampla defesa e outros direitos constitucionais.

C - Quer a lei, quer a jurisprudência atendem as situações em que se justifica que os processos e diligencias se suspendam e fiquem a aguardar determinado acontecimento ou desenvolvimento, antes de poderem retomar o seu curso,

D - Nomeadamente, nos termos do artigo 272º do C.P.C. que define a suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes,

E - Nos termos do nº um do artigo 272º do C.P.C. o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra ou qualquer motivo justificado,

F - A douta decisão não está conforme à lei pois entende prosseguir com as diligencias de liquidação,

G - Mas, o poder do Juiz nestas circunstancias é um poder dever, que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a instância ou alguma diligencia, o juiz não apenas pode como deve fazê-lo,

H – Como no presente processo e devido à existência de um titulo contratual que pode fazer cessar a posição do insolvente e a posse do imóvel não ser do mesmo,

I - É motivo suficiente para o Juiz dos presentes autos suspender qualquer diligencia de liquidação, até mesmo sem ser a requerimento, bastaria o conhecimento oficioso,

J - Nos presentes autos, já foi decidido por despacho em 28- 02-2020, após requerimento da ora recorrente, pela meritíssima juíza dos autos, a suspensão de diligencias,

L - Concretamente foi decidido o seguinte “Atento o teor do alegado, aguardando entretanto os autos a pronúncia por parte do Sr. Administrador, determina-se que se tenham por suspensas as diligências de venda.”.

M - Não se entendendo a ora decisão recorrida, fevereiro de 2020 a decisão foi oposta, perante iguais e no mesmo processo,

N - E requerido pela mesma pessoa e ora recorrente,

O - Portanto, em 28 de fevereiro de 2020 foi por requerimento da ora requerente e recorrente que foi decidido suspender as diligencias de venda do imóvel,

P - Em 18 de janeiro de 2024, após requerimento da mesma requerente foi suscitado a suspensão das diligencias de liquidação , nomeadamente a venda do imóvel, por existirem fundamentos fortes e suscetíveis de ferir direitos e garantias de terceiro,

Q - Nomeadamente do possuidor do imóvel e com proprietários,

R – Estamos perante caso julgado formal,

S - Mais uma vez não se entende o que se passa neste processo,

T - Perante situações iguais decisões opostas,

U - Sempre que haja detentor ou possuidor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na acção, e exibir algum título de gozo legítimo do prédio, emanado do insolvente, deve existir uma decisão do Juiz que determine a suspensão,

V - Assim como, e com fundamentos deve suspender as diligências sempre que exista qualquer título de cessão de posição contratual emanado do insolvente,

X - Confrontado o juiz com terceira pessoa na detenção do bem a entregar, ou com documento válido trata-se de situações de suspensão da instância, que vem regulada nos artigos 269.º e segs. do Código de Processo Civil(“CPC”).

Z - Afigura-se primordial e correto o acolher deste entendimento, pois está em causa uma situação suscetível de ferir direitos e garantias de terceiros de boa fé, provocada por decisões que foram adotadas de forma antagónica,

AA - A Lei é clara assim como, a Jurisprudência existente,

BB - Pelo que, se solicita a suspensão de qualquer diligencia de liquidação ou venda do imóvel,

CC - Pois perante a decisão aqui recorrida a ora recorrente fica privada de exercer os seus direitos, nomeadamente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Nesta sequência, foi proferido pelo Juiz Desembargador relator o seguinte despacho de não recebimento do recurso:

“A interveniente BB veio interpor recurso de revista do acórdão proferido nestes autos que julgou a apelação improcedente e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Questão que, naturalmente, se coloca é a de saber se se mostram reunidos os pressupostos que a lei adjetiva estabelece para a admissibilidade da aludida pretensão recursória.

Nesta matéria rege o artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que «[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos». Por seu turno, preceitua o n.º 2, do mesmo normativo, que «[o]s acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme».

Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa, nem pôs termo ao processo absolvendo da instância o réu ou algum dos réus.

Significa isto, pois, que o aresto que se pretende impugnar com a revista não cabe na previsão normativa do transcrito n.º 1 do artigo 671.º, não cabendo, outrossim, no âmbito das alíneas a) e b) do seu n.º 2, quer porque não se trata de caso em que o recurso é sempre admissível, quer porque a recorrente não alega que o acórdão esteja em oposição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Como assim, por não se verificarem os pertinentes pressupostos, não se admite o recurso de revista interposto pela interveniente BB.

Custas do incidente pela recorrente, que se fixam no mínimo, atenta a sua simplicidade, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia”.

Reclamou então o ora recorrente ao abrigo do artigo 643º do Código de Processo Civil, o que fez nos seguintes termos:

A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista,

B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei.

C – Segundo o artigo 629º nº 2 do C.P.C. Independentemente do valor da causa e da sucumbencia, é sempre admissível recurso,

D - Ainda nesta matéria rege o artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo,

E – O douto despacho singular pronunciou-se sobre a questão da (in)admissibilidade processual de tal invocação,

F – Ora, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo,

G - Significa isto, pois, que o aresto que se pretende impugnar com a revista cabe na previsão normativa já referida anteriormente,

H – Pelo que, foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real sobre o imóvel,

I – Ferindo assim, direitos e garantias estipulados pela Lei, devido a existência do direito real de garantia sobre o imóvel,

J – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação,

L – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, esmo com registo anterior,

M – Uma excepção à hierarquia dos credores, e ao principio da prioridade de registo,

N - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal,

O – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção.

P - – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo,

Q - A ora recorrente pretende uma pronuncia sobre a questão da admissão processual do recurso,

R - Pretende, que o tribunal cumpra a lei e proteja os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel,

S – Por existência de direito real,

T– E sendo uma questão fundamental de direito,

U – Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça,

V – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso.

Apreciando do mérito da presente reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil:

Afigura-se-nos evidente que uma decisão que indefere a pretendia suspensão de diligência levadas a cabo no âmbito do incidente de liquidação apenso ao processo de insolvência não pode nunca constituir uma decisão final nos termos e para os efeitos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.

De resto, com tal indeferimento, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o processo prossegue os seus ulteriores termos (não terminando, por conseguinte).

Logo, como bem se salienta na decisão reclamada – que nenhum reparo nos merece - não há decisão de mérito sobre o fundo da causa nem a mesma coloca, de modo algum, termo ao processado, como é óbvio.

Indefere-se, portanto, a reclamação.

O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

Pelo exposto:

Indefere-se a reclamação apresentada.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”.

Reclamou a Reclamante/Recorrente para a Conferência com os seguintes fundamentos:

A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista,

B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei.

C – O artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo,

D – A decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo,

E – Com a entrega do bem imóvel, o interessado realiza o pagamento,

F - Pondo termo ao processo de liquidaçao,

G - Foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real de garantia sobre o imóvel,

H – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação,

I – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, esmo com registo anterior,

J - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal,

L – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção,

M – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo,

N - A ora recorrente não pode ser prejudicada,

O - O tribunal deve cumprir a lei e proteger os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel,

P – Por existência de direitos reais,

Q– E sendo uma questão fundamental de direito,

R – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso.

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste obviamente razão à reclamante.

Das razões desenvolvidas na decisão singular resulta, de forma clara e insofismável, que a lei não prevê a admissibilidade da revista na situação sub judice.

De resto, na presente reclamação para a Conferência limitou-se a recorrente a repetir, sem qualquer novidade, tudo o que já antes havia referido.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que desatendeu a pretendida admissibilidade do recurso de revista.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 25 de Março 2025.

Luís Espírito Santo (Relator)

Luís Correia de Mendonça

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.